04. Show Me The Meaning Of Being Lonely

Última atualização: Fanfic Finalizada

Capítulo Único

Show me the meaning of being lonely
(Mostre-me o significado de ficar sozinho)

- Você colocou sal demais, querido. – Disse ela, rindo da minha tentativa fracassada de fazer uma sopa de frango.
- Ah, não reclame. Duvido que outros maridos ao menos tentem fazer uma sopa. – Falei, mas assim que abriu a boca para me contrariar, lembrei-me do marido da Sunny, que era chef de cozinha.
- Na verdade...
- Ok, não responda – Murmurei, fazendo ela rir.
Coloquei uma colher na boca para ver se estava mesmo assim tão salgado e, com pesar, percebi que teria que jogar fora. A não ser que salvasse o jantar. Virei-me para ela com aquela cara de socorro e parece que ela leu minha mente, não sem antes revirar os olhos.
- Vai lá assistir Discovery Kids com o Henry enquanto eu arrumo sua caca.
- Ei, minha intenção foi boa!
- É claro que foi. – Ironizou, enquanto eu ia para sala assistir TV com Henry.
Ao contrário do que a mãe pensou, Henry não estava assistindo Discovery Kids coisa nenhuma, muito pelo contrário. Estava assistindo um jogo de tênis no ESPN. Seus olhinhos estavam arregalados e ele tentava imitar os movimentos dos jogadores com sua raquete de brinquedo. e eu começamos a perceber que eram fases. Em uma ele assistia a todas as competições de natação possíveis, na outra seu negócio já era o NBA. Cheguei a dar aulas de beisebol três vezes por semana para ele, mas depois ele desistiu dizendo que gostava muito mais de tênis. E está vidrado assim há mais ou menos uns quatro meses. queria que ele fizesse aulas, já que gosta tanto, mas acho que é cedo demais colocar uma criança de seis anos atrás de uma rede e dar uma raquete a ela. Principalmente a Henry, o garoto mais hiperativo que eu conheço. É capaz de ele bater com a raquete na própria cabeça em uma tentativa de ser engraçado. A família inteira acha o máximo, e desde que ele aprendeu a andar o que eu mais ouço é “Esse menino vai ser atleta!”. Mas é claro que na posição de pai eu não posso fazer nada quanto a essas fases. Enquanto ele não me pedir as aulas (como foi o caso do beisebol), eu não farei nada em relação a isso. Afinal, tênis pode ser mais uma de suas fases.
- Papai, eu bati no Mark hoje. – Falou Henry, sem medo nenhum. E não havia nenhuma marca de rancor em sua voz, o que me deixou preocupado. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele continuou. – A escola ligou para mamãe, e ela ia te contar isso, mas eu que queria contar para você.
Suspirei, franzindo o cenho.
- Certo, Henry. Por que você acha que Mark mereceu que você batesse nele? – Perguntei, já desligando a TV.
Ele olhou para a cozinha preocupado e se aproximou mais de mim.
- Você não vai contar pra mamãe? – Condicionou, em uma voz aflita e baixa.
- Não, Henry, não conto. Segredo nosso. –Garanti a ele, com uma voz igualmente baixa. Ele não precisava saber que eu contaria a ela depois.
Henry suspirou.
- O Mark chamou a mamãe de cachorra. E depois que eu disse que a dele também era, ele chamou ela de puta. Daí eu bati nele.
Não defendia nenhuma forma de violência, mas se fosse em legítima defesa, quem sou eu para repreender Henry? Eu teria feito o mesmo no lugar dele.
Suspirei outra vez. Vamos lá, , você consegue.
- Olha só, Henry. Eu sei que você só estava defendendo a mamãe, mas isso não pode acontecer novamente, certo?
Henry sacudiu a cabeça para cima e para baixo rapidamente.
- Sim, pai. – Concordou.
Percebi que ele largou a raquete em cima da mesa de centro e, ligando novamente a TV, se pôs a vasculhar os canais. Olhei atentamente para a raquete, achando que ele finalmente tinha encontrado um hobby.
É claro que me enganei. Depois de xeretar em todos os canais disponíveis, parou em um de luta livre e, abandonado a raquete para sempre, me olhou sério.
- Papai, me dá uma luva de boxe?

estava escovando os dentes no banheiro e eu tinha acabado de por Henry para dormir quando o telefone tocou.
- ?
- Oi, mãe. – Respondi, entusiasmado. Fazia tempo que ela não telefonava.
- Escuta, não quer vir você, Henry e almoçarem aqui amanhã? Seu pai quer fazer churrasco. Sunny e Brian virão também.
- Tudo certo, falarei com ela. Tchau! – E desliguei, antes que ela resolvesse pedir algo. Nada contra, mas estava meio cansado.
- Quem era? Sua mãe? – Perguntou , quando apareci no corredor.
- Sim, vai ter churrasco amanhã. – Ela suspirou, acho que feliz por não precisar fazer almoço. Nenhum dos dois gostava muito de cozinhar e na maioria das vezes nós pedíamos comida, ao invés de fazê-la nós mesmos.
- Ah, levarei sua sopa. – Declarou, indo para o quarto. Antes que ela saísse, eu a segurei pela cintura.
- Não vai mesmo!
- , me solta! – Gritou, rindo, enquanto eu fazia cócegas nela.
- Para de gritar, , vai acordar o Henry. – Retruquei, fazendo ela rir mais ainda.
Ela parou de rir, olhando para mim.
- Eu amo você, .
- Também amo você, querida. – Sussurrei, a abraçando.
- Eu sei que você não vive sem mim. – Sussurrou de volta. Ri.
- Claro que vivo.
- Não vive não. – Falou, saindo de meu abraço.
- Me mostre como seria estar sozinho, então.
Ela apenas riu docemente, tocando minha face.
- Apenas durma, .
Nos acomodamos na cama depois de várias sessões de alfinetadas e ela, fingindo estar brava, puxou todo o edredom para si e virou-se de costas para mim. Achei engraçado, mas não tentei pegar o edredom de volta. Até mesmo porque quando decidi fazê-lo ela já estava dormindo. Eu era um cara sortudo, sabia disso. Lembro do dia que a gente se conheceu.
Eu tinha dezessete anos e havia acabado de tirar minha carteira de motorista. Estava chovendo e minha mãe pediu para que eu fosse até o centro pegar umas encomendas que ela esquecera de pegar no dia anterior. Fiz birra, inventei uma dor de estômago, inventei prova, inventei até uma recuperação, mas no fim das contas não adiantou, tive que ir. De cara amarrada e com a promessa de que iria arranhar a pintura daquele carro na volta.
Assim que cheguei lá, percebi que tinha valido a pena. Me apaixonei pela atendente. Não pense você que era (e não deixe ela saber disso), mas a atendente era linda demais. O que eu chamava de linda naquela época, hoje eu chamo de vulgar, então você tem uma ideia de como ela era. Roupas curtas e tal.
- Espere um momento que vou pedir para pegar. – Falou ela, com aquela voz de veludo. E eu nem consegui responder, só fiquei fazendo uns barulhos meio neandertais, tipo “u-hum”.
Estava eu, viajando nas nuvens e tendo vários pensamentos eróticos altamente impróprios com a vendedora (que parecia ser bem mais velha que eu), quando alguém esbarrou em mim.
- Oi? – Falei para as caixas. Bom, pareceu para as caixas, porque a garota era pequena e estava escondida atrás delas.
- Oh, meu Deus, me desculpa! Eu sou tão desastrada! – Suspirou ela, colocando as caixas no chão. Em um movimento rápido levou as mãos aos olhos e foi aí que notei que ela chorava. Eu era um manteiga derretida total, me sensibilizei na hora.
- Você está bem?
Ela deu uma risada, sem humor nenhum.
- Eu pareço bem? – Falou apontando para a própria cara e se sentando no banco ali perto. Em seguida levantou, prestes a pegar a caixa novamente.
- Desculpa, mas acho que isso é meu. – Disse, apontando as caixas. Ela me lançou um sorriso aliviado.
- Cooper?
- Exato.
A moça colocou as caixas em um carrinho, para que eu pudesse coloca-las com cuidado no porta malas.
- Bem, vou com você até lá para trazer o carrinho de volta.
Assenti, e saímos da loja. Havia parado de chover, o que era ótimo já que eu estacionei um pouco longe. Ela não falou nada o caminho todo, e eu não aguentei a curiosidade quando vi a segunda lágrima rolando.
- Vai me contar o que aconteceu? – Ela pareceu assustada, cruzando os braços.
- Por que contaria? Nem o conheço. – É, eu deveria saber que não seria fácil. No fundo, ela tinha razão.
- Desculpe, eu só... Queria ajudar. – Sussurrei.
Ela parou de andar, me encarando.
- Ok. Levei um pé na bunda. Fim.
Ela queria soar brava, mas não deu certo. No “fim” sua voz estava embargada e em seguida ela já estava aos prantos.
- Você... você quer um abraço? – Perguntei, inseguro. Ela me encarou chorosa por uns trinta segundos inteiros e aí para o bem da minha dignidade resolvi retirar a oferta. – Tudo bem, eu só...
E ela realmente me abraçou. Eu estava abraçado a uma estranha no meio da rua. Sem saber o que fazer, afaguei as costas dela, até que sua respiração se normalizou e ela parou de chorar. Saiu de meus braços, enxugando as lágrimas. Deu um meio sorriso para mim e retomamos nossa curta caminhada. Ela me ajudou a carregar o carro quando chegamos até ele e estava prestes a voltar para a loja quando a chuva recomeçou.
- Entra aí, eu te levo lá. –Ela me encarou mais uma vez e depois de murmurar algo como “ok, foda-se”, entrou no veículo. Não foram nem dois minutos de viagem, mas eu gostei tanto dela que lhe pedi seu número de telefone. Ela abaixou os olhos como se pensasse seriamente em dizer que não, mas no fim das contas sorriu, e me passou o telefone.
E quem diria que a estranha agarrada no meu pescoço estaria dormindo do meu lado nesse exato momento? A vida era realmente incrível. Não apenas incrível, uma caixinha de surpresas.
A surpresa a qual me refiro é Henry.
Dois anos depois daquele encontro aconteceu a melhor coisa da minha vida. Bem, melhor agora, mas naquela época foi um caos.
- Eu vou me casar com ele, sim, sou legalmente adulta e você não vai me impedir! – Gritou com o pai. O homem se sentou, passando a mão na face.
- Você não tem obrigação de se casar com qualquer pessoa de quem engravidar. – O homem suspirou. segurou meu braço, arquejando.
- não é qualquer pessoa, papai. E eu vou me casar com ele.
Eu nem sabia o que dizer. O pai dela já me detestava antes e agora que eu não apenas a engravidara como também queria casar-me com ela... o ódio dele chegava ao olhar.
- Espero que você saiba o que está fazendo. – Murmurou ele, para mim. – Você a fez se virar contra mim, contra tudo que eu ensinei a ela. Olha só o que você fez, seu moleque.
Eu não queria brigar com ele. Eu sabia que se fizesse isso, ficaria chateada. Acima de tudo, ela amava seu pai e na maioria das vezes respeitava o que ele tinha a dizer.
Ele não foi ao casamento. Ele não foi visitar Henry. E ele ficou sem falar com por três anos e um dia, sem mais nem menos, teve um AVC e morreu.
ficou um tempo deprimida. Se sentia culpada e eu me culpava por isso também. Ela preferiu a mim do que se reconciliar com o pai, e sempre me dizia isso, mas o fato de ele ter morrido sem perdoá-la mexeu muito com ela.
As memórias foram ficando cada vez mais embaçadas, até que se transformaram em névoa e eu finalmente dormi.

It's hard to see in a crimson love
(É difícil enxergar em um amor ferido)

Acordei com o barulho de uma pessoa sufocando. Eu não conseguia abrir os olhos e, quando eu finalmente consegui, descobri que o problema era . Ela deu mais um resmungo, que parecia muito com um grito de socorro, e então não fez mais nada. Ficou estática ao meu lado na cama.
Foi só nesse momento que lembrei que tinha que fazer algo. Acendi a luz do quarto, com lágrima de aflição já descendo pelo meu rosto. não se movia. Ela estava parada em uma posição meio estranha, e eu não consegui fazer nada além de chorar. Só fiquei assistindo enquanto a vida pouco a pouco esvaia daquele corpo que eu amava tanto.
De algum modo, eu sabia o que tinha acontecido. Mas não queria saber, me apegava ao desejo louco de que havia chances de fazer tudo dar certo, de fazer ela voltar e que ela ficaria bem.
não podia ter ido embora, isso seria loucura.
Liguei para minha mãe, que chegou cinco minutos depois, deixei ela com Henry e fui com o corpo flácido de para o hospital. Eu sabia que não havia mais vida lá, mas eu tinha que fazer alguma coisa. Eu tinha que acreditar em alguma coisa.
Minha esposa, a mulher mais linda, calma e paciente do mundo estava desfalecida e eu não fazia ideia do motivo. Aquela menina doce, que hoje já era mulher. Uma mãe tão dedicada e uma esposa tão perfeita. Eu não estava acreditando, minha noite, que eu sabia que era a pior noite da minha vida, passou diante de mim como um borrão.
Não, isso não estava acontecendo. Quem sabe ela acordasse. Ela precisava acordar. A medicina estava adiantada hoje em dia, com certeza eles conseguiriam salvá-la. Precisavam salvá-la, porque eu precisava dela.
Mas o médico fez que não. O médico negou com a cabeça. Quem eu era para contestar um médico? Eu precisava de mais do que nunca. Precisava de seu abraço, de seu sorriso. Precisava de cada pedacinho dela. De seus beijos, do aconchego de sua risada. O que eu faria agora?
Quem eu seria daqui em diante?
Ainda estava em fase de negação. Estava tão no automático que abri os olhos e já me vi no velório. Eu não aguentava mais olhar para a face imóvel de minha falecida esposa. Eu não aguentava. Até respirar estava doendo. E era uma dor insuportável.
Quem eu seria daqui em diante?
"Henry", sussurrou uma voz na minha cabeça. Eu não conseguia mais nem olhar para Henry. Não entendia o motivo, mas Henry era tão parecido com ela... Eu não aguentei olhar para sua carinha chorosa quando minha mãe lhe contou o que houve. Escutei ela dizendo “Mamãe foi para o céu, morar com os anjinhos”. Henry gritou. Chorou. Me deu muita pena dele, mas estava sentindo pena de mim mesmo, preocupado comigo mesmo para prestar atenção em qualquer outra coisa. Ele obviamente foi a única coisa que sobrou da minha doce , que fora vítima de um infarto, mas eu não conseguia encarar meu filho e não enxergar nele. Eu não conseguia mais olhar para o meu próprio filho.
- Leve-o. Por favor, leve-o. – Sussurrei para minha mãe, que estava na saída do cemitério. Minha família toda estava lá. Prestando condolências. Se despedindo dela. Chorando.
Eu não estava entendendo, até poucas horas atrás ela estava ótima. Perfeitamente sadia. Quem poderia imaginar uma coisa dessas?
- , ele é seu filho. – Retrucou minha mãe, comprimindo os lábios.
Minha cara não devia estar uma das melhores. Eu havia passado as duas últimas horas chorando e ainda estava praticamente de pijamas. Devia estar péssimo, com olheiras até o queixo, mas eu não me importava. Melhor que eu não dormisse. Isso evita os pesadelos.
- Eu não consigo olhar para ele. Eu não o quero. – Consegui admitir. Minha mãe arquejou, tentando não parecer muito brava.
- , ele é seu filho! – Repetiu.
- E dai? – Eu acabei de perder minha mulher. Será que eu posso passar um tempo de luto sozinho? Por que ninguém conseguia me entender? Henry não ficaria bem se estivesse comigo nessa situação.
Ela me olhou zangada.
- Considerando seu estado, vai ser melhor que ele venha com a gente mesmo. – Me olhou feio, mas antes de se afastar completamente, voltou. – Engraçado é que se tivesse acontecido o contrário, a última coisa que faria seria se livrar de Henry, por pior que estivesse.
Foi a última coisa que ela declarou, me dando uma última olhada e entrando no quarto de , onde seu corpo repousava sem vida.

Is this the feeling I need to walk with?
(É esse sentimento que preciso suportar?)

É estranho você lutar depois da morte de alguém. É confuso, não há palavras para descrever o quão ruim foram os anos depois que ela morreu. Eu já podia me considerar um alcoólico. Minha situação era caótica. O apartamento fazia meses que não via uma vassoura e eu perdera meu décimo emprego há duas semanas. Podia ver no rosto da minha mãe o desgosto que ela estava sentindo sempre que ia me ver. Vendi a casa e gastei todo o dinheiro com jogo e bebida. Até para o bordel eu fui, mas parei de frequentar depois de dormir com uma menina chamada . Não parava em lugar nenhum por mais de uma semana e o dono do bar já me conhecia pelo nome. Estava falido, endividado, fedendo a bebida, mas não conseguia parar de fazer nada daquilo. Minha rotina resumia-se nas coisas mais deploráveis e eu também tinha esquecido quem eu era. Sabia que estava jogando minha vida no buraco, mas eu já não tinha vida.
Porque eu não estava mais vivendo, estava só existindo.
Henry devia ter uns doze ou treze anos agora, mas não queria saber. Não me importa. Ele tentou entrar em contato comigo semana passada. Estava grande, sadio. Os mesmos olhos de e os mesmos cabelos que os meus quando eu tinha a idade dele. Eu estava fazendo café quando a campainha tocou. Enxuguei a mão na toalha e fui ver quem era.
Era a primeira vez que eu o via desde o velório. A primeira vez que eu via Henry em sete anos. Era o mesmo menino, mas não era. Para ser sincero tive certo receio que ele crescesse e virasse um revoltadinho da vida por minha causa, mas ali estava ele. Alto, bonito, saudável. E muito educado.
- Ei, pai! – Falou sorrindo quando me viu. Continuei com minha carranca, quem sabe ele desistisse.
- O que?
Ele corou.
- Hmm... vovó e vovô estão no médico, você pode me levar para a aula de karatê? – Bufei.
- Estou ocupado. – Falei, mesmo sendo mentira. Eu estava longe de estar ocupado. Ele me olhou com os olhos brilhando.
- Por favor, pai.
Fechei a cara para ele.
- Não volta mais aqui. E eu não sou seu pai.
Minha intenção era fechar a porta na cara dele, mas eu vi a lágrima solitária que escorreu antes de ele sair correndo. Gostaria de não ter visto. Gostaria de não ter agido daquela maneira. Gostaria que aquele encontro tivesse sido diferente. Mas não foi.
O peso na consciência que eu senti por anos depois dessa cena não caberia nessa página de tão grande e pesado que era.

Eyes of stone observe the trends
(Olhos de pedra observam as mudanças)

- ?
Dei risada quando a maçã rolou da minha mão e foi parar embaixo da prateleira.
- Estou aqui, Meri.
- Derrubou minhas maçãs outra vez? – Perguntou. Eu ri, dando de ombros.
Passamos mais uma ou duas horas organizando as maçãs em seus lugares na prateleira. Eu gostava de trabalhar com a Meri, ela me lembrava muito a minha avó.
Eu me sentia bem. Tão bem quanto um homem enlutado poderia se sentir. Já haviam se passado dezessete anos desde a morte de e pela primeira vez em muito tempo, eu estava bem. Com saudades doloridas dela, mas bem.
- Não pensa em voltar para casa? – Soltou Meri. Não, não mesmo. Me mudei para o interior seis anos depois de viver de sobras, de personificar o zumbi na Terra. Decidi me mudar, principalmente para me afastar de Henry. Eu era um péssimo homem naquela época, ele merecia coisa melhor. Ele precisava de um pai melhor e não um fracassado como eu, que fugi na primeira desgraça.
- Por que a pergunta? – Desconversei.
- Oh, não quero que pense que está sendo inconveniente! Você me ajuda muito! – Começou. Dei um sorriso fraco, começando a organizar as laranjas. – Bom, é Henry.
Estaquei onde estava. A última vez que Henry tentou fazer contato comigo, aos quinze anos, eu ignorei as cinco cartas que ele mandou. Lembro até hoje da primeira delas.
Pai, oi.
Eu estou gostando do colegial. Vovó me disse que você não era popular, e eu também não queria ser. Mas acabou que me inscrevi para tanto esporte, que fiquei muito conhecido. O treinador Flepman (você lembra dele?), disse que se eu continuar assim até o último ano eu consigo uma bolsa na faculdade. Tomara que eu consiga entrar na NYU. Você é de lá, né? O Tim, meu melhor amigo, disse que a mãe dele estudou pedagogia lá e gostou bastante. Eu disse que você era de lá também, mas fiquei envergonhado quando não soube o curso que você fez. Que curso você fez, pai?
Eu sinto sua falta, sabe. A falta dela também. Ás vezes eu vejo fotos e eu esqueço que você está vivo. Tem horas que me sinto escrevendo para um defunto, tem vezes que acho que perdi meus dois pais de uma só vez.
Não sei se sabe, mas você não morreu. Eu te entendo. Sei que as vezes quando uma pessoa que a gente gosta se vai parece que não tem mais vida que valha a pena. Acho que você não lembra disso, mas ela era minha mãe.
Acha que eu não sinto a falta dela?
Que eu não ficava triste quando tinha apresentação para os pais e eu não via nenhum dos meus, na plateia? Era horrível, pai. E quando tinha churrasco de pais na casa dos meus amigos? Eu era o único sem pais. E eu começava a chorar quando perguntavam onde vocês estavam. Eu só dizia “Eles morreram”. Não pense você que sou um ingrato, muito pelo contrário, eu amo a vovó e o vovô. Eles me criam desde criancinha e sou muito grato a eles.
É só que eu queria você. Eu queria um pai para jogar beisebol comigo, para me ensinar a empinar pipa, para viajar, para perguntar porque eu estou bebendo, para me ensinar a dirigir, me aconselhar com as garotas e me dar o manual de sobrevivência da adolescência. Eu só queria um pai.
Acha que eu não sinto a sua falta?
A diferença é que ela morreu, mas você está aqui.
Você está aqui, só que não queria estar e eu entendo isso.
Mas pense se correr de mim não foi meio covarde da sua parte. Não foi só você quem perdeu alguém naquele dia. Uma pessoa perdeu a irmã, outra pessoa perdeu a filha, outra perdeu a sobrinha...
E eu perdi minha mãe.
Henry.

Eu chorei no dia que li. Chorei porque estava arrependido. Chorei porque eu nunca olhara por esse ângulo. Henry tinha razão, eu tinha sido um covarde, um egoísta. Nunca me passara pela cabeça que outras pessoas sofreram com isso.
Mas fiquei envergonhado demais para responde-lo. Resolvi ignorar. Ele mandou mais quatro depois dessa, que depois de chorar mais, ignorei novamente, até que ele parou de me informar sobre sua vida. Achei que finalmente tivesse desistido e cheguei à conclusão de que ele me odiasse.
Continuei fazendo meus afazeres.
- O que tem ele?
- Isso. – Falou, chacoalhando uma carta na minha frente. Uma parte de mim ficou feliz por ele não ter desistido, mas a outra parte teve medo do que estava escrito. Certo, pois eu leria.
Peguei a carta da mão de Meri enquanto ela me olhava orgulhosa e, abrindo o envelope, me sentei em banquinho ali perto para ver sobre o que era.
"Ei, pai.
Sei que não sei importa comigo e essas coisas, mas só queria dizer que entrei na faculdade. SOU CALOURO DA NYU! Aqui é bem legal e me deixam fazer parte de até três times, mas só escolhi tênis e basquete. Pratico natação de vez em quando, porque acho que é bastante relaxante. É terapêutico, sabe? Eu uso uma metáfora. A borda da piscina é solução e a água são os problemas. Eu me acho forte porque consigo mergulhar nos problemas e não me afogo. Eu decido se irei me afogar ou não e quando penso nisso, vou direto para a borda me salvar, porque eu sei que a solução para não morrer afogado está lá.
Você não é muito forte. Deixou os problemas afogarem você, deixou eles te afundarem, deixarem você no fundo da piscina. Você está acorrentado agora, por isso não consegue voltar para cima, por isso não consegue segurar sua borda. Quem te acorrenta no fundo da piscina? Quem é sua borda, pai? Porque você não corre até ela? Porque fica aí se afogando ao invés de nadar, ao invés de lutar? Quem é você?
Eu entendo que você sinta falta dela, de verdade.
Só não entendo porque não sente a minha.
Henry.
"
- Ele já mandou cinco dessas durante esses anos. – Lembrou Meri. – Sabia que tinha possibilidade de você ficar bravo, mas tinha que pelo menos ouvir o que ele tem a dizer.
Abaixei a cabeça.
- Ele é seu filho, . A herança que deixou para você. Você acha que ela estaria feliz se visse que você literalmente abandonou Henry?
Levantei-me rapidamente de onde estava. Meri se assustou.
- Onde vai?
Ergui as sobrancelhas, suspirando. Não sabia porque faria isso, mas ele não me odiava, acho. Será que dava tempo de me reaproximar dele? Será que essa última mensagem havia me tocado, de alguma forma? Eu sabia que sim. Sabia que quem estava me acorrentando era e a borda que eu precisava para me salvar era o próprio Henry. Eu entendi isso.
- Visitar meu filho na faculdade. – Respondi, colocando o boné e saindo da loja.


There's something missing in my heart
(Tem algo faltando em meu coração)

- Você está uma linda noiva, Eveline. –Sussurrei para minha quase nora. Ela corou.
- Oh, isso não é apropriado. Ninguém deveria ver a noiva antes da hora.
Dei risada.
- Achei que fosse entrar com você na igreja. Porque Henry não deixou você entrar sozinha. – Eveline revirou os olhos.
- Aquele babaca.
Estava feliz por eles. Estavam tomando uma decisão importante e eu não poderia apoiar mais. Sempre desejei que Henry tivesse a honra de ter o mesmo amor que e eu partilhamos, e estava vendo isso acontecer bem diante dos meus olhos. Eveline era cerca de oito anos mais nova que Henry, mas isso nunca foi problema para nenhum de nós. Ela era uma mulher incrível e eu sabia que ela e Henry seriam muito felizes.
- Estou muito feliz por você e por aquele babaca. – Falei, sorrindo. Eveline sorriu comigo, arrumando o véu pela última vez.
- Eu também estou, . – Respondeu, cúmplice. – Ele é o melhor babaca do mundo.
- Está na hora. – Gritou a organizadora, entrando no quarto.
Sorri uma vez para Eveline, a acompanhando até a escada.
Lembrei-me do meu próprio casamento com . Sua perda ainda me doía muito, mas depois percebi que Henry era a pessoa mais importante da minha vida e resolvi voltar para capital. Nossa aproximação foi difícil, mas aconteceu. Mais tarde descobri que Henry tinha sido a âncora que me uniu com a felicidade do mundo real de novo. Ele me salvou de mim mesmo quando eu estava mais perdido do que nunca.
Henry era meu filho, sempre foi. Não fui o pai que ele precisou, mas ele nunca desistiu de mim. Ele sempre esteve lá, me puxando, tentando achar uma maneira de me fazer voltar ao normal. Eu fugi de Henry quando ele mais precisava de mim, e mesmo sabendo disso, ele sempre foi bom, sempre foi íntegro.
Ele sempre foi meu filho, mesmo que eu nem sempre tenha sido seu pai.
Estava vivendo bem, não cem por cento, mas considerando o do passado, me sentia bem.
Eveline tremeu e eu lhe transmiti através da minha expressão facial que tudo ficaria bem.
Ela deu um largo sorriso em resposta, entrelaçando nossos braços.
A música começou e eu tive a primeira visão da igreja. Henry estava lá no altar, com um sorriso bobo tão grande que quase ri da cara dele. As pessoas começaram a levantar quando Eveline entrou no campo de visão dos convidados, e Henry lá em cima só faltava chorar. Eveline apertou meu braço de nervoso, ela não gostava muito de ser o centro das atenções, mas eu coloquei minha mão em cima da sua, confortando-a. Conforme chegava perto de Henry, sua tensão diminuía e seu sorriso aumentava. Eu não cabia em mim de orgulho dos dois.
Chegamos no altar e eu coloquei a mão de Eveline em cima da de Henry. Ela se virou para beijar meu rosto e depois Henry me deu um abraço.
O padre olhou sorrindo para nós, começando a cerimônia. Depois de falar algumas coisas, passou a palavra para Henry, que iria fazer os votos.
- Eveline, meu amor. Depois de cinco anos e meio juntos, você ainda me faz contar cada minuto esperando você chegar. Você ainda me faz ficar na frente do celular que nem babaca para ver uma mensagem sua. Eu te amo muito, e não existe a menor possibilidade de eu não te amar. Não existe a menor possibilidade de eu não te fazer feliz. Porque eu nasci para te amar. Nós dois nascemos um para o outro. – Começou Henry, secando uma lágrima do olho de Eveline. – Muito obrigada, amor… Pela vida que eu nunca imaginei que ia ter um dia, pelo amor que eu nunca imaginei que fosse capaz de sentir… Você era tudo o que estava faltando na minha vida, e eu espero sinceramente poder ser o mesmo para você.
Henry estava chorando, Eveline estava chorando, até eu estava chorando. Ninguém sabia se era adequado ou não, mas foi tão lindo que todos aplaudimos. O padre sorriu para o jovem casal, tomando a palavra novamente.
- Eveline Belle Ryan, você aceita Henry como seu legítimo marido?
- Sim, sim, sim! – Ela praticamente gritou. Até o padre estava emocionado.
- Henry Dylan Cooper, você aceita Eveline como sua legitima mulher?
- Ac...
Eveline se virou para plateia com o rosto orgulhoso e feliz, e eu fiquei preocupado quando seu rosto radiante se transformou em uma careta de horror.
E então eu vi.
Henry havia caído no chão, antes mesmo de terminar a palavra “aceito”. Entrei em desespero, eu já vira essa cena antes.
Infarto.
Não.
Por favor, de novo não.
Não, não, não.
Sai cambaleando do lugar onde estava só para comprovar minha própria percepção. Eveline levou as mãos a boca, gritando. Eu me abaixei ao lado de Henry. Do corpo sem vida dele.
Mas como? Ele estava bem há cinco minutos atrás!
Comecei a chorar. Chorei. Gritei.
- Henry! Henry, acorda, acorda! – Comecei a chacoalhar o corpo inerte dele, em uma tentativa vã de lhe trazer a vida de volta. – Quem vai ser minha borda? Eu preciso de você ou então eu me afogo! ACORDA, HENRY!
Eu não conseguia consolar Eveline e não conseguia soltar o corpo do meu filho. Continuei gritando, chamando por Henry, implorando para que ele voltasse.
Isso não podia estar acontecendo novamente. Não era possível.
Senti que desmaiei.

Are you with me now?
(Você está comigo agora?)

Aconteceu algo estranho comigo. Minha voz implorando para que Henry voltasse foi ficando cada vez mais oca e então escutei a voz de me chamando. estava me chamando? Será que eu também morri? Sua voz me chamava cada vez mais perto, e eu escutava sua voz de um jeito cada vez mais nítido, enquanto minha própria voz sumia aos poucos. Fechei os olhos, seguindo o som da sua voz, querendo ir até onde ela estivesse.
Abri os olhos.
- , você está bem? Estava gritando o nome de Henry, ele até acordou. – Contou preocupada. Sentei na cama, encarando minha esposa. Vi Henry sentado ao lado dela, segurando seu ursinho preferido. Comecei a chorar e abracei os dois. Henry estava meio desconfiado, mas me abraçou de volta. – Querido, calma, foi apenas um sonho.
Tinha sido um pesadelo. Um terrível e real pesadelo. Um pesadelo que eu não quero ter que ver mais. Um pesadelo que me fez olhar para a vida de um jeito que jamais olhara antes. Por que meu subconsciente achava que eu iria abandonar Henry? Céus, eu jamais faria isso.
Tomei Henry nos meus braços e o ninei, e depois de ele me olhar muito confuso, acabou pegando no sono, bem ali no meu colo. Dei um beijo na testa dele e disse que o amava.
Olhei para , cuja face ainda estava contorcida em uma careta de preocupação.
- Por favor, , nunca mais me mostre o significado de estar sozinho.




FIM



Nota da autora: SHSUAHSUAHSUAHSUAHHSAU MANO, NÃO ME MATEM! Gente, espero que ninguém tenha chorado nem nada, sério. Não era para ter ficado tão #emocional assim, mas a letra me fez viajar. Ai, queria tanto ver a reação de vocês. Mal posso esperar para ler comentários surtados siajisjais <3 Espero que vocês tenham gostado desse drama maravilha, feito com muito amor e carinho.
Beijão!


Outras Fanfics:
Chemical Of Love (Outros/Em andamento)
Just A Girl (One Direction/Finalizada)
01. Welcome To New York (Ficstape 1989, Taylor Swift/Finalizada)
02. Good Thing (Ficstape In The Lonely Hour, Sam Smith/Finalizada)
02. Gotta Be You (Ficstape Up All Night, One Direction/ Finalizada)
06. Unbroken (Ficstape Unbroken, Demi Lovato/Finalizada)
17. Still The One (Ficstape Take Me Home, One Direction/Finalizada)


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