Ela sentia os flashes batendo em seu rosto enquanto tentava não demonstrar o quanto eles a incomodavam. O sorriso estampado em suas feições fazia com que as bochechas doessem e enquanto a moça trocava de posição para parecer o mais natural possível, podia sentir também a coluna protestar pelas diversas horas que havia passado em pé.
Apenas mais algumas horas, . Aguente apenas mais algumas horas.
Ela se agarrava àquele fio de esperança a cada minuto, só assim conseguiria desenterrar forças para suportar aquilo.
A garota inocente de três anos atrás jamais imaginaria que, a partir do momento em que pisasse um reality de talentos como o American Idol, nunca mais voltaria a ser a mesma.
No início, tudo havia sido maravilhoso. Sentir todos os holofotes voltados para ela enquanto avançava as fases do programa e conseguia uma legião cada vez maior de fãs era um sonho se tornando realidade. Sonho esse que ela alimentava desde o momento em que descobriu que a maior paixão da sua vida era a música.
Todo o seu castelo ruiu a partir do momento em que sua vitória foi anunciada e aquele contrato fora assinado. As pessoas que trataram com ela haviam sido absurdamente levianas e sem se dar conta disso, acabava de vender sua alma ao diabo.
O contrato dizia que ela deveria permanecer com eles por dez anos e se desejasse rompê-lo antes do prazo, teria que pagar uma multa bilionária para compensá-los por todo o investimento em sua carreira.
Sua ingenuidade dizia que ela nunca desistiria dele, que permaneceria com eles por cinco, dez anos e seria como uma daquelas artistas lendárias que ninguém esqueceria.
Naquele momento, enquanto andava pelo tapete vermelho daquela premiação, tudo o que mais desejava era que fosse esquecida.
Doeu ter chegado àquela conclusão, mas ela não tinha escolha assim como não tinha mais controle sobre si mesma desde aquele fatídico dia em que sua assinatura foi riscada no papel.
Dietas malucas, horários insanos, entrevistas e mais entrevistas, shows e mais shows. O mínimo erro que cometesse era duramente criticado e mesmo quando andava “na linha” e fazia tudo exatamente como lhe mandavam fazer, em prol da imagem impecável que possuía perante o público, as pessoas não mediam as palavras. Toda vez que ousava checar suas redes sociais, a enxurrada de xingamentos muitas vezes superava os elogios e a machucava de forma mais cruel do que facadas.
precisava que aquilo tudo acabasse. Não aguentava mais aquela vida de aparências. Não suportava mais a ideia de que as pessoas idolatrassem e ao mesmo tempo odiassem aquele produto da mídia que ela era. Não havia um dia sequer que ela não se sentisse como se estivesse em uma vitrine, exibindo toda a sua vida e mentindo para todos ao fingir que gostava de ser assim.

Uma alternativa lhe foi apresentada. Alternativa essa que a princípio ela julgou insana demais até mesmo para alguém desesperado como ela, mas com o passar dos dias e a conclusão de que a pressão que sofria estava ainda muito longe de acabar, percebeu que seu desespero no fundo falava muito mais alto sim.
Ninguém podia saber de seu plano, ninguém além de seus familiares e a única pessoa além daquele círculo em quem confiava: .
Ele era uma das poucas pessoas verdadeiras em sua vida, uma amizade que ela cultivava desde os primórdios de sua adolescência. O conheceu como um garoto magricela, que lhe trazia chicletes de cereja em troca de lições de casa feitas. Ela não se importava em ter trabalho dobrado todas as noites porque simplesmente adorava a companhia dele. era seu melhor amigo desde sempre e para sempre.
Com o passar dos anos, o sentimento de amizade havia evoluído para um amor puro e genuíno, no entanto, por mais que tudo fosse recíproco da parte de , eles não podiam ficar juntos. A mídia não aceitaria, muito menos seus empresários, que escolhiam a dedo com quem a garota se relacionaria e por quanto tempo.
se sentia nervosa com a ideia do que faria assim que saísse daquele evento. Sua mente e seu coração trabalhavam a mil e a ideia de que tudo poderia dar tremendamente errado fazia com que ela vacilasse vez ou outra, mas, no final das contas, a cantora faria qualquer coisa para que tivesse sua liberdade de volta.
— Eu gostaria de agradecer a cada pessoa que tornou isso possível. Sem o apoio incondicional de meus produtores, dos treinadores do American Idol, da minha família e, é claro, dos meus fãs, eu jamais estaria aqui, diante de vocês, recebendo esse prêmio de cantora do ano. Muito obrigada, eu não poderia estar mais feliz — reproduziu o discurso que havia sido obrigada a memorizar, então voltou a sorrir daquela mesma forma mecânica que acabou se tornando quase natural para ela, assim como as lágrimas que ameaçavam tomar seu rosto.
poderia muito bem seguir a carreira de atriz, se fosse isso que seus queridos produtores desejassem.
Ela então respirou fundo enquanto voltava a atenção para seu vestido longo e azul oceano, puxando-o graciosamente para que pudesse descer as escadas do palco sem que caísse.
Foi surpreendida então por Arthur Jenkins, o mais novo cantor queridinho da América, que lhe estendeu a mão, oferecendo-se para ajudá-la.
Não precisou trocar muitos olhares com o rapaz para saber que tudo aquilo fazia parte da encenação e de forma educada aceitou a mão de Arthur, sorrindo abertamente como se estivesse encantada pela atitude dele.
Exclamações ecoaram ao seu redor e olhares a acompanharam até mesmo depois que o cantor lhe deixou em seu lugar, beijando delicadamente as costas de sua mão e lhe lançando uma piscadela.
Certamente, o desejo de ambos os empresários era que os nomes dos dois estivessem em todos os tablóides.
também notou a ponta de desconforto no olhar de Arthur e soube que ambos estavam no mesmo barco, assim como diversos colegas de profissão que ela havia conhecido no decorrer dos anos.

Perdeu-se completamente na própria mente enquanto fazia tudo o que era necessário no piloto automático. Aquilo acontecia em todos os eventos aos quais precisava comparecer.
Ela não via a hora de ser liberada para partir.
No entanto, quando se despediu de todas aquelas pessoas e caminhou na direção da limusine, seu coração pareceu despertar do transe e passou a bater feito um louco.
As pessoas sequer desconfiavam, mas depois daquela noite, ela deixaria de ser .
— Não esqueça, amanhã às cinco o motorista estará pronto para levá-la até o cabeleireiro. Você precisa estar repaginada em comemoração ao prêmio e ao novo CD que começará a gravar em breve. — Acenou positivamente ao ouvir as instruções de Daniel Lewis, seu empresário.
— Pode deixar, Lewis. Estarei lá — murmurou com um sorriso. — Boa noite.
— Boa noite, meu pote de ouro — o homem respondeu e assim que se viu dentro do carro com as portas fechadas, a mulher se aproveitou dos vidros escuros para bufar baixinho e revirar os olhos.
Ela odiava ser chamada daquilo, só ressaltava a forma como era vista: um mero lucro.
— Tudo bem? — Ergueu a cabeça ao ouvir a voz de vir do banco do motorista e imediatamente um sorriso genuíno se formou em seu rosto. A sensação de alívio foi tomando conta de si.
— Mais do que bem, apesar do medo de tudo dar errado — confessou ao fazer uma careta em direção ao espelho retrovisor, onde encontrou os olhos dele lhe observando.
— Não vai. Eu estarei com você o tempo todo — prometeu e mesmo que o homem tivesse soado um tanto convencido, ela confiava nele o bastante para se permitir acreditar em suas palavras.
— Obrigada, . Jamais conseguiria fazer isso sem você — tornou a dizer após alguns segundos de silêncio.
— Deixa para me agradecer depois. — Piscou para ela. — Você já repassou tudo o que precisa fazer, certo?
— A noite toda — admitiu, engolindo a seco.
— Perfeito. Nós não teremos muito tempo. Assim que alcançarmos o túnel, a ação toda precisa acontecer em poucos minutos.
— Certo — assentiu, desviando seu olhar para a janela.
— ? — ele a chamou, fazendo com que ela o encarasse de novo. — Você consegue.
— Eu sei. — Não soube de onde aquela confiança surgiu. Talvez tivesse a ver com aquelas poucas coisas das quais se tem certeza na vida.

🎙️

“Durante a madrugada deste domingo (27), uma limusine se envolveu em um grave acidente no Third Street Tunnel. Segundo relatório preliminar das autoridades locais, o motorista teria perdido o controle do veículo e na tentativa de evitar uma colisão com uma das paredes do local, ocasionou o capotamento. Havia dois ocupantes, porém antes que a equipe de resgate chegasse, uma explosão impediu que ambos escapassem com vida. A perícia já se encontra no local a fim de identificar quem seriam as vítimas.”

“Temos novas informações sobre o caso do acidente no Third Street Tunnel. Segundo os peritos que estiveram no local, a explosão da limusine impossibilitou uma identificação genética dos ocupantes do veículo. No entanto, fontes afirmam que a limusine em questão pertencia à cantora norte-americana ”.

“Os empresários de confirmaram que a cantora estava presente no veículo envolvido no acidente deste último domingo. Segundo depoimentos, a jovem teria deixado a premiação do Grammy após vencer como cantora do ano, acompanhada de seu motorista, até o momento não identificado. deixa uma legião de fãs inconformados com sua morte trágica, além de uma carreira curta, porém memorável. Segue agora alguns dos momentos mais emocionantes da trajetória da cantora”.

— Tem certeza de que você quer continuar lendo essas coisas? — A voz de fez com que a garota tomasse um pequeno susto, quase derrubando o celular que tinha em mãos.
— Você me conhece. Eu não consigo conter a curiosidade. — Ela riu, dando de ombros, vendo-o negar com a cabeça e então puxar a camiseta para cima, ficando apenas de bermuda diante dela.
— Bom, quando você se cansar de ler sobre sua própria morte, será mais do que bem vinda a se juntar a mim — piscou, se atirando na piscina.
ergueu uma sobrancelha de leve, se segurando para não morder o lábio ao admirá-lo rapidamente.
Sentada naquela espreguiçadeira, sentindo o sol bater contra seu rosto e a brisa leve brincar com seus cabelos, agora tingidos com o tom acobreado que ela desejava usar há muito tempo, mas nunca haviam permitido, a mulher experimentava finalmente como era se sentir livre.
Não havia sido tranquilo executar aquele plano de fuga. Ainda sentia uma pontada de medo de que descobrissem que ela e haviam abandonado aquela limusine e acertado todos os detalhes para que todo mundo acreditasse que os dois morreram em uma grave explosão.
Sendo sincera, ela conseguia ver algumas falhas naquilo tudo, mas não havia mais como voltar atrás. estava morta e ali, em uma ilha afastada, na Grécia, agora ela era Zara Nestoris.
Zara não precisava esconder seus sentimentos por , agora Elwin Nielsen. Com a identidade e aparência novas, podia ir aonde quisesse, sorrir de verdade e o mais importante, respirar sem aquela sensação horrível de sufocamento.
A liberdade lhe caía absurdamente bem.
Elwin tinha razão, ela não precisava mais saber nada sobre sua vida antiga, muito menos perder tempo cogitando as consequências do que havia feito. Em troca daquilo que tinha agora, Zara tinha certeza de que faria tudo novamente.
Soltando um longo suspiro satisfeito e largando o celular sobre a espreguiçadeira, a jovem então se levantou, livrando-se da canga e se atirando na piscina atrás de Elwin.

Nota da autora: Meus amores, esperam que vocês tenham gostado dessa oneshot!
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Beijos e até a próxima.
Ste.



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