Finalizada em: 22/10/2019

Capítulo Único

10 dias me separavam do meu destino.
E eu nem deveria estar reclamando, havia destinos muito piores e eu sabia que tinha uma vida privilegiada. Mas ainda assim, nada parecia capaz de tirar esse peso de obrigação de cima dos meus ombros. Em 10 dias eu chegaria a Iverness, na Escócia. Em 12 dias estaria em frente ao altar, jurando a todos me tornar a marquesa de Crawford…
Mas vamos começar do jeito certo: eu sou Lady Graham, filha de Louis Graham, Duque de Docherty. Tenho uma irmã gêmea, Lady Graham, e apesar de sermos muito parecidas, não somos idênticas. Eu herdei os olhos claros de minha avó paterna e os cabelos pretos de meu pai, e minha irmã é uma cópia fiel de minha mãe, com cabelos ruivos e olhos castanhos. Meu pai costuma brincar dizendo que fomos feitas com a mesma forma, mas nos pintaram com cores diferentes antes de nascer. Eu sou a mais velha por três minutos de diferença. Algo de que sempre me vangloriei, mas que hoje não é exatamente uma vantagem.
Se eu não fosse a mais velha, não teria de me casar primeiro.
Se eu não fosse a mais velha, não teria que recorrer a mim para salvar sua família da falência.
Moore é meu melhor amigo. Éramos vizinhos e crescemos brincando juntos: ele, , eu e John, um de meus irmãos mais velhos, em nossas casas de campo no interior da Inglaterra. e eu nunca pensamos em ficar juntos, nos considerávamos quase irmãos. Mas há seis meses, tudo mudou...
O tio e o primo de , respectivamente o Marquês de Crawford e seu único filho, faleceram em um naufrágio durante uma viagem de navio a Portugal. E por ser o próximo descendente da linha, foi de um simples cavalheiro a Marquês. Mas o título de veio carregado de problemas: seu tio deixara dívidas imensas, terras mal cuidadas e com pouca produtividade, além de sua esposa e uma filha de 14 anos para proteger. já gastara tudo o que tinha de sua própria renda para tentar ajustar as coisas, mas as contas estavam bem longe de serem quitadas. Os pais de faleceram três anos antes e ele não tinha mais ninguém a quem recorrer. Por isso, há um mês atrás, ele veio pedir conselhos ao meu pai.

*Lembrança*

- Quantas horas mais o papai ficará monopolizando ? Mal o vi quando chegou e eles já se trancaram no escritório. Estou com saudade de conversar com ele. - Resmungou pelo que parecia a décima vez, enquanto andava em círculos pela nossa sala de estar. Revirei os olhos e murmurei em concordância.
Estávamos acostumadas a conviver com nosso amigo quase todos os dias, mas desde que assumira o título, se mudara para o velho castelo do tio na Escócia e essa era a primeira vez que nos visitava. Até então nós apenas trocamos algumas cartas.
- Se pelo menos eu pudesse ser uma mosquinha e entrar lá para descobrir o que tanto eles conversam… - desabafou , quando finalmente desistiu de andar e se jogou em uma poltrona. Levantei de um salto quando a idéia me atingiu.
- Mas nós podemos! - Exclamei animada - Bem, não nos tornarmos moscas, mas podemos tentar ouvir a conversa! Vem comigo.
Disse, já puxando minha irmã pelo braço e saindo em disparada pelo corredor. Segui até a biblioteca, onde entramos e eu fechei a porta em seguida.
me encarou em dúvida.
- O que você acha que vai fazer? Colocar um copo na parede? Você sabe que as paredes dessa casa são grossas demais pra isso.
- As paredes sim, mas a porta da passagem secreta é super fina!
Ela me olhou surpresa, parecendo se lembrar do que eu estava falando. Sorri antes de pedir que ela fosse pegar dois copos do decanter de bebidas de papai. Enquanto isso, tirei meus sapatos, pois eles tinham um salto pequeno que poderia fazer barulho demais. voltou e me entregou os copos para poder fazer o mesmo com seus saltos. Fui até a estante mais ao fundo e puxei o livro falso. Ouvimos a tranca abrir e a porta escondida na parede abrir levemente. Entramos no corredor pequeno e escuro de mãos dadas. Eu não entrava ali desde que era criança. e eu a usávamos as vezes para nos esconder da nossa tutora em seus dias malvados.Ninguém mais se lembrava ao certo porque a casa tinha sido construída com lugares assim.
Uma métro à frente já ficava a outra parede falsa que dava para o escritório do Duque. Nos prostramos de frente para ela e apoiamos os copos na madeira, encostando então as orelhas.
- Eu não sei mais o que fazer, milorde. Já vendi tudo de valor que tinha no castelo e é isso que está suprindo o suficiente para alimentar a nós e aos empregados, mas acho que até o fim do próximo mês já estaremos sem isso também. Não sei como sobreviveremos até a colheita chegar e voltarmos a ter renda…
- Meu rapaz, você sabe que eu te emprestaria ou até mesmo te daria esse dinheiro se pudesse. Mas infelizmente acabei de investir meu dinheiro no novo negócio e fiquei em mãos apenas com a quantia necessária para as contas da família até a próxima colheita também. Consigo te emprestar um valor baixo, apenas para ajudar nessa emergência, mas não sei se será suficiente… Fora isso só tenho o dote das meninas, que infelizmente não posso mexer.
- Eu entendo, milorde, e agradeço muito que esteja tentando me ajudar. Mas eu também nem poderia aceitar nenhum empréstimo que não tenho nem previsão de como pagar.
- Vou te emprestar três mil libras. Não estou preocupado com quando você vai me pagar. Espero que te ajude, mas é só o que posso no momento, meu rapaz. E então rezarei para que tudo dê certo em sua nova safra, siga as instruções que passei com relação a isso e a criação de ovelhas também.
Um silêncio dolorido se seguiu no escritório. Apertei a mão de em agonia e ela me encarou preocupada. Alguns segundos depois meu pai voltou a falar.
- Sei que fere seu orgulho precisar de ajuda, . Mas não é nenhuma vergonha, não foi você que levou as propriedades à falência, o problema já caiu no seu colo. Mantenha a cabeça erguida e enfrente, sei que você consegue virar esse jogo. Não será fácil mesmo, afinal 30 mil libras é uma dívida enorme. Mas… Enfim, até Outubro também serei capaz de ajudá-lo mais.
suspirou audivelmente antes de murmurar:
- Obrigado, milorde. Muito obrigado.
- Venha, vamos pedir algo pra comer na sala de visitas e tomar algo bem forte para acalmar os nervos.
Ouvimos o caminhar dos dois até a porta e o abrir e fechar da mesma, até que eles saíram e tudo ficou em silêncio.
Senti me puxar pela mão e eu me deixei guiar para fora da passagem. Eu ainda estava tentando processar tudo o que tinha ouvido.
estava falido. Endividado. E tinha a responsabilidade de cuidar da tia e prima, além dos empregados e arrendatários das duas propriedades que herdara.
- Porque ele não vende uma das propriedades? - questionou minha irmã depois de algum tempo. - Devem valer bastante e ele poderia ajustar as contas.
- Não sei. Mas pra ele chegar ao ponto de vender as coisas de valor de dentro da casa principal, significa que está mesmo desesperado. É provável que as terras estejam alienadas ao título dele, por isso não é permitido vender…
- Deve ser. Ah, maldição… O que ele vai fazer? O que podemos fazer para ajudá-lo?
Murmurei um "eu não sei" enquanto andava até o outro lado da biblioteca e tentava pensar.
Meu melhor amigo estava falido.
E eu não tinha dinheiro que pudesse dar pra ele. Eu tinha apenas 19 anos e vivia com a mesada dada por meu pai. Havia uma herança da minha avó materna que eu receberia quando me casasse. Além, claro, do dote. Mas se a última temporada londrina fosse um indicativo das próximas… Eu não me casaria com ninguém tão cedo para poder acessar a herança. Ninguém havia chamado minha atenção, todos os cortejos que recebi foram de homens interessados no status da minha família e em nosso dinheiro. Ninguém se importara comigo realmente.
Se apenas eu…
Uma ideia me atingiu de súbito, e eu ponderei por apenas alguns instantes antes de colocar meus sapatos de volta e sair correndo biblioteca a fora. Era melhor não pensar muito para não desistir.
Ouvi começar a dizer "O que você vai fazer?" Enquanto eu corria e logo sua voz ficou distante.
Abri a porta da sala de visitas e entrei feito um foguete. Se minha mãe me visse agora repreenderia meu comportamento, mas no momento eu não me importava. e papai me olharam assustados.
Era meu melhor amigo. E eu podia sim ajudá-lo.
- Eu me caso com você. - Soltei de uma vez só. Os dois homens olharam pra mim como se eu tivesse ficado maluca.
- Casar? Do que você está falando, ? - disse papai.
Tentei normalizar minha respiração acelerada antes de começar a explicar.
- Eu posso me casar com , papai. Meu dote é de 50 mil libras, é mais do que suficiente para tirá-lo das dívidas e reorganizar as coisas. O senhor tem o dinheiro do dote e ele seria usado para os devidos fins de um casamento. Daria tudo certo!
arregalou os olhos espantado e em seguida começou a ficar todo corado de vergonha. Meu pai ficou piscando sem parar, como se tentasse encaixar o que eu dissera até fazer sentido.
- Mas... Mas... Mas... Vocês. Vocês dois se tratam como irmãos. Sempre foi assim. Enquanto cresciam suas mães até achavam que um romance poderia acontecer, mas logo vimos que vocês não se viam assim. E agora você quer se casar com ele?
Suspirei, sabendo que ele tinha razão. só despertava em mim um amor de amigo, nada além disso.
- Eu sei, papai. Mas não somos de fato irmãos. Eu preciso me casar de toda forma, pode muito bem ser com alguém de quem eu já gosto e que gosta de mim, não é? E não outro nobre qualquer que quer meu status de filha do duque. E dessa forma, pode sair desse desespero! Por favor, não me diga que o senhor seria contra! ainda é o Marquês de Crawford!
O Duque maneou a cabeça em resposta a isso.
- Claro que eu não seria contra, minha filha. Eu seria muito feliz de unir você a um rapaz que eu tenho tanta consideração. Mas eu não tenho certeza se é isso que você realmente quer. Não foi você que me encheu com seus argumentos de amor e romance como justificativa para eu recusar todas as propostas de casamento que recebeu nessa primeira temporada?
- Sim, foi. Mas… - tentei argumentar mas meu pai me cortou.
- E agora você quer se casar para salvar as finanças de um homem que você só vê como amigo?
- A maioria dos casamentos da sociedade londrina se baseiam em muito menos que isso! é meu melhor amigo, e o tempo pode reservar outras coisas pra nós. Mas com ele eu ao menos já sei que serei respeitada e bem cuidada. Talvez eu tenha sonhado com romance, mas essa sou eu sendo racional.
Meu pai suspirou e tirou os óculos do rosto para esfregar as têmporas. já me encarava quando voltei meus olhos pra ele, em pé do outro lado da sala. Sua expressão era verdadeiramente triste quando decidiu falar.
- . Eu jamais poderia aceitar que você se sacrificasse por mim. Não com algo tão importante quanto o casamento. Agradeço o gesto, mas…
- ! - interrompi e me aproximei dele - Você já é apaixonado por outra mulher?
- O que? Não, mas…
- Você gosta de mim? - interroguei novamente.
- É claro! É por isso que não…
- Você se comprometeria a continuar sendo meu melhor amigo, a conversar e discutir coisas importantes comigo, a tentar ser feliz e me fazer feliz também?
- , olha…
- Responda! - pedi e segurei seu rosto, obrigando-o a me olhar.
- Sim! É claro que sim, mas não é certo! - Disse, nervoso.
- Porque não é certo se estou afirmando que quero fazer isso? Que não será um sacrifício?
me encarou em agonia.
- Como você pode ter certeza disso? É uma decisão enorme! Você precisa pensar melhor.
Soltei seu rosto e me afastei um pouco, pra poder olhar a ele e a meu pai.
- Ok, pensarei até o fim dessa semana. Considera que é tempo suficiente?
- Mais ou menos…
- E se ao fim dessa semana eu me ater a essa decisão, você se casará comigo?
grunhiu e esfregou o rosto. Ele me conhecia, sabia quando eu estava falando sério sobre algo.
- Certo. Se até o fim da semana você tiver certeza, certeza absoluta que é isso que quer fazer, então nos casaremos.
*Fim da lembrança*


Durante aquela semana eu realmente não duvidei daquela decisão. Então finalmente cedeu e aceitou o acordo de casamento. Meu pai afirmou que seria melhor fazer a festa de casamento na Escócia, a fim de animar a família de e demonstrar aos arrendatários que as coisas iriam melhorar. E assim ficou decidido. Meus pais e viajariam de imediato para começar a organizar o casamento já em Iverness. Enquanto eu e minha irmã ficariamos em Londres aguardando a confecção do meu enxoval e vestido de noiva. Meu irmão John, que é Capitão do exército mas que precisou ficar meses em casa para se recuperar de um ferimento, nos levaria para lá quando estivesse próximo do dia do casamento.
E este dia era hoje. 12 dias antes do casamento, uma vez que tinhamos pelo menos 10 dias de tempo de viagem. E agora eu finalmente me remoía em dúvidas.
E se nunca houver atração entre nós? E se os momentos íntimos forem estranhos por conta disso? E se ele nem ao menos me achar bonita? Eu nunca perguntei! E se nunca tivermos paixão?
Ou pior, e se daqui a um tempo surgir outra pessoa e eu me apaixonar por ela, mas estiver casada com ? E se ele se apaixonar por outra?
Eram tantos pontos que podiam dar errado, mas que eu não tinha me permitido pensar até agora. Justo agora!
Havíamos embarcado na carruagem há apenas alguns minutos. Eu jurava estar sendo discreta sobre meu sofrimento interno quando disparou:
- Você precisa melhorar essa cara antes de chegarmos à Escócia, irmã. Você tem a aparência de quem está prestes a vomitar, mas sei muito bem que não enjoa em carruagens. Então supere as caraminholas da sua cabeça logo.
Maldita conexão entre gêmeas. Bufei e lancei a ela um olhar zangado, ações que minha mãe diria não serem próprias de uma dama também, antes de me ajeitar novamente no assento e encarar a janela.
John, que preferia ir a cavalo e seguia ao lado de nossa carruagem, acenou pra mim e indicou que eu abrisse a janela.
- Nós vamos parar num lugar logo a frente. Será rápido, mas preciso conversar com vocês. - Falou ele. Arregalei os olhos em preocupação e perguntei:
- Algum problema?
- Não. Bom, mais ou menos. Eu já explico.
Seguimos por mais cinco minutos até pararmos em uma casa grande, mas de aparência bem antiga nos arredores de Londres. John desceu do cavalo e abriu a porta da carruagem.
- O que está acontecendo, John? - disparei de imediato. Ele suspirou.
- Uma mensagem do exército real me interceptou ainda na estrada. Nem sei como me acharam. Mas é um assunto urgente e fui convocado.
- Convocado? Mas você está de licença médica! - exclamou , tão preocupada quanto eu.
- Na verdade só tenho mais três dias dessa licença, e já estou recuperado. Eu havia pedido uma extensão desses dias para ir ao casamento, mas fui requisitado com urgência. Tenho que voltar pra casa, arrumar minhas coisas e partir direto para o acampamento militar.
- Mas...Mas quem viajará conosco? - questionei, agora preocupada com o nosso destino. Apesar das minhas dúvidas, eu ainda tinha que comparecer ao casamento e ajudar meu amigo. E uma viagem tão longa era perigosa para apenas duas damas e suas acompanhantes.
- Não vou deixá-las sem proteção, não se preocupem. Estamos na casa de um dos meus oficiais de maior confiança. Ele também está de licença médica, mas a dele é mais extensa e se tivermos sorte ele não terá sido convocado e poderá fazer esse favor pra mim escoltando vocês. Aguardem aqui enquanto eu entro para conversar com ele, ok?
Nós concordamos com a cabeça e John se foi.
- Minha maré de 'sorte' parece não ter fim. Primeiro minha dama de companhia pede demissão para fugir e casar com um francês. Depois, meu colar favorito se quebra, e agora teremos que viajar com um estranho. Tem como ficar melhor?
Reclamei, e ganhei uma risadinha da minha irmã em troca.
- Não desafie o destino, irmã. E pare de drama que você nem gostava daquele colar. Usou uma vez e não quis mais.
Olhei pra ela com raiva, porque era verdade.

Ficamos em silêncio até John aparecer na porta da casa, vindo até nós e sendo seguido de um outro homem alto, de cabelos claros e que mancava ligeiramente. A porta da carruagem foi aberta, nos permitindo ver John e seu amigo de perto. Deus, ele era lindo.
Cabelos claros cortados baixinho, olhos azuis, pele branca com algumas sardas em um rosto anguloso e perfeito.
John me estendeu a mão e eu demorei alguns segundos para perceber que ele queria que eu segurasse para me ajudar a descer da carruagem. me salvou do embaraço pegando a mão de John primeiro e saindo. Consegui parar de encarar o homem e finalmente sair. Parei ao lado de minha irmã enquanto John fazia as apresentações.
- , essas são minhas irmãs: Lady e Lady Graham. Queridas, esse é o Sargento McCarthy.
O Sgt. McCarthy se adiantou em fazer uma leve reverência antes de pegar minha mão e deixar um leve beijo. Cheguei a tremer com seu toque, e rezei para não ficar completamente vermelha quando seus olhos encontraram os meus. Deus do céu, o que eram aquelas reações? Ele repetiu o gesto com minha irmã e eu encarei o chão na esperança de me acalmar.
- O Sargento aceitou me conceder esse favor e fazer a viagem com vocês até Iverness, a fim de protegê-las.
- Muito obrigada, senhor. - dissemos eu e em uníssono. O Sargento sorriu.
- Será um prazer serví-las, miladies. Preciso apenas de alguns momentos para arrumar uma mala, mas vim convidá-las para tomarem um chá e comerem algo enquanto esperam. Minha casa é simples, mas juro que minha cozinheira é a melhor.
Nós acenamos com a cabeça em concordância e então McCarthy se adiantou para me estender o braço e me guiar. Apoiei a mão em sua casaca e torci para não tropeçar em nada, tamanha a distração que estava sentindo pela presença dele. John guiava e logo estávamos todos dentro da casa do Sargento.
Comemos um bolo de cenoura realmente delicioso, acompanhado de chá e leite. Isso e a ausência do Sargento no ambiente, enquanto ele arrumava sua coisas, ajudaram meus nervos a se acalmarem. Mas eu ainda me sentia estranha, mexida.
Quando tudo estava pronto, nos despedimos de John e finalmente voltamos a viajar. O Sargento também havia optado por ir a cavalo, ao lado de nossa carruagem. Me recostei em uma das janelas e tentei dormir quase imediatamente depois que voltamos ao veículo, mesmo que ainda fosse o meio da tarde. Dormir era mais fácil do que pensar sobre minha dúvidas de casamento. Dormir era mais fácil do que pensar em um estranho homem de olhos azuis…

Consegui dormir por três horas, e me distrai com um livro durante o tempo restante até chegarmos a primeira estalagem em que passaríamos a noite. Jantamos no salão com todos e só então eu e fomos para o quarto que dividiríamos. Depois que nossas aias nos ajudaram a retirar o vestido de viagem e finalmente estavamos limpas e sozinhas no quarto, finalmente questionou:
- Quer conversar sobre isso?
- Conversar sobre o que? - respondi fingindo não saber o que ela queria dizer.
- Não se faça de boba. Conversar sobre suas reações bizarras ao Sargento McCarthy! Eu te conheço a 19 anos e nove meses e só a vi sentir vergonha e corar daquela forma umas duas vezes na vida. E nunca por conta de um homem!
- Argh! Não é nada demais Eu só o achei muito bonito, de fato, e aí fiquei subitamente envergonhada. Mas foi só durante aquela primeira impressão na carruagem, já passou. - respondi, dando as costas pra ela e partindo à procura de uma escova de cabelo que me permitisse fazer algo e não olhar para minha muito sensitiva irmã.
- Sério? Se já passou porque voltou a ficar feito um tomate maduro quando ele puxou a cadeira da mesa para você?
- Não fiquei vermelha por conta dele, só estava muito calor lá no salão.
Eu praticamente pude ouvir quando minha gêmea revirou os olhos. ainda murmurou "Ai, esquece" antes de desistir de me interrogar e ir se sentar na cama, passando a trançar o longos cabelos ruivos. Suspirei de alívio. Se nem eu sabia o que estava acontecendo comigo, como poderia explicar para ela? Era mais fácil simplesmente esperar essas sensações passarem.
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"All of the demons, how do you keep 'em out?
All of the feelings, runnin' me 'round and 'round
If you could hold me in your arms
Feel the way my heart beats fast
I got insomnia
I'm lyin' here just wantin' ya"


Eu estava com insônia. Insônia! Dá para acreditar? Tudo o que eu queria quando apaguei as luzes e me deitei era não pensar nos problemas e dormir até o dia seguinte. Mas Deus me abençoou com essa conquista? Não! Parece que eu havia gasto meu bilhete de sono durante a viagem e agora estava fadada a encarar o teto do quarto.
roncou baixinho e eu lancei a ela um olhar de inveja. Eu me revirava na cama há um par de horas e nada de conseguir dormir. Nem ler eu podia, pois acender uma vela poderia acordar minha irmã. Soltei o ar e finalmente desisti de ficar deitada; joguei os lençóis para o lado e me levantei. Coloquei o robe e me encaminhei até a porta da sacada, abrindo-a com cuidado e permitindo que o ar fresco entrasse. Era época de lua cheia e eu me sentia mais feliz de poder ficar ali pelo menos olhando para ela.
- Não consegue dormir também, milady?
A voz surgiu do nada e eu dei um verdadeiro pulo de susto. Olhei para o lado e dei de cara com o sargento em sua própria sacada, que ficava a menos de um metro da minha.
- Cristo! O senhor quase me matou de susto! - reclamei e ele me lançou um meio sorriso.
- Perdão, não foi a intenção, juro.
- Está tudo bem, eu só não estava esperando.
A luz da lua fazia um bom trabalho em iluminá-lo e eu podia ver que também usava pijamas, mas havia jogado a casaca do uniforme por cima do corpo. Porque raios os olhos dele pareciam brilhar ainda mais agora?
- E a resposta é não, não estou conseguindo dormir. Não entendo porque, nunca sofri com insônia antes.
McCarthy cruzou os braços e se recostou na parede antes de falar:
- Talvez seja a ansiedade pelo casamento? Ouvi dizer que é normal em noivas.
- Ah, sim, o casamento. Deve ser… - respondi em um tom mais baixo, mas pensando que ele deveria ter razão, eu estava verdadeiramente estressada pelo casamento.
McCarthy me encarou durante alguns segundos enquanto mantinha um silêncio constrangedor. Enrolei uma mecha de cabelo nos dedos para tentar me distrair.
- Desculpe se estou sendo intrometido, Lady Graham, mas eu entendo que noivas fiquem nervosas, mas no momento a senhorita me parece triste.
Olhei pra ele um pouco espantada com a facilidade com que ele tinha lido minhas emoções.
- Eu, hum… - Considerei o quanto eu deveria falar sobre o assunto. O correto seria não falar nada. - Não estou triste em me casar, só é um pouco complicado...
- Quer conversar sobre isso? - perguntou ele, para minha surpresa.
- O senhor que escutar sobre meus problemas?!
Ele deu de ombros antes de responder:
- Porque não? Não tenho sono, nem nada melhor para fazer. E você parece que precisa falar. Sou conhecido por ser um bom ouvinte, tenho quatro irmãs mais velhas. Se estiver disposta...
E contrariando o que deveria fazer, me vi contando toda a situação de para ele. McCarthy me deixou falar e não deu sua opinião quando cheguei ao final da história, apenas acenou e mudou drasticamente de assunto, perguntando sobre o que eu estava lendo durante a viagem. Fiquei surpresa com a mudança, mas aceitei e dessa forma conversamos por horas sobre livros e autores favoritos, além de peças de teatros e os pontos turísticos de Londres que gostávamos. Emendamos um assunto no outro e só nos despedimos quando o sol nasceu.
Acordei minha irmã e passamos a nos vestir, para tomar café e poder seguir viagem. Na carruagem, finalmente adormeci.
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A primeira coisa que reparei quando chegamos a próxima estalagem foi que o lugar não tinha sacadas. Fiquei imediatamente chateada, pois isso significava que não teria a chance de repetir a noite anterior caso eu tivesse insônia.
Não que eu desejasse passar outra noite sem dormir apenas para conversar com o sargento. Longe disso.

Nessa noite tive um sono agitado e acordei diversas vezes. Acordei com um mal humor terrível e logo me avisou pra ficar com minha cara amarrada longe dela.

Na terceira estalagem eu até mesmo pulei o jantar e fui direto para o quarto. Estava agitada, estranha e cada vez mais sofrendo de ansiedade pelo casamento. Tentei dormir durante várias horas até ouvir uma leve batida na porta. Levantei, curiosa, e fui checar:
- Tem alguém aí? - perguntei baixinho.
- Milady, sou eu. McCarthy.
Franzi o cenho. O que ele estaria fazendo ali aquela hora? Peguei meu robe e abri a porta. Ele estava parado à porta usando calças e casacos simples.
- Sargento? Aconteceu alguma coisa?
- Não, senhorita. Mas...Como vou explicar? - questionou para si mesmo e eu até achei graça no ato - É que as paredes dessa estalagem são finas e eu não pude deixar de ouvir que a senhorita parecia estar acordada e se movimentando pelo quarto. Aí decidi ver se não gostaria de dar um passeio? Sei que é tarde, mas andar costuma me ajudar a dormir quando fico assim. Cuidarei da senhorita, eu juro.
Fiquei ainda mais espantada com a sugestão. Uma dama jamais pode sair sozinha com um homem. Muito menos a noite!
- Ah, eu adoraria andar um pouco, mas eu nem ao menos estou vestida… - respondi então. Embora realmente desejasse sair daquele quarto e arejar a cabeça.
- A senhorita poderia ir assim. Iriamos apenas até o jardim dos fundos e não há mais ninguém acordado.
Ponderei por alguns segundos, mas antes que mudasse de idéia dei um passo pra fora da porta e McCarthy me estendeu o braço. Descemos a escada em silêncio e saímos pela porta dos fundos que dava direto ao jardim.
Suspirei de prazer ao sentir o vento fresco. Estava mais gelado do que eu gostaria, mas ainda era muito melhor que o abafado do quarto. Apenas andamos lado a lado e em silêncio por alguns minutos. A lua seguia servindo para iluminar o suficiente das trilhas entre as plantas para que não tropeçarmos.
- Sente-se melhor? - ele finalmente perguntou e paramos para sentar em um dos bancos.
- Sim. Muito, obrigada. Como sabia que era disso que eu precisava? - perguntei curiosa. Ele baixou o olhar para o chão, como se estivesse com vergonha.
- Eu tenho problemas para dormir. Soldados se acostumam a dormir pouco mesmo, e às vezes tenho pesadelos, mas faz parte do serviço, creio. Imaginei que poderia te ajudar, porque sempre que não consigo dormir e não posso sair, acabo ainda mais irritado.
Eu sorri, porque o que eu sentia era bem isso. A sinceridade dele em falar sobre o assunto me surpreendeu, então decidi perguntar por outra coisa pessoal.
- Sargento, posso perguntar como se feriu? Digo, como se feriu recentemente para precisar ficar afastado?
McCarthy suspirou antes de responder.
- Quebrei a perna em três lugares diferentes. Eu estava lutando no chão, pois meu cavalo foi atingido logo no começo, quando uma bala de canhão caiu próxima demais de mim. O impacto me jogou longe e eu cai em uma vala funda. Tive sorte de salvar a perna, mas os médicos não sabem se algum dia poderei voltar a caminhar sem mancar.
Meu coração doeu por ele, por tanta dor infligida. Segurei sua mão pousada no banco por reflexo.
- Eu sinto muito. Mas isso não significa também que não poderá mais voltar pra guerra?
- Obrigada. E sim, eles não me deram baixa ainda, porque quiseram esperar um tempo de recuperação. Mas agora já é quase certo que nunca chegarei ao 100% que o exército precisa. Apenas oito anos servindo e já serei aposentado.
- Oito anos já? Mas você parece tão jovem! Desculpa ser indiscreta de novo, mas quantos anos o senhor tem?
- Tenho 26. Entrei aos 18 anos, pois meu pai faleceu e eu não tinha para onde ir. Servir a coroa me dava dinheiro suficiente para sustentar minha mãe e irmão mais novo. Depois recebi uma herança de um tio distante, que é aquela casa que você viu. Consegui comprar a patente de Sargento e melhoramos de vida. E agora… Eu nem sei o que farei daqui pra frente. Acho que só sei ser soldado.
Seu semblante era triste e compreendi que apesar das dificuldades, o exército também fora uma grande parte da vida dele, então deveria ser difícil deixá-lo.
Decidi fazer como ele fizera comigo na outra noite e mudei de assunto completamente.
- Qual o nome do seu cavalo?
McCarthy riu e entrelaçou os dedos nos meus antes de responder. Arrepios percorreram meu corpo inteiro.
Conversamos por mais uma hora sobre assuntos banais e eu enfim comecei a sentir um pouco de sono. Percorremos o caminho do jardim devagar, ainda de mãos dadas. Quando chegamos a porta da estalagem, parei para olhá-lo nos olhos. Estávamos muito próximos e eu me senti até um pouco tonta.
- Sargento…
- Me chame de . - disse, me interrompendo. Senti minhas bochechas corarem e agradeci aos céus pela proteção da escuridão.
- … Obrigada. - consegui dizer em voz baixa. Ele parecia tão perdido em meu rosto quanto eu no dele.
- Sempre que precisar, milady. - respondeu, e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. O toque rápido finalizou a tarefa de me desestruturar e tive que me segurar no batente da porta.
- Pode me chamar de , também. Ou , como algumas pessoas me chamam.
- . Combina muito com você.
Ficamos mais um minuto inteiro ali parados, em silêncio, apenas olhando um para o outro. Em seguida, balançou a cabeça de um lado para o outro e disse:
- Sinto muito, milady. Farei algo totalmente inapropriado.
E então passou uma mão para a minha nuca e encostou os lábios nos meus.
Eu nem saberia descrever como me senti. Um turbilhão de sensações, literalmente. Nunca havia sido beijada, mas correspondi a ele como pude, aprendendo com o que ele fazia. Mas quando pediu passagem para minha boca com a língua eu fui ao céu. Minhas pernas bambearam, mas ele conseguiu me segurar pela cintura e empurrou nossos corpos contra a porta. Novamente aprendi com os movimentos dele, e pareceu que peguei o jeito quando ele gemeu contra minha boca.
Mas foi nessa hora também que me dei conta do que estava fazendo.
De tudo de errado que eu estava fazendo!
Me soltei de seus braços e sua boca, abri a porta e corri.
Só parei ao chegar na segurança da minha cama.
Céus, eu era noiva. E tinha acabado de beijar outro homem.
O que foi que eu fiz?
Adormeci com a cabeça a mil, mas o coração estranhamente leve.
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No dia seguinte eu estava me sentindo muito culpada. Eu o evitei o quanto pude, já que ele tentou falar comigo durante o almoço e a troca de cavalos, e eu fugi de perto dele. Mas minha decisão falhou quando, de madrugada, escutei as suaves batidas na porta. Abri uma fresta da porta, pretendendo apenas pedir que ele fosse embora. Mas o rosto triste que encontrei ao abrir a porta me desarmou completamente.
- Desculpe, milady. Podemos conversar por apenas um minuto? Eu quero só me explicar e pedir desculpas.
Concordei com um aceno e passei pela porta, fechando-a em seguida, mas permanecendo encostada na mesma, como uma rota de fuga em caso de necessidade. me encarou.
- Eu sinto muito por desrespeitá-la, milady. Jamais poderia ter feito isso. Ainda mais que a senhorita já tem um compromisso! Me sinto um canalha. Mas prometo que não vai voltar a acontecer. Não sei o que houve comigo àquela noite.
- Eu também não sei o que acontece comigo sempre que você está por perto. - desabafei, sem pensar. Nick expressou surpresa e eu continuei. - Além disso, eu o correspondi, então somos dois seres errados, não é?
- Não, a responsabilidade é minha…
- Está tudo bem, . - interrompi - Vamos apenas esquecer, pode ser? Para não sofrermos mais ainda com isso.
Ele pareceu querer discordar, mas então mudou de ideia, pegou minha mão e fez uma pequena reverência antes de beijar as costas da mão, soltá-la e se virar para ir embora. Voltei para meu quarto, me joguei na cama e abracei um travesseiro. Rezei pedindo aos céus que me deixasse dormir ao invés de pensar.
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"I been dreamin' wide awake
Every night and day about you, baby
I can't get you out my head"


Pelos cinco dias seguintes eu quase fui capaz de ignorá-lo. Evitei ficar próxima ao até mesmo durante as refeições. Só não era capaz de ignorar sua presença em meus sonhos.
Outro problema era que toda vez que eu tentava não pensar no Sargento, minha mente então focava em pensar no casamento com . Cada dia minha ansiedade quanto a isso parecia se intensificar. Na madrugada do sétimo dia, minha insônia voltou com força total. chegou a acordar para reclamar que eu estava me mexendo demais e fazendo muito barulho. Pedi desculpas e decidi me levantar e sair do quarto, nem que fosse só até o corredor.
Saí fechando a porta atrás de mim e fui logo envolvida pela escuridão do corredor daquela estalagem. Parecia haver a luz de uma vela bem mais a frente e eu decidi ir até lá. Quem sabe com a luz dela eu não fosse capaz de ler, não é?
Andei devagar, me orientando com uma mão na parede quando fui surpreendida pelo som de uma porta abrindo bem à minha direita. Pulei de susto e deixei escapar um gritinho antes de identificar quem agora estava no corredor comigo.
- ? O que está fazendo aqui fora sozinha? - perguntou , soando preocupado. Eu podia vê-lo apenas parcialmente, mas seu rosto expressava cansaço e ele usava um pijama branco.
- Hã… Eu... Eu estava sem sono e pensei em andar e talvez tentar ler. - tentei explicar, insegura.
- Mas é perigoso, você poderia encontrar com qualquer outro hóspede desse lugar!
Abaixei o rosto, envergonhada porque sabia que ele tinha razão.
- Eu sei, eu só… Precisava sair.
suspirou e esfregou o rosto.
- Vem, eu te acompanho até lá fora. Aqui eles não tem um jardim, mas pelo menos há alguns bancos lá fora.
Ele fechou a porta do próprio quarto e seguiu pelo corredor a minha frente, mantendo um silêncio estranho entre nós. Logo estávamos do lado de fora e eu me sentei no primeiro banco. Puxei o ar com força e fechei os olhos, desejando que a paz dessa noite pudesse ser refletida no meu interior também. Quando abri os olhos, ainda estava prostrado perto da porta por onde saímos, com os braços cruzados e o rosto vazio de emoções.
- Você não vai se sentar? - perguntei.
O Sargento trocou o peso do corpo, incomodado, antes de responder:
- Não, milady. Acho que é mais seguro se eu não ficar muito próximo da senhorita.
- Ah… Então eu voltei a ser 'senhorita' e 'milady'?
- Sim, milady.
- Mas há pouco você me chamou de . - provoquei, mesmo sabendo que não devia. Ele estava fazendo a coisa certa, tentando suprimir toda a intimidade entre nós. Então porque me incomodava que ele tentasse se afastar? Não foi o que fiz todos esses dias?
Maldição, nem eu mesma me entendia
- Foi um erro, senhorita. Um erro dentre vários. - finalmente respondeu, mas sem olhar para mim.
Levantei e andei até a sua frente, mas deu dois passos pra trás antes que eu pudesse me aproximar. Levantei as sobrancelhas pra ele perante a isso.
- Está com medo de mim, sargento?
Ele escondeu as mãos nos bolsos e trocou o peso dos pés novamente.
- Não, senhorita. Tenho medo das minhas reações a ti.
Intrigada, dei mais um passo para frente, e não conseguiu tomar mais distância por já estar colado à porta.
- Reações? Quais reações, senhor?
fechou os olhos e respirou fundo, como se tentasse se acalmar.
- Milady provoca em mim reações indesejadas. Estou tentando evitar o tipo de impulso que me levaram a tocá-la naquela noite.
Ele finalmente me olhou nos olhos e meu corpo todo se arrepiou. Aquilo era desejo, não era? Brilhando ali nos olhos dele tanto quanto devia estar brilhando nos meus. Como uma onda quente me percorrendo e acelerando o coração? Aquela vontade absurda de conseguir ficar colada à ele? De ser beijada de novo?
Dei o passo final que me separava de e usando de uma coragem que nem sabia que tinha, tomei a iniciativa e encostei meus lábios nos dele.
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"I got insomnia
I'm lyin' here just wantin' ya
I got insomnia
Wish I had the kind
When you're on my body, not just on my mind
Insomnia (insomnia)
I'm lyin' here just wantin' ya
Insomnia (insomnia)
When I'm not holdin' onto ya
If you could hold me in your arms
Feel the way my heart beats fast, baby
You would take me out the dark
Shine a hundred stars on us, baby"


Aquela mulher seria a minha ruína. Eu jurei que não me aproximaria mais dela. Graham era proibida pra mim em todos os sentidos.
Ela era uma dama da sociedade e eu era um simples soldado. Ela era pura e feliz enquanto eu já tinha sido corrompido pela dor da guerra. Ela era inteira enquanto eu era quebrado. E ainda por cima, ela era prometida a outro homem.
E mesmo sabendo de tudo isso. Mesmo sabendo o quanto era errado, nada parecia capaz de me impedir de parar aquele momento.
Quando se aproximou de mim usando apenas a camisola, com o rosto e colo vermelhos de desejo e simplesmente me beijou, todas as minhas barreiras foram quebradas. Beijei-a de volta com desespero, com toda a vontade que eu sentira desde que pus meus olhos nela naquela carruagem. Passei uma mão por sua nuca e a outra por sua cintura e a girei, grudando-a na porta e em meu corpo. gemeu de surpresa na minha boca e eu aproveitei para morder seu lábio inferior.
As mãos dela foram me descobrindo aos poucos. Passando por minha nuca, puxando meu cabelo e depois apertando meus ombros. Cada novo toque parecia me queimar.
Quando faltou ar, descolei nossas bocas mas desci para beijar seu pescoço. Ela gemeu de novo quando mordi seu ombro de leve. Sorri e voltei a beijar sua boca.
Meu desejo era tanto que minha vontade era de tirar sua camisola e fazer amor com ela ali mesmo, na terra e à luz da lua.
E foi esse pensamento insano que me fez recobrar um resto de juízo e eu me forcei a parar e finalmente soltá-la.
abriu os olhos, ainda tão ofegante quanto eu, e perguntou curiosa:
- Porque você parou?
Eu amava o quanto ela era sincera sobre tudo.
- Porque se eu não parasse agora, teria que te levar ao meu quarto e fazer amor com você. - respondi também com sinceridade. ficou ainda mais vermelha diante disso e eu sorri. Ela ficou parada por alguns segundos, pensando, até finalmente dizer:
- E você não quer? Fazer amor comigo, quero dizer?
Grunhi em agonia. Céus, aquela mulher realmente seria a causa da minha morte. Enlacei sua cintura e a puxei pra bem perto de novo.
- Ter você seria a melhor coisa da minha vida, minha . Mas eu não posso ter a honra de ser seu primeiro sabendo que nunca poderei ser o único. Nunca poderei me casar com você.
Ela me olhou nos olhos, parecendo finalmente compreender o grande problema que enfrentávamos. Eu a amava. E sabia disso. Meu coração era dela e eu acreditava que o dela também era meu. Tínhamos uma conexão diferente, profunda. Mas ela se casaria com outro daqui a poucos dias e nada que fizéssemos mudaria isso.
Ficamos assim parados e nos olhando por vários minutos, até a primeira lágrima cair dos olhos dela e meu coração terminar de se quebrar. Peguei no colo e andamos até o banco mais próximo, onde ela permaneceu agarrada a mim e eu a abracei até as lágrimas secarem e o dia começar a nascer, levando embora nosso tempo juntos.
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percebeu meus olhos inchados logo que se levantou. Mas eu lhe implorei que não queria falar sobre isso, expliquei que não estava pronta pra falar e, dessa vez, minha irmã atendeu meu pedido. Os últimos dias de viagem foram meu céu e inferno ao mesmo tempo.
Toda noite e eu nos encontrávamos. As vezes ele me beijava até eu esquecer da dor, as vezes nos distraíamos com conversas sobre quaisquer outras coisas além de nosso fim iminente. Tínhamos um acordo não verbal de aproveitar o tempo que podíamos. Mas na última noite eu não pude mais fingir e cai em lágrimas. , de novo, me embalou quase a madrugada inteira.
Quantas vezes um coração poderia ser quebrado e ainda bater?

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Eu já estava na Escócia há 24 horas. Meu casamento seria na manhã seguinte. Prometi a mim mesma que choraria só mais essa noite. Só mais algumas horas de lágrimas pelo amor que eu perdera, e na manhã seguinte eu acordaria pronta para enfrentar as consequências das minhas escolhas e tentar ser feliz com .
Mas isso era amanhã. Hoje eu ainda podia me estafar em sofrimento.
Já passava das 11h da noite quando irrompeu por meu quarto feito um furacão.
- Chega. Chega, não dá. Eu tentei respeitar seu espaço, tentei não forçá-la a me explicar o que diabos está acontecendo, mas eu simplesmente não aguento mais. Você é minha irmã, é parte de mim e vê-la sofrer tanto me machuca também. Então eu preciso que você me explique e então me deixe te ajudar. Porque pra mim não faz sentido que tanta tristeza seja apenas pelo casamento com ! Ele é seu melhor amigo, foi você mesma que decidiu que queria isso!
Declamou ela quase em um fôlego só. Suspirei cansada, mas sabia que ela estava certa, eu devia uma explicação. Se fosse ela sofrendo e chorando eu também não ficaria quieta. Sentei na cama e bati no local a minha frente, indicando que ela se sentasse também.
- Você tem razão. Não é só pelo casamento...
E então eu lhe contei tudo. Desde como me senti ao ver pela primeira vez, até a primeira conversa de madrugada e todos os encontros. Contei sobre como me sentia feliz quando estava com ele, como ele fazia meu coração bater com muita força. E contei o quanto doía saber que eu nunca poderia viver esse amor.
ouviu tudo com atenção, sem me interromper. Mas quando finalmente falou, me deixou totalmente espantada.
- Você é muito estúpida! - minha gêmea vociferou.
- Como é que é? - questionei, indignada.
levantou da cama e passou a caminhar em círculos pelo quarto.
- Sim, muito estúpida! Porque que não me contou isso desde o primeiro dia? Eu poderia ter te ajudado! Eu teria a solução para o seu problema e teria poupado todo esse sofrimento!
Me levantei também e continuei olhando pra ela com indignação.
- Você acha que eu já não pensei em todas as alternativas possíveis? Mas não há outro jeito, se eu não me casar com e ele não receber o dote, pode perder tudo! A próxima colheita ainda está há cinco meses de distância e até ela é incerta, porque as fazendas foram atacadas por pragas em quase todos os últimos anos. Não posso simplesmente deixar meu amigo cair em ruínas!
revirou os olhos.
- É claro que não podemos deixar na miséria. Mas você não é a única com um dote nessa família. - Arregalei os olhos perante a fala de minha irmã.
- O que você está querendo dizer?
- Que você não precisa se casar com para salvá-lo e se sacrificar no processo. Mas eu posso me casar com ele.
Me senti desnorteada com o que acabara de ouvir e precisei voltar a me sentar.
- Como é que é? Você se casar com ? Mas você não o ama!
- Nem você! Mas ele também é um dos meus melhores amigos e gosto muito dele. E ao contrário de você, eu não estou apaixonada por qualquer outra pessoa. Ou seja, tudo dá certo.
- Mas… Mas… - Gaguejei, ainda incapaz de entender tudo. De fato seria uma solução para os meus problemas e os de nosso amigo, mas colocaria minha irmã na berlinda. - Mas você não pode fazer isso, ! E se mudar de idéia em alguns dias feito aconteceu comigo? E se não puder ser feliz com ele? Não é justo você pagar pelos meus erros!
Minha irmã se aproximou e pegou minhas mãos nas suas enquanto me encarava.
- . Presta atenção. Você sempre foi a romântica desse nosso laço, era você que sonhava em se casar por amor, não eu. Eu sempre quis um casamento que pudesse me trazer tranquilidade e não muito mais do que isso. E o que poderia ser mais tranquilo do que a estabilidade de me casar com alguém que conheço desde sempre? Não vou mudar de idéia. Ainda mais quando, com uma só ação, eu posso ajudar duas pessoas tão importantes pra mim! Nada me fará mais feliz do que ver você sendo feliz, irmã.
Ela me olhava com uma certeza absoluta no olhar. Com uma determinação ímpar. Pensei em novos argumentos para usar, mas me puxou para um abraço e eu não resisti e chorei em seus ombros. Chorei de alívio e de esperança.


Epílogo

Segurei minha filha nos braços enquanto descia as escadas de casa em direção a porta de entrada. Rodolfo, o velho mordomo, com certeza deve ter cochilado em mais algum canto da casa e nem ouvia a campainha soar. Se ele não fosse tão bom em me bajular trazendo doces a tarde e brincando com meus filhos, eu já o teria demitido.
Finalmente abri a porta e sorri ao encontrar meus pais à soleira. Eles eram os últimos dos convidados a chegar e eu estivera morrendo de saudade. Me afastei para deixá-los passar e meu pai mal me cumprimentou antes de tomar Rachel de meus braços para os dele. Ela tinha pouco mais de dois anos, mas já era apaixonada pelo avô, que a tratava como uma princesinha e no momento já estava rodopiando com ela pela sala. Minha mãe riu da cena e me abraçou.
- Como você está, querida? Se recuperou bem daquela gripe? - perguntou ela depois que pedi aos empregados que fossem pegar suas malas e ajeitar o quarto em que os dois ficariam durante o fim de semana.
- Estou bem, sim mamãe. Tive que ficar o mais longe do Victor possível enquanto estava doente, mas graças a Deus ele não pegou minha gripe. Você e papai fizeram uma boa viagem?
- Sim, foi tudo tranquilo. Gosto tanto que você não mora tão longe de nós, ao contrário da sua irmã que consigo ver tão pouco. - reclamou minha mãe e eu ri. Mães sempre acham que não vêem os filhos o suficiente, não é?
- Para a sua completa felicidade, mamãe, logo estará em estágio final da gravidez e precisará de ti lá na Escócia quando o bebê chegar. Você poderá matar toda a saudade e um pouco mais.
Minha mãe riu e bateu as mãos.
- Não vejo a hora e pegar mais um neto no colo!
- Eu também! - confirmou meu pai, ainda com Rachel enganchada em sua cintura. - Por sinal, sua irmã e já chegaram?
- Estão todos no jardim nos esperando. - Confirmei. Meus pais sorriram e Rachel soltou um "Eba, jardim!" Toda animada.
Chegamos lá para encontrar o restante da minha família. Estávamos todos reunidos aqui para esse fim de semana quando seria feito o batizado do meu filho, Victor, de oito lindos meses. Por falar nele, vinha em minha direção, embalando-o nos braços. Eu nunca me cansava de olhar para eles e sorrir, com amor transbordando.
ainda mancava, mas aos meus olhos aquela tinha sido só mais uma intervenção do destino que nos permitira ficar juntos. O ferimento tirou meu marido da vida de perigoss da guerra e o trouxe pra mim, para cuidar e amar. Ao longo do tempo ele descobrira que podia trabalhar com outra coisa que também gostava muito: a criação de cavalos.
também sorria ao parar bem ao meu lado e beijar meu rosto.
- Está feliz com todo mundo aqui agora? - perguntou.
- Acho que não tem como ser mais feliz do que isso. - respondi sincera, enquanto olhava meus pais cumprimemtarem a todos.
Meu irmão mais velho e futuro Duque, George estava com sua esposa Anne e os dois filhos gêmeos de cinco anos. John ainda não se casara, mas estava sempre presente nas reuniões de família e eu esperava que em breve ele encontrasse um grande amor. Ele tinha tanto carinho com crianças que eu sabia que desejava muito ser pai logo.
Do outro lado da grande mesa externa que tínhamos no jardim, estavam também e . Flagrei meu amigo acariciando a barriga de minha irmã e olhando-a com adoração. Era o primeiro filho deles e eu sabia que ambos estavam ansiosos para a nova fase como pais. Sorri ainda mais ao contemplar a felicidade da minha irmã.
No fim das contas, nada poderia ser mais perfeito do que isso: uma família para contar, filhos para proteger e um amor verdadeiro para chamar de meu.
Ah, e além disso. e eu nunca mais tivemos noites insones de preocupação. Agora só deixamos de dormir se for para nos amar.




Fim.



Nota da autora: E-mail: viagementrelivros@gmail.com



Nota da beta: Ah, eu amei sua história, Ju! Ficou muito lindinha mesmo! Obrigada por participar do meu ficstape e trazer essa lindinha contigo!
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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