Finalizada em: 03/12/2017

Capítulo Único


Não sabia há quanto tempo estava deitado encarando o teto, imerso em memórias que o afligiam desesperadamente. Mas a dança sincronizada de sombras que o pequeno lustre oferecia toda vez que a luz estava acesa era uma distração agradável, mesmo que inconveniente.
Jimin suspirou, sua respiração sendo o único barulho soando pelo quarto estranhamente vazio, revirando-se em sua cama para encontrar uma posição mais confortável. Desistiu após alguns momentos ao perceber que tentar dormir agora seria inútil, não com claridade da lâmpada e muito menos com as lembranças que insistiam em aparecer como flashes de um filme de época diante de sua retina.
Conseguia se lembrar perfeitamente do primeiro dia em que o viu, com toda a glória que um garoto de quinze anos poderia ter. Ainda tímido, o corte de cabelo de coco escondido em um boné de aba reta vermelho e roupas largas demais para seu corpo miúdo. Não sabia ao certo se foi o jeito em que seus lábios se abriram em um sorriso meigo e os dentes da frente, proeminentes, apareceram sutilmente o deixando com uma aparência ainda mais juvenil e surpreendentemente parecido com um coelho. Ou, talvez, se foi como sua voz – grossa, para um garoto de sua idade, ecoou como uma canção distante ao se apresentar aquele dia (“Jeon Jungkook. Muito prazer!”), fazendo seu coração disparar, as palmas de suas mãos suaram e seu corpo inteiro estremecer.
Bufou, esfregando o rosto no travesseiro a fim de apagar as lembranças que não o deixavam em paz nem por um segundo. Era um tormento pensar em Jeon Jungkook e em todos os momentos em que passaram juntos desde aquele fatídico em que se conheceram.
Jungkook não era mais um garoto magricela de canelas finas e sorriso tímido. Claro, ainda esboçava os traços de anos atrás, mas, ao invés de roupas esportivas dois números maiores e tênis de basquete, seu corpo preenchia perfeitamente as linhas das camisetas brancas, calças jeans rasgadas no joelho e seus pares favoritos de Timberlands. As espinhas ainda o visitavam de vez em quando, mas era um detalhe mínimo comparado ao fato de que Jungkook havia se tornado um homem e crescia cada dia mais dentro do coração de Jimin.
Impossível dizer quando foi que Jimin finalmente percebeu a ânsia na parede do estômago toda vez que Jungkook aparecia em sua frente ou o jeito como suas pernas bambas tremiam quando seus olhares se encontravam e Jungkook simplesmente sorria, como se aquele simples ato não fosse a razão das noites mal-dormidas do mais velho. Como se isso não destruísse, lenta e vagarosamente, Jimin por inteiro, pedaço por pedaço.
E ainda que Jimin resistisse em admitir que os olhares significassem muito mais do que deveriam, ou que o jeito como Jungkook buscava formas surreais de fazê-lo sorrir e até sua insolência ao se opor em usar honoríficos ao chamá-lo de “Jiminie”, não o afetava de alguma maneira, ele sabia.
Talvez ele sempre soubesse, mas viver na mentira era muito mais fácil do que encarar a realidade: estava perdida e completamente apaixonado por Jeon Jungkook.
A revelação foi suficiente para fazer com que Jimin se retraísse em seu próprio mundo. Mais uma vez preso em uma luta constante com seu inconsciente, afinal, ele não poderia gostar de garotos. O que a sua família diria se soubesse? Seus fãs? Seus amigos?

O que Jungkook diria?

Tinha plena ciência de que seus sentimentos jamais deveriam ser revelados, tanto por medo da rejeição que expô-los implicava e também porque não queria, de forma alguma, transformar sua sexualidade em um problema.
Esconder suas emoções era ainda mais difícil quando acordava no meio da noite apenas para encontrar um Jeon Jungkook aninhado em seu peito, o cheiro de hidratante e sabonete inebriantes de encontro com seu olfato, muitas vezes suficiente para fazê-lo soltar um gemido fraco e involuntário, apenas para se arrepender segundos depois ao ver o corpo do mais novo reagir ao barulho. Jungkook permanecia quieto, calmo e tão, tão lindo à fraca luz do abajur e doía, muito, virar para o outro lado e fingir que aquilo não passava de um sonho – majestoso e ironicamente poético, e doía ainda mais, abrir os olhos na manhã seguinte e deparar-se com o vazio, a fragrância dos produtos que Jungkook insistia em passar em sua pele antes de dormir impregnados em suas roupas de cama, a única prova (e lembrete) de que aquilo era real.

(— Por que você insiste em dormir na minha cama, Jungkookie?”
— É mais confortável, quente e lembra meu quarto em casa.)

Jeon Jungkook era um grande filho da puta que o confundia todos os segundos de cada dia por quase cinco anos. E apesar de sentir o rubor subir às bochechas quando Jungkook insistia em falar essas coisas e uma sensação calmante envolvendo seu peito, Jimin preferiria que essas palavras não saíssem da boca do mais novo. Era mais fácil lidar com a dor sem a estupidez da ilusão.
Sinceramente, estava cansado. Cansado das mentiras que contava tanto para si quanto para os outros, um teatro muito bem ensaiado com um sorriso falso todas as vezes que alguém perguntava se estava tudo bem, com fome ou se tinha algo errado. Estava cansado de dizer que sim, que não deveriam se preocupar e que realmente, só estava cansado.
E a única pessoa de quem gostaria de ouvir tais perguntas preocupadas em um tom gentil, mas reconfortante, nem sempre o fazia. E não era culpa de Jungkook, Jimin entendia isso perfeitamente, afinal, por que ele deveria segui-lo até o quarto quando se retirava da mesa do jantar, sem ao menos tocar na comida, ignorando os olhares furtivos de seus hyungs e questões que nem ele sabia como responder?
Estava excessivamente cansado de sofrer por alguém inalcançável. Jimin suspirou mais uma vez, levantando preguiçosamente apenas para apagar a luz e refazer o caminho até a cama.
Não foi capaz de evitar que as lágrimas enchessem seus olhos e dormiu ainda com o rosto molhado. Naquela noite, exausto demais para sequer murmurar o nome de Jungkook entre sôfregos, Jimin não sonhou.



Tempo é irrelevante quando você está enjaulado em si mesmo, sem saber como escapar das algemas fantasmas que te prendem na sala escura que é a sua própria mente. Para Jimin, a liberdade estava cada vez mais distante.
— Jimin, você está escutando? — ouviu Namjoon dizer. Ele o olhava com uma expressão preocupada no rosto, as sobrancelhas erguidas e os lábios retorcidos.
— Huh? — Jimin piscou algumas vezes antes de voltar à realidade. — Me desculpe, o que você disse?
— Eu perguntei se você já tem um esboço da letra da sua música.
— Ah, — Jimin se ajeitou na cadeira. A música, claro. — Mais ou menos?
Namjoon suspirou, passando os dedos longos pelo cabelo. Parecia cansado, mas Jimin não soube dizer ao certo. Jimin não sabia mais de muitas coisas.
— Olha, eu não quero te pressionar em falar algo que não queira, mas eu estou aqui se precisar conversar. Você sabe disso, não sabe? — Namjoon perguntou, um sorriso fraco em seus lábios.
— Eu sei, hyung. Eu só estava distraído, não tem com o que se preocupar. — Jimin mentiu mais uma vez. Talvez se ele continuasse repetindo que está tudo bem, eventualmente sim, tudo ficaria bem.
— Okay. Só queria que soubesse que estou aqui, independente do que for. E eu tenho certeza que os outros caras também estão.
Jimin queria chorar. Se não fosse suficiente ter que suprimir essa maré sufocante de sofrimento em seu peito, era ainda pior ver a preocupação que a sua infelicidade causava em seus melhores amigos. Sua família.
Engoliu a amargura e respondeu com um singelo “obrigado”. Namjoon acenou com a cabeça, desistindo antes mesmo de começar.
— O prazo termina semana que vem. Caso precise de ajuda, você sabe, com a letra e tudo mais…
— Joon-hyung. — havia súplica no olhar de Jimin.
— Tudo bem. — Namjoon suspirou fundo e virou-se para a porta. Antes de sair, ele olhou para Jimin, o mesmo sorriso fraco estampado em sua boca.
Só soube dizer que Namjoon não estava mais no cômodo pelo barulho da fechadura, pois no minuto seguinte, as lágrimas já escorriam incessantemente por suas bochechas, embaçando sua visão.
Jimin apoiou os cotovelos nos joelhos, as mãos cobrindo os olhos enquanto suas lamúrias lhe escapavam com facilidade. Estava mais do que acostumado com o choro, uma presença agora constante em seu dia-a-dia.
Com tantas coisas na cabeça, já havia se esquecido do comeback iminente, da produção do próximo álbum, e principalmente, da música que deveria escrever.
Tentou enxugar as gotas que caíam lentamente com os dedos trêmulos e lembrou-se do pequeno caderno cheio de folhas em branco em seu quarto e de todas as vezes em que prometeu que escreveria algumas notas, frases, qualquer coisa e nunca o fez, ocupado demais se lamentando por uma paixão não correspondida para se preocupar com a sua carreira. Seria cômico se não fosse tão trágico.
Uma semana.
Tempo, tempo, tempo. Só uma questão de tempo. Jimin fungou, olhando ao redor e decidiu se levantar, afinal, sua música não ia ser escrita sozinha.



O farfalhar das folhas ao serem amassadas e furiosamente jogadas ao chão era estranhamente reconfortante naquela madrugada. O desperdício era um tanto absurdo, mas necessário. Foram horas e horas sem descanso até que Jimin finalmente pudesse olhar para as folhas em seu colo com um fraco sentimento de orgulho; a caligrafia tosca, porém nítida, apesar da velocidade com a qual escrevera os versos que agora lia repetidamente.

Caught in a lie
Find the me that was innocent
I can’t free myself from this lie
Give me back my laughter


Dizem que a dor alimenta a inspiração e foi sua dor que Jimin colocou em cada palavra. Preso em uma mentira. Poético, até.
Jimin deixou a caneta de lado, alongando os dedos rígidos. Suspirou, levando as mãos às têmporas e massageando a região. Releu mais uma vez o esboço antes de se declarar satisfeito, um sorriso de lado gentilmente cobrindo os lábios enquanto procurava o laptop em algum canto do quarto.
Digitou rapidamente e tentou ao máximo controlar o barulho das teclas – Hoseok resmungou de sua cama, virando-se contra a parede e se escondendo em um casulo junto aos seus cobertores.
A resposta de Namjoon foi quase imediata após clicar em “enviar”, mesmo que o relógio no canto da tela indicasse que já eram pouco mais do que três da manhã. Não havia nada além de elogios da parte de Namjoon e Jimin deixou-se, só por aquele momento, desfrutar e sentir-se bem consigo mesmo, embora sua composição dissesse e mostrasse totalmente o contrário.

Caught in a lie
Take me out of his hell
I can’t free myself from this pain
Save the me who’s being punished

Fechou o laptop, o depositando em cima da mesa de cabeceira; o cansaço incontestável se instalando em seu corpo e em suas pálpebras pesadas. Tardou em levantar da cama para trocar de roupa e voltar para debaixo do calor de seus lençóis. Estava frio em Seoul, muito frio e ao abraçar o próprio peito em busca de conforto e abrigo contra a brisa gélida que insistia em adentrar o quarto pelo vão da janela, desejou que Jungkook estivesse ali.
Imaginou a cena perfeitamente em sua cabeça: o jeito como Jungkook afundaria o nariz em seu pescoço ao enlaçar seus braços ao redor da cintura de Jimin e como ele zombaria do fato de que a pele de Jungkook é muito, muito quente e até tentaria chutá-lo para fora da cama. Jungkook apenas ignoraria, é claro, intensificando o aperto de seus braços contra o corpo de Jimin.
Os roncos baixos de Hoseok o trouxeram de volta antes que pudesse se afundar ainda mais em sua fantasia. Queria poder esquecer, queria poder se livrar da angústia e da dor. Queria não sentir mais nada, uma concha vazia e uma sombra do Jimin que costumava ser. Queria, também, talvez mais do que tudo, ser salvo.
Fechou os olhos, rendendo-se ao sono. Jimin não sabia se queria se salvar de si mesmo ou de um certo garoto de cabelos castanhos e dentes de coelho.



Havia certa fluidez no modo com que dançava. Poesia em forma de dança e versos substituídos com passos tão intensos quanto o véu negro que envolvia o céu de Seoul.
Jimin sentia seu corpo flutuar junto à melodia, os ossos leves e incrivelmente maleáveis enquanto girava e se contorcia.
Com a sua música ecoando pelas caixas de som do estúdio vazio exceto pelo seu corpo arfante, Jimin colocou todo seu desespero no jeito em que seu corpo se movia junto à música, nas palavras que já sabia de cor e acabaram se tornando trilha sonora da sua miséria.
Após semanas de um logo processo de produção, Lie estava pronta e Jimin poderia admitir, até mesmo para sua mente desproporcionalmente destruída e cansada de que havia feito um bom trabalho. Trabalho no qual não tinha descanso, pois os movimentos ricos e cheios de sentimento que cada parte do seu corpo desenvolvia em frente ao espelho eram apenas o reflexo disso.
Poderia ter ficado horas afinco em seu treino, as gotas de suor pingando das pontas de seu cabelo inevitavelmente encharcado e ouvindo o som de sua respiração pesada contrastar com a batida da música que envolvia todo o ambiente. Estava estranhamente livre para mostrar tudo o que não conseguia dizer, mesmo que fosse para uma platéia de um homem só.
Não fosse pelo par de olhos que o assombrava durante suas noites mal dormidas e que carregavam consigo toda a certeza que Jimin jamais ousou em aceitar, focados especialmente nele.
Jungkook estava encostado no batente da porta, os ombros relaxados e braços cruzados enquanto o observava com uma expressão indecifrável no rosto.
Jimin engoliu em seco, secando o suor da testa com o braço e caminhando até o celular para desligar a música. Jungkook continuou parado.
— O que você está fazendo aqui? — depois de um longo tempo em silêncio, Jimin perguntou com a voz firme, tentando manter o controle de suas ações, mas só o fato de ter que dividir o ar com Jungkook o deixava nervoso a ponto de sentir as pernas tremerem.
— Já está tarde, hyung. — Jungkook respondeu, descruzando os braços e entrando na sala. A cada passo que Jungkook dava em sua direção, Jimin podia ouvir as batidas incessantes do seu coração dentro do peito e desejou mentalmente que Jungkook não fosse capaz de ouvi-lo também.
— Eu sei, mas isso não responde a minha pergunta.
Jungkook parou em sua frente e sorriu.
— Respondi sim. Eu disse “já está tarde, hyung”, então eu vim te buscar.
— Eu acho que posso perfeitamente voltar para casa sozinho, Jungkookie.
— Não foi isso que eu quis dizer, hyung. — seu tom de voz era gentil, apesar da clara preocupação em seu olhar.
Ao invés de responder, Jimin se contentou em morder o lábio inferior e redirecionou sua atenção para a toalha que havia pegado em sua bolsa para se secar, brincando com o tecido entre os dedos, incerto, o foco em seus sapatos de dança para não ter que encarar Jungkook.
O mais novo suspirou e deu mais um passo, o espaço entre os dois cada vez menor. Jimin podia sentir o cheiro suave da fragrância exalando de Jungkook, o cheirinho de banho e conforto que gostava tanto. Seu coração apertou. Droga.
Jungkook parou a uma distância considerável e Jimin soltou o ar que não sabia que estava segurando.
— Hyung… — o mais novo chamou e Jimin continuou a torcer a toalha em sua mão. — Fala comigo, por favor.
Se Jimin não conhecesse Jungkook, ele diria que havia algo como súplica em seu tom de voz. Não sabia o que era pior: ter Jungkook tão perto, mas tão longe ou Jungkook pedindo algo impossível. Falar o que quando nem Jimin sabia o que dizer?
— Acho melhor irmos embora. — Jimin disse, a voz baixa e já girando em seus tornozelos para pegar suas coisas e sair dali o quanto antes.
— Eu ouvi sua música.
Foi tudo o que precisou para Jimin levantar a cabeça e deixar seus olhos se afogarem no mar negro brilhante e contrastante das íris de Jungkook. Abriu a boca, mas nenhum som saiu dela, as palavras engasgadas em sua garganta. Por favor, por favor, que ele não tenha entendido o significado da música, por favor.
— Por que você não me disse que se sentia assim?
Talvez Jimin até quisesse, oras, sonhasse, que Jungkook o perguntasse sobre seus sentimentos, mas agora, Jimin gostaria que Jungkook não falasse nada. Não estava pronto para admitir a verdade.
— Não sei do que você está falando, Jungkookie. É só uma música. — Jimin tentou sorrir e deu um leve tapa no ombro de Jungkook, claramente em busca de uma forma de mudar de assunto, contornar a situação e deixar a pergunta morrer ali.
Jungkook não pareceu convencido.
— Você parece estar acostumado em mentir sobre muitas coisas agora, não é, hyung? — apesar das sobrancelhas arqueadas de Jungkook mostrarem que o mais novo estava apenas demonstrando solicitude, Jimin absorveu as palavras e pôde senti-las intrinsecamente, rasgando tudo ao seu redor.
— Jungkook, e–eu… Por favor, só vamos embora, okay? — Jimin quase implorou. Ele sabia que se Jungkook insistisse, ele sucumbiria e não teria porque nem como segurar as lágrimas. Jimin estava cansado de chorar, de mentir, de se sentir um estorvo. Estava cansado de estar cansado.
— Hyung. — Jungkook deu mais alguns passos em sua direção, a distância agora praticamente nula, próximos de tal maneira que Jimin podia sentir a respiração quente do mais novo contra sua pele. Fechou os olhos e suspirou, esperando. — Você não precisa falar nada se não quiser, mas eu gostaria que me escutasse, então.
— O que você quer dizer, Jungkookie? — Jimin sussurrou. Queria se mexer, sair da intensa bolha e do clima pesado que os envolvia, mas não conseguiu.
— Você escutou a minha música? — perguntou, os lábios se retorcendo no sorriso tímido que Jimin jurava ser a coisa mais linda que já vira em toda sua vida. Ele estava certo.
Jimin acenou com a cabeça e Jungkook levou uma de suas mãos até seu rosto, as pontas de seus dedos longos traçando um caminho reconfortante na pele de suas bochechas agora levemente ruborizadas. O toque em si foi suficiente para fazer Jimin se render às carícias.
— Você entendeu o que ela significa?
— Claro que sim. A música é sobre a gente, não é? O Bangtan?
— Em parte. — Jungkook estava tão, tão perto, seu cheiro inebriante controlando todos os sentidos de Jimin. Seus dedos mudaram de caminho, agora focados exclusivamente nos fios de sua franja. Jimin quase, quase, acreditou que aquilo poderia significar mais, muito mais.
— Jungkook, sério, o que você quer dizer com isso?
— Hyung… Por favor, só ouça a música de novo. — Jimin procurou nos olhos de Jungkook uma resposta, mas só encontrou mais questionamentos. Maknae idiota.
Tão de surpresa os toques em sua pele começaram como tão rápidos terminaram. Jungkook se afastou, dando alguns passos para trás.
Ele estendeu a mão para Jimin, um claro convite para que ele a pegasse. Jimin ponderou alguns minutos, embora soubesse que se renderia no final. Ele hesitou, mas logo suas mãos se encontraram. A palma de Jungkook estava quente e Jimin se surpreendeu com a velocidade com que seu corpo inteiro se esquentou com o contato.
— Vem, vamos para casa.



O caminho para o dormitório foi como o esperado: desconfortável e silencioso, mas nenhum dos dois fez menção de mudar isso em momento algum, apesar da proximidade de Jungkook ao andarem juntos, suas mãos quase se encontrando no processo. Jimin podia sentir a eletricidade perpassando por suas veias quando as costas de sua mão, de fato, encontravam-se com a de Jungkook toda vez que um dos dois dava um passo em falso. Jungkook nem sempre se afastava, deixando o toque acontecer, continuar.
Jimin decidiu não pensar sobre isso. Não adiantaria nada se sobrecarregar com mais uma dúvida.
O silêncio só foi quebrado quando chegaram em casa, a sala vibrando com conversa e risadas. Jimin ansiava por um pouco dessa felicidade, também. A invejava, até.
— Jiminie! — Taehyung gritou do outro lado da sala. Era impressionante como a voz rouca de Taehyung afinava quando estava animado.
— Oi, Tae. — respondeu com um sorriso genuíno no rosto.
— Como foi o treino? Quer tomar soju com a gente?
— Ah, Tae, foi bem cansativo. Acho que vou só tomar banho e ir deitar. — Jimin disse, o rosto inteiro vermelho com a atenção desnecessária que Taehyung havia atraído para si. Todos o olhavam agora.
— Tudo bem, Jiminie, mas você tem que prometer que vai beber com a gente outro dia, okay?
— Okay. — murmurou, tirando os sapatos e deixando-os perto da porta. Jimin quase se esqueceu da presença constante de Jungkook ao seu lado.
A conversa foi retomada em um instante e Jimin se retirou com uma reverência rápida. Precisava mesmo de um banho e quem sabe embaixo da água fervente conseguisse entender os acontecimentos da última hora.
Estava com os dedos ao redor da maçaneta quando sentiu o aperto em seu braço. Virou a cabeça e viu Jungkook parado atrás de si, aquele sorriso tímido estampado em seus lábios.
— O que foi, Jungkookie? Aconteceu alguma coisa? Hyung realmente precisa tomar um banho.
— Não, eu… Eu queria saber se você vai ouvir minha música de novo?
Jungkook era pelo menos alguns centímetros mais alto do que Jimin, mas, naquele instante, na luz fraca do corredor, Jungkook parecia pequeno, frágil. Uma sombra do garoto de quinze anos que roubou seu coração instantaneamente.
— Vou, Jungkookie.
— Promete?
— Jungkook…
— Por favor?
Jimin suspirou, derrotado.
— Prometo.
O sorriso de Jungkook cresceu, deixando os dentes da frente aparentes. A semelhança com um coelho sempre conseguia arrancar uma risada de Jimin. Não naquela noite.
Jungkook assentiu e se afastou, deixando Jimin sozinho.
Jimin se enganou ao acreditar que conseguiria compreender alguma coisa ou até mesmo esquecer os acontecimentos recentes ao entrar no chuveiro. Sua mente parecia um grande emaranhado de equações mal resolvidas.
Quando deitou em sua cama, a primeira coisa que fez foi procurar em seu e-mail a demo que Namjoon havia enviado há algumas semanas. Jungkook foi bem claro em pedir que Jimin, de todo mundo, a escutasse novamente. Que a entendesse.
Colocou os fones de ouvido e apertou play.

I can’t stand you crying
I want to cry instead
Al though I can’t


Chegava a ser engraçado o quão Jungkook a música, de fato, era. O mais novo de todos e sempre o mais brincalhão, mas também o mais sensível, o mais vulnerável. Ou talvez Jimin conhecesse Jungkook mais do que ninguém, apesar da fachada fria e muitas vezes impenetrável para conseguir ver Jungkook por inteiro na letra da música.

I feel like I’m going to die when hyung is sad
When hyung is in pain, it hurts more than when I’m in pain


Talvez… Não, bobagem. Claramente a música era sobre todos eles, como uma família, certo? Não poderia ser sobre ele ou o relacionamento deles. Talvez…

You make me begin
You made me again


Jimin não queria se iludir (mais), não queria criar expectativas inalcançáveis e que provavelmente só acabariam em mais sofrimento. Já estava nadando sem rumo em sua desgraça, não precisava de mais motivos para se afogar. Mas a música… Jungkook…
Deixou o celular de lado junto com os fones e levantou da cama, pronto para buscar algumas respostas, mesmo que seu coração fosse dilacerado no processo. Jimin saiu do quarto com passos largos e silenciosamente espiou a sala para checar se Jungkook estava ali.
Jimin respirou aliviado ao perceber que não havia sinal algum de Jungkook e que o garoto possivelmente estaria em seu quarto.
Isso é uma péssima ideia, Jimin repetia em sua cabeça quando parou em frente à porta do mais novo. Engoliu o nó na garganta e bateu uma, duas vezes. Jungkook resmungou um “pode entrar” e Jimin assim o fez.
Para sua surpresa, o quarto estava totalmente escuro, não fosse pela luz do corredor vindo da porta aberta. Jimin olhou ao redor e percebeu que Jungkook já estava na cama, deitado de peito para cima e encarando o teto.
Nenhum dos dois se pronunciou pelo que parecia uma eternidade para Jimin. Suspirou, piscando rapidamente, o desgaste emocional mais uma vez se esgueirando em seu interior e fechou a porta atrás de si; a escuridão tomando conta do cômodo familiar.
— Jimin? — a falta de formalidade com que Jungkook às vezes se referia a ele o deixava furioso, mas dessa vez, Jimin aceitou de bom grado.
Sabia de cor o caminho até a cama de Jungkook, um fato que o corroía. Jungkook estava a sua espera, o cobertor levantado e um espaço vazio reservado ao seu lado para o corpo de Jimin.
Deitou-se sem dizer uma palavra, apenas deixando se envolver no calor humano provido pelos braços de Jungkook que agora seguravam sua cintura e o puxavam para mais perto.
Como sentira falta disso, da sensação de ter Jungkook, nem que fosse só por uma noite. Impossível não notar a ironia, uma vez que Jimin se martirizava justamente por todas as vezes que Jungkook encontrou refúgio em sua cama, em seus braços, e agora, Jimin fazia o mesmo.
Jimin apertou-se contra o peito de Jungkook, seu rosto inevitavelmente afundando na curvatura de seu pescoço graças à diferença entre seus tamanhos e outrora Jungkook teria feito alguma piada boba sobre sua altura e Jimin teria feito bico apenas para ver o mais novo se derretendo em desculpas sinceras.
— Você ouviu a música? — Jungkook sussurrou em seu ouvido, sua respiração morna contra a pele de Jimin fez o corpo do mais velho estremecer.
— Ouvi.
Não conseguia ver a expressão de Jungkook, mas Jimin tinha certeza de que o mais novo estava sorrindo.
— E então? — ele parecia hesitante, esperançoso.
Jimin não sabia como responder. Não sabia nem porque estava ali, só sabia que precisava fazer alguma coisa para mudar, para melhorar.
E talvez fosse o jeito como Jungkook acariciava seus ombros e o jeito como Jimin sentiu mais felicidade tendo o mais novo em seus braços do que havia sentido há muito, muito tempo, que Jimin reuniu toda a coragem que podia para, ao menos, tentar.
— Jungkook, eu não quero mais mentir.
Jungkook sussurrou algo como “eu sei”, porém sua voz saiu tão baixa que Jimin não soube ao certo dizer. Mesmo assim, ele continuou.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Além dessa? — Jungkook murmurou e Jimin riu, finalmente riu.
— Deixe de ser idiota, estou falando sério.
— Hyung.
Jimin levantou o rosto, sua retina já completamente acostumada com a escuridão. Jungkook o encarava, aquele sorriso tímido maldito que o enfraquecia, novamente em seus lábios.
Era tudo ou nada.
— Eu posso te beijar?
Jungkook arregalou os olhos e a vontade crescente de beijá-lo apenas se intensificou. Independentemente das luzes apagadas, Jimin podia ver Jungkook umedecendo os lábios antes de morder o inferior. Jimin sorriu.
— Achei que nunca fosse pedir.
Começou lento, como uma descoberta. A boca de Jungkook era macia contra a sua e resistir ao pedido de entrada parecia irrelevante. Suas línguas se encontraram no instante que Jimin deu acesso a Jungkook, o gosto do mais novo se espalhando e dominando tudo ao seu redor. Uma mistura de menta da pasta de dente com uma doçura que Jimin não soube identificar, possivelmente o gosto natural de Jungkook e Deus, como era bom. Jimin poderia morrer ali, entregue aos beijos intoxicantes de Jungkook, e morreria feliz. Pleno.
As mãos de Jungkook pressionavam sua cintura, as unhas praticamente inexistentes cravando em sua pele ao puxá-lo para mais perto (se isso fosse possível). Jimin não conseguiu conter o gemido que escapou de sua garganta quando o foco de Jungkook passou de explorar o interior de sua boca para sugar lentamente seu lábio inferior, alternando entre selinhos, puxões e mordiscadas.
Não era nada como nos livros ou filmes de romance, era muito melhor. Borboletas no estômago ou fogos de artifícios nenhum se comparavam com a enxurrada de sentimentos que explodiam e dominavam Jimin naquele instante.
Distanciaram-se pelo que parecia horas depois com um selinho estalado, o barulho ecoando no quarto assim como a respiração pesada vindo tanto de Jimin como de Jungkook. Jimin podia ouvir a respiração ofegante de Jungkook junto a sua.
— Isso responde minha pergunta.
— Qual delas?
— Se você entendeu o significado da música.
— E qual é a resposta?
— Você não teria me beijado se não soubesse.
Jimin selou os lábios de Jungkook mais uma vez antes de voltar à sua posição inicial, o nariz encostando na pele quente do pescoço de Jungkook e inalando o cheiro que tanto amava.
As pálpebras de Jimin alternavam entre abrirem e fecharem, entrando e saindo do estado de inconsciente. O silêncio não era desconfortável e antes indesejado, naquele instante era muito bem vindo, contanto que Jimin tivesse Jungkook do seu lado.
— Jungkook? — Jimin sussurrou, seus dedos pequenos acariciando o queixo de Jungkook. O mais novo ronronava a cada toque.
— Huh?
— Eu te amo.
— Eu também, hyung.
Jimin sabia que seus problemas não se resolveriam facilmente com uma declaração de amor, embora a confissão claramente o ajudaria a superar a se recuperar mais rápido.
Afinal, agora Jimin não precisava mais mentir. Sobre si mesmo, sobre sua sexualidade, sobre Jungkook. A jaula invisível que o aprisionava em um mundo horrível se desfazia lentamente e logo, não existiria mais. A tão desejada liberdade para o amor próprio clamava seu nome.
E Jungkook o amava e essa era a única verdade que importava.
Naquela noite, contente demais para sequer pensar no depois e ocupado demais em apreciar o corpo de Jungkook, Jimin enfim sonhou.


Fim.



Nota da autora: Primeiramente, wow. Faz tanto tempo que eu não escrevo pro FFOBs que nem sei mais o que dizer. Enfim, peço desculpas pelo sofrimento que fiz o Jimin passar nessa história, mas no final tudo deu certo, né? Meu eu jikooka falou mais alto e eu tive que transformar as músicas do dois em algo só pra eles, assim como a Gabi provavelmente também fez (porque se você não sabe, Lie se conecta com Begin, então aconselho a lerem Begin também [no caso, primeiro]). Enfim, eu mal escrevo em português hoje em dia, então essafic foi um desafio total pra mim. Espero que tenham gostado. <3
Beijos na orelha,
Cocó.

Curiouscat




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