04. Secret Love Song

Última atualização: 12/08/2017

Capítulo 1

Eu nunca acreditei em casamento. Nunca entendi o motivo pelo qual dois adultos precisam mostrar para o mundo o seu amor, quando na verdade ninguém está nem aí para aquilo. Todo mundo vai para festas de casamento apenas para comer e beber de graça e eventualmente acabar dormindo com algum desconhecido. Os noivos gastam rios de dinheiro só para tirarem fotos magníficas, e no fim lembrarem de que nem viveram aquele dia direito, nervosos demais com a importância daquele tipo de comprometimento e com o evento em si.
“Mas um casamento é muito mais do que a festa”, eu tenho certeza que você vai me dizer. Também nunca acreditei nessa besteira. Tudo bem, vindo de pais separados e de uma família quebrada por causa de uma traição, era de se esperar que um casamento nunca passasse pela minha cabeça. Nunca achei que houvesse amor que pudesse resistir a contas a pagar, filhos chorando, sonhos que nunca poderão ser realizados.
E então eu conheci Hunter.
Hunter, a garota que sentou comigo no terraço de uma festa chata da empresa por horas, dividindo garrafas de cerveja roubadas do outro andar e falando sobre a vida. , para os íntimos, a mulher com o sorriso mais incrível, as histórias mais malucas e o beijo mais envolvente.
A mulher que me fez pensar – meu Deus do céu – que talvez se amarrar para a vida inteira não fosse uma ideia tão ruim assim. E agora eu via, estupidamente linda em seu vestido branco, atravessando a igreja lotada de amigos e familiares.
A mulher dos meus sonhos, e da minha realidade.
Vestida de noiva. Caminhando em direção a outro homem, que a esperava no altar.

Chicago – Dezembro de 2014


O salão de festas do andar mais alto do prédio estava enfeitado com decorações natalinas e um grande logo da empresa em um palco. O lugar estava cheio, afinal era uma das poucas oportunidades que tínhamos de beber às custas do cartão corporativo, item que noventa e oito por cento das pessoas que estavam ali não tinham acesso. Eu estava entre eles.
Sempre me imaginei fazendo algo mais interessante do que trabalhar em uma empresa desenvolvedora de softwares, mas infelizmente minhas intenções de me tornar um astronauta, um jogador de futebol americano ou um astro do rock falharam. Não haviam groupies e nem entradas VIPs para quem trabalha com marketing e TI, mas eu tinha um ótimo salário, que pagava muito bem meus boletos e minhas viagens. Servia, por ora.
- , fiquei sabendo que você vai para o Havaí para o ano novo, é verdade? – Stuart, do departamento de contas, apareceu com seu champanhe e seus quatro canapés amontoados em uma das mãos.
- Vou, sim – sorri, tentando traçar uma rota de fuga daquela conversa.
- Ah, como é bom ter vinte e poucos anos. Se eu tivesse sua idade e essa sua carinha, com certeza estaria por aí com todas as mulheres e viagens – ele riu, balançando sua barriga rechonchuda. – Mas infelizmente sou um homem de família, garoto.
Ninguém te perguntou, Stu, pensei, recordando-me vagamente de ter ouvido que ele traía a esposa... com um cara.
- Aí está você – Jack, provavelmente meu único amigo verdadeiro naquela empresa, apareceu. – Estão precisando de alguém com músculos fortes para carregar caixas de champanhe – ele disse, sério, e eu arqueei uma sobrancelha.
- E o que eu tenho a ver com isso?
- Você tem os músculos – ele sorriu, e eu tentei não rir.
- É verdade – concordei. – Stuart, foi uma ótima conversa, mas preciso ajudar Jack e os outros caras com as caixas de...
- Ah, garoto, se eu tivesse sua força, certamente também ajudaria, mas tive uma hérnia e...
Não me preocupei em escutar o restante da história, me metendo entre as pessoas com Jack em meu encalço, rindo.
- De nada, cara – ele disse, e eu assenti, pegando uma taça de champanhe.
- Era o mínimo que você podia fazer depois de eu tê-lo livrado daquela reunião emergencial de ontem – provoquei, e ele riu, parecendo aliviado.
- Se tem uma coisa que eu vou te dever para a vida é essa história – Jack disse, mas parou de andar quando foi chamado por uma das garotas do RH, Ella, garota essa que ele estava tentando investir há séculos.
- Corre lá – eu fiz um sinal com a cabeça. – Eu vou descobrir onde encontro alguma coisa para beber que não seja champanhe.
- Me deseje sorte – ele disse, arrumando a gravata.
- Boa sorte – respondi, automaticamente, porque sabia que talvez aquela história não tivesse muito futuro. Rolavam rumores no refeitório que Ella já estava saindo com outro cara da empresa, alguém com um cargo muito mais importante que o de Jack, e isso parecia ser um divisor de águas para Ella.
Jamais diria nada a Jack, é claro. Não queria ser a pessoa a quebrar o coração do cara. Esperava, sinceramente, que os rumores fossem mentira.
Caminhei até a cozinha e encontrei onde as bebidas estavam sendo armazenadas. Fucei de um lado para o outro, com uma careta, e quanto vi uma garota de avental aparecer para olhar o que eu estava fazendo, sorri para ela. Ela ficou corada.
- Vocês tem algo para beber que não seja champanhe? Qualquer coisa! – Eu disse, e a garota sorriu largamente.
- Whisky. E tem algumas caixas de cerveja, mas...
- Onde elas estão?
- Elas não são para vocês, são coisa nossas, da organização – ela pareceu sem graça em dizer. – Meu chefe me mataria se o seu chefe visse alguém tomando cerveja em uma festa tão chique.
- A festa nem é tão chique assim – eu ri, depois fiz minha melhor cara de cachorrinho caído da mudança. – Além do mais, eu estava pretendendo beber uma cerveja lá em cima, no terraço. Ninguém precisa saber – me aproximei dela, com um sorriso. – Qual é mesmo o seu nome?
- Jennifer – ela respondeu, prontamente. – Mas pode me chamar de Jen.

Abri a porta de ferro que dava para o terraço e quase me arrependi daquela minha brilhante ideia quando o vento congelante bateu em minha cara, embora não estivesse nevando. Chicago não era conhecida como Cidade dos Ventos por acaso.
Coloquei no chão o engradado de seis garrafinhas de Heineken que Jennifer “Jen” havia me arrumado – ainda que eu tivesse pedido apenas uma – garrafa – e me apressei em pegar minhas luvas no bolso do casaco, afim de não perder a ponta dos dedos.
Liguei as luzes de Natal que haviam por ali e perdi quase dez minutos para descobrir onde que ficava o painel que ligava o aquecedor externo, que não funcionava para quase nada, mas ao menos me manteria minimamente mais confortável. Quando consegui fazê-lo, caminhei até embaixo de um dos aquecedores, abri uma garrafa e acendi um cigarro, observando a cidade lá embaixo.
- Ah, ótimo, você tem um isqueiro – alguém disse atrás de mim e eu dei um pulo, assustado.
- Porra! – Xinguei, assustado, e a garota pareceu de divertir com a situação. Por sorte eu tinha acabado de apoiar a garrafinha no peitoral do terraço, senão nem aquele sorriso dela conseguiria me deixar menos puto.
- Desculpe – ela disse, prendendo o riso, e eu soube, logo ali, que ela não estava realmente arrependida. – Pode me emprestar o isqueiro, por favor?
Entreguei o isqueiro na mão dela, à contragosto, e a encarei de cima a baixo. Ela estava com um casaco cor de vinho e meias de lã pretas por baixo daquelas botas que vão até a coxa. Também estava de luvas – as dela de couro – e um cachecol preto no pescoço, mas não estava de touca. Ela era linda, com seus olhos e os cabelos , e eu fiquei me perguntando por que, diabos, eu nunca tinha a encontrado naquele prédio antes.
- Você fica aqui em cima apenas encurralando quem tem coragem o suficiente para subir e fumar um cigarro? – Perguntei, ainda contrariado devido ao susto, e ela deu de ombros.
- Na verdade, não. Eu derrubei meu isqueiro sem querer – ela fez um sinal mostrando os trinta andares abaixo de nós, e eu fiz uma careta enquanto ela acendia seu cigarro. – Gostaria de agradecer por ter descoberto onde ligar os aquecedores, inclusive. Desisti depois de dois minutos. Obrigada por tornar minha experiência de me matar um pouco a cada ano mais convidativa.
Acabei rindo do mau humor dela, enquanto ela dava alguns pulinhos e praguejava baixo por causa do frio.
- Não há de quê – respondi, com um pouco de delay, mas ela não pareceu se importar.
- Está na festa aqui de baixo? – Ela perguntou, e apesar de eu odiar esse tipo de conversa fiada, não me importei em respondê-la.
- Sim, mas precisei fugir para recobrar a sanidade com um cigarro e cerveja – respondi, e então ela pareceu notar o engradado de cerveja, boquiaberta.
- Meu Deus, aonde você arrumou isso?
- Tenho um contato com a equipe que está fazendo o buffet – sorri, pensando em Jennifer “Jen”, e a garota arqueou uma sobrancelha.
- Está dormindo com alguém do buffet? – Ela perguntou, na lata, e eu franzi a testa.
- Você faz esse tipo de pergunta para qualquer desconhecido ou fui o único premiado?
- Para qualquer desconhecido – ela sorriu, mas havia um tom de provocação em sua voz. – Religiosamente. Gosto de deixar as pessoas desconfortáveis sem razão aparente.
- Parece que alguém aqui não tem muito o que fazer da vida, não é mesmo? – Respondi, sorrindo de volta e usando o mesmo tom dela. A garota riu.
- Você nem me conhece.
- Então você gosta de deixar desconhecidos desconfortáveis, mas não tem uma resposta melhor quando alguém faz o mesmo que você? – Indaguei, me encostando no parapeito. Chacoalhei a cabeça. – Estou decepcionado com você, cara desconhecida. Esperava muito mais.
E então, o inesperado aconteceu. A garota sorriu, verdadeiramente, dessa vez. E eu, tapado que sou, acabei fazendo exatamente o mesmo, incapaz de refrear meus próprios músculos da cara. Ficamos assim pelo que me pareceu tempo demais para ser considerado normal, então eu tossi, olhando para baixo.
- Então, qual o seu nome, rebelde sem causa? – Provoquei e ela riu.
- Se eu te disser, vou ter que te matar.
- Tudo bem, é capaz que essa festa já faça isso, mesmo, acho que vale o risco – disse, e ela gargalhou. – Além do mais, se você me disser seu nome, eu posso pensar em te dar uma cerveja.
Ela me olhou, parecendo finalmente interessada, o que foi quase cômico. Estendeu a mão direita enluvada para mim e eu a segurei.
- – ela sorriu.
- .

- Conseguiu? – deu um pulo, não sei se de frio ou empolgação, quando voltei abri a porta de ferro. Levantei um novo engradado de cerveja e ela deu outro pulo, agora batendo palmas e rindo.
- Você está conversando com o mestre – me gabei, e ela rolou os olhos.
- Por favor, você está enganando a pobre da Jennifer “Jen” – disse e eu ri quando ela chamou Jennifer da mesma maneira do que eu.
- Ei! Você não sabe. Eu posso perfeitamente marcar um encontro com ela.
- Mas vai?
- Ah, cala a boca, pelo amor de Deus – eu disse, mas acabei rindo junto com ela. – Eu marcaria, sim, mas estou com uma viagem marcada para o Havaí e não posso com nada sério agora.
- Um encontro é algo muito sério para você?
- Não sei, é para você?
- Você responde todas as perguntas com outra pergunta? – Ela indagou, parecendo levemente irritada, e eu ri.
- Não, esse é meu jeito de deixar estranhos enxeridos desconfortáveis.
- Que absurdo! Estamos aqui há quase duas horas nesse frio do capeta e você ainda me considera uma estranha enxerida? Que decepção, . Que decepção – ela disse, rindo, e então bebeu um gole de cerveja.
Havia algo em que tornava praticamente impossível não a olhar com curiosidade. Ela era incrivelmente bonita, tinha um senso de humor afiado como uma faca e parecia não se importar em contar histórias completamente aleatórias de sua vida para um completo estranho, que ela só conhecia por nome. Em quase duas horas, como ela havia afirmado, eu tinha descoberto sua inimizade com seus vizinhos da frente – nos quais ela pregava peças semanalmente – até sua viagem no ano anterior também para o Havaí e uma briga que ela teve com uma senhora de oitenta anos em um avião.
Ah, e eu sabia que o nome dela era . Era basicamente aquilo. Era estranho, mas eu não me importava. Suas histórias pareciam roteiros de filme e eu poderia ficar ali tranquilamente ouvindo-a falar e rindo das maluquices que ela já aprontou na vida.
Do meu lado, contei a ela sobre minhas loucuras da faculdade e sobre meu término com minha ex-namorada, que envolveu roupas sendo jogadas da varanda e uma multa astronômica porque uma camiseta caiu no vidro de um carro, que perdeu o controle e bateu em um poste. Aquela festa da empresa tinha se tornado muito mais divertida do que eu podia imaginar, era bem verdade.
- , eu imagino que o capeta não seja um ser que passe frio – eu voltei a falar, e ela riu. – Além do mais, só conversamos sobre assuntos malucos até agora, então não posso tirá-la da categoria estranha, desculpe. Até porque você é um ser humano estranho, não negue.
- Que ofensivo. Se minha bunda não estivesse colada no gelo, você me veria saindo daqui nesse momento, batendo portas e tudo mais – ela disse, bebendo mais um gole de cerveja, depois me encarou, sorrindo. – Que horas são?
- Quase dez – respondi, olhando meu relógio de pulso, e ela arregalou os olhos, pulando em pé em seguida.
- Puta merda, não acredito – ela xingou, afoita.
- Que eu saiba a Cinderela só vira a gata borralheira meia-noite – acrescentei, sem levantar, depois dei uma tragada no cigarro. não riu, como eu esperava.
Ao invés disso, apagou o cigarro na parede e colocou sua garrafinha pela metade junto às outras que já estavam terminadas. Acabei levantando, confuso por sua exasperação repentina.
- O que aconteceu?
- Eu preciso descer para a festa, já estou atrasada e provavelmente já recebi mil ligações, mas meu telefone desligou por causa do frio – ela rolou os olhos.
- Espera. Trabalhamos na mesma empresa? – Perguntei, confuso, e ela foi caminhando até a porta. Resolvi segui-la.
- Não exatamente – falou, puxando a porta de ferro, depois virou para mim. – Você vai ficar aí?
Mostrei o cigarro inacabado, e quando fui falar alguma coisa, ela assentiu.
- Tento voltar depois, então.
E sumiu, correndo escada abaixo.

Desci dois minutos depois de , deixando garrafas de cerveja intocadas no terraço, curioso demais para meu próprio bem. Eu trabalhava há três anos na empresa e nunca tinha a visto – e olha que eu conheço pessoas nos mais diversos setores e circulo em muitos grupos. Até caras com o Stuart, pai de família, sabem quem eu sou.
Meu corpo agradeceu cada segundo no ambiente fechado rapidamente, e eu tinha certeza que meu nariz devia estar parecendo o do Rudolph, mas não tinha tempo para me preocupar com aquilo. Olhei para os lados freneticamente, andei por entre as pessoas e quase esbarrei com Stuart de novo, mas nada. Quando estava prestes a desistir, rolei os olhos ao ouvir a voz do meu chefe vinda do microfone e as palmas que o seguiram.
Continuei procurando-a, sem sucesso.
- ... nada disso seria possível sem vocês – ele disse, no microfone. – 2014 foi um ano espetacular e eu tenho certeza que 2015 será igualmente incrível. Contamos com vocês nessa jornada.
Ela não estava perto do bar. Talvez ela trabalhasse com o buffet esse tempo todo? Será que conhecia Jennifer “Jen”? Comecei a caminhar em direção ao fundo do salão, a fim de entrar na cozinha novamente para checar se estava lá, quando ouvi:
- E, para finalizar, gostaria de apresentá-los à minha filha, que se juntará a nós esse ano, depois de uma temporada de três anos em Londres. Palmas para a minha garota, Hunter!
Virei de frente de uma vez só, esbarrando em um cara qualquer e fazendo seu Whisky respingar em todas as direções. Lá estava ela, , a mesma do terraço, sorrindo ao lado do pai, parecendo absurdamente desconfortável com aquela situação. não era só , a garota que colocava cola na maçaneta dos vizinhos irritantes. era Hunter, herdeira da Hunter Softwares, filha do meu chefe e provavelmente minha futura chefe.
Talvez eu tivesse a olhando tão fixamente que acabei fazendo com que ela me achasse no meio da plateia, e ela mordeu o lábio e abaixou o olhar, pela primeira vez desde que nos conhecemos, parecendo envergonhada. Em seguida, em uma fração de segundo, voltou a sorrir para algo que o pai dizia.

- Esse era um péssimo detalhe para você esconder – falei, assim que abriu a porta do terraço e abraçou os braços pelo frio.
- Você mesmo tinha dito que eu não comentei nada importante da minha vida, acha que seria normal eu falar: “Oi, , sei que nos conhecemos há duas horas, mas sou filha do seu chefe” – retrucou, com a voz afetada. Não gostei daquele tom de voz, instantaneamente.
- Eu te disse que meu chefe era meio bundão, – repeti, irado, e ela prendeu o riso. – Te disse que estava em uma festa de merda organizada pelo meu chefe bundão.
- Eu não discordo. Conheço meu pai – ela falou, e eu rolei os olhos.
- Por favor! Nem comece.
- Não comece o quê? – Ela perguntou, cruzando os braços. – Por algum acaso eu agora sou uma pessoa diferente só por ter o sobrenome Hunter?
- Sim – respondi, francamente, e ficou em silêncio, coisa que não tinha acontecido desde que eu a conheci. – Isso muda tudo.
não disse nada. Na verdade, ela pareceu até sentida com o que eu disse, e eu acabei com um aperto ridículo no peito, como se a culpa fosse minha que aquilo estivesse acontecendo. Fazendo apenas um gesto afirmativo com a cabeça, ela abriu a porta de ferro e foi embora.

Naquela noite da festa de Natal da Hunter Softwares, eu pensei, sinceramente, que minha breve amizade – seja lá o que aquilo fosse – com havia terminado. Mas, para minha surpresa, na segunda-feira de manhã, assim que cheguei ao trabalho, dei de cara com um livro com dicas de moradores locais do Havaí sobre paisagens e restaurantes imperdíveis. Eu ainda estava puto com aquela situação e incerto de que podia confiar em , mas acabei sorrindo e procurando-a no fim da tarde.
E o que era para ser um agradecimento se transformou em um café. E em um barzinho. E em uma hamburgueria 24 horas. Quando dei por mim, eram quatro da manhã em um dia de semana e eu estava chegando em casa, com um sorriso babaca na cara. E aquilo se repetiu, quase todos os dias da semana, até minha curta viagem para o Havaí. Foi quando eu descobri que, por mais que eu tentasse, algo dentro de mim sabia que ficar longe de seria praticamente impossível.

Chicago – Março de 2015


Abri a porta de casa e dei um pulo, quase arremessando o celular na cabeça de , que estava deitada confortavelmente no sofá, com os pés descalços e mexendo no celular com a minha televisão ligada.
- Cacete – xinguei, baixo, e ela riu. – O que você está fazendo aqui? Não, melhor... como você conseguiu uma chave da minha casa?
- Olá para você também, – ela sorriu, sentando no sofá. – Peguei a cópia que você deixa em cima da luminária do lado do elevador, ué. Era uma emergência.
- Que tipo de emergência? – Perguntei, jogando meu casaco na poltrona, ciente de que a resposta provavelmente não seria uma que me agradaria.
- Sua casa estava mais perto, estava trânsito e eu não posso perder a final do The Bachelor – ela sorriu, largamente, e eu rolei os olhos.
Minha amizade com tinha decolado em uma velocidade impressionante. Em uma semana estávamos em bares todos os dias, depois trocando mensagens enquanto eu estava no Havaí e quando dei por mim ela já sabia onde estava a chave reserva do meu apartamento e já conhecia meus vizinhos por nome. Eu não reclamava disso, na verdade. Nunca tive amigos muito próximos desde que me mudei de Boston para Chicago, e tendo morado os três últimos anos em Londres, estava com dificuldade de se reconectar com os amigos antigos que tinha na cidade. Era a somatória perfeita.
Havia, na verdade, só um problema: desde as primeiras semanas, nossa amizade passou a gerar fofocas desnecessárias no trabalho. Eu não podia culpar aquele bando de fofoqueiros da Hunter Softwares, porque na verdade nós nunca tínhamos assuntos muito interessantes para comentar, e a volta da única herdeira da empresa para Chicago gerou um tanto inesperado de atenção. E obviamente, assim que começaram a vê-la circulando por meu andar e me chamando para beber, as pessoas começaram a especular coisas.
E aquilo me deixava terrivelmente puto.
Eu achava linda, gostosa e tudo mais – assim como praticamente todos os caras que a conheciam. Ela tinha um namoro ioiô com um cara que morava em Londres, e atualmente estavam separados, mas isso não mudava muita coisa. Era terminantemente proibido relacionamentos entre funcionários na empresa, imagine então de um mero peão do marketing com a herdeira da coisa toda. Podia ver o Sr. Hunter enfartando apenas com a ideia.
Não que eu já tivesse pensado nisso, é claro. era ótima. Eu não podia me dar ao luxo de perder a amizade dela sendo um babaca, como eu era em praticamente todos os meus demais relacionamentos.
- Eu tenho um encontro – anunciei, me jogando no sofá do lado dela. – Um encontro que eu pretendo que acabe no café da manhã, se é que você me entende. Então seria realmente ótimo se você fosse ver as pessoas “se apaixonarem” na televisão lá no seu apartamento.
- Não entendi as aspas no “se apaixonarem” – ela fez uma careta e pegou uma taça de vinho do chão. – Chris está lá pelas razões certas, ele vai encontrar o amor. Eu acho que ele vai escolher a...
- ! – Ralhei, e ela riu, depois tomou mais um gole do meu vinho.
- Ah, que chatice – ela rolou os olhos. – Quem é a garota?
Hesitei por um instante.
- Você não a conhece – falei, levantando e tirando a camisa em direção ao quarto. me acompanhou, sem ser convidada.
- É claro que eu conheço. Eu ouço você falar incansavelmente sobre todas as mulheres da sua vida – ela disse, apoiando no beiral da porta. – Meu Deus, você devia andar seminu mais vezes – ela disse, olhando para a minha barriga, e eu corei, e caminhei até ela, tirando a taça de vinho de sua mão. – Ei!
- Vá para a sua casa, .
- Não até você me dizer quem é a garota – ela provocou, com um sorrisinho, e eu bufei.
- Aquela garota do bar, de sexta-feira.
arregalou os olhos.
- A garota do Alabama?
- Sim, a Cassidy.
- Eu não gosto dela – declarou, pegando a taça de volta. Rolei os olhos.
- Eu sei.
- Ela tem a voz irritante.
- Você já disse isso – a encarei, e ela mordeu o lábio.
- É seu segundo encontro? – perguntou, e eu apenas assenti com a cabeça, pegando uma camiseta no armário. – Uau. Para quem não costuma sair mais de uma vez com a mesma garota, está saindo com a mesma em menos de uma semana...
- Duas semanas – parei na porta do banheiro. – Aonde você quer chegar, ?
- Nada – ela deu de ombros, tomando o restante do vinho de uma só vez. – Se você não quer minha opinião, eu...
- Você já deu sua opinião! – Falei, um pouco mais alto, e ela me encarou, parecendo chocada com meu tom de voz.
- Ok, então – ela levantou as duas mãos, como quem quer mostrar que não tem culpa de nada. – Vou para a minha casa.
- Obrigado – falei, e quando a vi pegar a bolsa e o casaco, na sala, gritei do corredor. – Te ligo amanhã, pode ser?
- Como quiser – ela respondeu, mas eu sabia que estava sendo sarcástica.

Ugh. Por que aquele encontro estava sendo tão irritante, se quando conheci Cassidy a achei uma garota incrível? Por que, diabos, nada tirava da minha cabeça reclamando da voz da garota, e, pior ainda, por que agora ela estava com a voz tão anasalada?
Sorri, enquanto Cassidy contava uma história da fazenda do seu pai, e tomei um longo gole de vinho. Nenhuma mensagem no celular. Sabia que devia estar puta por eu estar saindo com Cassidy – ainda que a razão por trás disso não fosse muito clara – mas era esquisito não ter nenhuma mensagem sequer dela.
- ... então o porco de estimação do meu irmão, aquele que eu comentei que ele criava desde os quatro anos...
Nada no Twitter? Aquilo não estava normal.
Ainda que não quisesse conversar comigo – não por respeitar meu encontro e sim por estar com raiva da minha cara – ela estaria comentando The Bachelor como faz fielmente todas as semanas. Era a final, por Deus, alguma coisa ali não estava encaixando.
Como por encanto, o celular começou a vibrar, em cima da mesa, e Cassidy parou de falar.
- Desculpe – eu disse, e ela sorriu.
- Fique à vontade.
Levantei e caminhei até a porta do restaurante, vendo que a chuva torrencial do lado de fora não tinha dado muita trégua.
- Hey – falei, tentando parecer casual e não deixar claro que eu estava esperando que ela desse algum sinal de vida. Ouvi um barulho esquisito do outro lado da linha, e arregalei os olhos. – ? ? Está tudo bem?
Houve uma pausa, longa demais para a minha sanidade, até que eu finalmente escutei sua voz.
- Eu bati o carro – ela falou, com a voz trêmula. – Meu carro aquaplanou e eu bati em uma árvore, do outro lado da pista.
- Meu Deus! Você está bem? Onde você está?
- No hospital – respondeu, e então voltou a chorar. – Está tudo bem. Eu não queria atrapalhar, mas o babaca do médico disse que eu só podia sair se alguém viesse, porque eu desmaiei e...
- ! – Gritei, depois abaixei o tom de voz, vendo que duas mesas tinham parado de conversar para ver o que eu estava fazendo. – Aonde você está?
- No Northwestern Memorial.
- Estou indo para aí.

Nunca pensei que pudesse chegar tão rápido no hospital, e embora a chuva ainda pudesse fazer meu carro aquaplanar, eu não estava nem aí. Larguei Cassidy de qualquer jeito no restaurante, com o dinheiro para pagar a conta, e fiz um caminho de meia hora em quinze minutos, aflito até meu último fio de cabelo.
Por sorte, a recepcionista do hospital pareceu notar minha aflição e me disse onde encontrar prontamente, e eu saí do elevador correndo até a ala em que ela estava.
estava sentada na cama, com os pés pendurados para fora – provavelmente incapaz de parar quieta, nem numa circunstância dessas – e eu soltei o ar pela boca assim que a vi, ainda que ela estivesse com um corte enorme na testa.
Abracei-a, sem dizer nada, e ela gemeu.
- Você quer me matar do coração, porra? – Perguntei, e pareceu prender o choro. – Deus, desculpe, eu não...
- Está tudo bem – ela disse, finalmente, mas eu não estava convencido.
- Tem um corte enorme na sua testa – falei, idiotamente, e ela sorriu, ainda com os olhos vermelhos.
- Não é tão grande assim.
- Eu desmaiaria levando os pontos.
- Porque você é um fraco – ela provocou, e então eu acabei sorrindo.
- Você me disse que desmaiou.
- Sim, depois da batida, mas acho que foi de susto – ela confessou, e eu tive que conter meus braços para não abraçá-la de novo, ciente de que ela devia estar toda dolorida. – O médico já fez os exames. Está tudo no lugar aí dentro – ela apontou pra cabeça, e então começou a chorar.
Beijei o topo de sua cabeça e a abracei, sem saber o que fazer.
- Está doendo alguma coisa? – Ela negou com a cabeça. – Vamos lá, , me ajude a te ajudar.
- Está doendo um pouco, sim, mas nada demais – ela disse, fungando, quando eu voltei a encará-la. – Eu não queria fazer você despencar do seu encontro depois de ter dito que achava a garota insuportável, mas eu não esperava bater meu carro, e não tinha ninguém para ligar.
- Ah, cale a boca – rolei os olhos, depois chacoalhei a cabeça. – Não seja ridícula. Eu viria de qualquer jeito.
- Mas...
- Shhhh – a abracei de novo. – Pare de falar por um minuto, mulher. Você quase me matou de preocupação. Foda-se o meu encontro. Eu não gostaria de estar em nenhum lugar.
- Ah, até parece – ela disse, e eu ri.
- É verdade – retruquei, e então olhei para a porta. – Vou procurar seu médico para ver se consigo te levar para casa.
assentiu, mas quando eu estava me aproximando da porta, ouvi sua voz dizer:
- Eu estava com ciúmes.
Girei os calcanhares, com a testa franzida, e a encarei.
- O que você disse?
- Que eu estava com ciúmes de você com a garota do Alabama – ela confessou, com o rosto vermelho, e eu deixei o queixo cair.
Hunter estava com ciúmes. De mim. Com uma garota que eu literalmente mal conhecia. Caminhei de volta até ela, sem saber o que dizer, e ela mordeu o lábio.
- Escute, eu posso estar sob uma dosagem meio alta de remédios para dor, mas se eu não fizer isso agora, não farei mais – disse, subitamente decidida. – Eu odiei vê-lo sair pela segunda vez com aquela garota que eu nem gostei, para começo de conversa. Odiei ver seu interesse nela. Odiei a ideia de pensar em vocês dois tomando café da manhã juntos - ela falou, com a voz afetada, e eu não tinha certeza se meu queixo voltaria algum dia para o lugar. – Achei que você devesse saber.
Pisquei os olhos algumas vezes e engoli em seco.
Eu já tinha me sentido daquela forma, exatamente como ela descrevera, antes. Mais vezes do que gostava de admitir, aliás. Se ela soubesse o tanto de vezes que fiquei irritado com ela falando sobre o ex – que eu achava um puta de um babaca -, com todos os caras que ficavam a xavecando nos bares ou conseguiam levá-la para sair, provavelmente riria da minha cara. Eu me escondia atrás do fato de achar que aqueles caras eram pouco demais para , embora eu não me achasse grande coisa.
Eu nunca havia admitido nada disso em voz alta, obviamente, e ela podia estar falando no alto do vinho e dos remédios para dor, mas meu coração estava ridiculamente acelerado.
ainda me encarava, buscando alguma resposta, quando a peguei de surpresa pela nuca, colando minha boca na dela. A adrenalina do momento não deixou que eu pensasse com coerência. Quando vi, estava segurando-a firmemente pela cintura e estava apertando minhas coxas com as dela, por estar sentada em uma maca de hospital.
beijava com o corpo todo, embrenhando sua mão pelo meu cabelo, e eu senti minha nuca arrepiar com seu beijo e com seu toque. Puxei seu lábio inferior com os dentes, com cada parte do meu corpo implorando para que eu não interrompesse aquele beijo, mas o fiz. A encarei, nossos narizes quase encostados e nossas respirações misturadas, e ela parecia tão chocada quanto eu com o que havia acabado de acontecer.
E então ela sorriu. Assim, do nada, e meu coração, que já estava acelerado, pareceu perder o controle. Fiz o mesmo, completamente confuso, e em seguida estávamos rindo, sem motivo aparente.
- Me leva para casa, por favor? – Ela pediu, com a voz arrastada, e eu assenti.
- Claro – concordei, ajudando-a a levantar, percebendo que ela provavelmente estava com mais dor do que queria transparecer. – Vou cuidar de você.
Ela sorriu, e eu tive certeza absoluta que estava mordendo o lábio para suprimir alguma piadinha sobre o que tinha acabado de acontecer. arqueou uma sobrancelha.
- Podemos ver a final do The Bachelor que eu gravei? – Perguntou, quase rindo, e eu tentei prender o riso, em vão.
- Você é ridícula.
- Podemos? – Ela perguntou, sabendo que eu jamais diria não, e eu rolei os olhos, rindo.
- Excepcionalmente hoje.
- Yes! – Ela deu um gritinho empolgado, e eu a abracei de lado, levando-a para fora do quarto para buscar o tal médico.
Naquele instante, com meu braço ainda arrepiado do beijo e minha cabeça à mil por hora, eu só queria saber se aquilo aconteceria de novo. Queria saber se, em algum momento, teria outra chance de repetir aquele beijo. estava certa quando disse que eu não costumava me interessar pelas garotas com que saía o suficiente para um segundo encontro. Mas naquele momento, tudo o que eu conseguia pensar era o que seria de nós quando chegássemos em casa.

Chicago – Maio de 2015


Acordei com a luz do sol passando por uma fresta da cortina que eu não tinha fechado e fiz uma careta. Virei pelo outro lado para abraçar , mas ela estava sentada na ponta da cama, fechando o sutiã.
- O que você está fazendo? – Perguntei, com a voz arrastada, e ela engatinhou até mim, me dando um beijo rápido.
- Shhhh. Ainda está cedo, volte a dormir – ela sussurrou, mas eu a segurei pelo braço antes que ela conseguisse se distanciar.
- Se está cedo, por que você já está de pé? – Perguntei, sem conseguir abrir os olhos direito, e ela riu baixo, chacoalhando a cabeça.
- ...
- Fique mais um pouco – pedi, passando meu dedo por sua barriga, e ela mordeu o lábio, parando de sorrir.
- Você sabe que eu não posso – respondeu, séria, e eu sentei na cama quando ela conseguiu levantar.
Passei as mãos pelos cabelos e a observei vestir sua calça jeans, que estava na poltrona, enquanto um milhão de coisas passavam pela minha cabeça. Desde que nos beijamos pela primeira vez, quando sofreu o acidente de carro, foi inevitável que ficássemos juntos. Nunca foi planejado e muito menos rotulado – nós dois não queríamos e nem podíamos com um relacionamento sério – mas todas as vezes que levantava e fugia do meu quarto antes das sete da manhã, eu me perguntava se aquilo valia a pena.
- Não me olhe assim, por favor – ela pediu, parecendo magoada, enquanto colocava sua camiseta. Mordi o lábio.
- Qual o problema de você ficar aqui até a hora de irmos trabalhar? Já te falei, você pode trazer alguma roupa, ninguém vai notar que...
- Todo mundo vai notar, – ela me corrigiu, e eu rolei os olhos, me jogando para trás na cama.
- Seria tão ruim assim que alguém notasse? – Perguntei, do nada, e me encarou como se eu tivesse começado a falar em hebraico.
- Você sabe que sim – ela riu, sem humor. – Está nas regras da empresa. Qualquer tipo de relacionamento romântico é...
- Proibido – adicionei, rolando os olhos. – Foda-se. Você é a dona daquilo. Se você aparecesse com o faxineiro, ninguém falaria nada.
chacoalhou a cabeça.
- Você sabe que essa frase não podia estar mais longe da realidade – ela disse, calçando os sapatos, e então se aproximou de mim, ajoelhando na minha frente na cama. – Você sabe melhor do que ninguém o quanto eu acho ridículo que a gente precise ficar por aí se escondendo. Mas você precisa desse emprego, eu preciso tocar aquela empresa, e... ugh – Ela grunhiu. – Gostaria que isso fosse mais fácil.
Puxei-a pelo pescoço e a beijei, fazendo-a sentar em meu colo. Eu sabia que ela estava certa, embora cada dia essa realidade fosse um tapa na cara. Nosso relacionamento era aberto e nós não queríamos nos assumir namorados nem nada do tipo – mas eu odiava essa situação de não poder tê-la ou sequer falar com ela toda vez que quisesse. parou o beijo e sorriu, acariciando meu rosto.
- Preciso ir – ela disse, levantando antes que eu pudesse segurá-la.
E, pela terceira vez naquela semana, assisti sair da minha casa cedo demais.

- Ei, – Katie, minha chefe, me chamou, tampando o telefone com a outra mão. – Você poderia ir até o arquivo e pegar aquelas pastas com a prestação de contas da festa de aniversário da empresa do ano passado, por favor? É urgente.
Rolei os olhos discretamente e desci um andar de escada para ir até o arquivo. Odiava quando Katie me fazia esse tipo de pedido, mas não era como se eu estivesse fazendo alguma coisa muito especial para poder negar, infelizmente. Minha única função naquele momento eram contar quantos minutos faltavam para a hora do almoço.
Abri a porta, feliz de não ter encontrado alguém para ter uma conversa fiada pelo caminho, e dei de cara com , sentada na única mesa do espaço que era menor que o meu banheiro.
- Droga, você nem se assustou – ela disse, descendo da mesa, enquanto eu observava seu vestido preto levando mais tempo que o recomendável.
- É claro que não – respondi, encarando-a. – Achei que encontraria com a Sra. Norman aqui.
- Ela não veio hoje – deu de ombros. – Lordose, coitadinha. Você poderia, por favor, trancar a porta?
Fiz o que ela pediu, meio desconfiado, embora aquela sala fosse no fim do corredor perto das escadas, quando todo mundo usava os elevadores. sorriu quando eu me aproximei de volta, e jogou os braços no meu pescoço, me puxando para um beijo. Apertei-a com força e acabamos cambaleando para trás, e ela bateu as costas no armário velho, que tremeu do chão ao teto, pronto para derrubar mil arquivos no chão. Apertei sua coxa e puxei seu vestido para cima, quando um arquivo finalmente caiu, fazendo um barulho oco no piso.
me empurrou, respirando alto, e eu fiz o mesmo, ainda um pouco chocado.
- Ok, isso saiu um pouco do controle – ela balbuciou, puxando o vestido para baixo, e eu estreitei o olhar.
- Não era esse o convite? – Perguntei, com um sorriso malicioso, e ela riu.
- O que você pensa de mim, ? – Ela falou, com uma voz engraçada, e eu ri.
- Você sabe...
- Pervertido – ela disse, e eu a segurei pela cintura, a trazendo para perto novamente. – Eu fiz Katie o enviar para o arquivo porque queria falar com você rapidinho.
- Falar?
- É, falar - ela riu, passando as unhas pelo meu braço. – Eu fiquei um pouco chateada de ir embora correndo essa manhã de novo. Só queria saber se estava tudo bem.
Sorri, incapaz de fazer outra coisa, colocando o cabelo dela atrás da orelha.
- Está tudo bem. Você podia ficar um dia até pelo menos a hora de vir pra cá, para variar – pedi e ela assentiu.
- Vou fazer isso – ela disse, me dando um selinho. – Agora preciso ir.
Não neguei, embora tivesse intenções muito mais divertidas para aquela sala de arquivo. Puxei-a de volta, só pela graça, e arranquei mais um beijo dela, que riu.
- O que vai fazer hoje à noite? – perguntou, com uma mão na maçaneta.
Não pude evitar uma careta, e mordeu o lábio.
A verdade é que nós dois não tínhamos nada sério, mas evitávamos falar sobre outros encontros ou coisas do tipo, porque era francamente esquisito. Era uma decisão que tínhamos tomado juntos e que eu, pelo menos, não me forçava a pensar muito a respeito.
- Sabe aquela garota da minha academia? – Perguntei, o rosto formigando, e ela sorriu e assentiu, embora algo me dissesse que estava se forçando a fazer aquilo.
- Claro. A que faz yoga – ela disse, e eu concordei com a cabeça. – Não precisa me olhar assim – riu. – Já entendi. Tenha um bom encontro.
Não consegui perguntar se ela estava de acordo com aquilo, porque algo me dizia que ela iria apenas rir e fazer a blasé, quando pelo tanto que eu conhecia e pelo jeito que ela estava estralando os dedos, eu sabia que ela estava desconfortável.
- Obrigado – agradeci, sem saber o que dizer. – E você?
- Eu o quê?
- Vai fazer o que hoje à noite?
- Nada demais – ela deu de ombros. – Tenho uma reunião de negócios com aquele grupo do Texas.
- Ah. Do cara de dois metros de altura – acrescentei, depois me senti meio idiota ao ouvir meu tom. não pareceu notar, ou pelo menos fingiu bem. – Bacana. Espero que fechem negócio.
Mentira.
Eu odiava aquele cara. Ele tinha um olhar superior – além da altura superior, claro – e falava usando palavras esquisitas, que ninguém em sã consciência usa hoje em dia. Já tinha falado dez vezes para que ele estava interessado nela e por isso estava demorando tanto para fechar um acordo tão simples. Ela discordava, mas nós dois sabíamos que eu estava certo.
- Eu também – ela sorriu. – Bom, vou nessa. Espere uns minutos antes de sair, por favor – ela pediu, e então acenou antes de fechar a porta.

Caminhei para o lado de fora do bar em que estava em meu encontro. Brianna era uma garota legal. Muito zen, vegana e completamente diferente de mim, mas não importava. Acendi um cigarro – coisa que ela estava me condenando, provavelmente, mas teve a discrição de não fazer isso em voz alta – e observei o vai e vem de pessoas àquela hora da noite. A verdade é que eu gostaria de estar mais presente mentalmente nesse encontro do que eu realmente estava, mas algo estava me incomodando, por mais que eu me esforçasse.
E então, em meio a todos os carros, todos os bares e todas as pessoas, meu olhar focou no restaurante tailandês chique do outro lado da rua, que exigia reservas com meses de antecedência. estava olhando diretamente para mim, e eu tirei o cigarro da boca, chocado com a coincidência.
Ela estava deslumbrante com um vestido azul de renda e os cabelos amarrados em um rabo de cavalo, e eu me vi dando alguns passos na calçada, como se nunca tivesse visto na vida. Foi nesse instante que o empresário texano apareceu – seja lá de onde ele estava, embora com dois metros de altura eu provavelmente apenas estava vidrado em para não ter o visto – e sorriu para ela, que fez o mesmo. Ele colocou as mãos nas costas dela e a guiou para o restaurante.
Um ônibus passou e, quando voltei a ver o restaurante, ela já havia sumido com ele.

Rodei com o carro pelo prédio de pela quarta vez antes de parar e resolver subir, pouco depois da meia noite. Eu não conseguia sequer lembrar do que tinha acontecido no restante da minha noite com Brianna, o que era absolutamente ridículo. Tinha perdido uma chance com uma garota legal porque meu cérebro tinha resolvido travar uma guerra contra mim, e a única coisa que eu conseguia pensar era a mão do texano nas costas de e o fato de que eles não estavam com nenhum dos outros investidores.
Não importava o quanto eu repetisse a mim mesmo que nós não tínhamos um relacionamento sério. Eu já tinha perdido aquela batalha.
Pensei em abrir a porta com a chave extra que eu tinha da casa dela – que eu tinha ganhado antes de começarmos a ficar, por um fim de semana que ela estaria em Nova York e precisava que alguém alimentasse Sherlock, seu gato – mas fiquei com medo de encontrar algo que eu não gostasse de ver.
- Então por que você está aqui, seu tapado? – Perguntei, em voz alta, andando no corredor.
Eu não tinha visto a hora que os dois saíram do restaurante, muito menos se tinham saído de lá antes de mim, então soltei o ar pela boca e toquei a campainha.
pareceu confusa ao me ver quando abriu a porta. Ela estava de roupão, com os cabelos molhados e sem maquiagem nenhuma. E, merda, como estava bonita.
- O que aconteceu? – Ela perguntou, dando um passo para o lado para que eu entrasse.
Entrei no apartamento, e quando ela fechou a porta e voltou a olhar para mim, disparei.
- Eu gostaria de saber, de verdade, por que diabos me incomoda tanto ver você com outras pessoas – Eu disse, vendo-a se aproximar, de braços cruzados.
- O quê?
- E o pior nem é isso – eu ri, sem humor. – Me incomoda mais ainda sair com outras pessoas, sendo que tudo o que eu faço é pensar que poderia estar fazendo qualquer merda com você, e seria muito mais divertido. Me irrita ter que conhecer alguém quando já conheço você e é tudo tão mais fácil – eu disse, e percebendo a cara de espanto de , acabei rindo um pouco. – E mesmo indo para cama com qualquer outra mulher, mesmo que seja incrível, nunca passa pela minha cabeça dar continuidade. Porque no fim das contas, eu sempre quero estar com você.
piscou algumas vezes e deixou o queixo cair.
- Seu encontro deve ter sido realmente terrível – ela sussurrou e eu ri.
- O seu foi?
- Eu não estava em um encontro.
- ...
- Não que eu soubesse – ela acrescentou, com uma careta. – O que você quer dizer com tudo isso, ? – Ela perguntou, ansiosa, e eu sorri, me aproximando.
Segurei sua mão e dei alguns beijos em seu pescoço, e vi aquela parte se arrepiar e fechar os olhos. Sorri, ainda que não estivesse cem por cento confiante, porque não fazia ideia de como ela iria reagir a respeito.
- Eu quero um rótulo – eu disse, idiotamente. – Quero ficar com você. De verdade. E só com você.
- Isso é sério? – Ela perguntou, e eu tinha certeza que ela não estava acreditando cem por cento no que eu estava falando. Ela me conhecia, afinal.
- Seríssimo – assenti, depois mordi o lábio, a ansiedade tomando conta.
olhou em meus olhos, soltou o ar pela boca e sorriu, entrelaçando os dedos nos meus.
- Você sabe que eu sempre fico insuportável quando sei que você está com outra garota, não sabe? – Perguntou, e eu arqueei uma sobrancelha, atento. – Todas as vezes que você sai com alguém, eu só consigo pensar no que eu poderia fazer para ser suficiente.
- Eu não acredito nisso – eu ri. – Isso é ridículo. Você é...
- Eu sei – ela me interrompeu. – Mas nunca achei que eu pudesse pedir uma coisa dessas para você, porque nossa situação ainda é a mesma. Nós dois ainda trabalhamos no mesmo lugar e temos os mesmos problemas.
- Que se dane – eu dei de ombros, e riu. – Uma coisa de cada vez – sussurrei, tocando a boca dela com a minha. – Diga que você será só minha, e o resto podemos resolver depois.
- Tem certeza?
- É claro.
sorriu.
- Então sou toda sua.

As duas semanas após o dia em que me declarei para tinham passado muito rápido e, devo confessar, tinham sido incríveis. Nunca achei rótulos necessários, apesar de já ter tido relacionamentos sérios ao longo dos meus vinte e oito anos, mas era muito confortável pensar que estávamos só os dois nessa.
As coisas não tinham mudado tanto assim. e eu ainda tínhamos as mesmas brincadeiras, as mesmas noites acordados e os mesmos problemas a respeito do trabalho. Embora eu detestasse ter que ficar me escondendo pelos cantos e ter que marcar coisas simples como um cinema a quilômetros de distância, só para não correr risco de topar com algum conhecido, marcar encontros no terraço ou no arquivo traziam uma dose de adrenalina que nós dois estávamos adorando.
Não era necessário mudar tudo agora. Estávamos felizes dessa maneira e veríamos isso depois.
- Eu tenho mesmo que ir nesse negócio? – Resmunguei, com a cara enterrada no travesseiro de e ouvindo o barulho da televisão do quarto ligada em um episódio qualquer de Friends.
- Você não tem que, mas eu adoraria que você fosse – ela respondeu, sua voz longe, lá do banheiro, e eu bufei. – Além do mais, você não vai querer perder de agarrar tudo isso aqui em algum quarto do andar de cima da mansão quando tivermos uma oportunidade de fugir – ela disse, com um tom malicioso em sua voz, e eu tirei a cabeça do travesseiro para olhá-la.
estava com um vestido longo tomara-que-caia em um tom de vinho - marsala, ela diria mil vezes – em um modelo sereia que estava completamente espetacular. Seus cabelos estavam soltos em ondas e ela usava um batom quase da mesma cor do vestido e algumas joias que deviam ser mais caras que o meu carro. Sentei na cama, com o queixo caído, e a observei dar uma voltinha.
- Puta merda, hein? – Foi tudo o que consegui dizer, e gargalhou.
- Então... – ela começou, ao se aproximar de mim. – Você realmente não vai? – Perguntou, com a voz sedutora, e eu passei a língua pelo meu lábio.
- Você é demoníaca, mulher – eu disse, fazendo-a rir. – Mas gostaria de dizer que iria até para o inferno, de fato, de você me pedisse agora.
- É assim que eu gosto – ela sorriu, afastando-se antes que eu pudesse beijá-la, e estragar sua maquiagem, e arrancar seu vestido, e atrasá-la, e tudo mais o que eu estava pensando. – Katie vai ficar feliz com a sua ajuda. Adorei envolver sua equipe num evento eficente anual da empresa por nenhuma razão lógica.
Eu ri.
- Quer razão melhor do que esse corpinho num terno? – Perguntei e ela sorriu, maliciosa.
- Eu já tenho esse corpinho nu, então de terno será apenas um adicional.
- Pode usar e abusar, eu já disse – pisquei e riu, saindo de seu próprio quarto.
- Te vejo mais tarde – ela gritou, os saltos altos tintilando pelo corredor afora.

Logo que eu entrei na Hunter Softwares, anos antes, um antigo colega de trabalho me trouxe de carro até a frente da mansão dos Hunter, em um dia que estávamos bêbados depois de um Happy Hour. Lembrava vagamente que tinha pensado, no dia seguinte, que só podia ser coisa da minha cabeça o tamanho daquela casa, que parecia que tivera sido deslocada da vizinhança de George Clooney e Brad Pitt em Beverly Hills. Tudo bem, Anthony Hunter III, pai de , era o terceiro da linhagem. Seu avô e pai provavelmente trabalharam muito mais por aquilo do que ele, mas a mansão não deixava de ser impressionante.
Todos os anos a família Hunter sedia um baile beneficente para angariar fundos para novas tecnologias para escolas públicas para crianças e adolescentes carentes. Haviam sempre rumores sobre essa festa, sobre as pessoas que iam lá – inclusive famosos! – e até sobre desvio de dinheiro, em um dos anos, mas eu preferia não pensar que meu sogro fosse desse tipo. Esperava que ele fosse mesmo ajudar as crianças, e ponto.
Caminhei, completamente deslocado, pelo jardim até entrar no salão da mansão, me perguntando como, diabos, tinha se tornado uma pessoa absolutamente normal tendo crescido no meio daquilo tudo. Os lustres oponentes, os garçons com micro canapés e taças de champanhe, as pessoas falando com sotaque francês. Aquilo beirava a maluquice.
morava em um apartamento pouco maior que o meu com um gato, lavava as próprias roupas e tinha preguiça de restaurantes que tivessem mais de um par de talheres. Sorri, meio besta, ao pensar nisso, e me repreendi em seguida quando duas senhoras de uns sessenta anos ficaram me olhando como se eu fosse um pedaço de carne e sorrindo também.
- Aí está você – Katie, minha chefe, apareceu. – Achei que não viria. Pensei que não quisesse saber o que acontece no evento – ela disse, mudando o tom de voz, referindo-se a algo que eu provavelmente tinha dito durante a semana. Sorri.
- Mudei de ideia – respondi, olhando para uma mulher com um colar que lembrava o do Titanic no pescoço. Katie me cutucou.
- Isso aqui é tão chique, não é? Meu Deus. Que sonho estar nessa casa – ela disse, parecendo deslumbrada, e eu ri.
- Tenho sonhos muito menores do que isso aqui, Katie – falei e ela rolou os olhos.
- Viajar, ver o mundo... ah, vocês jovens. Quando tiver seus cinquenta anos, vai ficar pensando que devia ter batalhado por isso aqui – ela disse e eu fiz uma careta, certo de que ela estava falando besteira. – Oh, oh meu Deus, fique calmo, o Sr. Hunter está vindo em nossa direção.
Olhei por sobre o ombro e vi que, de fato, o Sr. Hunter estava caminhando com uma mulher trinta anos mais jovem do que ele do lado, um homem que eu reconhecia por um dos diretores da empresa, e, logo atrás deles, vi de relance. Mordi o lábio e ajeitei instintivamente o cabelo, xingando-me mentalmente por me preocupar com isso depois de ter passado quarenta minutos ajeitando o cabelo em casa.
- Sr. Hunter – Katie fez uma espécie de reverência, como se o cara fosse o rei do Reino Unido. – Estou muito honrada de ter sido convidada para esse evento.
Ele sorriu, mecanicamente.
- É um prazer tê-la aqui – disse, e então falou algo para a namorada jovem e os dois partiram, e eu tive certeza que Anthony Hunter não fazia a menor ideia de que Katie sequer habitava o mesmo mundo que ele, quanto mais trabalhava em sua empresa por quinze anos e estava em sua sala.
Não tive muito tempo para pensar a respeito, no entanto, porque veio logo atrás, com um cara que eu reconhecia, mas não sabia exatamente de onde, do lado. Ele estava falando alguma coisa perto demais do ouvido dela e sorrindo, e ela estava com o olhar fixo em mim, parecendo assustada e até desesperada.
- Senhorita Hunter – Katie repetiu o gesto, fazendo o cara se distanciar de e ela piscar e quebrar nosso contato, olhando para Katie. – É um prazer imenso estar aqui.
- Fico feliz que esteja gostando, Katie – ela respondeu e sorriu, depois virou seu olhar para mim, parecendo absolutamente confusa sobre como agir.
Alguma coisa não estava certa naquela história. O cara que estava com ela tossiu.
- Hã, perdão – ela chacoalhou a cabeça, de novo. Katie e , esse é Travis Robertson.
- Prazer – Katie disse, apertando a mão do homem loiro, e eu fiz o mesmo, desconfiado, sem dizer nada.
Eu conhecia aquele nome.
- Vocês trabalham na Hunter Softwares? – Ele perguntou, com seu sotaque inglês, e meu coração parou. percebeu na mesma hora, sem tirar o olhar de mim, e mordeu o lábio.
Enquanto Katie respondia Travis, continuava olhando para mim. Seus olhos estavam vermelhos e eu não conseguia pensar.
- Que bacana, Katie – Travis sorriu. – Eu estou em Chicago pelos próximos meses, provavelmente, indo e vindo de Londres.
- Você é um investidor da empresa?
Ele riu.
- Sou namorado de .
chacoalhou a cabeça ao ouvir isso, olhando de volta para Travis.
- Ex-namorado - ela disse, com a voz aguda, e ele sorriu.
- Por enquanto, meu amor – ele disse, beijando-a no ombro. – Apenas por enquanto.

Aquela noite estava sendo um completo desastre. Desde minha apresentação formal à Travis Robertson, o perfeito ex-namorado-por-enquanto de , não tinha conseguido mais me concentrar em nada. Katie não parava de falar que era o máximo que soubesse nossos nomes e o quanto o cara parecia um ator de Hollywood, “como um Hugh Grant mais novo e mais loiro”, e eu queria simplesmente matar minha chefe.
passava por entre as pessoas a todo tempo olhando em minha direção, parecendo completamente perdida. Queria falar com ela e descobrir que merda era aquela de Travis estar na festa, com ela – festa essa que ela fizera tanta questão que eu aparecesse. A possibilidade de ter essa conversa foi a única coisa que me manteve aturando aquelas pessoas e aquele lugar. Duas horas depois, quando já estava praticamente desistindo, meu celular vibrou em meu bolso.

: Dê a volta na casa em direção à piscina. Espero você na casa da piscina em 10 minutos. Xx

Cheguei na casa da piscina em três minutos, por já estar lá fora fumando um cigarro, e a espera por – que fora muito pontual, aliás – parecera maior do que o normal, enquanto eu andava de um lado para o outro da casa da piscina que era do tamanho do meu apartamento.
Ela abriu a porta e praticamente correu em minha direção, em busca de um abraço.
- Ai meu Deus, , me desculpe, por favor – disse, e eu me afastei, chacoalhando a cabeça. Ela se encolheu ao ter o abraço negado.
- Acho que preciso saber que merda está acontecendo aqui – falei, alto demais para a casa vazia, e ela mordeu o lábio. – Porra, ! Por que diabos você me forçou à vir a essa festa se...
- Eu não sabia que ele estaria aqui! - Ela gritou, de volta, e eu fiquei em silêncio. abaixou o tom de voz em seguida. – , eu juro que eu não sabia. Isso foi coisa do meu pai.
- Coisa do seu pai? Seu pai mantém contato com seu ex? – Questionei, odiando meu tom de voz e aquela situação, especialmente porque sabia que estava prestes a chorar. Ela passou a mão pelo rosto, tentando se acalmar.
- Travis e eu sempre tivemos um relacionamento cheio de idas e vindas, algo que contei para você quando nos conhecemos...
- Ah, então o relacionamento “veio” de novo?
- Cale a boca, por Deus! – gemeu, e eu mordi o lábio e coloquei as mãos nos bolsos. – A família de Travis é muito influente no ramo de tecnologia na Europa e também em algumas regiões dos Estados Unidos. Meu pai sempre achou um belo investimento que eu e Travis namorássemos.
Me encolhi, pensando que achava que o pai dela era um completo idiota, e abriu a boca para falar, mas depois parou, e percebi que ela estava chorando. Imediatamente dei um passo adiante, mas refreei minha mão antes que eu pudesse tocá-la.
- O que foi? – Perguntei, tentando ainda soar puto, como alguma parte do meu cérebro ainda estava, e enxugou o rosto com a mão trêmula.
- A Hunter Softwares está falindo, .
- O quê? – Perguntei, confuso e em choque, e ela assentiu.
- A empresa está falindo e meu pai se meteu com “investidores” que eu não gostaria nem de citar – ela disse, ainda chorando. – No final do ano passado ele achou que fosse perder tudo e quase teve um ataque cardíaco. Foi por isso que eu vim para Chicago.
- , eu não sabia... – falei, tocando-a no braço, e ela assentiu.
- Não tinha como você saber – ela disse. – Meu pai quem convidou Travis para vir para cá. A família de Travis sabe dos perrengues da empresa e, na atual situação, a única saída para que todos os funcionários não acabem no olho da rua é que eles comprem a Hunter Softwares.
- Ah, não – falei, baixo, e assentiu.
- Meu pai quer que eu volte a ter um relacionamento com Travis porque sabe que os pais dele não investiriam numa empresa como a nossa se não tiverem algum outro tipo de interesse – disse, sem olhar em meus olhos. – Eu briguei com o meu pai hoje mais cedo, mas Travis chegou e não consegui ir embora daqui.
- Você está me dizendo que seu pai quer que você fique com seu ex para salvar a empresa? – Perguntei, incerto, e apenas assentiu. – Não acredito nisso – falei, indignado. – Eu não acredito que seu próprio pai te colocou numa situação dessas. Porra!
- Eu sei – se aproximou, tentando segurar minha mão. – É horrível. Eu acho que morri por dentro. Mas – ela fez uma pausa, que me pareceu durar horas. – É o único jeito de salvar todos os empregos, o seu emprego, e...
- VOCÊ VAI FAZER ISSO? – Percebi que tinha gritado quando ouvi minha voz ecoar pela sala inteira.
Ficamos em silêncio, sem desviar o olhar, e fungou.
- Eu não tenho outra escolha – ela sussurrou, e eu ri, irônico.
- Você tem vinte e seis anos, . É claro que você tem uma escolha.
- Essa é a empresa da minha família! – Ela falou, mais alto. – É a vida do meu pai, que apesar de ter feito um monte de merda, ainda é o meu pai!
voltou a chorar e enxugou o rosto com uma das mãos, caminhando até mim.
- Eu vou compreender se você sair por essa porta e não olhar na minha cara nunca mais – ela disse, baixo, e segurou uma de minhas mãos. – Eu mesma não sei se ficaria, e isso está me matando – ela olhou em meus olhos e tocou meu rosto com a outra mão. – Eu amo você, . Amo de verdade. Com cada parte do meu corpo e do meu coração. Mas se você não concordar que eu preciso fazer isso, pelo menos por um tempo, até arrumar uma solução... eu vou entender se você for embora.
Continuei ali, imóvel, e abaixei o olhar quando percebi que meus olhos estavam cheios de lágrimas. Que merda sem fim de situação. tinha dito que me amava, pela primeira vez, e ao mesmo tempo tinha dito que precisaria fingir estar com Travis – e isso significava, provavelmente, ficar com ele de verdade – para salvar o legado da família dela.
Eu queria simplesmente largá-la ali, como minha razão mandou. Dizer a ela que não importava o quanto eu a amasse – porque eu amava, pra cacete – não poderia compactuar com aquele absurdo. Mas, com meu coração acelerado, não consegui seguir a razão.
Ao invés disso, sabendo que provavelmente me arrependeria depois, puxei-a de vez e a beijei, surpreendendo-a. Nosso beijo teve o gosto salgado das lágrimas do rosto dela, e eu a apertei com força, com a nuca arrepiada e a certeza de que infelizmente não havia nada que eu pudesse fazer para me livrar daquela situação. Eu não conseguiria sair dali e virar essa página. Não estava pronto para isso.
me abraçou com força quando parou de me beijar, e percebi que estava chorando descontroladamente. A segurei e beijei sua testa, e alguns minutos depois, enxuguei seu rosto com uma das mãos.
- Por favor, não diga que vai me deixar – ela praticamente sussurrou, e eu toquei meus lábios nos dela. – Por favor, por favor...
Soltei o ar pela boca.
- Eu não vou te deixar – falei, a voz quase em um sopro, e quando me beijou, eu soube que era o que eu queria fazer, de todo meu coração, ainda que eu soubesse com toda certeza que tinha tudo para me arrepender.

Tomei o gole de whisky mais amargo da minha vida depois de voltar para a festa dos Hunter. tinha subido para o quarto para retocar – ou recolocar de vez, no caso – a maquiagem e eu ainda estava com as mãos tremendo e a cabeça explodindo. Nunca pensei que chegaria em um ponto da minha vida em que simplesmente desistir de alguém não parecia uma opção viável. As pessoas desistem das outras o tempo inteiro. Por que eu não conseguia fazer isso, também?
E então apareceu na sala novamente, e seu pai a interceptou pelo caminho, apresentando-a a algumas pessoas. Eu sabia que aquilo estava sendo talvez mais difícil para ela do que para mim. Tinha certeza que sua vontade era sair dali e simplesmente ir embora comigo, para Nova York, para o Havaí, para Tóquio, que fosse. Mas ela não podia fazer aquilo agora. E eu sabia que aquilo não doía só em mim.

Quando as pessoas começaram a dançar em meio à pista improvisada, assisti Travis puxá-la para o meio da sala, exatamente embaixo do enorme lustre, e tomei um gole de whisky.

[n/a: deixem essa música rolando].


I'm halfway gone
(Eu estou no meio do caminho)
Sleepless I'm battle-worn
(Exausto e vestido para a batalha)
You're all I want
(Você é tudo o que eu quero)
So bring me the dawn
(Então me dê o amanhecer)


olhou para mim, não sei exatamente como, no meio de todas aquelas pessoas. Com seu olhar fixo no meu, mesmo dançando com outro, ela mordeu o lábio, como em um pedido mudo de desculpas. Eu sabia que ela adorava aquela música, que provavelmente tinha sido a responsável por escolhê-la para tocar naquela noite. Tudo o que eu queria era que fosse eu, ali, no meio da pista, abraçando-a contra mim, sussurrando alguma coisa em seu ouvido. Mas eu não podia.

I need the sun to break
(Eu preciso que o sol nasça)
You've woken up my heart
(Você acordou meu coração)
I'm shaking, all my luck could change
(Estou tremendo, minha sorte pode mudar)
Been in the dark for weeks
(Estive no escuro por semanas)
And I've realised you're all I need
(E percebi que você é tudo o que eu preciso)
I hope I'm not too late
(Espero que eu não esteja muito atrasado)
I hope I'm not too late
(Espero que eu não esteja muito atrasado)


Eu não podia segurar a mão dela na rua. Não podia beijá-la na pista de dança. Não podia dizer a nenhuma daquelas pessoas que ela era a garota que eu amava.
Apoiei o copo de whisky na primeira bandeja que vi passando e abaixei o olhar. ainda estava me encarando quando eu apenas assenti, com a cabeça, sem dizer nada, e virei de costas para ir embora.

Chicago – Outubro de 2015


- Eu não quero ir – fez bico, abraçando-me pelo pescoço, e eu a levantei no ar.
- Então não vá – pedi, no que me pareceu a milésima vez em meses, e ela soltou o ar pela boca. Talvez algum dia eu conseguiria.
- Ugh. Isso é insuportável – ela me largou, caminhando pela sala. – O seu aniversário é amanhã e eu não poderei comemorar com você. Eu odeio a minha vida. Eu me odeio por fazer disso a sua vida.
já estava com lágrimas nos olhos de novo. Tínhamos acabado de voltar, naquela manhã, de uma viagem curta à Nova York, onde ficamos juntos como um casal de verdade, e tinha sido maravilhoso. ainda estava na cama todos os dias que eu acordava. Nós andávamos de mãos dadas no meio de desconhecidos, íamos aos restaurantes que queríamos de verdade, tirávamos fotos em pontos turísticos e fazíamos todas as coisas que simplesmente não podíamos fazer em Chicago.
Agora, de volta a realidade, precisava voltar para o seu apartamento e para Travis. Sim, eles tinham voltado a namorar. Cinco meses depois da festa na mansão dos Hunter e eu ainda não conseguia sequer pensar no nome dele sem me encolher ou ter um acesso de raiva. Eu me recusava a saber – obviamente – sobre o que os dois estavam fazendo, mas eventualmente dava de cara com ele na empresa e, pior ainda, de mãos dadas com .
tinha feito questão de “revogar” nossa ideia de sermos exclusivos para que aquilo fosse justo para mim, o que era simplesmente ridículo. Eu detestava sair com outras mulheres e ela odiava fazer qualquer coisa com Travis. Fora que, assim como me deixava transtornado pensar em Travis tocando nela, sempre chorava quando desconfiava que eu estive em um encontro ou algo do tipo.
Se esconder por aí tinha se tornado um pesadelo no instante em que Travis voltou para a cidade, perdendo toda a mágica e a adrenalina. Eu queria por inteiro, e vice-versa. Os pais de Travis ainda estavam negociando com a Hunter e aquela situação toda parecia longe de acabar. E agora tinha que me deixar, na véspera do meu aniversário, e eu sabia que o bar que eu pretendia ir com alguns amigos seria completamente sem graça por isso.
- Está tudo bem – menti, abraçando-a. – Não gosto de comemorar aniversários. Nossa viagem já foi a melhor comemoração de todo jeito.
Ela sorriu, sem jeito.
- Desculpe.
- Shhhh, pare com isso – pedi, beijando-a de leve. – Eu sei onde você gostaria de estar.
- Eu amo você – ela disse, beijando meu rosto, e eu sorri.
- Eu também amo você.
pegou suas malas e caminhou até a porta, mexendo no telefone.
- Espero que Travis já tenha se livrado da garota com quem passou o fim de semana, porque não gostaria de ter que fingir que estou absolutamente ofendida – ela rolou os olhos e eu chacoalhei a cabeça.
- Esse cara é um puta de um babaca. Ele traía você quando você era apaixonada por ele, vocês terminaram, ele veio aqui e te pediu para voltar com a cena mais ridícula do mundo – parei e ri, lembrando dos balões de coração espalhados pela Hunter. – E agora ele te trai, de novo?
- Eu sei – ela fez uma careta. – Ele sempre foi um idiota. Infelizmente, agora, não posso nem dizer nada – ela soltou o ar pela boca.
- É completamente diferente – eu disse, me aproximando. – O que temos é diferente do que ele faz.
Ela assentiu.
- Eu sei. E isso é o que me dói – chacoalhou a cabeça, e então me deu um selinho. – Feliz aniversário adiantado. Deixei seu presente escondido no seu armário, só procure meia noite, tá?

Meia noite em ponto abri a caixa que eu já tinha visto no topo do armário, encontrando lá dentro uma foto nossa, tirada no topo do Top of the Rock, em Nova York, com o Empire State Building de fundo. Na imagem, estamos olhando um para o outro e sorrindo, e eu sorri, instintivamente. Abri o pequeno cartão que estava no fundo da caixa:

“Uma foto para te lembrar que, um dia, seremos livres. Eu te amo, meu amor. Feliz aniversário. Xx .”

Levei um susto quando abri a porta do meu apartamento, às duas da manhã depois de ter comemorado meu aniversário no bar com alguns amigos, e dei de cara com . Ao invés de estar esparramada no meu sofá, com os sapatos jogados no chão, comendo meus chocolates e vendo algum seriado repetido, ela estava sentada, de salto alto, casaco e o olhar vidrado.
- Você não vai gritar “surpresa”? – Ofereci, sorrindo para ela, mas não sorriu de volta. Ela simplesmente levantou do sofá e caminhou até onde eu estava, e esse gesto me deixou alarmado. – O que aconteceu?
abaixou a cabeça, olhando para seus scarpins, e respirou fundo. Em seguida, tirou a mão do bolso, mostrando-me um enorme anel de noivado de diamantes. Meu queixo caiu.
- Ele te pediu em casamento? – Perguntei, chocado, e assentiu. Em seguida pisquei algumas vezes, notando que o anel estava no dedo dela. - Você aceitou? – Perguntei, um pouco alto demais, ciente de que em breve meus vizinhos reclamariam.
- Ele pediu em um jantar com toda a minha família. Eu não tinha como... – ela parou de falar ao perceber minha expressão. – Eu não fazia ideia. Me desculpe, por favor.
- Você aceitou – não foi uma pergunta.
Sentei na poltrona e apoiei minha cabeça em minhas mãos, sentindo tudo girar. Tudo bem, eu podia ter bebido um pouco demais naquela noite, mas naquele instante eu estava cem por cento alerta. se ajoelhou em minha frente e levantou meu rosto.
- Eu não sabia o que fazer.
- Você não sabia o que fazer? – Perguntei, puto, e me desvencilhei das mãos dela, levantando. – Não me parece algo tão difícil de saber, . É uma pergunta que tem apenas duas respostas, sim ou não.
- Eu sei, mas...
- Eu não acredito que você disse sim – interrompi, rindo com escárnio. – Eu não entrei nessa para isso, . Não entrei.
começou a chorar, mas por alguma razão, dessa vez, não fiquei tão comovido quanto antes. Eu não queria pensar no que ela estava sentindo. Eu queria ser egoísta. A mulher que eu amava tinha aceitado casar com outro cara. Com um babaca ridículo.
- Os pais dele devem fechar o contrato em breve, eu não podia dizer não na frente da minha família, da dele... desculpe. Eu não devia ter feito isso.
- Não, não devia.
- O que você queria que eu fizesse, ? – Ela perguntou, um pouco mais alto. – Eu odeio nossa situação todo os dias, tanto quanto você. Eu queria que fosse você, comigo, naquela sala. Mas não era. Infelizmente.
- Eu não vou assistir você casar com outro cara, . Não vou – eu soltei o ar pela boca. – Meus pais se separaram por uma traição, e a situação toda foi simplesmente ridícula. Eu não vou ser o seu outro.
- Eu não estou pedindo isso – ela mordeu o lábio, e começou a andar de um lado para o outro. – Eu não sei se o casamento vai acontecer, na verdade. A gente não sabe se até lá os negócios não vão...
- Pare, por favor, fique quieta! – Pedi, passando a mão pelo rosto. – Eu não aguento mais, . Não aguento perder você todos os dias pra outro cara. Não aguento ficar pensando no que você está fazendo na sua outra vida...
- Eu não tenho outra vida.
- Você tem, sim – me aproximei dela. – Eu amo você, , mas infelizmente você precisa cumprir com “obrigações” – fiz aspas com os dedos. – Das quais eu não faço parte. Nem nunca farei.
- – ela se aproximou, tentando tocar meu rosto. – Você sabe que é o único pra mim.
Eu ri.
- Eu sou. Exceto quando não sou – disse, irado. – Quando você está com ele, você pensa em mim? Quando vocês estão na cama, é meu nome que você pensa? – Perguntei, ríspido, e se encolheu. – É a mesma coisa? Você vai casar com esse cara!
- Claro que não é a mesma coisa! – Ela gritou. – Merda, ! Você acha que eu gosto disso? Durante todo esse tempo, você acha que eu fiz isso por querer?
- Claro que não, mas...
- Então por favor, cale a boca! – Ela gritou, e ficamos em silêncio pelos segundos seguintes. Vi derrubar uma lágrima, mas não me movi. – Me desculpe por tudo. Todas as vezes que eu me sentia mal por estar fazendo isso com você, conosco, você sempre me fez sentir melhor a respeito. E agora eu vejo que isso foi um erro.
- O que você quer dizer com isso? – Perguntei, e chacoalhou a cabeça.
- Que eu não devia ter feito você se submeter a isso – ela disse, enxugando uma lágrima. – Eu achei que só por amar você eu podia ser egoísta e pedir para que você não me deixasse quando eu estava metendo os pés pelas mãos para salvar o patrimônio da minha família.
- Eu fiquei porque quis – respondi, baixo, e ela assentiu.
- Eu sei. E por mais que eu o ame por isso, foi errado de qualquer jeito – ela se aproximou, e então beijou meus lábios, de leve. – Me desculpe.
Quando pegou sua bolsa no sofá e caminhou até a porta, percebi que tudo ao meu redor estava ruindo. Eu não queria que ela fosse embora. Porra, eu não queria que a gente terminasse, só queria que pudéssemos ser um casal como outro qualquer.
- – a segurei pelo braço, antes que ela abrisse a porta.
Engoli em seco, suprimindo minha raiva, minha dor e meu orgulho.
- Se eu estivesse pronto para casar, se eu te falasse agora para você entrar em um avião comigo e sumir no mundo... faria alguma diferença?
sorriu, depois negou com a cabeça.
- Eu gostaria de dizer que sim.
- Mas você não pode.
Ela assentiu.
- Me desculpe – ela sussurrou, e então sumiu porta afora, soluçando.

Chicago – Janeiro de 2016


iria se casar no dia seguinte.
Descobri isso da pior maneira possível: dando de cara com Katie, minha antiga chefe, no setor de cereais do supermercado. Muitas coisas tinham mudado naqueles quase três meses em que tínhamos nos separado.
Os primeiros dias foram absolutamente terríveis – não me recordava de ter sofrido tanto com nenhum outro acontecimento em minha vida, o que foi absolutamente bizarro. Eu me sentia como as garotas dos filmes, jogado no sofá com potes de sorvete e bebidas. não aparecera na empresa, no começo, mas eventualmente teve que fazê-lo – e encontrá-la nos corredores foi horroroso. Ela me mandou algumas mensagens em um final de semana, provavelmente depois de ter bebido, e eu quase me mudei para o Alasca para não ter que lidar com a vontade que eu estava de aparecer em sua porta.
Poucas semanas depois, toda a questão de trabalhar na mesma empresa que ela se tornou impossível para mim. Primeiro porque eu odiava saber que trabalhava para um cara que fazia esse tipo de coisa com a própria filha, segundo que eu não tinha e desconfiava que nunca teria a compostura necessária para encarar Travis quando o via; e terceiro porque eu realmente voltava dez casas no jogo da vida toda vez que esbarrava com .
Então eu pedi demissão e torci para encontrar algo rápido e não morrer de fome. Acabei com um emprego um pouco inferior em outra empresa, mas que me trazia dias razoavelmente mais tranquilos. Fiz alguns novos colegas, comecei a sair mais, voltei a ter um ou outro encontro, e minha vida estava andando nos trilhos até o maldito Murphy me fazer encontrar Katie – que nunca entendeu minha razão para sair, coitada – e ela comentou que a herdeira dos Hunter casaria na manhã seguinte, na Fourth Presbyterian Church. Ela estava empolgada porque tinha a convidado.
Desde que essa informação caiu em meus ouvidos, meu dia tinha passado como um borrão, e eu me vi no bar, sozinho, horas depois, bebendo loucamente para tentar esquecer e com ódio de mim mesmo por estar sofrendo com aquilo. Talvez estivesse até voltado a gostar de Travis. Se ela ia casar, de fato, podia não se tratar mais de negócios.
- Que merda – bati a cabeça na madeira, inconformado. – Mais um whisky duplo, por favor.

Escorreguei no tapete gasto que tinha perto da minha cama, confuso, e xinguei baixo. Minha cabeça estava rodando e eu não tinha certeza de como tinha chegado em casa. Caminhei pelo curto corredor e notei a luz acesa da sala, que eu obviamente não tinha apagado, no alto do meu teor alcoólico.
- Ah! – Dei um grito, segurando o primeiro objeto que eu vi em minha frente – uma caneca vazia do BB-8 suja de chá – para arremessar no ladrão, mas quase engasguei ao ver no meio da minha sala.
Ela estava com uma camiseta branca simples e jeans claros , descalça e com a maquiagem do olho levemente borrada. Apesar de eu estar ameaçando-a com uma caneca, ela estava com os dois braços do lado do corpo, sem tentar se defender.
caminhou até mim e me puxou pelo pescoço, colando sua boca na minha. Cambaleei para trás, ainda assustado, mas minhas terminações nervosas logo entenderam o que estava acontecendo e meu coração, já acelerado pelo susto, poderia ser ouvido a quilômetros de distância. Segurei-a pela cintura e a apertei contra mim, embrenhando uma mão por seus cabelos, ouvindo-a arfar, e a segurei no colo, fazendo-a cruzar as pernas ao redor da minha cintura.
Eu não fazia a menor ideia do que estava acontecendo – nem se estava acordado ou alucinando, para falar a verdade – mas aquele momento foi o mais perto que tive de me sentir vivo nos últimos meses. separou o beijo e encostou a testa na minha, respirando alto, e eu finalmente a vi de perto, como queria ter feito durante todo aquele tempo.
Uma de minhas mãos já estava embaixo da sua camiseta, mas eu não podia fazer aquilo comigo mesmo, não de novo. Coloquei-a no chão e cambaleou para trás, trocando as pernas.
- Você está bêbada? – Perguntei, e ela sorriu, meio ludibriada.
- Eu não fico bêbada.
- Você está bêbada – afirmei, notando que o gosto de álcool que eu pensava ser da minha boca era provavelmente da dela. – Onde estão seus sapatos?
riu.
- No Uber.
- E onde está o Uber? – Perguntei, metade quase rindo de sua expressão, metade me segurando para não agarrá-la e me odiar por fazer isso.
- Não tenho certeza – ela respondeu, depois chacoalhou a cabeça, provavelmente tentando colocar as ideias no lugar. – Lá embaixo.
piscou algumas vezes e me encarou. Não com o olhar perdido de minutos antes, que ela ficava sempre que bebia demais, mas parecia quase instantaneamente sóbria. Mordi o lábio.
- Eu não quero fazer isso – ela sussurrou. – Não quero me casar.
Arregalei os olhos, tentando suprimir a enxurrada de emoções que correu por minhas veias. Ela está bêbada, repeti como um mantra, pelo menos cinco vezes mentalmente. se aproximou de mim.
- Eu amo você, . Eu não quero me casar – ela fez uma pausa. – Estou prestes a largar tudo.
estava perto demais para minha sanidade – e para a dela. Um sopro de ar estava nos separando, e quando me atrevi a tocar seu braço, sem pensar, ouvi um barulho vindo do quarto. Virei, dando de cara com uma garota de cabelo vermelho que estava usando minha camiseta, e apertei os olhos.
O nome da garota era Angel, eu lembrava bem, porque fiz várias piadas a respeito. Ela trabalhava com garçonete no bar. Angel foi a pessoa que me trouxe para casa. Bebemos mais alguns shots de tequila quando chegamos e acabamos transando.
- Desculpe, meu Deus, eu não quis atrapalhar – Angel disse, parecendo realmente arrependida de ter levantado, e então eu voltei meu olhar para .
Ela estava com os olhos absurdamente vermelhos, prestes a chorar, encarando Angel como se ela fosse um extraterrestre.
- ... – comecei a falar, mas ela deu um passo para trás.
- Está tudo bem – ela disse, chacoalhando a cabeça de maneira afirmativa. – Eu não... meu Deus, eu sou uma idiota. É claro que você... você não estaria... – ela parou, pegando a bolsa e o casaco no sofá. – É melhor eu ir.
- , não, vamos conversar, por favor – pedi, seguindo-a até a porta, e a alcancei apertando o botão do elevador um milhão de vezes. Segurei sua mão. – , por favor, espere.
- Não, , não – ela disse, com as mãos tremendo. – Isso é uma loucura. Eu estou bêbada e maluca. Ai meu Deus, eu nem estou usando sapatos! – Ela deu um tapa na própria testa. - Eu não devia ter feito isso com você. Desculpe por atrapalhar sua noite, eu...
- ! – Falei, mais alto, e a porta do elevador abriu.
- Por favor, me deixe ir embora – ela pediu, com a voz um pouco mais descontrolada, e então engoliu em seco. – Por favor.
Dei um passo para trás e assisti a porta do elevador, com as duas mãos apoiadas na parede, sem conseguir me mover.

- Vamos lá, , atenda – pedi, pela sétima vez em trinta segundos. – Atenda, atenda.
Eu estava furioso comigo mesmo por ter deixado que fosse embora. Fiquei paralisado, em pânico, parado no hall do elevador por incontáveis minutos, até que Angel aparecesse completamente vestida e pedindo desculpas por ter me causado problemas. Ela entrou no elevador e foi embora, e lá estava eu, ligando pela milésima vez para , que simplesmente não atendia minhas ligações. Eu não podia culpá-la.
Eu sabia que não tinha ido embora por ter visto Angel, mas ela tinha ido em um ímpeto para minha casa, tinha bebido e tinha coisas a dizer, e aquilo tinha servido como um choque de realidade. Meses tinham se passado. Nossas vidas tinham mudado.
Exceto que eu não conseguia me conformar. Ela tinha dito que me amava. Tinha dito que não queria casar e estava prestes a largar tudo. Durante esses meses separados, todas as vezes que pensava em cometer alguma loucura e contatar , eu lembrava que aquela era uma decisão cem por cento dela. Ela queria aquilo, achava importante salvar os negócios da família e tinha se envolvido quase espontaneamente com seu próprio ex para fazer aquilo. Ela podia jogar tudo para o alto, mas não queria. Pensar nela assim de maneira mais egoísta, ainda sabendo o quanto ela sofreu com essa história, me ajudou bastante a tentar seguir a vida.
Mas agora as coisas tinham mudado. podia estar bêbada, mas se há algo sobre bêbados, é que eles falam a verdade, sem filtros. Ela estava infeliz. Ela não queria aquilo. Meu Deus, ela queria ficar comigo. E, por alguma razão, eu tinha deixado que ela fosse embora, e agora ela se recusava a falar comigo, provavelmente pensando que tinha errado ao vir em minha casa e que devia se casar.
Eu não iria me perdoar se ela fizesse isso.
- , sou eu – falei, deixando uma mensagem. – Por favor, atenda o telefone. Nós precisamos conversar. Preciso saber se o que você disse é sério. Eu... – Suspirei, sem conseguir continuar. – Por favor, atenda.
Mas ela não atendeu.

Acordei, todo torto no sofá, com o relógio marcando quase oito da manhã. Não lembrava exatamente como tinha deitado ali, e ouvi o barulho oco do meu celular caindo no tapete quando abri uma das mãos.
- Ugh – gemi, com toda a noite voltando à minha cabeça.
Eu provavelmente tinha ligado mais de trezentas vezes para , sem exagero, mas não havia conseguido falar com ela, que não me atendera nem para me mandar para o inferno e parar de importuná-la. E aquela era a manhã de seu casamento.
Gemi, sentando-me e procurando meu isqueiro, que não estava do lado do meu cigarro. Levantei a almofada do sofá e chacoalhei a cabeça, incrédulo. Dei de cara com o celular de , que estava ligado em “Não perturbe”, com 6% de bateria e um milhão de ligações e mensagens minhas. Digitei o código do celular dela – que ainda era o mesmo – e dei de cara com o aplicativo do Uber, aberto, mostrando que ela realmente tinha um Uber lá embaixo esperando-a. Pelo que vi, ela chegou até em casa.
Soltei o ar pela boca, e olhei para a tela do celular. Abri sua agenda e vi que o casamento estava marcado para dali uma hora.

“- Eu amo você, . Eu não quero me casar. Estou prestes a largar tudo.”

- Não posso fazer isso – sussurrei, falando baixo, depois rolei os olhos. A quem eu queria enganar?

Andei de um lado para o outro na porta da igreja, ansioso para ver o carro que trazia aparecer. Eu não queria entrar lá, queria dar um jeito de falar com ela antes, dizer a ela tudo o que estava entalado em minha garganta, mas parecia que ela realmente ia levar a máxima da noiva que pode atrasar a sério – ou talvez eu que estivesse ansioso demais. Dei uma tragada no cigarro e fiquei observando a fumaça dançar no ar, tentando me acalmar.
- ?
Pisquei algumas vezes, retomando o foco, e olhei para o lado. Gostaria de dizer que tinha dado de cara com , mas era apenas Katie.
- Hey, Katie – sorri, certo de que ficaria com o rosto vermelho em segundos por ter sido visto lá.
- Eu não sabia que você vinha! Você não tinha comentado nada ontem – ela ralhou, depois sorriu. – Você está um gato de terno.
- Obrigado – agradeci, olhando o carro que estacionou na frente da igreja. Endireitei as costas, nervoso, e então ouvi Katie falar.
- Meu Deus, é o noivo, já. Acho que estamos atrasados – ela disse, segurando no meu braço. – Vamos, sente-se comigo lá dentro.
- Não, Katie, eu...
- Está esperando alguém? – Ela perguntou e eu soltei o ar pela boca, sem paciência. Merda, Katie.
- Não – confessei, apagando o cigarro em um cinzeiro.
- Então está decidido, você me fará companhia! Eu podia trazer um par, sabia? Mas o moço que eu estava saindo do Tinder não quis aparecer – ela disse, e eu a encarei, curioso. – O que foi? Só porque eu tenho cinquenta anos não posso namorar no Tinder? Eu tô com tudo em cima, rapaz! – Katie disse e eu ri.
- Está mesmo – concordei, entrando com Katie na igreja.

Sentamos no fundo – com os protestos de Katie – da imensa igreja do começo de 1900, que era absolutamente incrível, até para qualquer pessoa que não tivesse o menor interesse em arquitetura. Fiquei distraído com as vigas aparentes e os detalhes da decoração, ouvindo Katie contar todas as fofocas que eu perdi da Hunter Softwares. Meu plano era sair para fumar logo depois que Travis chegasse – porque isso indicaria que estava quase chegando – mas Dora, uma garota que trabalhava conosco no Marketing, também chegou, e para meu horror, sentou comigo e Katie, e cada vez mais uma pessoa conhecida aparecia.
Quando eu disse que ia fumar, Katie me segurou na cadeira falando que não era para eu sair porque era deselegante e a noiva já devia estar do lado de fora. Soltei o ar pela boca, com as mãos geladas e em pânico, como se o noivo fosse eu.
Assisti as damas de honra entrarem uma a uma, preso no meio de Katie e Dora, e então a orquestra – sim, uma orquestra – começou a tocar a tradicional (e brega, a meu ver) marcha nupcial. Eu achei que fosse ter um colapso ao ver aparecer na porta, de braços dados com seu pai.
Seu vestido era simples, ombro a ombro e com uma saia rodada, mas ela estava absolutamente espetacular. Seus cabelos estavam meio presos e ela não usava um véu, e sim uma espécie de coroa. Me vi boquiaberto, olhando-a de cima a baixo e ouvindo os comentários de Katie sobre o quanto parecia uma princesa.
Então, olhei sua expressão. estava sorrindo, mas seus olhos estavam vidrados, perdidos. Ela não estava feliz, eu sabia que não estava. Foi quando ela passou por onde eu estava sentado e percebeu que eu estava lá. sempre foi muito discreta a respeito de nosso relacionamento, em público, mas seus olhos arregalaram de uma maneira tão cômica que eu teria rido, se não estive absolutamente aterrorizado em vê-la a caminho do altar.
Ela olhou para frente, depois de meio segundo, e eu mordi o lábio, olhando para os meus pés. A mulher dos meus sonhos, e da minha realidade, estava caminhando pela igreja em direção a outro homem. Só havia uma coisa que eu podia fazer, e eu teria que falar na hora certa, ou me calar para sempre.

A cerimônia se arrastou de maneira desnecessária, e volta e meia eu via olhando em minha direção, embora não estivéssemos tão perto assim. Katie estava chorando com cada momento e comentando as coisas, e eu estava a ponto de mandá-la calar a boca. Meu Deus, o que ela iria pensar quando eu levantasse na hora que o padre perguntasse se alguém tinha alguma coisa contra o casamento? Ela ficaria chocada. Todo esse tempo, debaixo do nariz dela.
- Você está bem? – Ela sussurrou, me encarando de sobrancelha erguida. – Parece desconfortável.
Estralei o pescoço, tentando não ficar vermelho.
- Tudo certo – respondi, mecanicamente, e levantei minha mão para “abençoar o casal”, como o padre pediu, embora minha vontade fosse de gritar ali mesmo “vou abençoar merda nenhuma, desculpa, Deus, vou roubar a noiva”.

- Se alguém se opõe a esse matrimônio...
Essa era minha deixa. O padre estava falando o que eu precisava ouvir, era o momento certo. Sentado, olhei para no altar.
Meu Deus, e se eu fizesse isso e ela ainda assim quisesse casar com Travis? Pior ainda: e se esse gesto a empurrasse de ver ao casamento? Vamos lá, , olhe para mim, me dê um sinal.
- ... fale agora...
E então olhou em minha direção e mordeu o lábio. Eu soltei o ar pela boca, sustentando o olhar.
- ... ou cale-se para sempre.
Eu podia ouvir o barulho de uma agulha caindo no chão, se alguém derrubasse uma. No silêncio sepulcral da igreja, eu fiquei de pé. Ouvi Katie arfar e perguntar o que eu estava fazendo, mas a ignorei completamente. Continuei com meu olhar fixo no de , vendo cabeça por cabeça da igreja inteira virar em minha direção. Ela abriu a boca, mas não disse nada. Olhei ao meu redor e, quando voltei a encará-la, estava olhando para os pés. E então, eu percebi.
Eu não podia fazer aquilo.
Meu coração estava acelerando tanto que achei que iria cair duro. Eu não podia ser a pessoa que interrompe um casamento, não quando eu não tinha um plano, não quando estava tendo uma crise de pânico. voltou a me olhar e eu mordi o lábio, chacoalhando a cabeça.
- Desculpe – sussurrei, embora não tenha certeza que isso saiu em forma de palavras da minha boca, e eu caminhei rapidamente para sair do banco, quase arrancando a perna de Dora, e abri a porta da igreja para sair, ouvindo-a se fechar com um baque atrás da minha cabeça.
Acabou.
Eu tinha perdido Hunter para sempre.

Eram quatro da tarde quando desenterrei minha cabeça do travesseiro, com a maior dor de cabeça do mundo e puto por quem quer que fosse que estivesse tocando minha campainha pela quarta vez em dois minutos. Era bom que o prédio estivesse pegando fogo para justificar aquilo. Tinha planos muito concretos de ficar com a cara no travesseiro pelos próximos dois anos, tempo que eu achava justo para esquecer tudo o que aconteceu naquela manhã, naquela igreja. Não sei se seria suficiente para esquecer , no entanto.
Coloquei uma camiseta e caminhei até a porta, irado, e abri a porta em um solavanco.
Talvez fosse até mais assustador ver do lado de fora, quando ela costumava simplesmente aparecer sem motivo aparente na minha sala. Mas lá estava ela, de calça jeans, tênis e o mesmo casaco vinho que ela usava no dia que a conheci, na festa de fim de ano da Hunter há pouco mais de um ano atrás. Franzi a testa, confuso como o diabo. Que merda ela podia querer, horas depois do próprio casamento, na minha casa?
A não ser que ela não tivesse casado.
Tossi, tentando me recompor dos devaneios da minha própria cabeça.
- Oi – ela disse, simplesmente.
- Oi – respondi, e mordeu o lábio, parecendo nervosa. – O que você quer? – Perguntei, querendo acabar logo com aquilo antes que eu precisasse adicionar um ano na minha conta de reclusão voluntária.
A pausa que não foi tão longa, mas foi suficiente para eu viajar e pensar em mil e uma respostas que ela podia me dar, indo de “Você é maluco, porra? Quase estragou meu casamento!”; até “Eu não casei, amo você, vamos ficar juntos pelo amor de Deus não aguento mais”.
- Eu queria meu celular de volta – ela respondeu, e eu senti o chão ruir embaixo dos meus pés.
É claro.
O que mais poderia ser, não é mesmo?
- Eu acho que o esqueci aqui na outra noite – ela disse, parecendo sem graça, e eu não sei de onde arrumei forças para não mandá-la para o inferno. Apenas assenti.
- Sim, esqueceu – respondi, entrando no apartamento, e me incomodei ao me dar conta que estava logo atrás de mim, sem que eu tivesse a convidado. – Que milagre você tocando a campainha. Não achei que você fosse dada a esse tipo de decoro social.
Odiei como minha voz soou, mas eu já havia dito. Não olhei para seu rosto para ver sua expressão.
- Não achei que fosse a melhor ideia simplesmente...
- É, não era mesmo – eu disse, dando o celular na mão dela com rispidez. – Mais alguma coisa?
- Não, era isso mesmo – respondeu, mas eu simplesmente não conseguia olhar para a cara dela. Escolhi olhar para a parede. – Desculpe causar essa situação. É que eu vou viajar em algumas horas e as passagens estão aqui, então...
Encarei , puto da minha cara.
Eu não acredito que ela estava mesmo me contando sobre sua lua de mel. Eu esperava que ela tivesse, ao menos, parecendo envergonhada, desconfortável ou algo do tipo, mas ela simplesmente sorriu quando eu a olhei. Pura e simplesmente. Ela sabia o efeito que aquilo tinha em mim, e por isso eu a odiava mais.
- Você vai assim? – Ela perguntou, ainda sem parar de sorrir, e eu franzi a testa.
- Ir pra onde? O que você bebeu?
- Ugh, ! – resmungou, depois riu.
Ao invés de falar qualquer coisa, tirou a mão esquerda do bolso, levantando-a em minha frente. Não havia nenhum anel ali. Nem de compromisso, nem de noivado. Nada.
Arregalei os olhos, voltando a encará-la.
- Eu não casei.
- O quê? – Ouvi minha própria voz dizer, em um misto de euforia e incredulidade.
- É isso o que você ouviu – ela disse, se aproximando com cautela. – Quando eu vim aqui ontem à noite, eu precisava de um sinal, um sinal de que eu não deveria estragar minha vida completamente para salvar uma coisa que não cabe a mim. Eu vim esperando que você dissesse que me amava de volta, e fiquei em choque quando vi a outra garota com quem você estava. Então eu decidi casar.
- Mas você não casou... – eu disse, idiotamente.
- Hoje, quando entrei na igreja, depois de vomitar duas vezes de pânico, eu vi você ali no meio. E então meu pânico cresceu mais ainda – ela disse, chacoalhando a cabeça. – Quando você se levantou, eu achei que você fosse dizer alguma coisa. Eu torci para que você fizesse isso. Mas você não o fez. E eu percebi que não cabia a você fazer aquilo, e sim a mim.
- O que você fez? – Perguntei, agora perigosamente perto de , não a toquei.
- Eu disse que eu tinha algo contra meu próprio casamento – ela disse, simplesmente, e minha cara de espanto deve ter sido muito boa, porque ela gargalhou. – Eu disse que estava apaixonada por aquele cara que tinha saído pela porta.
- Você não fez isso – eu disse, chocado, e ela sorriu.
- Eu faria quantas vezes fosse preciso – disse, com os olhos marejados. – Meu pai surtou. Disse que eu não estava pensando em meu futuro. Então eu disse a ele que resolver questões de negócios usando a filha como um peão de jogo era ridículo e coisa do século passado.
- E o Travis?
- Surpreendentemente adorou – ela sorriu.
- O QUÊ?
riu.
- Ele não queria casar. Achou o máximo. Na verdade, eu estava sem celular para pedir um Uber, então ele pediu um para mim e me desejou boa sorte – disse, e eu apenas a encarei, chocado.
Então ela encostou o corpo no meu, e mordeu o lábio, parecendo incerta. Tocou meu rosto de leve, e respirou fundo.
- , eu amo você. Desculpe por não ter jogado tudo para o alto antes. Eu percebi, talvez tarde demais, que sacrificar a minha felicidade para fazer a dos outros era uma loucura. Meu pai é grandinho, tem diretores espertos ao lado dele e pode se virar sozinho – ela suspirou. – Mas eu não poderia perder você. Não de novo. Não para sempre.
Pisquei, ciente de que estava prestes a chorar e que aquilo seria ridículo, e tomei em meus braços, beijando-a com a urgência e a saudade que estava durante todo aquele tempo. A garota dos meus sonhos era, de fato, minha garota, no mundo real.
- Eu também amo você, – respondi, com a testa encostada na dela, e ela sorriu largamente.
- Então por favor se apronte.
- Pra quê? – Perguntei, sem largá-la.
- Eu tenho duas passagens para uma semana no Havaí, e não podemos perder o voo – ela disse, sorrindo largamente, e eu fiz o mesmo, depois fiz uma careta.
- Você não está me levando na sua lua de mel, está?
Ela riu alto.
- É claro que não, seu idiota! Minha lua de mel era para Paris, porque a família de Travis é muito chique e um nojo, basicamente.
- Havaí com você... literalmente vivi esperando por isso – eu disse, beijando-a de leve. – Quanto tempo temos até precisarmos entrar em um Uber e ir para o aeroporto.
- Pouco tempo, já que você precisa arrumar as malas – ela respondeu, depois arranhou minha barriga embaixo da blusa. – Podemos fazer isso no avião.
Arqueei uma sobrancelha, malicioso, depois ri.
- Tá aí uma ideia quase melhor do que uma semana com você no Havaí – brinquei, e então sorri para . – Preciso de cinco minutinhos para outra coisa.

- Está pronta? – Perguntei, divertido, e riu.
- Você vai me achar ridícula se eu disser que nunca estive tão ansiosa?
- Claro que não – sorri, encarando-a de canto de olho.
Estendi minha mão para e ela entrelaçou os dedos nos meus, e eu abri a porta de vidro da portaria do prédio, levando-a para a rua.
olhou para nossas mãos e para o meu rosto, parecendo encantada, e de um gritinho desconexo, toda empolgada. Gargalhei e a abracei de lado, caminhando pelas ruas de Chicago, entre meus vizinhos e desconhecidos, de mãos dadas com a garota que eu amei durante mais de um ano sem poder dizer a ninguém.
Aquelas pessoas não tinham a menor ideia do que estávamos fazendo, e se tivessem, provavelmente achariam aquela ideia patética e ridícula. Eu não ligava. Porque quando olhou para mim e sorriu, eu soube que ela entendia. A virei de frente para mim e a beijei, certo de que estava atrapalhando o fluxo da calçada, causando curiosidade em gente esquisita e começando a congelar por causa dos flocos de neve.
Dane-se.
Hunter era minha namorada. E agora o mundo inteiro podia saber disso.



Fim.



Nota da autora: Docinhos do meu Brasil e do mundo, que saudade de escrever algo novinho em folha para vocês <3 (e de participar de ficstape, também, porque esse negócio simplesmente vicia, hahahahaha. Dessa vez, em vez da comédia, tivemos um romance muito conturbado de um casal que não pode ficar junto e eu ADOREI escrever isso para mudar um pouquinho de cenário. O que acharam? De coração, espero que tenham curtido, então deixem seus comentários sempre lindos e cheios de amor, vou adorar e exaltar cada um deles! hahahaha. Muito obrigada pelo apoio de sempre, tá? Amo vocês. xx Cah

Outras Fanfics:
Summertime: Finalizada (/fanfics/s/summertime.html)
Behind The Scenes: Em Andamento (/ffobs/b/behindthescenes.html)
Who's That Guy?: Short/Finalizada (/ffobs/w/whosthatguy.html)
06. Photograph: Ficstape Multiply - Ed Sheeran (/ficstape/06photograph.html)
Storm Warning: Short/Finalizada (/ffobs/s/stormwarning.html)
Amor Em Jogo: Challenges/Finalizada (/challenges/05amoremjogo.html)
Be Your Everything: Especial da Equipe/Finalizada (/fanfics/b/beyoureverything.html)
One Night Only: Especiais/Finalizada (/fanfics/o/onenightonly.html)
Never Gonna Be Alone: Especial de Natal/Finalizada (/fictions/n/nevergonnabealone.html)

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


CAIXINHA DE COMENTARIOS:

O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.


comments powered by Disqus