04. You Should Be Sad

Última atualização: 15/07/2020

Prólogo

. — Meu chefe me chamou sua sala. O calor do copo de café na minha mão era a única coisa confortável naquele momento. Fazia três segundos que eu havia me aconchegado em minha mesa de trabalho já que meu expediente tinha começado há basicamente dois minutos. Eu tinha certeza que a pilha de processos que havia ali tinha aumentando consideravelmente de tamanho na minha ausência.
Minha cabeça doía. Por algum motivo eu tinha decidido na noite anterior que seria uma boa ideia beber algumas doses de tequila no bar na esquina do meu apartamento.
Levantei-me e fui até sua sala. Cada vez que aquele homem me chamava eu tremia dos pés à cabeça. Ele nunca havia me feito mal algum pessoalmente, mas ele era medonho. Talvez por conta de seus olhos esbugalhados por cima daqueles óculos antigos demais, ou seu terno caqui com sua gravata listrada marrom e bege que saturavam a gente todo santo dia. Fora suas falas completamente inadequadas e seu pensamentos retrógrados, o que em algum sentido fosse coerente já que ele aparentava ter quinhentos anos.
Finalmente entrei naquela sala escura, com uns duzentos certificados pendurados nas paredes e aquelas plantas que eu não sabia como sobreviviam naquele lugar. Abanei um pouco as mãos em frente ao rosto por conta da enorme nuvem de fumaça que seu cigarro exalava.
— Posso ajudar, Sr. ? — Falei sem me dar o trabalho de sentar, quanto mais rápido, melhor.
— Ajudar não, você pode trabalhar. — Ele falou, amassando seu cigarro no cinzeiro e dando o último sopro de fumaça. — Tenho um caso pra você.
Ele jogou a pasta azul claro sobre a mesa, que pairou exatamente a minha frente. Eu continuei olhando para seu rosto e imaginando quantas rugas haviam por ali. Sr. era um senhor gordo com uma barriga mais avantajada que o considerável proporcional a seu corpo, e eu tinha certeza que eu poderia usar sua careca branca como um espelho de tão reluzente que era. Ele parecia não se incomodar com o meu olhar pouco intimidador sobre ele, então eu suavizei minha expressão e abaixei os olhos ao processo.
, tráfico de drogas e apostando uma corrida saudável sobre as ruas de Mid-Beach. — Foi a primeira vez que o vi talvez um pouco vulnerável, já que, por um segundo, posso jurar que ouvi sua voz falhar, sua pele levemente enrubesceu e ele botou uma das mãos sobre a testa.
— Ele é seu parente? — Perguntei, folheando os autos. Parei na foto em que havia sido tirada na delegacia. Eles, com toda a certeza, não eram parentes, não naquela vida.
Mas aquele não era estranho e várias lembranças da noite anterior inundaram minha mente. Eu tenho certeza que depois de duas doses eu me ofereci para pagar uma bebida para ele, que negou por estar dirigindo. Eu lembro de achar isso bem responsável e depois me lembro de beijar ele, dentro do carro e então eu estava na porta do meu prédio e seu carro esportivo saía em alta velocidade.
— É meu filho. — Como eu já desconfiava que meu chefe lesse a minha mente, se tivesse um buraco no chão eu me enfiaria lá para nunca mais sair. Eu olhei para ele da forma mais solidária que pude.
— Eu não preciso de sua pena, . — Ele falou, novamente impassível.
— Tudo bem, senhor. — Peguei o processo e me dirigi à porta.
— Tem mais uma coisa. — Me virei e o olhei, enquanto ele acendia mais um cigarro. — A audiência de custódia é amanhã às nove.
— Senhor, amanhã é a minha entrevista na capital e depois disso estarei de férias. Eu até volto para a audiência se for outro dia. É a última entrevista que tenho antes da indicação para um cargo na assessoria da Suprema Corte da Flórida. — Falei o mais segura possível, mesmo que parecesse que eu ouvi minha voz tremular umas três vezes.
— Sua entrevista é às seis da tarde, senhorita. — Se eu não fosse subordinada tenho certeza que seria eu a precisar de um defensor naquele momento.
— Sim, senhor. Em Tallahassee. O vôo leva em média uma hora e meia partindo daqui de Miami. — Respirei fundo. — O senhor obviamente tem condições de constituir um advogado particular para seu filho, não?
— Eu tenho dinheiro o suficiente para pagar o advogado que eu quiser. — Ele se levantou. Não sei se foi forma de tentar me amedrontar um pouco mais ou de tornar a conversa mais particular, já que a porta já estava aberta. — Ele não. Mas como é meu filho, mesmo que a gente coloque de castigo, a gente tenta dar o melhor que a gente pode e o melhor que temos é você, senhorita.
Respirei fundo, meu rosto estava fechado e eu só pensava em como era injusto tudo o que ele estava fazendo, desde usar recursos públicos para limpar a barra de um filho mimado, até sabotar minha folga.
— Você ganhou um bônus de três mil dólares há três semanas. Você é a única defensora pública da região a estar ganhando dezessete mil dólares. Não sei por que você quer tanto mudar de cargo. — Charles falou, voltando para a sua mesa.
— Senhor, eu tenho vinte e nove anos. Cinco anos nesse cargo, minhas taxas de progressão de regimes, remissão de penas e absolvição de réus são as mais altas de todo o condado. Eu acho que meio que fiz por merecer o salário que recebo. E essa é a primeira vez que pego férias nesse tempo todo. — Falei, tentando usar o mínimo da minha grosseria. — E sobre as minhas intenções de mudar de cargo, acredito que seja de cunho totalmente pessoal, o que, com todo o respeito, não envolve o senhor. Então, com licença, eu preciso preparar uma defesa.
Levantei a pasta e saí de lá. Minhas pernas bambeavam enquanto eu andava em direção a minha mesa. O que eu poderia fazer? Eu era uma ótima profissional e todos sabiam disso. Eu, , era segura sobre o que ou quem eu era? Obviamente não. Eu poderia fazer algo sobre isso? Provavelmente, porém agora eu não tenho tempo, já que tenho que estar pronta para defender . Ou , como ele havia se apresentado na noite anterior.


Capítulo 1

Eu sempre fui uma pessoa muito organizada com os meus horários, eu costumava chegar no trabalho às oito da manhã, sair para almoçar em torno da uma tarde, voltava às duas e, no máximo, às sete da noite eu já estava no conforto do meu apartamento alimentando Alba, a minha gatinha cinza.
Meus dias eram assim e eu amava ter esse controle, era uma das pouquíssimas coisas na minha vida que eu tinha o controle total. É claro que meu trabalho não acabava quando eu saia do escritório. Às vezes eu passava várias horas madrugada a dentro estudando cada caso, mas era o que eu havia escolhido pra minha vida.
Sabe o que acontecia quando minha rotina mudava? Eu ficava brava. Muito brava. Eu imaginava que Alba estaria lá, rastejando no carpete da sala, faminta. É claro que isso não aconteceria, Alba tinha um reservatório de gordura para sobreviver umas três semanas sem comer. Mas, eu a amava, e ela amava comer todos os dias às sete.
Me distraí quando vi a luz da sala do Sr. se apagar. Ele trancou a porta com um pouco de dificuldade. Eu até o ouvi falar “tenho que lembrar de chamar alguém da manutenção” enquanto puxava a porta com toda a força que tinha naqueles braços de idoso.
— Não vá trabalhar até tarde, sabe que não pagamos horas extras. — Ele falou, ríspido e se retirou.
Olhei em volta e percebi que já era a única do escritório. Tudo estava escuro, com exceção da minha mesa. Salvei tudo o que tinha feito, peguei a bendita pasta e o pen-drive e segui até meu carro. Charles estava lá ainda, no estacionamento, com o cigarro entre os dedos e com a mão escorada na porta do motorista. De relance, pude jurar que vi algumas gotas de sangue em sua mão.
O estacionamento era um lugar cinza, situado no subsolo do prédio. Era bastante amplo pra falar a verdade e parecia ainda maior quando só haviam dois carros por lá.
— Tudo bem com o senhor? — Perguntei, destravando o alarme do meu carro. Ele ainda estava lá, encostado na porta de seu Chevrolet Silverado, com o seu cigarro na mão.
— Por que não estaria? — Ele respondeu, finalmente se virando.
— Ah... Bom, deixa pra lá. — Falei, abrindo a porta do motorista. — Marquei uma reunião com o seu filho amanhã, uma hora antes da audiência. Algum conselho?
— Você não precisou de conselho até agora, . — Ele entrou rapidamente no carro e deu partida.
Eu fiz o mesmo, imaginando que os pais do meu amado chefe falharam bruscamente com a educação dele. Talvez seja compreensivo o filho dele ser um sujeito no mínimo complicado.
Meu trabalho era próximo à minha casa, então o percurso de carro durava pouco tempo. Eu só não ia caminhando porque eu era bastante sedentária.
Assim que botei a chave na porta, Alba miava tão alto que eu me senti tão mal quanto se tivesse levando uma bronca de verdade. Enchi sua vasilha com mais alimento do que de costume, acredito que seria uma ótima forma de pedir desculpas pelo atraso, e, provavelmente, foi, já que o silêncio se estabeleceu no mesmo momento.
O que uma mulher de vinte e nove anos, solteira, com um apartamento grande em Design District e uma gata fofinha faz quando chega em casa tarde em plena quarta-feira? Se você imaginou um bom banho relaxante, quem sabe pedir alguma coisa para o jantar e se aconchegar no sofá com o bichinho para ver alguma série, você está completamente certa. Brincadeira, eu queria que fosse assim, mas, mesmo que meu corpo e minha mente pedissem um pouco de paz, eu abri meu laptop na mesa e continuei meu trabalho.
Montar uma defesa nunca é fácil. Os casos das audiências de custódia te davam, quando você tinha sorte, vinte e quatro horas pra isso e sem saber basicamente nada do sujeito que será a figura principal da sua sustentação oral de, no mínimo, uma hora. Eu sempre tentava dar o melhor que eu podia e, quando meu trabalho ficou pronto perto das quatro da manhã, eu sabia que o melhor que eu poderia fazer pelo meu cliente era dormir. Mesmo que fossem por três horas.
Eu caí na cama como uma pedra, acho que aquela noite meu cérebro estava cansado demais até para sonhar, já que eu não lembro de absolutamente nada.


Capítulo 2

— Você pode tirar as algemas e o marcapasso do meu cliente e pode se retirar. — Me referi ao policial que tinha o acompanhava até ali. Me arrisquei a olhar para , que fez uma expressão surpresa quando me viu. Ele estava em uma sala com uma parede de livros diversificada, uma janela com grade, uma pintura amarela envelhecida, piso de madeira escura e alguns quadros de figuras nacionais nas paredes.
Ele prontamente atendeu meu pedido e fechou a porta ao sair. Aquele homem que estava na minha frente era provavelmente um dos homens mais bonitos que eu já tinha atendido, o que não era muito difícil já que, geralmente, os meus clientes não tinham muitas condições de comer, quem dirá de se preocupar com a própria aparência.
— Muito prazer, senhor , sou , sua defensora. — Estiquei a mão para ele apertar, ele se levantou e a apertou. Talvez fosse uma forma de demonstrar educação, ou talvez fosse para mostrar todo o seu tamanho, acho que nunca saberei.
— Nós já nos conhecemos, . — Ele falou, voltando a se sentar. — Não foi assim que você se apresentou aquela noite? combina mais com você.
— É, eu acho que não. — Respirei fundo. — Então, você foi preso em flagrante em Mid-Beach. Encontraram no seu carro algumas gramas a mais do que o considerado para consumo próprio de droga. Já no carro que apostava com você essa corrida, encontraram mais de trinta quilos das mesmas substâncias, mas não conseguiram ligá-las a você.
— Não eram minhas, eu não conheço aquele cara. — Ele falou, indiferente. — Ele só tinha um carro legal e eu queria mostrar que o meu era melhor. Mas você eu conheço.
— Isso é ótimo. — Falei, aliviada. É claro que eu já tinha lido isso no depoimento que ele deu na delegacia, mas conversar com o cliente e saber as coisas por eles tornavam o caso muito mais claro. — Não a parte do melhor carro ou de você já me conhecer, o que eu acho melhor a gente esquecer, é ótimo a parte das drogas.
certamente não estava muito interessado naquela conversa, já que fiz várias perguntas. Ele estava mais interessado em flertar do que me ajudar a limpar sua ficha. Para ele, aparentemente, tudo se resolvia em dinheiro. Toda aquela arrogância estava me deixando furiosa por três motivos. Um: Era uma quinta-feira ensolarada na Flórida, eu deveria estar de férias me preparando para uma entrevista importantíssima. Dois: Eu não queria estar ali. Preferia atender alguém que realmente precisasse. E três: Aquele homem era lindo. Seus olhos, seu corpo, a cor de sua pele... Como alguém pode ser tão abençoado pelos deuses da beleza e ser um basicamente bebê mimado? Bom, acho que tudo precisa de um equilíbrio.
— Olha aqui. — Eu falei, interrompendo-o enquanto discursava sobre o quanto o policial que o abordou tinha usado seu abuso de autoridade. — Você não acha que está um pouco grandinho para ficar bancando o adolescente sem juízo?
— Olha, parece que alguém está com raiva. — falou, sarcástico. — E eu não sou velho, sou maduro.
— Se você tem tanto dinheiro quanto diz, por que não pagou seu próprio advogado? — Fechei os olhos e me recompus. — Eu vou entrar lá e vou dar o meu melhor e eu tenho certeza que eu vou livrar a sua cara. Eu espero que você seja capaz de se comportar em frente à juíza como um homem.
— Sim, . — Ele respondeu. — Vai tudo correr bem, eu vou sair daqui livre e você com sua causa ganha.
— Eu vou confirmar algumas coisas com você. — Continuei fingindo que não tinha escutado. — Você é primário, né?
— É, meio que eu paguei para limparem minha ficha. — Ele falou naturalmente e eu o olhei assustada. — Brincadeira, é a primeira vez que me pegam. Não se preocupe, você não beijou um criminoso. Esqueci que você não gosta de piadas.
— Eu gosto de piadas, inclusive sou muito engraçada. — me olhou com estranheza, não acreditando muito na minha afirmação. — Eu não gosto é de arrogância.

Capítulo 3

Entramos finalmente na audiência. O lugar era claro e amplo. Haviam em torno de sete pessoas no local. Passamos por todo o rito de inquirição das partes e o relatório do crime.
Toda defesa é difícil como eu já falei anteriormente, mas depois de um tempo você adquire prática e as coisas seguem um rumo. E eu certamente iria livrar a cara daquele homem que estava ali, com aquele lindo rosto desenhado pelos anjos olhando, completamente alheio a tudo aquilo, mas arriscava um sorriso charmoso quando eu o olhava.
E apesar disso, tudo estava indo bem, tudo estava correndo simplesmente como eu imaginava.
. — A Juíza me chamou.
— Sim, Vossa Excelência! — Respondi, calmamente.
— Você poderia, por gentileza, acordar o réu? — Eu tenho certeza que naquele momento a maquiagem não disfarçava o rubor do meu rosto.
Caminhei até ele, a minha vontade era de pegar aquele jarro cheio de água e derramar por toda a sua face. Encostei a mão em seu braço e chacoalhei levemente.
— Sr. , precisamos de você acordado para prosseguir com a audiência. — Não surtiu efeito algum, ele estava com a cabeça caída para o lado enquanto com toda a certeza tinha um dos melhores sonhos de sua vida. — . Acorde.
Fui um pouco mais incisiva dessa vez, dando um aperto forte em seu bíceps. Surtiu efeito, já que ele acordou no mesmo instante e colocou a mão sobre o lugar que eu tinha apertado.
— Desculpa. — Ele falou limpando o canto da boca.
— Podemos continuar, Vossa Excelência. — Avisei à juíza da maneira mais natural que consegui.
Depois de mais um tempo, a Juíza passou a fazer algumas perguntas a e naquele momento eu fiquei apreensiva. Ele poderia botar tudo a perder com uma única frase. No entanto, dando um pouco de crédito, ele tinha se saído muito bem em todas as perguntas. Ele era uma pessoa bastante persuasiva. Até que a senhora juíza decidiu fazer uma pergunta básica, que não tinha mistério algum, pelo menos para mim, mas a cabeça de era um local inexplorado.
— Sr. , como o senhor explica a quantidade a mais de droga encontrada com você? Aquela pequena parte que não mais caracteriza o uso recreativo e pessoal?
olhou para mim de uma maneira brincalhona e deu uma piscadinha, talvez aquilo tenha me assustado um pouquinho ou me assustado muito, já estava confusa demais para definir.
— Sabe, Vossa Excelência... — começou e, a medida em que ele ia falando meu coração acelerava, ele não parecia estar levando aquilo a sério como deveria. — É que eu compro o bastante para não ter que ficar indo na boca várias vezes.
falou como se aquilo fosse algo corriqueiro e novamente eu enrubesci, mas a minha vontade era de me levantar e sair dali. Eu juro que vi as demais pessoas daquela sala segurarem o riso.
Não demorou muito depois da fatídica resposta para a juíza se retirar para decidir o que fazer com aquele homem. Assim que ela saiu olhou para mim.
— Já vencemos essa. — Ele falou convencido. — Você é boa!
— O que você estava pensando? — Respirei fundo. — Espero que a juíza esteja de bom humor hoje. Eu nunca tive um cliente tão...
— Bonito e sedutor? — Ele levantou as sobrancelhas.
— Inconsequente, irresponsável e medonho. — Falei e olhei pra frente. Ele levantou os dois braços na altura de seu rosto em sinal de rendição e permaneceu em silêncio.
Depois de alguns minutos, que pareceram horas, a juíza entrou na sala. Eu estava muito nervosa. Quando entramos nessa profissão, sabemos que tem dias de sentenças boas e de sentenças ruins.
Eu sabia que sozinha eu conseguiria livrar a cara dele, mas se eu tivesse tido uma defesa sabotada, um início de férias sabotada e uma noite de sono sabotada por aquele cara, eu ficaria muito furiosa.
Eu não conseguia absorver o que ela estava falando, mesmo que eu quisesse focar toda a minha atenção naquilo, minha cabeça estava a mil imaginando onde a noção daquele homem tinha se enfiado.
Eu acho que eu só consegui de fato, colocar a minha cabeça no lugar quando eu ouvi o “irá responder em liberdade” e seu martelo bater, então eu pude respirar fundo, completamente aliviada.
— Bom, vou avisar seu pai e passar seu caso a ele. Não foi o meu cliente mais fácil, mas deu tudo certo. — Falei da forma mais simpática que pude já fora da sala de audiências. Tudo tinha dado certo e eu estava em tempo para a minha viagem. E isso definitivamente me deixava feliz.
Olhei para e encontrei um homem grande e forte me olhando com um sorriso lindo nos lábios e eu olhando aquela linda face eu quase esquecia o quanto ele podia ser inapropriado.
— Desculpa por fazer você passar por isso. — Ele falou baixo. — Eu sou brincalhão assim mesmo.
— Tudo bem, tudo bem. — Passei a mão pelo braço dele. — Se desse errado quem iria pra cadeia seria você.
— Foi uma audiência cumprida, já são quase uma da tarde. Você quer ir almoçar? Por minha conta. — Ele franziu a sobrancelha de uma maneira amável.
— Eu tenho um vôo daqui algumas horas. — Falei, negando o convite.
— Você pode me dar uma carona até o seu trabalho? Eu queria me desculpar com meu pai, ele já é velho, ele anda mais ranzinza que o normal... — Ele colocou a mão atrás da nuca, eu com certeza não havia percebido. — Se não for te incomodar é claro.
Ponderei por um segundo. Eu teria que passar lá de qualquer jeito, mas eu não estava contando que o levaria comigo.
— Claro... — Respondi baixinho, prefiro acreditar que disse sim para evitar que mais um carro queimasse combustível e afetasse a camada de ozônio. — Só vou ter que passar na minha casa pra pegar a minha mala, tudo bem?
— Eu estou de carona, não tenho voz ativa aqui. — Ele brincou e caminhamos até o carro.
Eu entrei no carro e liguei o rádio, não estava interessada em uma viagem constrangedora.
— Você nasceu aqui? Em Miami? — Ele perguntou, olhando para fora.
— Não. Eu sou de Montgomery, no Alabama. — Respondi.
Humm. — Ele ponderou. — Mas você tem alguma descendência, não é?
— Meus avós maternos vieram de Cuba, não conheço meu pai, então... — Falei, prestando atenção na estrada.
— Sabia que tinha algo latino em você. — Ele me olhou e sorriu. — Então, você vai pro Alabama hoje?
— Não, eu vou para Tallahassee hoje, tenho uma entrevista com o Governador. Se tudo der certo ele vai me indicar para um cargo na Suprema Corte. — Falei, olhando de canto de olho. parecia mais interessado na minha vida do que na dele, já que não deu tanta atenção quando a juíza tratava dos assuntos sobre sua liberdade. — Então, , isso é muito importante para mim.
— Uau! Suprema Corte? Você tem o quê? Vinte e cinco anos? — Ele parecia surpreso.
— Vinte e nove. — Respondi.
— É impressionante do mesmo jeito. — Ele levantou a sobrancelha, de fato, impressionado.

Capítulo 4

Estacionei meu carro e subi até meu apartamento. estava o tempo todo em meu encalço, mesmo que eu não tivesse o convidado para subir.
— Fique à vontade, vou ser rápida. — Sorri, soltando as chaves sobre a mesa. Alba veio se enroscar nas minhas pernas imediatamente. — Alba, esse é o . , esta é a Alba.
O chamei pelo apelido sem nem perceber, mas pela expressão que ele fez, deve ter percebido. Subi rapidamente, confiando em minha gata para supervisionar a visita. Tomei o banho mais rápido da minha vida e foi naquele momento que a falta de sono me pegou em cheio. Meu corpo relaxou e eu só queria botar uma roupa leve e deitar na minha cama. Praticamente me arrastei até o quarto e me vesti, não com as roupas que eu desejava, mas com uma calça jeans, uma camisa branca básica e um blazer preto. Calcei um scarpin azul e finalmente desci, puxando minha mala. Sei que não deveria confiar tanto em , mas de alguma forma eu acreditava que dentro de todo o possível, ele ia se manter no lugar dele.
— Deixa que eu te ajudo. — se prontificou e subiu as escadas. Quando ele alcançou o andar de cima ele chegou muito perto para pegar minha mala, perto a ponto de eu sentir o perfume que eu senti naquela noite.
Ele me olhou de cima e minha mão, de alguma forma, estava em seu bíceps. Ele olhou para ela e eu percebi que estava sendo muito inconveniente.
— Desculpa. — Falei e me endireitei. — Quantas vezes por semana você faz academia? Uau, isso é firme.
Perguntei, tentando, de alguma forma, descontrair daquele clima carregado que pairava em nossa volta. Ele me olhou com uma expressão engraçada.
— Você quer recuperar umas lembranças? — Ele arqueou a sobrancelha.
— Não, não. — Falei sem graça. — Claro que não.
Ele segurou meu rosto com suas mãos enormes, depois de soltar minha mala no chão e me fez olhar nos seus olhos. Eu o puxei pela camisa e juntei meus lábios aos dele, era exatamente a mesma sensação que me recordava. Não chegamos a aprofundar o beijo e eu nem sei por que chegamos naquela situação, mas aquela sensação era boa. Ele afastou um pouco seu rosto do meu e sorriu.
— É um prazer, estarei aqui sempre que você necessitar. — Ele sorriu.
— Nossa. — Eu fiquei vermelha como um pimentão, novamente. — Desculpa, nossa... Você não deveria... Que vergonha.
começou a gargalhar freneticamente, ele riu tanto que chegou a se sentar no chão. Eu estava obviamente com cara de tacho, esperando que ele parasse.
— Pra ser sincero, deve fazer uns seis meses que eu não transo. — Ele falou naturalmente. — Quem sabe você não é a responsável em acabar com esse jejum.
— É, não vai rolar. Sexo é só depois do casamento. — Falei e desci as escadas. Pude jurar que vi a cara de desanimo daquele homem esperando por mais alguma coisa.
— Sério? — Ele perguntou, juntando minha mala.
— Não, eu só não quero transar com você. — Dei comida para Alba e me despedi.
— A mamãe volta logo, Alba. A dona Isobel vai vir te alimentar. — Dei um beijinho nela e abri a porta. Dona Isobel era minha vizinha que alimentava Alba quando eu estava fora.
— Tipo transar comigo nunca ou agora porque a gente acabou de se conhecer e você está com pressa?
— Bom, interprete da forma que for mais conveniente pra você. — Esperei ele sair e tranquei a porta. Me virei pra ele rapidamente e apontei o dedo em seu rosto. — E ninguém nunca vai ficar sabendo disso.
— Sim, senhora. — Ele respondeu.
Entramos no elevador em completo silêncio e assim foi o caminho até o carro. Ele colocou a mala no banco de trás e se sentou ao meu lado.
— A mala está bem pesada. — Ele fez um adendo. — Você vai ficar lá por muito tempo?
Eu o olhei, desconfiada. perguntou como se fosse uma mera curiosidade.
— Eu decidi pegar umas férias. — Falei pela primeira vez aquilo alto. — Por isso que estou indo lá no meu trabalho, pegar algumas coisas e separar alguns processos para despachar mais tarde.
— Hum. — Ele grunhiu. — E você vai para o Alabama depois?
— Talvez. — Respondi, sucintamente. — Devo me preocupar de estar compartilhando detalhes da minha vida com um criminoso?
— Você beijou a minha boca mais de uma vez, agora é tarde demais para se arrepender de compartilhar informações demais. — Ele falou, verdadeiro e eu concordei, não tinha mais o que fazer. — Você me parece bem confiante.
— Não, seu pai me aterroriza. — Falei séria enquanto prestava atenção na estrada.
— Minha mãe morreu enquanto eu nascia. Então sempre fomos eu e ele. Ele sempre trabalhou muito para que não me faltasse nada, meio que pra compensar o fato de eu não ter mãe. Ele só é um pouco amargurado. — falou.
— Então você o culpa? Por não ser presente? — Deduzi pelas palavras de .
— Não, eu amo meu pai. Sempre fiz tudo o que ele queria, mas no momento em que ele descobriu certas coisas... Bom, ele não aceitou isso de uma forma tão amigável. — falou. Eu dei dois tapinhas em suas costas tentando ser solidária. No entanto, na minha mente pairavam várias dúvidas sobre o que o Sr. poderia ter descoberto de tão ruim.
— E isso faz quanto tempo? — Perguntei, estacionando meu carro no subsolo do prédio.
— Tempo o bastante para eu saber que o que está feito está feito. — Ele falou, cortando o assunto. — Falta quanto tempo para o seu vôo?
— Tenho uma hora. — Falei, esticando meu cartão de visitas a ele. — Aqui está meu número, caso precise conversar com alguém ou precise de um advogado novamente.
— Vou guardar pra poder te chamar pra sair. — Ele falou galanteador e eu revirei os olhos.
Saímos do carro e eu fui em direção ao 7º andar, onde ficava o RH, para confirmar minhas férias. foi até o 13º andar, onde eu e o Sr. trabalhávamos.
Em 15 minutos meu requerimento de férias estava em minhas mãos, protocolado e deferido, o que pra mim era uma surpresa, já que todos reclamavam de como isso costumava demorar. Subi para conversar com meu chefe e explicar rapidamente como havíamos nos saído na audiência.
Cheguei lá e encontrei sentado na sala de espera. Estranhei já que imaginava que ele tinha a liberdade de entrar e falar com o próprio pai.
— Por que você não entrou ainda? — Perguntei, segurando a pasta.
— Acho que ninguém aqui sabe que eu sou filho dele, porque eu perguntei pela sala dele e me pediram pra aguardar. — falou de uma forma um pouco indignada.
— Bom, querido, temos protocolos por aqui. Você tem que se apresentar ou não temos bola de cristal para descobrir sua arvore genealógica. — Falei um pouco mais grosseira do que gostaria. — Vem.
O puxei pela mão e entramos. A sala do Sr. estava fechada ainda e aparentemente sem nenhuma luz acesa.
— Oi, Chloe, o chefe não chegou ainda? — Perguntei a outra defensora que trabalhava por ali.
— Não, . Ele não retornou do almoço ainda. — Eu concordei, mesmo achando estranho.
— Eu o espero chegar, vai para o aeroporto. — sussurrou baixinho.
— Claro... — Eu falei, mesmo sentindo que algo ali estava estranho. — Eu só preciso fazer uma coisa antes.
Eu tinha um pressentimento. E achava que algo estava muito errado e aquilo me deixava inquieta. Olhei para o meu relógio e eu tinha dez minutos para sair dali ou o meu sonho iria por água a baixo. Mas, mesmo eu sabendo disso, eu entrei no elevador e apertei no número 06, o andar da manutenção do prédio.
Eu sabia que o Sr. precisava de ajuda com a porta e sabia que a manutenção nunca atendia o ramal telefônico. Eu via os números desceram gradativamente e forçava o sorriso quando alguém entrava naquele cubículo.
Quando cheguei ao andar, e adentrei andar a dentro, eu encontrei o corpo do Sr. pairado sobre o chão, ele mal estava consciente. Por incrível que pareça, naquele fatídico dia, ninguém da manutenção havia passado perto daquele lugar do almoço até aquele horário. Eu me abaixei a seu lado e percebi que ele ainda respirava. Aquilo com certeza levaria mais do que os dez minutos que eu tinha.

Capítulo 5

Eu não sei como, mas eu peguei o telefone e liguei para alguém do prédio. Eu só conseguia falar, “vai ficar tudo bem, senhor”, e ele continuava a apertar minha mão com o mínimo de força possível. Nesse momento parece que todos chegarem de uma única vez.
— Vai. — Foi à primeira coisa que falou quando me viu. — Se você sair daqui agora consegue chegar ao aeroporto a tempo. Eu fico aqui com ele.
E, então, a emergência chegou. Começaram a fazer todos aqueles procedimentos pra saber os sinais vitais e essas coisas. Eu confirmei para com a cabeça e tentei me levantar, olhei para todos os lados e um dos socorristas vinha em minha direção para saber mais informações sobre o homem caído no chão. A secretária dele foi mais rápido e começou a falar sobre o histórico de saúde e todas essas coisas com que eu não estava apta para lidar.
O Sr. segurou minha mão com um pouquinho mais de força e eu tenho certeza que o seu olhar pedia para que eu não saísse dali. também percebeu já que tratou de conversar com seu pai.
— Pai, escuta, precisa ir. Ela tem um compromisso muito importante e eu sei que o senhor se lembra. Eu vou ficar aqui com o senhor.
Charles não parecia nem ligar para as palavras do filho já que continuava a me olhar de uma maneira suplicante.
— Ei, você dois, precisamos de espaço para trabalhar. — O socorrista não estava para brincadeira.
Eu tentava me desvencilhar da clemência de Charles, mas ele parecia precisar muito da minha presença.
— Ei, senhor , eu vou me afastar um pouquinho para que os socorristas possam ajudar o senhor. Mas, eu vou estar bem aqui, com , ok? — Falei baixinho. — Eu vou seguir meu caminho para o hospital, eu estarei lá quando o senhor tiver melhor, eu prometo.
Ele soltou minha mão e me puxou pra trás. Rapidamente os socorristas colocaram Charles sobre a maca e o desceram pelo elevador.
Eu desatei a chorar. Eu estava sentindo uma mistura de vários sentimentos. Um pouco de frustração por mais uma vez estar sendo sabotada pelo meu chefe, mas dessa vez, é claro, eu não o culpava. Eu também estava preocupada com ele, com pena por estar ali e não ter ninguém. Feliz por não ter ido ao aeroporto sem ir atrás do homem que infernizava a minha vida todos os dias.
passou o braço pelos meus ombros e me deixou chorar. Ele era um homem grande, então seu abraço fazia com que eu me sentisse acolhida.
— Ainda pode dar tempo. — falou. Eu me afastei de seu corpo e sequei meu rosto. — Se você dirigir rápido consegue chegar no aeroporto a tempo.
— Você ouviu quando eu prometi que estaria aqui quando ele acordasse? — Falei um pouco anasalado por conta do choro.
, vai. — Ele falou, sério. — É a sua vida, a dele ele já estragou. Você não tem como nem saber se ele vai acordar.
Aquelas palavras me machucaram, ele estava falando aquilo do próprio pai. Eu me afastei e fui até o elevador.
— Aonde você tá indo? — Ele me perguntou tentando me seguir, mas a porta fechou antes que ele entrasse.
— Aonde você deveria estar indo. — Falei, ainda um pouco indignada, mas isso o fez sorrir incrédulo. Meus olhos não se controlavam mais e eu não ligava.
Entrei no carro e saí do estacionamento, o dia continuava lindo. Se eu dirigisse em direção ao aeroporto, talvez eu conseguisse chegar a tempo. Mas, eu sentia que eu falharia imensamente como humano de não cumprir a promessa que eu tinha feito. Um lado do meu cérebro pedia que eu me valorizasse e fosse atrás do que era pra mim. O outro me pedia que eu cumprisse com minha palavra e fosse dar suporte para um homem que só tinha um filho inconsequente.
Peguei meu celular e mandei uma mensagem. Fiz o que a parte mais forte da minha consciência mandava: fui até o hospital.
Cheguei lá e pedi informações na recepção sobre o Sr. . Eles me indicaram onde eu deveria esperar que logo um médico iria vir falar comigo.
Sentei na cadeira. Não me lembrava como era frio um hospital até sentir na pele literalmente. Fiquei lá alguns minutos, pousei minha bolsa na cadeira ao lado, enquanto olhava meu celular e esperava uma resposta pra mensagem que eu havia enviado.
— Eu sabia que você estava aqui. — falou, se sentando ao meu lado e botando minha bolsa sobre o seu colo. — Você é muito teimosa.
— Eu tentei ajudar. — Eu passei a mão na testa. — Mas isso só te deixou bravo. Eu costumo cumprir com as minhas promessas.
O que eu podia dizer? Eu era uma grande e magoada bebê chorona. Lá estava eu, novamente chorando e sendo abraçada de uma maneira desajeitada por aquele por aquele brutamontes.
, eu não queria te magoar. — Ele passou a mão pelos meus cabelos. — Eu só queria que você se priorizasse.
Eu confirmei com a cabeça e fiquei ali, prefiro pensar que era porque estava com frio e o calor do corpo dele me deixava confortável. Mas, eu sabia que eu estava me sentindo bem à vontade com ele.
Talvez eu gostasse de desafios e, ver aquele homem tão despedaçado em minha frente, me fazia querer ajudá-lo a ser alguém melhor.
Depois de algumas horas apareceu uma médica para nos atualizar. A cor clara daquele hospital mais as crises de choro faziam minha cabeça latejar a todo o momento.
— Você é o filho do senhor ? — A médica perguntou, eu e ele nos levantamos.
— Sim. — respondeu. — Sou eu.
— Sou a Dr. McNewman. Sou a responsável pelo caso do seu pai. A secretária dele passou todas as informações dele, desde o histórico da saúde até todo o resto. A gente pode se sentar? — Nós voltamos a nos sentar onde estávamos e a médica se sentou de frente para . Ela provavelmente estava nas faixas dos seus 50 anos. Era uma mulher muito bonitq e aparentemente vaidosa, seus cabelos castanhos estavam amarrados em um belo coque. As raízes denunciavam alguns fios grisalhos que estavam prontos para aparecer.
— Seu pai tem um histórico muito grande de tabagismo, que vocês com certeza já notaram. — A médica continuava falando com e eu estava me sentindo completamente aérea com tudo. — Nós o passamos por uma tomografia e constatamos que o lado direito do pulmão dele tem alguns tumores.
— Câncer? — perguntou e eu segurei a mão dele.
— Bom, a gente coletou um pouco do material para análise através dos canais aéreos. É um procedimento pouco invasivo chamado broncoscopia, agora temos que esperar o resultado dos laboratórios para determinar a nossa abordagem e traçarmos o melhor plano.
— Com sua experiência você já deve saber o que devemos esperar, não é? — Perguntei e apertou minha mão mais forte.
— Vocês terão que ser pacientes, eu não tenho como prever algo. É o que sempre dizem, cada caso é um caso. Só estejam preparados e vamos esperar pelo melhor.
— A gente já pode vê-lo? — Perguntei. Com certeza fui inconveniente, mas eu já não me importava mais. O dia já estava horrível demais para ter que cuidar nas palavras.
— Claro. — A médica respondeu. Ela caminhou conosco por alguns corredores hospital adentro.
O Sr. estava em um quarto individual. Naquele momento, ele me parecia muito vulnerável, olhava para a janela. Na ponta de seu dedo tinha um daqueles aparelhos que monitorava seu coração e ele estava pálido, agora eu tinha certeza que poderia ver seu cérebro através da pele esticada de sua careca.
— Charles, você tem visitas. — A médica anunciou, quando entrou na sala. — Tem um filho e uma nora muito preocupados com o senhor.
— Não, eu não sou nora. Sou só conhecida. — Falei, sem graça, a Doutora olhou para a mão de em meu ombro e eu me apressei em tirá-la.
— Me deem licença. Se precisarem de algo é só apertarem no botão. — Ela apontou para o botão vermelho ao lado da cama.
Esperamos a médica sair e o silêncio ficou um pouco constrangedor. Aquele ponto eu já nem lembrava mais do lugar onde eu estaria se aquilo não tivesse acontecido e depois de ter imaginado meu chefe carrancudo morrer de tantas formas eu nunca imaginaria que ficaria tão grata por ele estar vivo.
? — O Senhor me chamou. Eu estava estática, com provavelmente a maior cara de boba enquanto já estava muito à vontade na poltrona de acompanhante.
— Sim? — Respondi, um pouco receosa, caminhando até o lado de sua cama.
— Não é ético um advogado manter relações íntimas com o seu cliente, você sabe, não é? — A expressão séria de Charles tinha voltado. Eu não sabia agir sob pressão, sempre saiam palavras que eu não podia controlar.
— Sim, por isso já estou passando o caso para outro defensor. — Pude ver jogar seu corpo pra frente na tentativa de segurar o riso, enquanto o meu chefe arregalou seus olhos enrugados a ponto de não parecer nenhuma dobrinha. — É brincadeira, desculpa!
e Charles começaram a rir. Na verdade riu mais já que Charles colocou uma mão sobre o abdome e a outra em frente a boca, tossindo no meio da risada. E claramente sentindo dor.
— Desculpa. — Pedi novamente, pegando o copo de água e direcionando o canudo em sua boca.
Coloquei o copo de volta no lugar e fiquei ali novamente com cara de boba, esperando que alguém falasse alguma coisa.
— Pai. — coçou a cabeça, o Sr. o olhou. — Deu tudo certo na audiência, vou responder em liberdade.
— Hum. — Ele grunhiu, não sei de onde eu tirei aquela cara tão repreendedora que olhei para o meu chefe e nem sei como ele entendeu, mas eu sei que funcionou quando o ouvi falar. — Que bom, filho.
Depois daquele momento tudo que aconteceu naquele quarto foi discussão. O Sr. fazia questão de ir pra casa, enquanto eu e insistíamos que ele deveria continuar ali. Ele nos fez chamar a médica para ver o que ela falava. Era óbvio que a recomendação dela era para que ele continuasse por ali, pelo menos por enquanto, mas se ele fazia questão de ir pra casa. Ela receitaria alguns remédios para dor e em casos de crises e desmaios ele deveria voltar diretamente ao hospital.
Eu e fomos arrumar os documentos com o hospital enquanto as enfermeiras ajudavam o Sr. a trocar de roupa. Foi tudo muito rápido até o encontrarmos na porta do hospital enquanto um enfermeiro o empurrava na cadeira de rodas. Ele fez questão de ir andando até o carro, dispensando o enfermeiro.
Aquele homem era levemente antipático por natureza, mas agora eu sabia que era sua personalidade. Assim que o enfermeiro virou as costas, aquele homem doente com o pulmão quase colapsado por conta de seu vício fez a coisa mais imprudente que eu já tinha visto: acendeu um cigarro.
— Pai, você precisa parar de fumar. — tentou tirar o cigarro da mão dele sem sucesso.
— Eu já estou morrendo mesmo, vou morrer fazendo o que eu gosto. — Ele falou, não dando a mínima para os nossos olhares reprovativos.
— O meu carro é aquele ali. — Apontei, indicando meu carro ao velho. — Não é tão grande como o seu Sr. , mas dá pro gasto.
— Você salvou minha vida, . — Ele apertou minha mão. — Todo mundo que salva a minha vida por me chamar de Charles.
— Eu faria isso por qualquer velho que eu encontrasse caído no chão.

Capítulo 6

Duas semanas já tinham se passado desde o incidente com Charles. Sim, eu o chamava de Charles agora. Como eu havia pego um mês de férias naquele dia, eu tinha passado bastante tempo na casa do meu chefe, que, convenientemente, era bem mais próximo da minha casa do que eu imaginava. Charles não estava muito melhor, a autópsia havia saído e como temíamos os tumores eram malignos e estavam crescendo rapidamente. Por isso, decidiram fazer quimioterapia e radioterapia antes de qualquer abordagem cirúrgica para avaliar se surtia algum efeito.
Charles dizia que adorava meu senso de humor e que eu deveria deixá-lo aparecer mais. , por outro lado, não passava tanto tempo com Charles. Acho que eles tinham algum bloqueio, mas eles não estavam muito abertos a falar disso e eu não insistia.
Mesmo que meu apartamento e a casa dos fossem na mesma vizinhança, o patamar era completamente diferente. Eles moravam em uma casa enorme. A arquitetura era clássica na cor bege. A casa tinha dois andares e diversos cômodos. Era perfeita.
Charles nunca ficava completamente sozinho. Eu havia ajudado a contratar alguns enfermeiros e cuidadores para ficarem sempre atentos mesmo que ele falava que era exagero da minha parte.
Minha relação com estava muito boa. Geralmente, a gente conversava bastante quando Charles estava cansado, mas, aos finais de semana, ele sempre saia. Me convidava às vezes para algumas baladas populares de Miami, como ele costumava chamar, mas não fazia muito meu estilo. Por isso, aos sábados eu jogava alguns jogos com Charles até anoitecer e depois passava o resto da noite no meu apartamento com Alba.
Eu havia recebido a resposta da mensagem que eu havia enviado naquele fatídico dia. A mensagem era o cancelamento da minha entrevista com o governador. Tudo que recebi de volta foi um “sentimos muito, pode considerar desmarcado.”. Mas eu não podia esperar mais do que isso, essa síndrome de super-herói estava tomando conta de mim.
? — sussurrou enquanto abria a porta. — Meu pai está aí?
— Não. — Respondi e entrou. Eu estava na sala de estar juntando as cartas e os tabuleiros, aquela tinha sido a noite do poker. — Ele já foi se deitar.
se sentou ao meu lado e eu senti o cheiro de seu perfume entrar pelas minhas narinas. estava muito bonito aquela noite, quer dizer, toda sexta e todo sábado ele se vestia para sair e ficava quase irresistível. Quase.
— Uau. — Comentei. — Vai sair?
Perguntei, como se não soubesse.
— Como se você não soubesse. — Ele foi irônico.
— Eu já estou indo. — Me levantei.
— Sabe... Eu posso ficar em casa, se você quiser. — Ele falou quando eu abri a porta pra sair.
— Eu estou aqui dando um apoio para o seu pai, mas não sou sua mãe não. — Falei, humorada. — Por mim você pode ir.
Saí da sala de estar, peguei minha bolsa em cima da mesa do hall de entrada e tirei as chaves do carro.
— Até amanhã, . — Abri a porta principal, quando ouvi sua voz em minha direção.
, espera. — Ele falou claramente. Parecia aquelas cenas clichês em que ele viria correndo em minha direção e me beijaria, devo até falar que meu coração errou levemente as batidas.
— Esse absorvente, é seu? — Ele estava, com um absorvente na mão. Eu não costumo me envergonhar disso, sou mulher horas, menstruo. Mas eu estava um pouco decepcionada. — Caiu do bolso da sua calça.
— Ah, claro. — Peguei o objeto. — Obrigada.
Então, eu finalmente saí daquela casa. Com aquele homem cheiroso, lindo e musculoso pronto para beijar diversas bocas durante a noite, mas, de qualquer forma, eu estaria no meu apartamento, assistindo “Dez Coisas que Eu Odeio em Você” e chorando por conta dos hormônios da menstruação e por todas as desilusões amorosas que já tive.

Capítulo 7

Sabe quando perguntam qual foi o motivo mais bobo que a TPM já te fez chorar? Então, eu estava aleatoriamente chorando pela morte do Heath Ledger. Sim, eu estava assistindo “Dez Coisas que Eu Odeio em Você” e eu nem cheguei na parte em que Kat lê o poema e já estava chorando. Alba já estava ronronando em meu colo e nem ligava para os meus soluços. Eu estava com o pijama mais ridículo que eu já tinha ganhado da minha mãe, estava escrito “Eu amo Los Angeles”, esse foi o presente que ela me trouxe quando foi lá. Eu nunca fui a LA.
Meu celular estava vibrando enlouquecidamente em cima da mesa, pensei em ignorar por alguns minutos, mas fiquei preocupada que pudesse ser algo com Charles então levantei, tirando Alba com cuidado do meu colo e secando as lágrimas.
Naquele momento não sabia se sentia alívio ou uma ravinha por ser o outro pedindo para que eu o deixasse subir. Fiz o que ele pediu dando pause no filme e enviando a senha do portão. Já haviam passado das dez horas da noite.
. — Ele sussurrou. — Abre, sou eu.
Abri a porta e estava cheio de sacolas. Ele se sentou no sofá, tirou o tênis e colocou as bolsas no chão.
— Eu trouxe algo de Charles pra cá? — Perguntei, enquanto ele passava a mão no pelo cinza de Alba.
— Eu só queria te impressionar. — Ele falou animado. — Quando aconteceu aquele lance lá com o absorvente, eu dei uma pesquisada sobre o que vocês gostam nesse período.
Eu me aproximei dele, curiosa pra ver o que tinha naquelas sacolas.
— Se for brinquedos sexuais saiba que não vão ser usados. — Falei brincalhona.
— Eu imaginei! — Ele exclamou. — Por isso eu trouxe, sorvete, chocolate, todas aquelas balas de gelatina que meu pai faz questão de deixar pra você no armário da cozinha e uma lista de filmes do BuzzFeed pra assistir na TPM.
— Uau. — Eu odiava a TPM por que tudo o que eu queria era pular em cima daquele homem e não sair mais, mas o que meu corpo fez? Começou a chorar, de novo.
— Meu Deus, eu fiz algo errado? — Ele perguntou, assustado, e se colocou na minha frente.
— Não, está tudo bem. É a TPM. Isso tudo é... Perfeito. — Olhei pra cima, abanei com as mãos em direção aos olhos, respirei fundo e já era uma nova mulher novamente.
— Tá tudo bem mesmo? — Ele perguntou e eu confirmei com a cabeça.
Ele me puxou pela mão e se sentou no sofá, eu fiquei de pé no meio de suas pernas. colocou as suas mãos enormes ao lado do meu quadril e me olhou. Naquele momento eu me senti o ser mais belo de todo o planeta, porque aquele homem me olhava com uma ternura que eu nunca tinha visto.
— Sabe o que mais ajuda? — Ele me perguntou. — Carinho de uma pessoa que gosta de você, muito.
me puxou pela mão e me fez sentar em uma de suas pernas. Ele botou a mão nas minhas costas e roçou seu nariz no meu. Eu juro que tive que me controlar pra não chorar novamente. Eu odiava a TPM.
— Eu vou te beijar agora. — Ele sussurrou e tudo o que eu consegui fazer foi concordar com a cabeça.
Ele juntou nossas bocas. Passou a língua entre os meus lábios pedindo permissão para aprofundar o beijo. Se seus olhos tinham ternura enquanto ele me olhava, seu beijo tinha muito mais. Ele me apertava cada vez mais, mas eu não tinha coragem de interromper o beijo. Eu sentia muito respeito naquele ato, sua mão direita passou a acariciar meus cabelos. Eu interrompi o beijo e botei a cabeça sobre seu ombro.
— Tá se sentindo melhor? — perguntou, enquanto passava suas mãos pelos meus cabelos.
— Muito.

[...]

havia escolhido outro filme para que a gente pudesse assistir. De acordo com ele, eu não conseguiria terminar o último sem me debulhar em lágrimas. Bom, e, mesmo que ele tivesse falado que tinha trazido aqueles doces para mim, ele já tinha acabado com mais da metade deles. Não sei como ele conseguia manter todos aqueles músculos do jeito que ele comia.
— Lembra o dia que a gente se conheceu? — perguntou. — Eu sei que não tem como esquecer, mas lembra que você disse que nunca transaria comigo? Você já mudou de ideia?
— Não vamos transar hoje. — Falei e ele concordou.
— Mas... — Ele esperava uma complementação.
— Mas não significa que isso nunca vai acontecer. — Falei e ele sorriu. — Posso te perguntar algo pessoal?
concordou, talvez um pouco relutante.
— Porque você e seu pai são tão distantes?
mudou sua expressão na mesma hora, ele me apertou mais no seu abraço e olhou para cima.
— Você quer mesmo saber, não é? — Ele perguntou e eu afirmei. — Como vou dizer isso sem parecer um completo idiota... Meu pai é gay.

Capítulo 8

Eu me desvencilhei dele e me sentei rapidamente no sofá.
— Você tá me dizendo que não aceita a orientação sexual do seu pai? — Falei indignada com aquilo, também se sentou.
— Não! — Ele exclamou. — Deus! É claro que não, eu aceito... Calma, vou contar a história toda.
“Meu pai tem 65 anos, ele nasceu em mil novecentos e cinquenta e cinco, conheceu minha mãe e fizeram essa criatura magnifica que está conversando com você agora. Meu pai sempre soube que sentia atração por outros caras, mas como ele vinha de uma família muito conservadora, teve que manter um relacionamento heterossexual para ser aceito sabe?
“Meu pai nem minha mãe vem de família rica. Eles conquistaram tudo basicamente sozinhos e então minha mãe morreu. Ele tinha uma viúva, um filho e dinheiro, mas muito trabalho. Por um tempo todo essa parte de sexualidade dele ficou lá, quietinha, porque ele estava muito ocupado com outras coisas.
“Quando eu estava na faculdade, eu me formei em Engenharia pela universidade da Flórida ali em Gainesville, enfim, dava uma viagem de cinco horas mais ou menos. Meu pai tinha um amigo muito próximo, ele se chama William Jones e um dia eu fui dispensado da aula no meio da semana e decidi fazer uma surpresa. Quando eu cheguei em casa, peguei os dois se despedindo com um beijo.”.
— Você pirou. — Deduzi.
— Não, eu fiquei muito feliz porque eu me sentia muito culpado por deixar meu pai em casa sozinho, enquanto eu passava a semana toda fora. Eles também imaginavam que eu teria outra reação. Mas, eu fiquei feliz, pensei que se aquilo deixava meu pai feliz, e deixava, pra mim estava ótimo, mais do que ótimo. Meu pai era muito alegre quando estava com ele.
“Foi depois disso que começamos a brigar, porque eu queria tanto que ele tivesse um relacionamento com alguém, que ele levasse pra jantar, que pudesse dizer pra qualquer um que ele ama o William. Mas eu não sei se ele tem vergonha, ou medo, mas ninguém mais sabe disso.
“Essas são nossas brigas de sempre, ele me cobrando e eu respondendo que ele não tem esse poder quando ele é um covarde. É sempre assim.”.
parecia chateado, eu fique de joelhos no sofá, tentando ficar da altura dele sentado e comecei a mexer em seus cabelos.
, eu sei que você só quer o melhor pra ele. — Tentei ser compreensiva. — Mas não desperdice o tempo de vocês por conta de uma decisão que é dele.
— Eu sei. — Ele me abraçou e botou a cabeça no meu ombro.
— Ele sente sua falta. Todos os dias.

[...]


Mais uma semana tinha se passado e eu já não estava mais menstruada, graças a Deus. De qualquer forma, aquilo não significava nada já que andava muito ocupado.
— Oi, Charles. — Falei, quando atendi o telefone.
— Oi, . — Ele ainda me chamava pelo sobrenome, mesmo que eu insistisse que estava bom. — Então, preciso que você venha depressa pra cá.
— Estou saindo de casa, aconteceu algo? — Perguntei enquanto trancava a porta.
— Rápido. — Ele falou e desligou o telefone, o velho continuava antipático.
Dirigi o mais rápido dentro dos limites permitidos até a casa dos . Como eu basicamente já era da casa, tinha meu próprio controle para o portão e chave para a porta principal, quando abri a porta estava saindo, de terno, e gravata. Me deu apenas um selinho rápido.
— Ei, , não sai antes de eu chegar. — Ele acenou e fechou a porta.
Charles estava com a cabeça pra fora da sala de estar e abanava, me chamando para eu ir lá rapidamente. Parece que nem tinha visto que eu e seu filho tínhamos encostado nossas bocas.
, quero te apresentar meu amigo William Jones. — Charles falou e eu estendi minha mão para William o cumprimentando. — Suponho que já tenha comentado sobre ele.
— Vagamente. — Sorri, tímida, não seria eu a falar que tinha comentado da vida sexual do senhor simpatia . — É um prazer, William.
— O prazer é todo meu, , não é? — Ele falou muito elegante.
— Fala pra ela, William, fala o que você veio fazer aqui. — Charles falou, animado, eu estava um pouco apreensiva com aquilo tudo.
— Bom, eu trabalho diretamente no gabinete do governador, Charles me contou que você perdeu sua entrevista por ajudá-lo e que você, inclusive, salvou a vida dele. — William falava aquilo de uma forma que me deixava um pouco envergonhada. — Então, eu mexi uns pauzinhos e o governador concordou em te entrevistar novamente.
— Nossa! — Falei, mas minha animação caiu por terra rapidamente. — Mas eu não posso viajar agora, sinto muito.
— Entendo. — William falou. — E é por isso que marquei uma entrevista através de chamada de vídeo pra você amanhã às sete da noite.
Naquele momento, eu fiquei muito feliz. Mesmo que muitas dúvidas pairavam em minha cabeça, eu me deixei aproveitar cada segundo daquela sensação. Tudo o que eu tinha feito tinha valido a pena.
— Se vocês me dão licença, eu vou confirmar sua entrevista. — William se levantou, apertando levemente a mão de Charles que estava no braço do sofá.
, eu sei que te falou o que William significa pra mim. Eu e ele conversamos. — Charles parecia forte aquele dia, mais forte do que o normal. Ele estava corado, sua barriga estava avantajada novamente e o brilho havia voltado a sua careca.
— William faz bem ao senhor! — Comentei, sorrindo.
— Eu vi você e hoje, ali na porta. Fico feliz por vocês. Ele falou hoje vai ter um jantar especial, que é pra você ficar.

Capítulo 9

Passei o resto da tarde ali com Charles e William, enquanto algumas pessoas cozinhavam a janta que tinha planejado. Eles me contaram tudo, sobre quando se conheceram, sobre não se assumirem por medo de que seus filhos viessem sofrer algum tipo de preconceito por serem figuras até conhecidas na Flórida. Eles se completavam, estavam juntos há mais de dez anos e continuavam se amando como se fosse o primeiro dia. Na verdade, William falou mais, Charles resmungava algumas vezes.
chegou um pouco antes das oito com uma garrafa de suco de uva integral.
— Como o meu pai não pode beber, vamos todos tomar suco na janta. — Ele falou e nos levou até a sala de jantar.
A comida era toda planejada com a dieta de Charles. Tudo estava lindo. Começamos a comer e a conversar. estava fazendo o maior suspense sobre aquele jantar. Disse que, no final, ia contar tudo, mas por enquanto “apreciem a refeição”, palavras do próprio.
Foi o que fizemos. Charles estava muito feliz, ele e trocavam frases inteiras e tinham conversas maduras. Tenho certeza que olhava orgulhosa aos dois da mesma forma que William.
Quando deu a última garfada no seu terceiro pedaço de cheesecake, ele se levantou. Abriu a garrafa de suco de uva e encheu a taça de todos.
— Bom, eu não sou muito bom com discursos, mas eu vou tentar, prometo ser rápido. , eu sei que a gente se conhece há pouco tempo, mas eu tenho a liberdade de falar que essa sala está cheia das pessoas mais importantes da minha vida. Eu sei que tudo aconteceu muito rápido desde a doença do meu pai até onde todos nós chegamos até agora, mas eu estou muito feliz sobre o lugar em que estamos.
“Eu não quero que seja mórbido, mas me desculpem todas as vezes que eu pisei na bola. Eu acredito que eu comecei a amadurecer, finalmente.
“Eu tenho, o pai, o padrasto, a garota e, querida, espero que a gente possa finalmente transar essa noite.” — levantou a taça na minha direção e meu rosto ficou completamente vermelho e minhas bochechas queimaram.
— Vocês não transaram ainda? — Charles parecia indignado.
, continua o discurso. — Supliquei.
— Então, eu tenho a garota, e agora tenho um emprego. — falou, animado, e Charles estava boquiaberto. — Eu encontrei um investidor e vou abrir meu próprio hotel.
Charles se levantou dentro do seu tempo, já que ainda estava fraco pela quimioterapia e foi abraçar o filho, e, novamente, aquelas lágrimas estúpidas corriam pela minha face. William abraçou em seguida desejando felicitações e todas aquelas coisas boas de sempre.
Depois eu estava lá, na fila esperando aquele abraço que me fazia sentir tão acolhida e até, talvez, amada. Ele me deu um selinho e voltou a me abraçar.
— Que evolução, eu estou orgulhosa de você. — Falei, emocionada.
— Talvez se meu pai não tivesse te colocado no meu caminho isso não teria acontecido. — Ele falou. — Pai, eu preciso levar ela até a casa dela.
olhou para Charles e William muito malicioso, eu estava muito tímida com aquilo, mas não ia dar pra trás. Eu também não era de ferro.
— Vão, pombinhos. — Charles falou na melhor tentativa de ser um pouco mais amigável.
Entreguei as chaves para que levou o carro até o apartamento. Abri a porta e colou seu corpo no meu, me abraçando por trás.
— Calma, deixa eu dar comida para a Alba. — Falei, olhando a gata cinza se enroscar em nossas pernas. — Precisamos distrair ela.
Foi o que eu fiz, dei ração e ali Alba ficaria pelo menos por uns cinco minutos antes de voltar a dormir. Subi correndo até o quarto com em meu encalço. Ele me beijou com tanto desejo enquanto tirava meu vestido. Ele deu dois passos para trás e passou seus olhos por todo o meu corpo.
— Você é perfeita. — Ele falou me empurrando na cama e se jogando em cima de mim.

[...]


caiu ao meu lado, ainda ofegante. Eu deitei minha cabeça em seu peito e fiz alguns desenhos em seu abdome com a ponta do meu dedo. Ele me puxou para mais perto e acariciou meu cabelo.
— Você acha que seu pai sabia? Que isso pudesse acontecer quando me obrigou a trabalhar no seu caso? — Perguntei, sem me dar ao trabalho de olhar para seu rosto, já que sabia que os olhos deles estavam fechados.
— Acho que só ele pode te responder isso. — Ele respondeu e em seguida sorriu. — Mas, é verdade a parte de que eu não tinha dinheiro pra pagar um advogado. O carro estava no nome dele, a casa está no nome dele, a única coisa que era minha era aquela maconha que os policiais encontraram no meu carro.
começou a rir e eu sorri levemente, espalmando a mão sobre seu peito e finalmente observando seu rosto.
— Você está diferente... De uma forma boa. — Tentei passar toda a sinceridade que havia em mim. — Eu sei que a gente não se conhece há tanto tempo, mas... Eu não te imagino apostando corridas pelo centro de Miami, não mais.
— Acho que eu cansei, a doença do meu pai e você me fizeram enxergar a vida de uma maneira diferente. — Ele beijou o topo da minha cabeça. — Você me inspira, .
— E você continuava no seu jejum de uns seis meses? — Perguntei, tentando não rir.
— Não, mas... — Eu e começamos a rir. — Mas, pra minha defesa, eu estava praticando para te dar a minha melhor performance e foi antes da noite da TPM.
— Defesa acolhida, Sr. .

[...]

Meu último final de semana livre antes de finalmente voltar ao trabalho. Eu estava muito confiante de que era o momento certo a voltar ao escritório. Charlie estava muito bem, dentro do possível. Os médicos estavam já se preparando para marcar a cirurgia. Ele estava um pouco menos retraído em relação aos enfermeiros que o visitavam periodicamente.
Mesmo que ele nos jurasse que não estava mais fumando, encontrávamos diversas carteiras de cigarro pela casa. Às vezes, a gente até o via tragando seus cigarros na sacada de seu quarto, mas não podíamos mais fazer nada. Ele era um homem crescido e até bem velho pra ficar sendo tratado como criança.
Aquele dia, acordei com o barulho das cortinas do quarto que abria. A luz do sol invadiu o quarto, por isso, tive um pouco de dificuldade de abrir meus olhos. já estava arrumado e se sentou na cama para calçar os sapatos.
— Bom dia. — Ele sorriu, pegando uma xícara de chá que estava sobre a cômoda ao lado da cama e me entregou. — Tenho uma coisa pra fazer, venho te buscar às dez.
— Que horas são? — Perguntei preguiçosa enquanto o vapor do chá invadia as minhas narinas.
— Oito. — Ele respondeu.
se levantou da cama, pegou seu casaco e foi até a porta do quarto, voltando a se virar para a cama.
— Não volta a dormir. — Ele me repreendeu, vendo que meus olhos se fechavam vagarosamente enquanto eu segurava a xícara de chá.
— Pode deixar. — Falei, me sentando melhor na cama. — Escuta, você acha que seu pai está pronto para conhecer a Alba?
riu e fechou a porta depois de sair, deve ter pensado que eu estava falando enquanto dormia. Mas, eu realmente queria que as duas coisas que eu mais me preocupava, minha gata, fofa e preguiçosa, e um velho que havia descoberto um câncer há quatro semanas que tinha sido basicamente meu projeto de férias.
Levantei e vi que Alba estava ali enrolada nas cobertas.
— Ei, bebê. — Passei a mão em seus pelos o que a fez se espreguiçar e piscar algumas vezes. — Hoje você vai conhecer o Charles.
Ela deu um “miau” esganiçado em resposta, não sei se aquilo significava que ela estava feliz ou se ela não estava aberta a novas amizades, eu descobriria logo.
Quando eu já havia feito tudo o que uma pessoa faz quando acorda, eu senti que aquele seria um bom dia. Vesti aquilo que eu não vestia há muito tempo, um vestindo soltinho básico com uma sandália com um saltinho.
Verifiquei o tempo e vi que continuava firme. Peguei o celular para ver se não havia nada importante e aproveitei para dar uma zapeada pelas redes sociais. Não tinha nada muito interessante, como o esperado. Arrumei meu laptop em uma bolsa para poder organizar minha volta ao trabalho na casa de Charles.
Quando dei por mim, faltavam poucos minutos para dez horas. Ajeitei Alba na caixinha, separei um pouquinho da ração para levar junto, peguei a bolsinha dos documentos, a mochila com o computador e já estava cheia de bagagem.
Cheguei lá em baixo uns minutinhos depois do horário marcado com , e parece que a gente combinava até em se atrasar. Já que estamos falando sobre combinar, devo dizer que é uma pessoa bastante ativa, sexualmente falando. Eu demorei um pouco para entrar no ritmo dele, mas criamos uma sincronia, se posso falar dessa forma. Se estivéssemos sozinhos no mesmo cômodo por mais de dois minutos, estávamos sem roupa.
Não deixem que enganem vocês dizendo que o seu príncipe apareceria em um cavalo branco, às vezes ele aparecia em uma moto, grande e barulhenta.
— Gostou, ? Fui buscar agora! — Ele falou, animado, enquanto descia da moto.
— Nossa, . — Falei, tentando parecer mais feliz do que eu realmente estava. Era ótimo que ele tinha adquirido uma moto, mas eu estava de vestido, com um gato de um lado, uma mochila nas costas e minha bolsa de documentos. — Adorei.
— Você estava falando sério de apresentar a Alba pro meu pai. — Ele falou, se dando conta da situação. — E você vai.
Ele me deu um selinho e fez literalmente a mágica acontecer. De alguma forma estávamos estacionando a moto em sua casa com todas as bagagens, eu de vestido e Alba, como o esperado, dormindo muito confortável.
Entramos na casa e avisou que ia até a cozinha trazer algo para nós bebermos, já que Charlie tinha que tomar seus remédios. Encontrei o velho e William na sala assistindo a reprise de alguma partida de futebol. Na verdade, Charlie xingava mais os participantes do que de fato, assistia.
Cheguei na sua frente, peguei o controle remoto de sua mão e desliguei a televisão. Ele com certeza lançaria raio laser dos olhos em minha direção se pudesse.
— Olá, Charles. — Falei, me sentando no sofá ao lado de sua poltrona. — Oi, William.
. — Charles me cumprimentou seriamente até perceber meus trajes e começar a rir. — foi te buscar de moto e você veio de vestido?
— Sim, seu filho fez isso. — Falei e coloquei a caixinha de Alba ao meu lado.
— Bom, , eu tentei falar para que talvez não fosse uma boa ideia, mas ele disse que queria “impressionar a garota”. — William falou, amável.
— Funcionou. — Falei. — Mas, nesse clima de “impressionar”, eu trouxe minha filha, Alba, para te conhecer.
Abri a caixinha de transporte e Alba saiu majestosamente, bocejando.
— Você deveria pedir permissão antes de trazer um felino para minha casa. — Charles observava Alba lamber a própria pata dianteira.
— E você deveria pedir permissão para ser ranzinza todos os dias. — Rebati.
— Me parece justo. — William complementou.
Neste momento, entrou com a bandeja, carregando quatros copos que eu supus ser suco de laranja. Ele entregou primeiro para Charles com dois comprimidos.
— Então, você já conheceu Alba. — falou, enquanto entregava um copo para mim e para William.
Ele pegou Alba no colo e colocou sobre o colo de Charles, que estava coberto por um edredom. Alba começou a fazer aquilo que os gatos fazem para afofar a cama antes de deitar. Charles a olhou, com um pouco de estranheza, e devolveu seu copo pela metade para .
Ele se arriscou a passar sua mão levemente sobre as costas da gata, que aparentemente aprovou bastante o carinho, já que, no mesmo momento, ela, literalmente, se jogou sobre as pernas do homem e fechou seus grandes olhos.
Parece que, de alguma forma, eles tinham se entendido. se sentou ao meu lado e me abraçou. Eu me aconcheguei por ali.
— Como foi a entrevista com o governador, ? — William questionou.
— Bom, acho que vou continuar aqui por um tempo. Ele falou que já tinha selecionado um candidato para aquela vaga, mas que, se algo acontecesse, ela seria minha. De acordo com ele eu tenho um futuro promissor. — Falei, tentando não transparecer que aquilo me deixava um tanto chateada.
— Sinto muito, . Mas, agora que sei que você vai ficar, posso confirmar que você vai assumir meu posto na Defensoria. Você vai ser a nova chefe. — Charlie falou, sério, e eu franzi a testa. Olhei para , que confirmou com a cabeça. — Não se acostume com minha cadeira e com a minha sala, que é só enquanto eu estiver aqui.
— Você tá falando sério? — Perguntei, me sentando na ponta do sofá.
— Sim. — Ele respondeu, enquanto ainda fazia carinho em Alba. — Já pedi que redistribuíssem seus casos. A pessoa que está no cargo durante as suas férias vai deixar tudo pronto para você na segunda.
— Você tem certeza que eu sou a mais qualificada pra isso? — Perguntei, enquanto aquela insegurança pairava sobre mim mais uma vez.
— Se dê um pouco de crédito, , você merece. — falou, me puxando mais uma vez para seu abraço.

Capítulo 10

Um mês depois.

No final das contas, Charles e tinham razão. Eu dava conta de tudo aquilo. Eu conseguia conciliar meu trabalho com todas as minhas outras responsabilidades e um relacionamento. E não era qualquer relacionamento, era O relacionamento. tinha sido pra mim o que eu não tinha esperado que nenhuma pessoa fosse ser, e eu tenho certeza que o motivo é compreensível.
Não sei se é justo eu falar isso, mas devo dizer que, o relacionamento que Alba tinha com Charles, eu nunca tive com minha própria gata. Charles brincava de bolinha com ela todos os dias e ela buscava a bolinha para ele jogar de novo, repetidas vezes, como um cachorro. Me atrevo a dizer que Alba estava mais em forma do que nunca. Quando eu, e William íamos ao trabalho, era ela que o fazia companhia e ele me obrigava a passar de manhã cedo antes de ir ao trabalho para deixá-la lá e buscar quando eu estava voltando para casa. Às vezes, Charles parecia um avô que suplicava para que seu neto pudesse passar a noite e como dizer não para aqueles dois pares de olhos? Sim, dois, por que era sempre uma guerra para de tirar Alba da caminha que Charles encomendou para ela pela Internet. Provavelmente era melhor que minha própria cama. William costumava dizer que Alba havia adotado Charles.
estava trabalhando muito no empreendimento dele e tudo estava dando muito certo. Era palpável a forma que ele estava evoluindo dia após dia. Eu era louca por ele e acredito que ele sinta o mesmo. Eu nunca acreditei que aqueles relacionamentos clichês de completar frases, de adivinhar o que o outro está pensando ou sentindo, ou até sentir vontade de comer as mesmas coisas fosse acontecer comigo algum dia. E, no auge dos meus quase trinta anos, eu tinha encontrado o amor naquele homem que dormiu na audiência, aquele que me fez perder a cabeça no dia em que eu o conheci.
Talvez tudo tenha ido rápido demais? Sim. Mas acredito que a doença de Charlie me trouxe para perto de pessoas que eu já não me imaginava longe. Eu passei de uma garota solitária com seu gato para alguém com uma nova vida, praticamente. Não era a mais perfeita nem a mais funcional, mas era a que eu precisava, e nem sabia que precisava tanto.
Aproveitei que aquela era uma sexta-feira calma e decidi sair do trabalho uns minutos mais cedo. Agora eu tinha esse privilégio. Passei na floricultura e peguei uma orquídea que tinha por lá. Aquele dia estava frio e chuvoso, o que era estranho para aquela época do ano. O trânsito estava um pouco devagar, o que era compreensível.
Quando estacionei o carro, olhei para frente e respirei fundo. Olhei para a orquídea e a coloquei no meu colo. Tirei o cinto e sai do carro. Por conta da chuva corri até a porta. Conhecia tão bem aquele caminho que tenho certeza que encontraria quem eu estava procurando até de olhos fechados.
— Olha só quem chegou. — William falou, assim que pousou seus olhos em mim. se apressou em tirar meu casaco molhado e estender sobre a cadeira.
— Eu trouxe um presente para você, Charles. — Chamei a atenção dele, que sorriu, singelo, quando viu a flor em minhas mãos.
— É linda, não é, querido? — William perguntou a Charles, que confirmou com a cabeça.
— Alba? — Charles perguntou fracamente.
— Ela está sentindo saudades, está só esperando você voltar para a casa. — Falei, passando a mão por sua cabeça careca.
Há uma semana Charles tinha enfrentado uma crise respiratória que o levara diretamente para o hospital. Os médicos tinham sido bem claros que a chance de uma recuperação era mínima, mas a gente se agarrava na pouca esperança que pairava sobre Charles. Por mais egoísta que isso possa parecer, estava sendo todas as estruturas que eu pudesse precisar e não ao contrário. E é por isso que ele estava sendo pra mim o que nenhuma pessoa, na posição que ele estava, pudesse ser.
A vida de Charles estava esvaindo de seu corpo dia a dia. Ele já não tinha mais suas falas ácidas, ele já não tinha mais fôlego para rir das minhas piadas, ele não tinha forças para apertar a mão de William.
— Muita coisa vai acontecer quando você voltar pra casa, pai. — falou, se colocando do meu lado. — Eu vou pedir a mão dessa garota, pai. Como anel que você deu pra minha mãe. E eu quero que o senhor esteja lá. Então, trate de melhorar logo por que eu não quero passar mais muito tempo sem ser o noivo, que eu tenho certeza que ela escolheria entre outros mil homens.
! — Eu falei, surpresa. — A gente nem conversou sobre isso.
— Se eu tenho certeza sobre algo, é sobre você, . — Ele sorriu e beijou minha testa. — Agora, se me dão licença, eu vou ir na cafeteria comer algo. Você vem?
— Obrigada, estou bem. — Sorri e se retirou.
Vi que Charles queria falar alguma coisa que quando sua mão tremula tirou o inalador da frente de seu rosto.
- Vo... Você. — Ele voltou a colocar o inalador em frente ao nariz. — É a melhor coisa que já aconteceu na vida do meu filho, .
Ele falou, na medida em que seus pulmões permitiam. Não sei se foi o fato de ele não me chamar por algo que fosse meu sobrenome pela primeira vez, ou por aquilo que ele tinha falado com todo o esforço que ele usou, mas meu olhos marejaram com as lágrimas mais intensas de sentimentos que eu nunca tinha experimentado antes.
— Ah, Charles, para. Ele te pagou para você falar isso. — Falei, com a voz um pouco falha, na minha maior tentativa de parecer divertida. Charles apertou o inalador sobre o rosto e eu ajeitei para firmar sobre seu rosto sem que ele tivesse que ficar segurando o tempo todo.
Charles caiu no sono um pouco antes de entrar, trazendo café para mim e para William.
— Obrigado, por estar aqui. — falou e eu deitei a cabeça em seu ombro, mal ele sabia que era eu quem deveria agradecer.
Charles morreu aquela noite. Sua passagem foi tranquila. Seu coração perdeu a força enquanto dormia e ele tinha feito questão de assinar uma ordem para não o ressuscitar.
Naquela noite ele se foi e levou junto com ele algo de mim que talvez eu nunca mais fosse recuperar, mas, por outro lado, ele tinha preenchido uma parte minha alma de uma forma que estaria comigo até o fim da minha própria vida. Eu sempre imaginei o que deveria ser ter um pai e, para ser sincera, aquilo que eu idealizava não era Charles, nem de longe. Charles era ranzinza, extremamente fácil de tirar do sério e muitas vezes intolerável. Mas, aquele Charles, que ele não deixava transparecer, era um amigo extremamente fiel, um pai extraordinário, um tirador de sarro nato e um ser cheio de amor. Ele também era um péssimo jogador de pôquer, mas ele jamais admitiria. Aquele pai que eu sempre sonhei nunca seria tão perfeitamente imperfeito como Charles. E era o que ele era e como ele era que fazia eu o ama-lo. Então, Sr. , agora seremos eu, William e para lidarmos com a falta que o senhor deixou.

Epílogo

? — Atendi o telefone, ouvindo a voz de do outro lado da linha. — Você está me ouvindo?
— Oi. — Respondi. — Estou. Claro. Pode falar.
— Você pode passar aqui em casa depois do seu trabalho? — perguntou, um tom de voz mais baixo que o normal.
— Sim. Achei que você iria lá em casa hoje. Está tudo bem?
— Sim, está tudo ótimo. Nos vemos depois.
Já faziam pouco mais de duas semanas desde que Charles tinha falecido. Aos poucos, a vida ia tomando um novo rumo. William estava passando mais tempo na capital do que antes. Eu e continuávamos levando como dava. Tinham dias que eram mais fáceis do que outros. A pobre Alba demorou um pouquinho para voltar ao normal, mas continuava empurrando sua bolinha nos nossos pés, insistindo que jogássemos para que ela pudesse brincar.
Assim que desliguei a ligação e coloquei o celular sobre a mesa, ele voltou a tocar, mas era um número desconhecido.
— Alô.
— Boa tarde, falo com ? — A voz de uma mulher perguntou.
— Sim, sou eu. — Eu já estava acostumada a receber ligações desconhecidas desde que tinha assumido o cargo de Charles temporariamente. — Posso ajudar?
— Claro, sou Brigitte Drew, eu falo da Suprema Corte de Iowa, aqui em Des Moines. Você foi indicada a trabalhar conosco nas mesmas condições da vaga que tinha aí na Flórida. É claro, se você aceitar todos os custos de locomoção e mudança vão ser pagos pelo Estado. Se você quiser podemos marcar uma visita para você vir nos conhecer.
Enquanto ela falava, eu aproveitei para pesquisar a distância de um estado a outro. Era uma vaga incrível, mas era longe, bem longe. Brigitte continuava dizendo muitas e muitas coisas que eu já não prestava mais atenção.
— Em quanto tempo você acha que consegue nos dar uma resposta? — Brigitte perguntou, receptiva. — Nós queremos você para essa vaga, quem te indiciou garantiu que você era extremamente qualificada.
— É uma decisão e tanto. — Ponderei. — Quarenta e oito horas é o suficiente.
— Ótimo, tenha um bom dia. Volto a te ligar em dois dias. — Brigitte desligou a ligação e eu só queria gritar e comemorar. A vaga era melhor do que a minha na Defensoria Pública. e eu poderíamos fazer dar certo, era um vôo de apenas quatro horas de um estado a outro.
Durante a tarde, eu fiquei pensando muito. Fazia dias que eu não me sentia tão feliz como naquele momento. Ser reconhecida pela sua própria competência é algo que nenhum dinheiro do mundo paga.
— Senhorita . — A secretaria de Charles bateu na porta. — Pediram para você passar nos Recursos Humanos no fim de expediente.
Estranhei o pedido, mas acreditei ser o aviso de que finalmente haviam escolhido alguém para ocupar aquele cargo. Me deixaria mais aliviada em saber que alguém estaria tomando conta do cargo de Charles caso eu saísse dali.
— Avisaram sobre o que era? — Perguntei, por desencargo de consciência.
— Não, senhorita.

[...]


Cheguei ao RH e fui atendida. Eu estava certa, eles finalmente tinham escolhido alguém para ocupar o cargo de Charles.
— Você se saiu muito bem no tempo que esteve ali e a decisão da hierarquia foi que você deve assumir o cargo definitivamente. — Eu juro que eu não estava esperando por aquilo, eu não sou o tipo de pessoa que as coisas costumam dar certo.
— Ah... Isso é... Ótimo. — Tentei parecer natural, acredito que eu tenha falhado. As condições eram ótimas também e tinha um “mais”, eu poderia ficar pertinho de . — Posso te dar a resposta em quarenta e oito horas?
— Desde que você fique no cargo até lá, tudo bem. — Ela respondeu.
Levantei e fui até meu carro. Apressei-me em sair do estacionamento. Decidi passar no meu apartamento alimentar Alba, pois não sabia se voltaria pra casa aquela noite. estava me devendo um pedido e, eu sei que faz pouco tempo desde a morte de Charles, mas eu já o peguei olhando aquele anel diversas vezes. Eu não queria acabar com a surpresa, mas aquilo estava me deixando muito ansiosa.
Acho que eu não seria a única a ter uma surpresa aquela noite, por isso passei em um lugar antes de ir pra casa.
E isso me levou até meu apartamento. Eu estava sentada no sofá, Alba olhava curiosa para a mesa de centro assim como eu. Eu tinha duas pastas. Uma em cada extremo da mesa. Cada uma era basicamente um portfólio das oportunidades de empregos que eu tinha. Na verdade, foi o melhor o que eu consegui fazer em vinte minutos.
No centro da mesa tinha um exame de gravidez que eu fiz no laboratório naquela manhã. Ninguém sabia, somente eu e Alba. Eu criava coragem de abrir, e talvez aquilo definiria meu futuro. Bom, talvez seja a hora da verdade.

[...]


Lá estava eu na casa de Charles, que agora era de . Mas ainda doía o meu coração. Entrei com as minhas chaves e encontrei sentado na poltrona de Charles. Ele ainda estava com as roupas sociais que usava para trabalhar.
— Oi, . — Falei, sorrindo, compreensiva.
— Eu só estava te esperando. Senta aqui. — Ele apontou pro sofá ao lado.
Eu não sabia o que ele estava planejando, mas eu estava nervosa. Eu queria dizer sim antes mesmo da pergunta, acho que isso estava estampado em meu rosto.
... — começou a frase vagarosamente.
— Sim? — O incentivei a continuar.
— A gente não pode mais ficar juntos.
Calma. Respira. Aquilo não ia funcionar. Eu definidamente não estava esperando por aqui.
— Não tem jeito fácil de fazer isso e, por mais que isso me doa, e dói muito. — As lágrimas começaram a escorrer dos olhos dele. — Eu não posso mais ficar com você.
Eu já não sabia o que eu sentia se era raiva, tristeza, ódio ou muita incerteza. Provavelmente tudo junto.
— Não. Não venha com essas lágrimas de crocodilo. Deu, . Deu. — Falei ríspida. — Você... Eu vou embora.
— Fala, . O que você tem pra falar? Eu mereço. — Ele falou, secando seu rosto com as mãos.
— Tudo o que eu quis foi o bem de todos desde o começo. Eu encontrei um homem despedaçado e ajudei ele a colocar todas as peças no lugar. Como eu fui tão burra? — Coloquei a mão em frente aos olhos e, nesse momento, eu percebi que eu chorava como uma criança machucada. — Quer saber, você não é metade do homem que você acha que é ou que eu achava que você fosse. Você deveria estar triste. Miserável por fazer eu passar por isso.
se aproximou e tentou encostar sua mão em meu ombro.
— Não encoste em mim, você perdeu esse direito. Eu posso saber o que te levou a tomar essa decisão?
— Eu tentei do jeito difícil, droga! — Ele exclamou colocando a mão no rosto. — , eu não posso ficar com você, mas isso não significa que eu não quero.
— Eu preciso que você seja claro. — Eu praticamente supliquei.
— Você é e sempre foi tudo o que eu sempre quis. — Ele tirou do bolso aquele maldito anel. — Algo nos impede de ficar juntos agora e, se eu tivesse escolha, eu te levaria pra qualquer lugar que você quisesse, mas eu juro que eu não posso.
, se você sente o que você diz que sente, me fala o que está acontecendo. — Eu me aproximei dele.
— Eu não posso. — Ele respondeu. — E eu não vou te envolver nas merdas que eu fiz.
— Eu vou embora, . Eu espero nunca mais te ver. Você não acha que talvez eu esteja envolvida demais? — Respirei fundo e tirei aquele maldito teste de gravidez da minha bolsa. — E agora eu sou grata por não ter tido um bebê com você, porque você só e capaz de amar algo quando é vantajoso pra você.
Rasguei aquele teste em pedacinhos e joguei sobre o carpete da sala. Eu virei as costas para sair. Quando estava prestes a sair daquele lugar eu ouvi as últimas palavras que iria ouvir de por um bom tempo.
— Isso não é verdade, porque eu te amo mais do que eu nunca amei ninguém. Eu vou dar um jeito nisso e vou lutar pra gente ficar junto e, se você não quiser lutar, eu vou lutar por nós dois.


Fim



Nota da autora: Sem nota.

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Nota de Beta: Eu já te disse isso antes, mas não custa reforçar. Essa era a música que eu mais estava ansiosa pra ler nesse ficstape e você não me decepcionou. Sem condições com essa história e nem preciso dizer que eu estou louca por uma continuação. Você é incrível, Nana!

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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