Última atualização: 22/11/2017

Capítulo Único

A população estava concentrada na capital de Skulevo, aguardando impacientemente a chegada de , o príncipe herdeiro do trono de Chouille. O rapaz tinha recém-completos dezenove anos, um sotaque carregado e a fama de galã entre todos os reinos. Praticamente todas as mulheres - de linhagens nobres ou não – sonhavam ou já tinham sonhado com aquele maxilar trincado e as sobrancelhas perfeitamente desenhadas sobre os olhos amendoados. Se houvesse um tipo universal de homem, seria seu eterno exemplo.
Enquanto o príncipe atravessava a passarela até as portas do palácio, vários visitantes, funcionários e alguns curiosos se curvavam em reverência. O homem revirou os olhos, controlando-se para não mandar que cada um deles se levantasse e voltasse às suas vidas. Não entendia a importância exagerada que a droga de seu título tinha para aquelas pessoas; sequer eram seus súditos.
Da grande janela do andar superior, observava a cena com um sorriso divertido, já imaginando a irritação do príncipe, afinal a cena se repetia todas as vezes em que ele ia visitá-la. Não podia dizer que não se identificava com aquela sensação incômoda de que tudo naquele sistema estava errado. Mas não era hora de ocupar sua mente com pensamentos ruins e problemas.
- Vossa Alteza – uma das damas de companhia de apareceu à porta de seu quarto -, o príncipe gostaria de entrar em seus aposentos.
- Por Deus, , quantas vezes vou ter que dizer às suas damas que eu tenho passagem livre nesse castelo? – O rapaz ultrapassou a moça, entrando pelas grandes e pesadas portas de madeira nobre.
- Deixe-as em paz, . Elas apenas estão fazendo seu trabalho. Não podem simplesmente deixar um homem entrar no quarto da herdeira.
- Nem quando esse homem é o seu melhor amigo desde sempre? Que vida que nós levamos, não? Mas venha cá, minha princesa predileta – o homem disse antes de levantar a garota pela cintura, rodando-a e arrancando risinhos da mesma. – Detesto esses seus vestidos gigantescos.
- Não, não detesta. Mas tenho que concordar que ninguém gosta realmente deles. Se eu descobrir que antepassado meu teve a brilhante ideia de estabelecer um código de vestimentas praticamente medieval para contatos entre reinos. Essa porcaria toda – disse, apontando para o traje rendado em tons de marrom e bronze – é por sua causa.
- Que horror, . Onde está sua educação de princesa?
- Não me faça ser ainda mais baixa e usar um palavrão.
O príncipe riu, pensando em como sentia falta daqueles momentos com sua melhor amiga. Cresceram juntos devido à proximidade diplomática e de interesses entre Skulevo e Chouille. Revezavam as estadias em cada um dos palácios nas férias, brincando nos enormes jardins com mais árvores do que suas mentes infantis podiam cogitar contabilizar. Provavelmente, mesmo crescidos, perderiam a conta quando chegassem a um décimo do jardim. Talvez ainda antes.
- Pobre , presa nessas regras sem fim em pleno 2197.
- Sabe que é ano 89 por aqui, . Se meu pai ouvi-lo ferindo o ego da “família real com calendário próprio”, encontrará um jeito de expulsá-lo das fronteiras a pontapés. – O amigo revirou os olhos, fazendo uma careta. – Não me olhe assim, sabe muito bem que eu acho tudo isso ridículo. É como se meus antepassados tivessem decidido isso por um capricho de se diferenciar do mundo. No fim das contas, só faz com que a Coroa pareça petulante e tenha cada vez mais complicações e desentendimentos com datas e eventos.
- De que eventos estamos falando? – Uma voz doce e melódica soou, fazendo com que os dois jovens encarassem aquele sorriso de lábios pintados por um batom escuro que quase conseguia chamar mais atenção do que a grande coroa dourada cravejada com grandes rubis.
- Nenhum, já que nós não fomos informados do que exatamente tudo isso se trata – reclamou, com um sorriso irônico.
- É um prazer revê-la, Rainha Debra – disse, fazendo uma sutil reverência que não pôde ser completada, pois a mulher já havia ocupado seus braços ao puxá-lo para um abraço.
- Sem formalides, garoto. Eu o criei junto com essa menina. Colocava os dois embaixo dos braços, tentando impedi-los de ficar dando voltas ao redor da sala do trono. Morria de medo de que quebrassem alguma coisa e o Nazar perdesse as estribeiras com os dois. Vocês devem saber bem como o rei tem noções um tanto exageradas de castigos.
torceu a boca, sentindo um enjoo instantâneo tomar conta de seu estômago e subir de forma amarga pela garganta. Ainda tinha a cena que vira aos sete anos muito viva em sua mente: um dos guardas do palácio tendo as pontas dos dedos congeladas até a interrupção total da circulação sanguínea após ser pego levando um pacote de grãos da cozinha para sua habitação. Era período de colheita escassa, preços exorbitantes, mas o rei não tinha piedade alguma. Nunca esboçara qualquer sinal de compaixão. Dizia que o sentimento de pena destruía o poder de um monarca. Mais um motivo pelo qual sua filha jamais poderia dizer que se orgulhava do legado de seus antepassados. Pelo contrário; sentia profundo nojo.
- Bom, mas é melhor vocês se apressarem. Foi Nazar que planejou a reunião e suas intenções me preocupam um tanto. Tenham paciência, meus queridos. Todos sabemos que ele não é um homem fácil.
- Não – cortou. – Ele é um homem que precisa ser colocado em seu devido lugar e parar de achar que pode ficar por aí brincando de Deus, como se pudesse simplesmente mudar e decidir a vida e o destino de todos. Se isso tiver alguma coisa a ver com aquela ideia ridícula de casamento arranjado, saiba que vocês precisarão de panos mais grossos do que os que usam nos calabouços para me calar.
Dito isso, saiu andando pelo largo corredor de mármore, batendo os saltos finos com mais força que o necessário propositalmente, querendo que seu ódio ecoasse por todo o espaço. Não aguentava mais aquilo. Podia ver os enormes portões ao longe quando olhava pelas largas janelas e sentia o coração apertar. Queria sumir, ir o mais longe possível daquele castelo. Aquela vida a dava claustrofobia e náusea. Ali dentro, sob aquelas condições, jamais poderia ser feliz. E jamais poderia ficar com ele.
Respirou fundo, enquanto os guardas de farda azul abriam as portas do escritório do rei. já a havia alcançado, repousando sua mão nos ombros da garota, em um sinal que dizia que independente do que acontecesse, ele estava ali – além de pedir, silenciosamente, que as coisas pudessem não sair completamente do controle pelo menos daquela vez.
O olhar do Rei Nazar era duro, cumprimentando o príncipe de Chouille apenas com um leve movimento de cabeça, seguido de um gesto com a mão esquerda que mandava que os dois ocupassem as poltronas de estofado verde musgo à sua frente.
- Não vou me alongar, pois não tenho tempo para tal. Ordenei a presença dos dois aqui porque precisa de um plano matrimonial o mais rápido possível. Ambos sabem bem que, por uma infelicidade do destino, não tive descendentes homens e para que uma mulher tenha a mínima condição de coordenar um país, ela precisa de um homem poderoso ao seu lado. Vocês têm a sorte que poucos na história tiveram: já se conhecem e por um acaso são amigos. Acho que a conclusão aqui é óbvia; Chouille e Skulevo são parceiros de longa data, nada melhor, então, que expandir essa união com o casamento dos herdeiros dos dois reinos.
respirou fundo, apenas aguardando que o furacão desse início ao caos que, infelizmente – deveria reconhecer -, era inevitável dessa vez. A raiva da princesa não era por puro capricho. Até ele sentia vontade de gritar com o rei por seu machismo absurdo. Desde que a família assumira o poder naquelas terras – naquele tempo, o país se chamava Rússia, pelo que se lembrava das aulas de história – e decidira dar início a várias guerras de conquista pelo globo, as coisas saíram um tanto do controle. Seus livros diziam que naqueles tempos, o mundo era majoritariamente composto por repúblicas. Era raro ver reis e rainhas e ainda mais raro ver algum deles com funções políticas muito além de acenar em eventos e manter a imagem de sua dinastia.
Os primeiros monarcas da dinastia mudaram tudo: nome, calendário, estrutura socioeconômica, entre tantos outros detalhes que provavelmente fariam qualquer russo achar Skulevo um mundo completamente diferente. Da mesma forma que os franceses mais tradicionais demoraram tanto para se acostumar com as novas diretrizes de Chouille – mais um governo aliado, escolhido pelos em troca de proteção. tinha que confessar que se sentia um tanto envergonhado pela situação.
- Você pode mandar e desmandar nesse país o quanto quiser, mas você não vai decidir meu futuro de forma alguma – disse, furiosa, colocando-se de pé rapidamente.
- Até a última vez que chequei, eu era o rei e também seu pai, portanto tenho o direito e o dever de tomar as decisões que julgar corretas para a sua vida e para esse reino, incluindo planejar a aceitação popular para quando você assumir o trono.
- Sabe uma coisa que não tem aceitação popular, papai? – O tom de voz de era profundamente irônico, como um deboche irritado. - O seu governo .
arregalou os olhos, vendo Nazar inflar as narinas e travar o maxilar com uma força incomum.
- Mas tem razão, meu rei – ela continou-. Sua maior preocupação nesse momento realmente deveria ser comigo e não com a sua própria cabeça.
O rei estava prestes a falar – mais provavelmente gritar – alguma coisa, quando a princesa simplesmente deu as costas e seguiu para a saída.
- Ah, caso não tenha ficado óbvio, não vamos nos casar – afirmou com um sorriso, antes de deixar de vez a sala.
O monarca socou o punho contra a madeira avermelhada de sua mesa, soltando um resmungo quase gutural. tentou deixar a sala da forma mais rápida e sutil que conseguiu – por mais que fosse um tanto estranho tentar fazer essas duas características coexistirem frente a tamanho paradoxo.
O rapaz encontrou de volta ao seu quarto, deitada – jogada – em sua própria cama com os braços alinhados ao redor da cabeça e os pés descalços pendendo nas pontas da mobília.
- Acho que seu querido pai não está lá muito contente. Quase quebrou a mesa do escritório com um único soco. Acho que é isso que acontece quando um tirano descobre que sua esfera de poder é tão ampla que o maior empecilho dela dorme sob o mesmo teto que ele.
riu de um jeito meio nasalado, enquanto levantava o tronco, buscando sentar-se.
- Ele pode quebrar quantos móveis quiser nesse palácio, mas ele não vai encostar um dedo em mim ou na minha vida. Meu futuro não diz respeito a ele.
- Acho que ele não aceitou muito bem vê-la desdenhando da própria estabilidade de seu reinado. Sabe como é, não? Talvez ele não tivesse cogitado proteger o próprio pescoço.
- Queria dizer que exagerei, mas estaria mentindo, . Eu ouvi o povo, falei com eles. A maioria reivindica mudanças, salvo aqueles poucos privilegiados por essa família podre. E como toda luta, essa tem seu lado radical, com tendências um tanto regicidas, por assim dizer.
- Calma... Como assim você ouviu o povo? , por favor, diga-me que você não está se arriscando mundo afora para poder irritar seu pai.
- Não é para irritar meu pai, . Por Deus, eu não sou tão inconsequente! Eu também sou responsável por esse país, lembra-se disso? Se meu pai quer brincar de dono do mundo e fazer o que bem entende sem pensar nas consequências para os outros, isso é problema dele. Eu não cresci à sombra de um homem cruel para ser como ele. Eu serei melhor. Melhor e mais justa.
O amigo sorriu de lado, orgulhoso, com aquela sensação de “eu já sabia”. Sabia que a moça era totalmente diferente do resto da família .
- Tudo bem, grande defensora da pátria, conte-me mais sobre essas suas escapadas clandestinas. Como raios você conseguiu driblar os guardas e seguranças do Rei Nazar?
respirou fundo, ajeitando as mangas do vestido antes de se abaixar um pouco para alcançar a gaveta inferior do criado-mudo ao lado da cama. O homem ao seu lado não podia ver claramente o que ela segurava com tanta vontade e zelo entre os dedos.
- Lady – a princesa chamou sua dama que aguardava na porta. – Por favor, feche a porta e cuide para que ninguém se mantenha perto o suficiente de meus aposentos para poder nos escutar. Caso a aproximação seja inevitável, use o toque que combinamos.
- Sim, alteza – a moça de alta estatura respondeu prontamente, fechando a porta atrás de si ao sair.
- Se você quer saber como eu escapei todas essas vezes, sua resposta acabou de sair desse quarto – declarou.
abriu a boca, sem acreditar naquelas palavras.
- Você só pode estar brincando. , sua dama de companhia apavorada desde a infância é a responsável pelas suas novas loucuras? O que aconteceu por aqui?
- Muita coisa, meu amigo. Mas, sim, conseguiu me colocar em um banquete clandestino dos moradores alfabetizados da capital. Ela mantinha contato com o dono de uma loja de tecidos e ficou sabendo de todo o planejamento e deu um jeito de me aceitarem sob total sigilo. Foi difícil fazer com que eles confiassem em mim já que detestam meu pai, mas se mostrou de grande utilidade e persuasão, além de ter se tornado uma grande amiga ao longo de todos esses anos.
, finalmente, estendeu para o rapaz o objeto que vinha segurando em sua mão. fitou aquele colar de ouro reluzente que carregava um delicado pingente de raposa e acabou sorrindo, sendo tomado por uma doce lembrança.
A rainha fora a responsável pelo apelido um tanto animalesco dado à sua filha. Debra a chamava de raposinha pela sua velocidade e astúcia desde pequena. Era ótima na esgrima, ágil no atletismo e uma grande estrategista em jogos de tabuleiro. O chamamento carinhoso acabou sendo acatado rapidamente pelo amigo, que compartilhou aquele momento familiar que parecia tão insignificante, mas no fundo era muitíssimo especial. Na realeza, era uma raridade encontrar momentos simples de ternura e afeto como aquele. Por isso mesmo que aqueles míseros segundos significavam tanto.
- É um presente de sua mãe? – perguntou, ainda com um sorriso estampado no rosto.
- Não – ela respondeu, apertando os braços ao redor do próprio corpo. – Essa é a segunda parte da história. Provavelmente a que eu mais estava esperando para poder te contar.
- Ora, ! O que mais você aprontou agora? Por favor, diga-me que não está envolvida com o tráfico de opiáceos de nossos vizinhos dotados da mais incrível hospitalidade que eu conheço.
- Deus, como você é bobo! – Ela riu. – Não, mas ouso dizer que meu pai preferiria que fosse esse o caso. Prometa que não vai zombar de mim e nem bancar o perfeitinho vindo me julgar e criticar as minhas decisões. Nada que disser vai mudar o que aconteceu, então não arrisque nossa amizade com reações desnecessárias. Eu detestaria perder a única pessoa que tenho. Sem contar a Lady , é claro. Ela já sabe.
- Bom, estou curioso apesar de ter a impressão de que sei bem aonde isso vai chegar. Sou todo ouvidos, princesa.
- O nome dele é . , um escritor de romances e poemas que conheci no banquete que já mencionei. Acabamos nos encontrando algumas outras vezes depois de ele se oferecer para me levar aos grupos rebeldes moderados que conhecia. Foi assim que nos aproximamos: em uma tentativa mútua de fazer o melhor para o país, acabamos nos apaixonando. Ele é tudo que eu sempre quis sem sequer saber que queria. Isso faz algum sentido?
- Faz, minha querida. É como você disse: está apaixonada. Essa sensação de que você parece uma boba é por isso. Mas eu admito que você realmente soa bem boba falando dele desse jeito.
Os dois riram, enquanto estapeava o amigo e terminava aquela ação com um abraço apertado, permitindo que algumas lágrimas escorressem por sua face alva. Sabia bem como aquele relacionamento seria impossível para sua família. Se antes podia culpar os métodos de imposição de força do pai pelas noites mal dormidas, agora poderia somar a isso aquele amor inesperado. Ela havia saído do palácio com a intenção de se aproximar de seu povo, mas não pensara de maneira alguma em uma aproximação como aquela.
- Eu preciso ir – anunciou . – Já sabe que pode me mandar uma mensagem se precisar, não é? Aproveite que ao menos a comunicação do seu país não foi destruída pela sua família.
revirou os olhos, sabendo que aquela alfinetada, infelizmente, tinha motivações reais. O reinado era conservador e retrógrado para o seu tempo. Se um dia ela chegasse a ao trono – coisa que ela não tinha certeza se queria e muito menos se chegaria a acontecer -, teria uma grande lista de coisas que precisaria mudar naquele lugar. Começando provavelmente pela inacessibilidade da educação. Lera sobre outros países que tinham programas de educação pública e queria fazer isso com a máxima qualidade possível. Sua mãe riria e diria que era uma utopia, mas preferia sonhar alto a desistir de obter as melhoras que seu povo merecia. Aliás, que qualquer pessoa merecia.
Antes de sair de vez do palácio, o príncipe de Chouille parou para pedir algumas informações a Lady . A moça ajudou prontamente, entregando um pedaço de papel improvisado com o endereço pedido, escrito em caligrafia caprichada à tinta preta.
Saiu rápido do palácio, torcendo para que todos os membros da guarda fossem antigos o suficiente para reconhecê-lo e não pensarem que ele era algum tipo de ladrão em fuga. Adentrou o luxuoso carro que o esperava e estendeu a folha rabiscada para o motorista que pisou no acelerador após um breve aceno de cabeça e uma última checada no cinto de segurança.
Desceu enquanto ajeitava os botões do blazer, batendo os nós dos dedos algumas vezes na porta de madeira pintada da pequena casa em tons de bege e camurça. Uma voz apenas gritou lá de dentro para que ele entrasse, sem sequer se dar ao trabalho de checar a porta. curvou as sobrancelhas, estranhando aquela atitude. Como assim você simplesmente manda que alguém entre sem se importar em checar quem pode ser do outro lado da porta? Mas, mesmo um tanto a contragosto, ele girou a maçaneta para se deparar com uma simplicidade um tanto bagunçada, com casacos, livros e canecas de café espalhadas por todo canto.
- Em que posso ajudar? – Um homem alto, de corpo um tanto magro e óculos redondos de armação fina perguntou aos fundos do cômodo principal.
- Por Deus, você é como uma versão esquisita adaptada daquele bruxo que teve uma saga famosa no século passado. Droga, esqueci o nome daquele esquisito.
O escritor contorceu o rosto sem entender absolutamente nada do que estava acontecendo. Limpou as mãos sujas pelo acidente recente com a impressora em um pano qualquer que estava jogado pela mesa, assim como quase todos os pertences daquela casa.
- Não faço ideia de quem seja. Também não faço ideia de quem o senhor seja.
O outro homem deu uma risadinha, brincando com uma miniatura de cavaleiro que encontrou.
- Meu nome é e você deve ser o .
se recompôs rapidamente, pigarreando e fazendo uma reverência desajeitada ao finalmente conseguir conectar o nome à pessoa.
- A que devo a honra, Alteza? Mil perdões pela má recepção. Envergonha-me muito que tenha que se deparar com toda essa bagunça deplorável. O tempo para a faxina anda escasso por mais ridículo que isso possa soar. Como disse, só posso pedir desculpas pela situação...
- – o príncipe interrompeu -, respire. Se isso lhe consolar, saiba que acho essa bagunça reconfortante. Para mim, um lar deve ser assim. Organização exageradamente minuciosa é uma forma de se afastar afetivamente de ambientes e pessoas. E pode parar com essa coisa de alteza. Se eu me apresentei como , é assim que deve me chamar.
- Como preferir, . Mas mantenho minha pergunta: a que devo a honra de sua presença?
- Minha melhor amiga está apaixonada, . Nós crescemos juntos, eu conheço cada expressão ou sentimento dela e sei o que cada um deles significa. Mas isso tudo é muito novo. Aquele sorriso incrível e os olhos que têm um brilho apaixonado e apaixonante. Ela parece leve e, acima de tudo, parece a pessoa mais feliz do mundo, exatamente como eu sempre quis que ela fosse. Quando ela me contou, eu soube que deveria conhecer o homem que conseguiu tocá-la dessa forma tão especial pela primeira vez.
- E como posso ajudá-lo em sua busca?
- Fique tranquilo. Eu já o encontrei. – franziu o cenho, confuso, segundos antes de prosseguir à conclusão de seu pensamento. – o ama com todo o coração e alma e faria absolutamente qualquer coisa por vocês. Espero que tenha noção do quão sortudo você é por ser amado dessa forma por uma mulher incrível como aquela.
sorriu de canto, envergonhado. - Eu já me sentia o homem mais sortudo do mundo por ter a oportunidade de conhecê-la. Receber um amor desses é mais do que eu mereço e infinitamente mais do que eu imaginava um dia ser capaz de ter. Nunca pensei que amaria alguém dessa forma. Não importa o quão clichê isso pareça; é a mais pura verdade. Não digo porque é bonitinho, digo porque é como eu me sinto.
“ É como você disse, ela tem aquele sorriso encantador e aqueles olhos que te prendem. Ela é uma mulher incrível, linda, forte e poderosa. E o poder não está na coroa, está nela mesma. Às vezes acho que ela não percebe o quão forte ela é por enfrentar tudo isso. E não sou só eu que acho, ; o povo a ama. É engraçado pensar de fato nisso, mas é uma princesa de dezenove anos que está segurando as pontas no governo. As coisas só não saíram do controle por causa dela. Não faz ideia do quanto ela amadureceu com os projetos para melhorar as condições de vida em Skulevo. Ela realmente se importa e conseguiu fazer com que todos acreditassem na sinceridade dessa preocupação. Droga – ele acabou rindo -, ela é tudo que eu sempre quis sem nem perceber que queria e eu me sinto um idiota por falar esse tipo de coisa para o príncipe herdeiro do país aliado aos .”
- Minha família pode ser aliada aos , mas, como você bem observou, eu continuo sendo o herdeiro e a minha lealdade é apenas com e sempre será. Ela ainda vai mudar esse país, nós dois sabemos muito bem disso. E tenho certeza de que nós dois queremos estar ao lado dela para isso. Então, tudo que eu te peço é para cuidar bem dela, mesmo sabendo que isso significa dar apoio e não proteção já que ela é mais forte que todos nós.
- Pode deixar. Ela vai ter todo o meu apoio sempre, para qualquer decisão que ela tomar.
- Sei que vai. Desejo o melhor do mundo para vocês dois, inclusive sorte porque você sabe bem que daqui para frente nada mais vai ser fácil, não é?
- Sim. Mas de que adianta ser fácil se não é o certo?
Os dois sorriram e se cumprimentaram com um abraço: a proximidade automática causada pelo amor – de formas diferentes, mas ambas tão intensas e reais – a uma mesma pessoa.
Mal sabiam o que os aguardaria dali para frente.


*****


O barulho era tanto que fez acordar sobressaltada. Amarrou rapidamente o roupão jogado sobre a escrivaninha e puxou as cortinas, vendo a frente do palácio inúmeras vezes mais lotada do que na chegada de algumas semanas antes. As pessoas enchiam as ruas por quadras, segurando cartazes que ela mal conseguia ler dali de cima. No entanto, não precisava definir as letras e contornos coloridos das grandes faixas e cartolinas para saber o que estava acontecendo por ali: a revolução estava começando. Seu rosto se iluminou ao perceber que a frente moderada havia tomado frente da situação, buscando a manifestação pacífica antes do ataque físico. Tudo estava exatamente do jeito que ela tinha sugerido. Agora, só restava Nazar se dar conta de que não tinha mais para onde correr e se render.
A princesa se trocou rapidamente e desceu correndo pelas escadarias, já avistando os pais reunidos com alguns guardas no salão principal. Precisaria começar a tentar esconder o sorriso na face ou seria presa na mais alta torre do castelo, como naqueles contos de fadas sem sentido que contavam há séculos.
Apagar o riso não foi difícil, ao contrário do que ela pensava. Um barulho alto fez tudo que ela sentia se transfigurar a medo e descrença: era um tiro. Um tiro que logo foi seguido por vários outros e inúmeros gritos. Correu ainda mais rápido até alcançar o rei, sentado impassível em seu alto trono dourado.
- Mas que droga você pensa que está fazendo? – gritava, com o rosto coberto de lágrimas de puro desespero.
- Parando esses arruaceiros ignorantes – o rei respondeu simplesmente, com o rosto sem expressão. – Deviam estar trabalhando para mover a nossa economia em vez de perderem tempo reclamando sem propósito.
- Sem propósito?! Você é maluco ou só hipócrita mesmo? A vida daquelas pessoas é uma porcaria por culpa sua! Eles passam fome, pai; trabalham até a exaustão sem conseguir montar uma mesa decente de jantar ao fim do dia. Os filhos daquelas pessoas não têm educação e estão fadados a servir presos à própria terra como os seus parentes. Nosso povo é um povo sem perspectiva e tudo isso é culpa dessa prepotência ridícula de quem se sentou nesse trono nas últimas décadas. Vocês sempre se acharam os grandes monarcas, mas são apenas egocêntricos inúteis desperdiçando todo o potencial de uma nação multicontinental. Vocês são simplesmente pessoas horríveis e reis ainda piores.
Um estalo foi ouvido, fazendo a rainha Debra levar as mãos ao rosto em choque. esfregou o rosto, já vermelho onde o tapa havia a atingido. Juntou todo o ódio que tinha e cuspiu aos pés do rei.
- Você vai se arrepender do dia de hoje. Isso é uma promessa, Majestade.
Retirou-se para o quarto, observando as ruas já vazias e a neve que vinha derretendo progressivamente agora tingida por vermelho. Perguntou-se quantas vidas mais haviam sido tiradas e quantas mais se perderiam naquela luta. As coisas não poderiam ficar assim. Ela não deixaria, não permitiria que mais pessoas sofressem por causa de sua família.
Lady adentrou seu quarto tão abruptamente que acabou por fazê-la gritar. A dama de companhia tinha os olhos marejados e assustados, tentando segurar as próprias mãos que não paravam de tremer.
- , por Deus, o que aconteceu? Por favor, diga-me que não havia nenhum conhecido seu em meio aos corpos levados ao crematório.
- Não, Alteza.
- Qual o problema então? – A princesa pegou as mãos da amiga, tentando acalmá-la o suficiente para que conseguisse falar.
engoliu em seco, deixando as lágrimas escorrerem.
- É . – O nome fez se arrepiar dos pés a cabeça, tomada pelo pavor. – Alguns manifestantes revoltosos foram ameaçados de tortura pelos guardas para revelarem o nome do líder do movimento. Eles denunciaram como a cabeça de tudo.
- Mas foi Linhe que comandou tudo isso!
- Eu sei disso, Alteza, mas aparentemente alguém decidiu protegê-lo e entregou o escritor como bode expiatório.
- Onde ele está?
- Seu pai ordenou que o prendessem no calabouço. Disse que será julgado e executado por traição em uma semana. Provavelmente irá mandar que os guardas o torturem enquanto isso para aumentar o sofrimento. Infelizmente sabemos bem o quanto essa ideia seria viável para a mente sádica do rei.
respirou fundo, imaginando deitado sobre as pedras sujas e geladas do calabouço, em meio a toda a escuridão do subterrâneo mal iluminado, com a garganta ressecada e recebendo muito menos comida que o necessário para a alimentação diária de um homem adulto. Tudo, mais uma vez, para satisfação pessoal do rei.
Pediu que Lady checasse o corredor para se certificar de que ele estaria vazio. Colocou a grossa capa marrom sobre o rosto e as costas e entrou no armário do corredor para acessar a passagem secreta que levava ao calabouço – não à Nárnia; ela mesma pensava na referência sempre que usava a porta escondida.
Abaixou o capuz quando confirmou que o pai não estava pelos arredores e seguiu à cela principal, sentindo os olhos molharem ao ver sentado no chão com a cabeça entre os joelhos e calça cáqui manchada de terra e sangue – que ela esperava com todas as forças e últimas esperanças que não fosse dele.
- Vossa Alteza, não pode vir ao calabouço, sabe bem das ordens do rei – o guarda disse rapidamente, fazendo com que levantasse os olhos para encarar a princesa à sua frente.
- Saber das ordens do rei não significa que eu vá cumpri-las, como deve bem saber já que, entre todos os guardas, o senhor foi contratado para me servir. Espero que se lembre disso ao decidir o que fazer a seguir. Dê-me licença, pois quero conversar com o prisioneiro. Cuide para que ninguém nos atrapalhe.
O guarda ponderou, respirando fundo. Acabou estendendo as chaves para a moça, encaminhando-se para a entrada do calabouço como vigia.
Assim que abriu a cela, se ajoelhou, abraçando o homem à sua frente e afagando seus cabelos bagunçados e duros pela mistura de suor, fuligem e poeira.
- Eu quase tive uma parada cardíaca quando me contou que era você o preso como líder do movimento. Tive medo do que aquele maluco do meu pai poderia fazer contigo.
- Só uns arranhões por enquanto – respondeu com a voz rouca e doce como de costume, enquanto mostrava a calça rasgada nos joelhos, exibindo a porção de pele lesionada com uma mistura entre o sangue endurecido e o que ainda escorria pelos cortes que tentavam aos poucos cicatrizar.
A princesa saiu rapidamente da cela buscando dois copos de água. Estendeu um para que bebesse e usou o outro para limpar suas feridas, cobrindo-as com as gazes que conseguiu colocar nos bolsos da capa antes de se esgueirar até o calabouço. O trabalho estava um tanto mal feito pela pressa e a clara falta de habilidades manuais que não incluíssem um florete.
- Também consegui isso para te ajudar a passar um pouco o tempo – ela disse, estendendo uma caneta preta simples e um pequeno bloco de notas com folhas brancas lisas. – Infelizmente, apesar de ser tudo que eu mais quero nesse momento, tirar você daqui vai alarmar o palácio por completo e desperdiçar o pouco tempo que a gente pode ter para resolver essa situação toda é a última coisa de que a gente precisa agora.
- Eu sei, meu amor. Não estou me preocupando com isso. Se esse for meu destino em prol de um bem maior, eu aceito de mente tranquila.
- Pare com essas besteiras. Jamais deixaria que algo de ruim te acontecesse. Farei o possível e o impossível para te proteger enquanto estiver nesse lugar.
- Sei disso – ele disse, sorrindo de lado. – Só queria ver sua irritação fofa. Faz bem para o pobre escritor que vos fala perceber que alguém nesse mundo bizarro ainda se importa com ele.
deu um tapa de leve em seu ombro, tomando todo o cuidado do mundo para não machucá-lo ainda mais. Queria poder consertar tudo aquilo e protegê-lo de toda a crueldade do mundo, mas sabia que precisaria de muito mais ajuda para chegar sequer perto de proteger alguém.
- Precisamos mobilizar mais pessoas – disse, limpando o rosto do namorado –, grupos que sejam mais significativos de forma direta no governo. Sem apoio, meu pai não poderá usar a força para silenciar o povo novamente.
- E é exatamente isso que você fará – disse, sorrindo enquanto brincava com uma mecha de cabelo da moça.
- Não sei se consigo fazer isso sozinha.
- Você não está sozinha. Você tem a maior parte do seu povo ao seu lado e, mesmo que no momento isso não seja de grande ajuda, você tem a mim. Você é uma mulher incrível e é a pessoa mais forte que eu conheço. Não será difícil fazer com que as pessoas comprem a ideia de receber os direitos que lhes estão sendo negados há anos. Fica menos difícil ainda quando é a herdeira do lado deles. Se você não for capaz de fazer isso, ninguém mais será. Eu acredito em você e sei que vai conseguir. Não se preocupe comigo, ficarei bem.
- Alteza – o guarda chamou, fazendo com que os dois tivessem que interromper aquele momento ao se lembrarem da companhia -, em pouco tempo será a hora da refeição dos funcionários e alguém aparecerá aqui embaixo para trazer comida para o prisioneiro. Para o seu próprio bem, creio que seja melhor que a senhorita se retire para evitarmos conflitos inoportunos.
- Tudo bem. Voltarei para checá-lo pela manhã. Espero não me deparar com nenhuma surpresa desagradável, senhor – ela disse com a expressão mais dura que conseguiu, tentando disfarçar o nervosismo e o medo que sentia por seu amado naquela situação.
- Alteza, a senhorita vai ter que me perdoar, mas não pude deixar de ouvir a conversa de vocês. Queria dizer que apoio a causa de vocês. Meus filhos não têm aulas há meses. Para piorar a situação, não recebo meu salário por completo há um bom tempo e isso está se refletindo em falta de comida em casa para a minha família. Fui açoitado por reclamar disso.
“E não sou o único nessas condições. Como não gosto muito de ficar à frente de batalhas, acabo passando mais tempo na segurança interna do palácio e tendo mais contato com os responsáveis pela cozinha e pela limpeza, além dos outros guardas que revezam turnos comigo. Ninguém está satisfeito com as nossas condições de trabalho e muito menos com o que nossas famílias lá fora têm que enfrentar diariamente. Tenho certeza de que posso falar com eles e convencê-los a lutar do seu lado.”
sentiu o coração acelerar no próprio peito, segurando-se para não chorar de emoção.
- Eu agradeço muito se o senhor puder fazer isso. Sua ajuda e sua luta jamais serão em vão. Juntos, todos nós, derrubaremos Nazar e reconquistaremos a dignidade de nosso povo.
A princesa estava se virando, pronta para avisar Lady sobre as novidades e planejar novas estratégias de ataque quando foi interrompida mais uma vez pelo homem armado.
- E quanto ao rapaz, pode ficar tranquila. Conheço o capanga ordenado para a tortura e ele também não está lá muito satisfeito com o emprego.
sorriu mais uma vez, agradecendo com um aceno de cabeça e sentindo o coração um tanto menos apertado depois de tudo antes de deixar o calabouço de vez e retornar para seu quarto, onde já a aguardava.
- Como foi? – A dama de companhia perguntou, com as gélidas mãos tremendo.
- Melhor do que eu podia imaginar. Precisarei de sua ajuda e de seus contatos, minha amiga.
- Qual a ideia?
- Sem ideias. Dessa vez, nosso princípio é a ação. Reuniremos o maior número de pessoas possíveis, porque dessa vez, minha cara, se não formos ouvidos, iremos à luta.


*****


Foram dias pelas ruas. e já tinham pedido novas capas e calças para se esquivarem dos espiões reais – mesmo sabendo que vários deles já estavam do seu lado. Suas escapadas foram facilitadas pelo auxílio dos guardas e pela ausência do pai, que havia viajado para assinar uma nova lei restritiva absurda às terras anexadas a Skulevo.
O tempo era pouco, mas foi o suficiente para mobilizar uma quantidade inacreditável de civis e uma porção além do suficiente de funcionários reais, incluindo a maioria do exército armado.
Armas, espadas e bastões foram distribuídas da melhor forma possível à população. Muitos, ainda, teriam que enfrentar a monarquia apenas com a força de seus próprios ideais e reivindicações. E isso, pelo menos daquela vez, haveria de ser o suficiente.


*****


Lady batia os pés de forma ritmada nas pedras do pátio principal, onde alguns guardas se encontravam, bem como um juiz que não conhecia que acompanhava o rei e a rainha no processo acusatório do julgamento de .
- Estamos reunidos aqui hoje para decidir a penitência que Einsehower receberá por planejar, mobilizar e praticar um levante popular caracterizado como traição ao poder e uma ameaça direta à vida do Rei Nazar e de toda a sua família.
O escritor tentava ajeitar os óculos com movimentos na musculatura facial que seriam engraçados se não estivessem acontecendo apenas porque suas mãos estavam amarradas desconfortavelmente às suas costas. Sabia muito bem que não adiantaria nada tentar se soltar; só conseguiria alguns arranhões a mais nos pulsos.
Seu tronco nu chegava a doer com o frio extremo a que as rajadas de vento o submetiam. Nunca detestara tanto ser tão magro – uma vara, como sua avó costumava dizer. Sabia que a parte da nudez parcial fazia parte do show gratuito de humilhação a que seria exposto. Tudo o que lhe restava era aguardar e tentar conter ao máximo sua ansiedade, não importava o quão difícil – e até mesmo impossível – aquela tarefa pudesse ser.
- Espero que saiba que esse julgamento é uma mera formalidade – anunciou o rei. – Nenhum traidor jamais terá qualquer outro destino que não a execução enquanto esse for o meu país.
- Vossa Majestade não poderia estar mais certa – o juiz anunciou. – Preparem a execução.
Quando os guardas, a contragosto, começaram a parecer prontos a tomar alguma iniciativa, um dos principais vigias dos salões do palácio apareceu correndo de maneira afobada, hiperventilando ao extremo.
- Majestade, eles conseguiram entrar. São muitos, não há forma de colocá-los para fora agora.
- Que porcaria é essa?! Do que está falando? – O rei gritou a plenos pulmões, fazendo com que todos parassem toda e qualquer coisa que estavam fazendo para saber o que estava havendo.
- A oposição conseguiu se infiltrar. Eles estão armados e não é possível impedi-los de avançar.
- Como assim?! Eu pago inúmeros guardas para as entradas para quê? Para você me desacatar dessa forma dizendo que são todos uns completos inúteis incapazes de fazer seu próprio trabalho?
- Os guardas estão com eles, Majestade. Os capangas e os funcionários da cozinha também.
- Então deixe que venham até nós. Derrubaremos cada um deles como se fossem simples peças de dominó.
- Não dessa vez, Nazar – gritou. – Você não tem mais para onde fugir. É o fim da linha. Vocês não são nem um décimo de nós. Vocês podem ter a maior parte das armas, mas não são mais a maior força. A voz do povo será ouvida porque esse país, ao fim de tudo isso, é deles.
Nisso, os guardas aliados apareceram, tomando a frente da situação. Os civis vinham logo atrás, carregando espadas, tochas e bastões improvisados.
- Vocês vão entregar o líder de vocês agora para se juntar a esse traidorzinho de araque – o rei ordenou.
- Sem problemas – uma voz abafada se fez ouvida, enquanto sua dona se colocava à frente de todos vestida em armadura completa, com uma raposa gravada na região da barriga. – Eles estão comigo.
- Era só o que me faltava! Minha própria filha se juntando a plebeus insignificantes, querendo ser a nova mártir de Skulevo.
- Não sou mártir alguma. Fui criada para coordenar um país e para isso preciso do meu povo. Foi só isso que eu fiz: ouvi-los. Coisa que você, Nazar, nunca foi capaz. Você nunca foi um rei de verdade. Era apenas uma criança mimada pensando que poderia fazer o que bem entendesse com um reino multicontinental, como se ele fosse o brinquedinho que você ganhou de natal.
- Como ousa tratar assim seu próprio pai? Eu te dei todo o amor e educação do mundo.
- Você não sabe o que é ser pai. Nunca soube. Eu recebi educação dos meus professores. Recebi cuidados e auxílio quando adoeci das mulheres que arrumavam meu quarto. Recebi a amizade mais inexplicável e pura do mundo de Lady e do Príncipe . Por fim, conheci o amor com esse homem a quem o senhor insiste em chamar de traidor. Acorde, Nazar. Você é o único traidor; foi você quem traiu seu próprio povo e suas necessidades por puro capricho.
- Amarrem-na ao tronco de açoitamento agora – o rei bradou aos poucos guardas que ainda se postavam ao seu lado.
Não durou muito, no entanto.
- Não – o capanga principal soltou, cruzando o pátio e se alinhando aos demais funcionários do palácio. – Meus filhos merecem uma vida melhor.
Os outros o seguiram.
- Isso tudo é ridículo – o monarca gritou novamente, com as narinas infladas e as bochechas totalmente vermelhas tomadas pelo ódio.
- Ridículo é você continuar negando que perdeu – respondeu. – Ridículo é você insistir nesse teatro todo quando sabe claramente que não tem opção melhor. Meus guardas escoltarão você e Debra até o aeroporto, onde embarcarão para o exílio em uma das colônias de Chouille, sob proteção de . Se não aceitar, teremos que usar essas armas e a única coisa mais vergonhosa que um rei sem apoio é um rei sem cabeça.
Debra tinha o rosto totalmente pálido, com as mãos à boca, tentando esconder o medo que sentia da forma mais ineficaz que sua situação lhe permitia.
- Acabou. Está na hora do seu governo tirânico se render. O povo foi ouvido e continuará sendo. Não tem mais espaço nesse país para um governo como esse.
Nazar, enfurecido, acabou concordando com um gesto estranho de cabeça, sendo levado pelos guardas junto de Debra. O povo bradou e comemorou, enquanto se cumprimentavam pela vitória recém conquistada que soava tão doce. correu até , desamarrando suas mãos e entregando a ele um grosso casaco que trouxera.
Abraçaram-se fortemente, ele e ela. Seus lábios se tocaram de forma carinhosa e delicada, enquanto algumas lágrimas finalmente rolaram pelas bochechas da princesa de Skulevo.
- Nós conseguimos – ela disse, emocionada, segurando as laterais do rosto dele com as duas mãos, como se precisasse se agarrar àquele momento após tanto medo e dúvida sobre o que seria do futuro. – Poderemos finalmente ficar juntos. E o povo está livre.
- Ainda precisamos definir os novos moldes do governo – um dos poucos professores de história ali disse. – Mas, de imediato, precisamos de um poder provisório para não cairmos em anarquia antes mesmo de consertar o nosso país.
- Sim, sim, é claro – concordou, limpando a face molhada com as palmas das mãos. – Organizaremos a votação para essa semana ainda, só precisam escolher seus representantes.
- Já escolhemos, princesa. Gostaríamos que a senhorita assumisse. Lutou ao nosso lado, pelos mesmos ideais. Além de tudo, é a única pessoa que de certa forma continuava relacionada à política interna do reino e principalmente a externa. Sabemos que é pedir muito, mas se puder fazer mais isso por nós, seríamos eternamente gratos.
apertou a mão de , que o encarou como se pedindo sua opinião. O rapaz apenas assentiu, acompanhado por Lady que apresentava um largo sorriso. A princesa ainda pigarreou, tentando encontrar a voz que julgava ter perdido há um bom tempo.
- Se é a vontade do povo, eu aceito.


*****


Em maio de 2214, escreveu sua primeira biografia oficial autorizada sobre a vida de sua esposa e atual primeira ministra, . O livro entrou para a lista dos mais vendidos da Eurásia em poucos dias, conquistando altos lucros que seriam redirecionados para fundações de auxílio a moradores de ruas.
Juntos, tiveram um filho: Slavo – com o sobrenome da mãe ao fim por ser o de maior peso. Com pouca idade, já dizia que seria engenheiro aeroespacial e desenhava várias estrelas e planetas nas paredes laváveis do próprio quarto.
Foram felizes até seus últimos dias, tanto como família, quanto como responsáveis pelo bem do povo. Entre projetos de subsídio agrícola, distribuição de renda e alimentos mais igualitária, educação pública de fácil acesso e qualidade e outros, tornaram Skulevo um reino em que se vivia com a dignidade a que um ser humano tinha direito. Ainda restavam problemas, é claro - seria impossível erradicá-los definitivamente - mas sabiam que estavam caminhando para o melhor que poderiam ser. E quando lá chegassem, buscariam melhorar ainda mais, porque é isso que uma nação faz.
recebeu inúmeros prêmios de Mulher do Ano e manteve sua militância ao movimento feminista, sendo a sua própria imagem um exemplo do poder e do empoderamento ao redor do mundo. Foi princesa, ministra, filantropa, empreendedora, mãe, esposa e esgrimista nos tempos vagos. Tentara algo ligado à gastronomia em um tempo livre que conquistou com a idade, mas devia admitir que não era nada boa nisso. ria, alegando que ela tinha que ser ruim em alguma coisa.
Seu enterro, vários anos depois, causou grande comoção internacional pela grande pessoa que fora. Morrera de velhice, em paz, descansando em sua própria cama. Atingiu em vida tudo o que podia e provavelmente muito mais do que esperava. Obteve sucesso e, acima de tudo, foi feliz. Quebrou todos os “avisos” da sociedade e quebraria quantos mais precisasse para atingir seus objetivos e ideais.




Fim



Nota da autora: Cá estou eu, então, com mais um ficstape para vocês. Espero que tenham gostado da história e, por favor, digam o que acharam aqui nos comentários.
Para mais informações sobre minhas histórias, entrem no grupo.



Outras Fanfics:
04. Someone New - Ficstape Hozier
06. If I Could Fly
4th of the July - Outros/Em Andamento


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