Fanfic finalizada: 09/03/2021

Capítulo único

Quando o alarme do celular disparou exatamente às 4:30 da manhã, o quarto do casal ainda estava mergulhado em escuridão. foi o primeiro a reagir, remexendo-se preguiçosamente pelo colchão, sentindo o braço que envolvia para mais perto de si formigar.
Maldição.
De modo bruto e súbito, o homem retirou o braço, causando um leve tombo da companheira contra a cama macia. Enquanto abria e fechava a mão do braço dormente para estimular a circulação de sangue, a outra ia de encontro com a tela touch do aparelho, a fim de desativar a música escandalosa que haviam optado como alarme.
“Precisa ser bem irritante e barulhenta”, lembrou-se da esposa dizer sobre o toque de despertar, quando ainda combinavam os pequenos detalhes do funcionamento do apartamento que compartilhariam. Bom, aquela música era destoante da calmaria que o cômodo emanava e, espiando de esguelha, mesmo assim a cretina nem havia se movido um centímetro sequer.
- , acorda! – Pediu com a voz rouca de sono, balançando-a freneticamente.
A mulher não atendeu ao chamado. Ainda adormecida, limitou-se a molhar os lábios secos algumas vezes e mudar a posição em que dormia.
- , é sério! A gente vai se atrasar! – O tom dele foi ganhando uma porcentagem de impaciência.
Sem esperar uma reação dessa vez, se levantou da cama em um rompante, caminhando até o banheiro ao mesmo tempo em que esfregava o rosto para afastar a vontade de fechar os olhos e voltar para os edredons quentes e confortáveis.
Ele não podia.
tinha uma viagem de trabalho marcada. Eles haviam combinado de que ele a levaria e depois voltaria para organizar as próprias tarefas para poder, enfim, partir para o próprio trabalho. Para que funcionasse, precisariam seguir o cronograma de forma impecável, ou seria ele quem se foderia no final. Conhecendo com a palma da mão, sabia que a resistência da parceira para acordar poderia ser um desafio, sendo assim partiu para a higiene matinal primeiro. De qualquer forma, eles não conseguiriam ocupar o banheiro ao mesmo tempo.
No meio da escovação dos dentes, o segundo alarme disparou. Dessa vez, não se preocupou em desligar. precisava acordar. Algo dentro dele bem que avisou, noite passada, que seria uma péssima decisão deixá-la lendo, entretida, os jornais e revistas fora de validade até tarde. A esposa era uma das poucas pessoas, se não a única, que ele conhecia que ainda consumia a versão impressa das publicações. Não bastasse o gosto peculiar, ela só se interessava pelas colunas contendo o horóscopo e os resumos das novelas.
Todas as edições eram de pelo menos cinco anos atrás. O papo de signos era tão furado que as mesmas mensagens genéricas que passavam naqueles tempos se aplicavam em qualquer situação que a mulher vivia agora.
Por céus, rolando os olhos, só pensou que tudo podia ser encontrado na internet.
- ! – Caminhou pelo quarto com o rosto molhado – Saco! Acorda! – Chacoalhou-a com mais força. – Vai perder o seu voo.
Naquele instante, ela pareceu sentir o toque. A mulher se espreguiçou com calma, como se tivessem todo o tempo do mundo, dando a falsa impressão de que o tempo é quem a acompanhava e não o contrário.
- ‘Tô... Acordada... – as palavras saíram arrastadas e as pálpebras nem haviam sido desgrudadas.
- Vamos nos atrasar, amor! – reiterou o óbvio, deixando a bermuda de tactel escorregar pelas pernas enquanto passeava pelo cômodo apenas de boxer para buscar as vestes do dia.
- Tudo...’Tá tudo sob o controle. – Bocejou.
Controle era tudo que não tinham.
Fingindo uma calma que não existia em seu interior, foi para a sala, sentar no sofá, meditando para não pensar em assassinato. Céus! Questionava-se constantemente se era daquele jeito desde o ensino médio e ele só conseguia reparar agora pela convivência diária, como um casal recém-casado.
Se procurassem por sinônimos na internet, encontrariam que e furacão desordenado expressavam as mesmas coisas: caos e desespero.
Devidamente calçado, trocado e com as chaves do carro em mãos, assistia à companheira correr de um lado para o outro à medida que ia se aprontando e organizando a pequena mala de rodinhas.
- Viu aquele meu casaco preto, meio comprido? – Ela questionou em uma das vezes que estava passando por ele, com os olhos grudados no celular e os dedos digitando alguma mensagem fervorosamente.
- Você tirou do varal, mas não guardou. Deve estar no meio da pilha das roupas que ainda não dobramos.
- Quem dobrou o quê? – replicou com o cenho franzido, fazendo as veias de pulsarem mais fortes.
Ela não estava o ouvindo.
Mais uma vez.
Ela fizera a pergunta e não se deu ao trabalho de ouvir a resposta.
Era sempre assim.
Eles conversavam, ela se distraía e pegava só as últimas palavras, distorcendo todo o teor da conversa.
suspirou pesadamente.
Se por um lado, ele admirava a incrível mulher que tinha ao lado, por conseguir lidar com várias coisas ao mesmo tempo, ele abominava a mesma pela falta de atenção e negligência. As coisas que eles discutiam apresentavam importância e não conseguia se sentir menos deixado de lado. Não era como se ele estivesse querendo que ela se redobrasse para mimá-lo, mas escutar as respostas que ela mesma pedira estava de bom tamanho.
- Seu casaco deve estar no meio da pilha que tirou do varal ontem. – repetiu.
- Hm, tá.
Enquanto indicava onde poderia estar a peça de que tanto precisava, a mente de viajou. Almejando otimizar o tempo que já não tinha, a mulher concluiu que poderia deixar o café da manhã sendo preparado enquanto organizava o resto da bagagem.
Torradas na fritadeira pareciam uma opção incrível. Básicas, gostosas, fáceis de fazer e rápidas para ficarem prontas.
- Você quer? – Ofereceu forçando a voz para que o marido na sala conseguisse escutar.
- Não! – Ela sabia, ele comia no caminho. – Vou comprar algo no caminho! Deveria fazer o mesmo, estamos sem tempo! – Devolveu ele no mesmo tom.
- Besteira! – Desdenhou, abrindo o armário de panelas.
Os olhos grandes e maquiados passaram pela pilha de louças de cima a baixo para encontrar a frigideira por último, lá no fim, na base de toda a torre. Com uma das mãos, procurou manter toda a extensão de louças no lugar ao mesmo tempo quem que puxava o item que precisava sem cuidado algum. Algo estava emperrando a frigideira. Sem muito jeito ou cuidado, ela puxou a panela pela alça com força, arrastando as demais para uma queda iminente. O som dos metais se chocando contra o piso de porcelanato fizeram piscar os olhos pesadamente. Ele poderia não estar presente na cozinha, assistindo ao desastre, entretanto os ruídos por si só eram capazes de ilustrar a cena em sua mente com clareza.
- Você quer ajuda, ? – Preparou-se para se erguer do sofá.
- Está tudo bem! – Garantiu.
Após a tempestade com as panelas, o casal se deparou com mais um agravante. De pé, ao lado da porta, assistia a mulher tatear a bolsa e os bolsos das roupas com uma careta. Ele não conseguiu nem esboçar surpresa.
- Você só pode estar de brincadeira comigo! – Falou um pouco bravo, disparando a procurar pelo molho de chaves na casa.
riu nervosamente, passando a mão pelos cabelos presos em um rabo de cavalo.
- Eu... Eu juro que elas estavam aqui! – Justificava no encalço dele, apalpando o bolso de trás. – Toquei nelas ainda a pouco!
- Sabe o que é pior? – Ele parou no meio do corredor, de repente, quase ocasionando um esbarrão. – Poderíamos simplesmente ignorar que você perdeu a sua chave e usar a minha, mas veja, ... – soltou o ar pelo nariz. – Você já estava com a minha, porque perdeu a sua e não tivemos tempo de fazer uma cópia.
- Urg! – Fez outra careta. – Essas coisas acontecem.
- Eu vou me atrasar para o trabalho, mulher!
- Ué, você não é o cara que enche os olhos do chefe? Não vai dar nada.
- Não quero pagar para ver.
- Vai ficar aí de conversinha ou procurar direito?
mordeu o lábio inferior para segurar um palavrão. era a chave quem destrancava o portão para os desastres e ainda assim sustentava a capacidade de querer virar a discussão para o lado dela, mesmo que não estivesse com a razão.
No fim, foi quem encontrou o tesouro. Com um olhar fuzilador, ergueu os objetos prateados em uma altura suficiente para que a esposa visse que ele tinha em mãos.
O chaveiro estava sobre a bancada do banheiro deles.
- Ah! – Ela colocou a mão sobre a boca, em espanto. – Deve ter sido no momento que voltei para aplicar uma corzinha no rosto. Meu herói! – Jogou-se para cima do homem, envolvendo-o pelo pescoço com os braços e depositando um selinho demorado na boca.
O ato serviu para derreter um pouquinho do gelo que havia amanhecido em volta do coração do homem. No aeroporto, próximos da área onde embarcaria, o processo de derretimento continuou. A maneira como ela fazia os sentimentos dele dançarem macarena no íntimo o deixavam confuso. De repente, a irritação não existia mais. O peito estava pesado pelos dias que passariam afastados. A viagem não duraria uma semana completa, mas para ele continuava sendo muito. O estresse cedeu lugar à preocupação. Tudo que priorizava naquele instante era o bem-estar dela.
- Chegando lá, mande uma mensagem, ligue, tire fotos, por favor. – Pediu com seriedade, como provas de que ela teria pousado bem.
- Sim, papai! – debochou, crispando os lábios para espantar a insegurança.
O tempo todo ela dava pequenos vacilos involuntários e estava sempre por perto para salvá-la. Os dias passariam rápido, mas ela custava a aceitar que não teria o próprio Super-Man para acompanhá-la. Na última chamada que fizeram dos autofalantes para o voo dela, o casal conseguiu trocar uma carícia de verdade pela primeira vez no dia. Um beijo lento e quente, suficiente para que entendessem que não era um carinho de despedida, mas uma intimação para que ela retornasse o quanto antes para matar as saudades.
De volta ao apartamento, sozinho, após a carona ao aeroporto, permitiu que os ombros caíssem de relaxamento. Quase que não chegaram a tempo do embarque dela. Mirou toda a extensão do apartamento que dividiam como lar, sem saber ao certo qual seria o próximo passo. De fato, ele estava atrasado para um caralho, mas aquela não era a prioridade do momento.
reclamava tanto da efervescência de , que mal reparara que já era rotina. A essência dela estava tão penetrada em cada célula de si, que no primeiro instante que se viu sem ela, o vazio lhe atingiu. Era uma narrativa comum: a mulher se perdia um pouco, ele reclamava, mas consertava as coisas e tudo ficava bem. Aquela era a dinâmica deles. Tudo o que importava era que eles conseguiriam voltar a serem os mesmos bons amantes na cama no final do dia.
Sentando na bancada da cozinha, apreciando o café ainda fervendo que acabara de passar, divagava sobre como se estressava muito, todos os dias com a . Ela era o real teste de paciência que a vida havia lhe apresentado. Contudo, a conclusão que ainda perpetuava em seu coração é de que não abriria a mão de acordar e se deparar com a visão de uma descabelada por nada.





FIM



Nota da autora: Nem tudo são flores em um relacionamento. É preciso cumplicidade e paciência, pois em dias ruins até a pessoa que mais amamos esta sujeita a nos irritar. Essa fic é um pouco sobre isso... Correrias do dia a dia, vontades súbitas e passageiras – ainda bem – de matar o outro... Com beijos! KKKK
Por favor, importantíssimo: não confunda os pequenos estresses da rotina com um relacionamento abusivo! Se ela/ele é alguém que te faz sentir incapaz e menor, faz as coisas para depois cobrar: fuja para longe, converse com alguém e se necessário: denuncie!
Obs.: a introdução do casal pode ser encontrada em 04. Bigger no Ficstapes Perdidos #06.
Obrigada pela leitura!

Xoxo,
Ale




Outras Fanfics:
10. Fuego [Restrita/Shortfic]
http://fanficobsession.com.br/ficstape/10fuego.html

Felicitatem Momentaneum [Harry Potter/Shortfic] – principais interativos.
http://fanficobsession.com.br/fobs/f/felicitatemmomentaneum.html

Finally Champion [Harry Potter/Shortfic] – Olívio Wood é o principal.
http://fanficobsession.com.br/fobs/f/finallychampion.html

Finally the Refreshments [Harry Potter/Shortfic – Restrita] – Sequência de Finally Champion.
http://fanficobsession.com.br/fobs/f/finallytherefreshments.html



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus