Finalizada em: 18/01/2018

Capítulo Único

Recém chegada.
Aquelas simples palavras ecoavam na cabeça dela como uma manifestação gritada em uma praça agitada com uma péssima acústica.
Era isso e nada mais: uma recém-chegada.
Por causa das próprias notas, ela ganhara uma bolsa excelente para estudar no melhor ensino médio do país, completamente de graça. Com um monte de gente que pagava para estar lá. Com pessoas que eram tão inteligentes – e até mais que ela.
estava com as mãos suando enquanto segurava o guidão da bicicleta. Simplesmente queria dar meia volta e ir embora, esconder-se embaixo dos cobertores e não sair de lá nunca mais.
Mas levantou a cabeça e respirou fundo. Não era como se nunca tivesse passado dificuldades na outra escola – afinal, muita gente tinha raiva dela por conta do reconhecimento pelas notas – e tinha certeza que não podia ser tão ruim assim naquele lugar. Nada que ela não pudesse aguentar sozinha.
Pelo menos era o que ela pensava.

All Star
O All Star vermelho de cano médio e completamente fuleiro que usava se destacava no meio de um mar de sapatos de salto alto lustrosos e alpargatas de marca.
A garota até escondeu os pés atrás da mochila logo que se sentou em sua carteira.
Estava se sentindo um peixe fora d’água. As instalações da escola eram realmente sensacionais e estava feliz por poder estudar em um lugar como aquele – afinal, agora tinha chances que nem podia sonhar antes – porém não podia negar que estava um pouco intimidada pelas pessoas.
Esperava que tudo corresse bem, pelo menos. Tinha esperanças de que nenhum incidente acontecesse e ela pudesse andar pela escola protegida pela própria invisibilidade, como sempre.
E achou que aquilo daria certo, se uma garota não tivesse parado ao lado da mesa, com as mãos na cintura.
- O que essa menina está fazendo na minha mesa? – A menina em questão perguntou com um sorriso de escárnio no rosto.
teve que se controlar para sorrir. Um sorriso meio plastificado, porém o melhor que conseguira dar no momento.
- Desculpa. Não sabia que você se sentava aqui, já vou me mudar. – comentou, pegando a mochila do chão e já jogando sobre os ombros.
- Ei, espera! Você é a menina nova, não? – A garota perguntou, segurando o pulso de . – A bolsista, né?
- Sim, eu mesma! – E sorriu radiantemente de volta, feliz por ser reconhecida. Talvez a menina fosse mais legal com ela depois daquilo.
Mas, logo que viu o belo sorriso estampado no rosto de , a garota fechou a cara e cruzou os braços.
- Eu errei. Devia ter perguntando o que esse “trapo” estava fazendo na minha mesa. – Ela levantou um pouco a cabeça, fazendo questão de olhar de cima, medindo-a da maneira mais vagarosa que conseguiu. – Você não passa de uma gata borralheira. Vai pro fundo da sala, daí ninguém precisa te ver.
- Bom, pelo menos eu não sou grossa que nem você. – comentou após alguns segundos de choque, fazendo com que algumas pessoas que estavam em volta começassem a rir. E irritando ainda mais a menina. – Posso não ser a mulher mais bonita do mundo, mas não sou estragada. Tenha um bom dia.
Dizendo isso, deu as costas e foi até o fim da sala, sentar-se na última carteira. Em geral, não curtia ficar no fundão, mas, na situação em que se encontrava, não podia reclamar. Ficar na última carteira ajudou a fazer com que todo mundo esquecesse que ela existia.
Ela podia não ter muitas pessoas com quem conversar, porém tinha seus livros. Pegou um deles dentro de sua mochila e suspirou, começando a ler. Não tinha que aguentar muito tempo. Era só um ano até a formatura.
Dependendo de como fosse o tempo poderia passar super rápido. E, depois daqueles poucos minutos de interação com somente uma pessoa da escola, sinceramente esperava que o tempo passasse na velocidade da luz.

A primeira vez que os olhares de e se cruzaram não foi lá muito boa.
Duas semanas de escola haviam se passado, mas para ela pareciam dois meses. Ninguém foi receptivo e a garota já podia ver que seus dias seriam repletos de leituras e silêncio.
Melhor do que ser zoada, para falar a verdade.
demorou algum tempo para achar a sala de aula em seu mapa e, por isso, chegou alguns minutos atrasada para a aula de Redação e Gramática. Pediu desculpas e, como sempre, foi para a última carteira, sentando-se como se estivesse reservada para ela.
A menina que a chamara de trapo no primeiro dia fez questão de dar risadas com as amigas quando passou por elas e comentar algo sobre a roupa que a garota estava usando.
, porém, suspirou e se sentou em sua carteira, discretamente puxando um de seus livros da mala e lendo enquanto fingia estar estudando, só esperando pelo horário do sinal.
Até o professor resolver dar o ar de sua graça.
- Preciso comunicar que não temos mais somente um aluno excelente nessa sala. Outra pessoa chegou ao nível de . – O homem comentou com dois pedaços de papel em mãos, olhando para todos por cima dos óculos retangulares. A frase dele causou uma comoção geral na sala. – Sempre elogiei o existencialismo e a profundidade das redações do , mas agora temos dois alunos excelentes na sala. Duas pessoas que tornarão a disputa pelo título de melhor da escola algo muito acirrado. , ...
Quando ouviu o próprio nome, a garota tirou o nariz do meio do livro e olhou para o professor na frente da sala com um par de olhos grandes e perdidos. Não conseguia acreditar que ela era a tal da pessoa que ele estava falando.
- Venham buscar suas redações, por favor. Estão excelentes, dei dez a cada um.
Ao falar isso, ela e se levantaram de suas carteiras e foram buscar os pedaços de papel. se perguntava constantemente se aquilo estava certo – apesar de não duvidar muito, pois tinha que se manter como uma das melhores alunas da escola para não perder a bolsa.
- Acho que você vai ter um pouco mais de dificuldade para manter o título de “Aluno Número Um” esse ano, ! – O homem disse com uma breve risada ao fim da frase, dando tapinhas nos ombros dos dois em seguida e virando-se para voltar à aula propriamente dita.
Ao olhar para , entretanto, teve vontade de sumir. Os olhos dele ardiam como fogo, apesar do exterior calmo e controlado. Era como se ele estivesse morrendo de raiva dela e não pudesse fazer nada, pois estavam dentro de uma sala de aula.
Mas ela não se deixou intimidar. Sustentou cada labareda dos olhos de , devolvendo com uma expressão altiva e decidida. Não era culpa dela que tinha que se esforçar para manter a bolsa.
Assim como não era culpa dele ter que se esforçar para ser o melhor em tudo.

Em algumas semanas, ouvia risadinhas e comentários maldosos pelos corredores nos quais ela passava.
Após mais algum tempo, bilhetinhos mal educados eram colocados em seu armário.
A garota teve que aguentar aquele desaforo até começarem a colocar o pé na frente dela enquanto andava lendo seu livro, fazendo-a cair com tudo no chão, espalhando livros e papéis para todos os lados.
Mas ela sempre respirava fundo e recolhia tudo em silêncio. Quanto menos demonstrasse estar afetada, melhor. Se não deve motivos, talvez parassem de perturbá-la.
Até começar a encontrar seus trabalhos – que os professores deixavam com as notas sobre a mesa para que cada aluno pegasse o seu de volta, a fim de mostrar as notas para os pais – rabiscados, rasgados ou cobertos de tinta.
Isso quando ela não os encontrava dentro da lata de lixo.
Mas a bolsa de estudos era boa. Ela tinha que aguentar. Os meses tinham que passar rapidamente.
Portanto, a única coisa que fazia era andar pela escola com o nariz enfiado no livro que estivesse lendo no momento, esperando que aquele ano passasse mais rápido que uma estrela cadente.
Não era de ficar quieta, mas não queria arranjar confusão na escola nova. Só queria que tudo passasse sem incidentes muito graves.
Coisa que ela estava achando que não se concretizaria, pois ficava cada dia mais irritada com toda aquela situação.
E, em um de seus dias caminhando por um canto silencioso da escola com seu fiel livro do momento, levou um encontrão repentino.
Papéis e livros voaram para todos os lados, assim como e .
- Você não olha pra outra coisa a não ser esse seu livro surrado, não?! – Ele perguntou irritado, começando a recolher as coisas do chão e balançando a cabeça.
Ela somente lançou um olhar irritado para ele. Já estava cheia daquela escola e daquelas pessoas, então não precisava aceitar aquele tipo de desaforo.
- Quer saber? Não olho mesmo! Tem coisa muito mais interessante nele do que em um riquinho mimado que nem você! – pegou o próprio livro do chão, levantando-se enquanto batia os pés no chão.
ficou encarando-a, pasmo.
- O quê? – Sim, ele teve que perguntar. Tinha que ter certeza de que tinha ouvido tudo direito.
- Riquinho. Mimado. – Ela repetiu pausadamente para que ouvisse cada sílaba. – Desde o primeiro dia só soube me tratar mal. Desculpa se eu só ando por aí com meu livro surrado e meu all star estropiado, mas é o que eu tenho. Não tô com vontade de aguentar gente malcriada hoje.
Dizendo isso, saiu andando com passos decididos e a cabeça erguida, para qualquer canto que fosse que pudesse ficar sozinha, deixando um boquiaberto, ajoelhado no chão e com um monte de papel em mãos sem nem saber o que falar.
Talvez ela não tivesse falado tudo aquilo se soubesse que algumas meninas da sala estavam observando toda a cena e ficaram com ódio profundo da garota por ter tratado o “garoto de ouro” da escola como nada mais que um cara normal.
Mas, enquanto ela não sabia daquilo, tinha um sorriso estampado no rosto. Talvez fosse hora de mostrar pra todo mundo que ela não era uma garota que se deixava ser pisada em silêncio.

não queria admitir, porém teve um forte impulso de seguir aquele par de all stars vermelhos depois da escola.
parecia cansada. Logo que saiu da escola, dirigiu sua bicicleta diligentemente até um local barato para almoçar e, em seguida, foi para um café. ficou observando com as sobrancelhas franzidas até a garota ressurgir dos fundos do restaurante, usando um avental listrado de branco e vermelho por cima da roupa, com um sorriso enorme estampado no rosto enquanto atendia os clientes.
Ele ficou um tanto pasmo. Jamais pensaria que ela estaria ali para trabalhar.
Entrando de fininho, conseguiu se esgueirar até uma mesa. Teve que se esconder discretamente atrás de uma das outras atendentes quando virou na direção dele, mas logo conseguiu chegar a uma das mesas vermelhas – decorada com flores brancas.
E escondeu-se atrás de um cardápio.
Achando que estava cumprindo com sua missão e maneira mais eficiente que o próprio James Bond.
O que foi um ledo engano, pois logo ouviu um baque na sua mesa.
Quando abaixou o cardápio, lá estava uma sorridente. Porém seus olhos eram hostis e, sinceramente, ele achou que ela bateria nele com a bandeja cor de cereja brilhante.
- O que você está fazendo aqui? – Ela perguntou com o som saindo por entre os dentes. – Já não é suficiente encher meu saco na escola?
- Eu ouvi que aqui tem bons bolinhos, ok? Não estou te seguindo. – Ele comentou casualmente, apoiando o cardápio na mesa.
Porém era longe de ser boba e não acreditou em uma palavra que ele disse.
- Meu. Some daqui. Antes que eu mande o Akuma te arrancar daqui.
Dizendo isso, apontou para o tal de Akuma. não pôde deixar de erguer uma sobrancelha quando olhou para o cara. Era um homem de mais de dois metros de altura, com a cara fechada e as sobrancelhas grossas que praticamente se juntavam no meio dos olhos. Estava de braços cruzados e, assim que apontou, o homem bufou para .
- O nome dele é Akuma de verdade...? – O garoto perguntou com um pequeno sorriso no rosto enquanto acenava para o tal de Akuma.
Que somente bufou de volta.
decidiu que a melhor opção era não fazer contato visual.
- Não. Mas ele parece o cara do Street Fighter, então ficou esse nome. – deu de ombros. – E vai por mim, o Akuma pode ser nosso cara do caixa, mas ele já chutou muitas bundas em seu tempo de serviço aqui. E pode muito bem chutar a sua.
- Olha, de verdade, só vim aqui para comer um bolo. Você quer me indicar alguma coisa? – resolveu se defender antes que Akuma viesse agarrá-lo pelo colarinho. Quando viu que não estava nem um pouco disposta a respondê-lo, cruzou os braços e recostou-se à cadeira. – Olha, eu sempre posso chamar seu gerente e falar que você não está fazendo um trabalho satisfatório, além de me tratar com desdém. Acho que isso é uma tratativa muito ruim com um cliente, não?
simplesmente ficou encarando com uma expressão irritada e vazia. Ela queria chutá-lo de lá, pessoalmente, sem a ajuda de Akuma. Porém, precisava do emprego e não poderia ter uma reclamação que fosse com seu gerente. Estava juntando dinheiro para a faculdade e não podia se dar ao luxo de ficar sem seu salário.
- Então é assim que um riquinho mimado consegue o que quer...? – Ela perguntou com um suspiro e, em seguida, voltou a sorrir, abrindo o cardápio e agindo de maneira fofa com o garoto. – Bom... Vamos lá! Pelo que posso ver, você é uma pessoa com gosto refinado, mas que gosta de coisas diferentes! Indico o bolo de abóbora com recheio de maçã e caramelo!
ficou algum tempo pasmo com a mudança repentina da garota.
Ela era boa. Muito boa. Ele jamais teria aquela habilidade de mudar repentinamente só para ter um feedback bom com um superior. Era uma habilidade e tanto.
- Bom, ok. Vou seguir seu conselho. – Ele finalmente comentou após seu momento de choque. – E vou querer um chá...
- Nosso Chai vai muito bem com esse bolo. É uma mistura de chá preto, leite e especiarias especiais da Índia. – Ela recomendou seriamente, sendo que somente assentiu lentamente com a cabeça. – Ok, ok! Então trarei seu bolo e o Chai em alguns minutos. Fique à vontade e, se precisar de mim, é só chamar!
Ela deu um sorriso fofinho, fazendo um joinha para ele. não teve como não sorrir de volta.
Porém, em segundos, novamente fechou a cara e olhou para ele seriamente, apoiando uma mão sobre a mesa.
- Hoje é o único dia que eu vou quebrar seu galho. Aqui é meu local de trabalho. Por favor, não transforme isso em um inferno também!
Dizendo isso, a garota sorriu novamente, virou as costas e foi até a cozinha solicitar o pedido.
E tudo que conseguia fazer era ficar cada vez mais intrigado com ela.
Principalmente com o fato de que ela acertara qual tipo de bolo ele gostava só de observar alguns pontos da personalidade de .

Em geral, queria evitar . Ele, por outro lado, queria conhecê-la melhor.
Afinal, não era todo dia que conhecia uma garota intrigante como aquela.
Ele estava acostumado com as garotas da escola. Já conhecia todas perfeitamente bem e sabia que falavam com ele por causa do status. Afinal, nada melhor do que ser amiga do garoto mais inteligente da escola. O mesmo valia para os outros garotos.
Mas, uma coisa que o incomodava especificamente nas garotas, era o fato de que elas só queriam namorá-lo por causa daquilo.
Esse era o caso específico de Sophie, a garota que perturbara desde o primeiro dia chamando-a de trapo.
No dia que decidira seguir , mal sabia ele que Sophie resolvera segui-lo também. Ficou indignada com a maneira como a garota o tratou e queria ver qual seria a vingança de .
Esperava que ele fosse virar o Chai quente em cima do avental perfeitamente passado de . Ou talvez que derrubasse o bolo “acidentalmente” no chão para fazê-la limpar. Até causar um leve tumulto fazendo com que a garota derrubasse a bandeja em outra pessoa estava valendo.
Porém, ao invés disso, ele parecia cada vez mais interessado em conversar com .
Aquilo fez Sophie arder de raiva. Durante anos ela o dera atenção e o cobrira de elogios, fora a garota perfeita perante os pais dele nos jantares de escola, desbancava qualquer garota que quisesse ficar com , porém ele nunca dera atenção a ela.
Agora, lá estava ele, correndo atrás de uma garota com um par de all stars fuleiros.
Quando Sophie encontrou novamente, não teve dúvidas. Esperou até que o corredor ficasse vazio e foi até a garota – que, como sempre, estava mais interessada em um livro do que ir para a aula.
Assim que se levantou, quase bateu com a testa na de Sophie.
- Credo, menina. Você quase me matou do coração... – suspirou, checando seus batimentos cardíacos. Realmente não estava esperando por aquilo.
- Quem sabe se eu aparecesse de surpresa no seu trabalho sua reação não seria ainda mais divertida? – Sophie perguntou com um sorriso de escárnio escancarado no rosto.
arregalou os olhos e ficou observando a garota. Não era possível que ela sabia sobre seu trabalho.
Agora sim tinha certeza de que ia matar , pois sabia que, de uma maneira ou de outra, a culpa fora dele.
- Sabe... O foi muito legal com você quando fez a visitinha... – A menina se aproximou, repentinamente brincando com o pingente do colar que usava todo dia. – Se fosse eu, teria feito de tudo para que você fosse demitida.
- Sophie, eu não sei o que você quer... – ia começar algum discurso, qualquer discurso, a fim de tentar convencê-la a parar de odiá-la e deixá-la em paz.
Era só isso que queria: paz.
- Eu te odeio, menina. – Sophie respondeu secamente, segurando o pingente com força. Aquilo somente deixou mais alarmada. – Quem você pensa que é pra chegar reinando desse jeito nessa escola?
- Mas eu não estou reinando! Só quero ficar quieta no meu canto! – levantou os braços como se tivesse uma arma apontada para si.
- Olha aqui. Eu só vou falar uma vez: você ainda não sabe o que é inferno. – Dizendo isso, Sophie começou a puxar o colar com força. – Fique longe do .
Com essas palavras, a garota deu um puxão no colar, machucando o pescoço de e fazendo com que contas de bijuteria se espalhassem por todos os cantos do corredor.
Repentinamente, Sophie agarrou os cabelos de , puxando-a para baixo a fim de poder olhar as garotas nos olhos, de cima. nem conseguiu ter uma reação, de tão chocada que ficou com aquela atitude.
- Se você não ficar... – A garota sussurrou para em um tom agressivo e ameaçador. – Eu vou destruí-la. Você nunca mais vai poder pisar em uma escola desse país nessa vida. Entendido?
simplesmente assentiu com a cabeça e Sophie a largou, como se nada tivesse acontecido. Saiu andando para a sala de aula, deixando uma muito confusa no corredor.
Quando a garota finalmente voltou a si, começou a recolher as contas do colar, tentando controlar lágrimas estabanadas de correr pelas próprias bochechas.
- Ela não vale a pena. – repetia para si mesma. – A Sophie não vale as minhas lágrimas.
Mas, mesmo que ela tentasse se convencer daquilo, vira e mexe tinha que limpar alguma lágrima clandestina que escapara de seus olhos.

Ela queria distância de .
Ele somente traria problemas a . Não se importava com ele, não se importava com Sophie: somente se importava com as suas notas e nada mais. Tinha que manter seu bom desempenho para não perder a bolsa e tinha que manter a bolsa para continuar na escola.
Se não fosse isso, ela podia dar beijinhos de adeus ao sonho de estudar em uma das grandes faculdades da Europa.
Tudo dependia das suas notas e do dinheiro que arranjasse no trabalho.
Portanto, era mais prudente não ser destruída por Sophie.
Observando a garota na sala de aula, rolou os olhos bem lentamente quando viu que Sophie jogou os cabelos de uma maneira sexy enquanto inventava qualquer desculpa para conversar com .
“Eles se merecem.” pensava consigo mesma enquanto suspirava. “Os dois se merecem. Ela é tão metida, fútil e narcisista quanto ele. Seriam o casal perfeito.”
A garota teve que voltar para o topo da página de seu fiel livro logo que concluiu o pensamento, pois não absorvera nada do que lera.
Repentinamente, ouviu a seguinte frase:
- E vocês vão fazer em duplas. Podem escolher os seus colegas. – O professor se manifestou à frente da sala, pescando do fundo do buraco no qual ela sempre fazia questão de se enfiar. – Se houver muita controvérsia, vou sortear. Portanto, organizem-se.
- Ah, que bom... Trabalho em dupla. – suspirou, fechando o livro pesadamente. Odiava trabalhos em dupla.
Simplesmente porque ninguém queria fazer dupla com ela.
Já pensando no martírio que seria pedir ao professor para fazer o trabalho sozinha, ela percebeu um par de longas pernas parando à frente da sua mesa.
E, quando olhou para cima, deparou-se com .
- Oi. – Ele disse, sorrindo largamente. Ela imediatamente fechou a cara. – Quer ser minha dupla?
conseguia sentir os olhares da sala inteira queimando nas suas costas.
- Mas claro! – A garota consentiu com um belo sorriso e já começou a puxar a carteira para perto da dela.
Assim que ele se sentou ao lado de , virou-se à garota com um sorriso analítico e uma sobrancelha erguida.
- Fala sério. Esse foi aquele seu sorriso falso de quando você só quer se livrar de mim, mas não pode, não?
Foi a vez da garota de erguer uma sobrancelha e encará-lo em silêncio durante alguns segundos.
- Eu não sei se fico satisfeita ou irritada com o fato de que você já sabe ler as minhas reações. – Ela finalmente declarou, cruzando os braços.
- Você é fácil de ler. Bom, pelo menos eu acho. – deu de ombros, começando a abrir o livro para procurar a página que usariam no trabalho. – Por que você não quer fazer dupla comigo? Somos os melhores da escola. Faz sentido.
- Isso não me faz gostar de você. – Ela deu de ombros de volta, causando um leve choque nele. – Exatamente, principezinho. Nem todo mundo nesse planeta vai gostar da sua pessoa. Viva com isso.
- Mas... Mas... – E ele nem sabia o que responder. Parou de gaguejar e ficou olhando-a durante alguns segundos. – Você é muito sincera.
- Acho que é meu trabalho te puxar pra realidade dos pobres mortais, não é mesmo? – perguntou com uma risada sem muito humor ao fim da frase.
- Quem sabe eu não aprendo a viver por causa de você, não? – perguntou de volta com uma risadinha ao fim da frase.
riu sinceramente da piadinha: uma risada breve, porém ainda assim uma risada.
Mas, quando viu a cara que Sophie fizera assim que ele também começou a rir, fechou a cara. Tinha que se lembrar: deveria ficar a metros de distância dela.
Afinal, não queria arranjar uma guerra com a garota mais poderosa da escola.

Faculdade
Por semanas tudo que fez foi evitar . Ele tentava se aproximar, tentava conversar com ela, fazer duplas nos trabalhos... Mas sempre que olhava para , parecia que ela estava interessada em qualquer outra coisa.
Até manchas de mofo no teto eram mais interessantes que ele.
simplesmente não conseguia compreender o motivo daquele comportamento da parte dela.
Achara que fizeram uma dupla sensacional da primeira e última vez que trabalharam juntos. Ela era tão rápida quanto ele, além de igualmente capacitada e caprichosa. Tiraram a melhor nota, entregaram tudo antes do tempo e ainda receberam altos elogios do professor.
Não havia motivo para ela não trabalhar com ele.
Pelo menos, não havia motivo aparente.
Assim, decidiu fazer a melhor coisa que podia no momento: ir ao trabalho dela e forçá-la a conversar com ele. Nem que fosse para fazê-la levar um café até a sua mesa.
- De novo...? – suspirou ao vê-lo sentado à mesa vermelha e branca que sempre sentava quando ia para lá.
- Você vai me fazer lembrá-la que tem que ser legal comigo todas as vezes que eu resolver tomar um café aqui? – Ele próprio rolou levemente os olhos e lançou um olhar nem um pouco feliz ao concluir a frase.
- Eu tô começando a achar que vou ter que chamar a polícia daqui a pouco... Pra te impedir de ficar me seguindo. – Ela apoiou à mesa, deixando o cardápio na frente dele, apesar de ter certeza de que nem olharia as folhas trabalhadas em branco e dourado.
- Meu pai tem amigos na polícia. Não ia dar certo. – Ele deu de ombros, sem ao menos tocar no menu.
Ela sabia.
- Ah, mas é claro... – E rolou os olhos. – O que você quer?
- Por que você está me evitando?
O olhar dele era tão profundo que poderia até atravessar a alma da garota. Ela até ergueu uma sobrancelha.
- Uau. Que direto.
- Aprendi isso com você. – Ele deu uma piscadinha com um pequeno sorriso nos lábios. – Nós formamos uma boa dupla daquela vez. Por que você tá me evitando? Não faz sentido!
- Claro que faz. Eu só quero salvar a minha pele, não entendeu? – colocou as mãos na cintura. – Não espero que um cara como você vá entender, mas eu sou uma sobrevivente. Não tenho o dinheiro e o poder que você tem, então preciso ralar pra conseguir o que quero. E, pra sobreviver na escola, tenho que ficar bem longe de você. Entendeu agora?
- Mas por quê? – E estava mais confuso que antes, franzindo as sobrancelhas. – Por causa daquelas meninas? Da maneira como elas te tratam?
- E se eu disser que sim? O que você vai fazer? – Ela cruzou os braços e ficou aguardando uma resposta.
Mas tudo que ele conseguiu fazer foi murmurar alguns sons desconexos até desistir e ficar encarando-a com cara de quem tinha enfiado um garfo em uma torradeira.
- Exatamente. – concordou, por mais que ele não tivesse dito nada. Porque era isso que ele ia fazer: nada. – Agora você entendeu?
Dizendo isso, ela pegou o cardápio, com a clara intenção de deixar um bem confuso para trás.
- Espera, mas e o meu...
- Uma torta de blueberry e um chá de gengibre. Vou trazer em alguns minutinhos, senhor! – se virou para ele sorrindo, voltando a agir como a “ profissional” de sempre.
Aquela habilidade dela sempre iria intrigá-lo. Não sabia como fazia aquilo, porém ela sabia exatamente a comida que ele precisava, não a que queria.

Sophie avisara . Mas a garota não a escutou.
Observando enquanto e seu livro caminhavam distraidamente pela escola, Sophie estava de braços cruzados, medindo-a dos pés a cabeça. Aquela menina por um mero acaso achava que ela era idiota? Que não conseguia ver indo atrás dela naquele cafezinho minúsculo que a garota ainda tinha a pachorra de chamar de trabalho?
Sophie riu consigo mesma. Achava um espécime ridículo de ser humano e, a cada dia que passava, ficava com mais raiva da garota.
Principalmente porque não tirava os olhos de .
Decididamente com o coração em fúria, Sophie caminhou com passos duros até a garota. Aproveitou a distração de em seu livro – a garota estava mergulhada no mundo de Athos, Porthos e Aramis, ajudando D’Artagnan a correr pelas ruas em seu primeiro dia em Paris – e resolveu que era o momento certo para atacar.
Assim que passou por ela, Sophie esticou a perna na frente da garota. perdeu o equilíbrio, porém fazia de tudo para se manter em pé e, principalmente, não amassar seu livro.
O que Sophie remediou com um empurrão, enquanto todos que estavam em volta assistiam a tudo com risadas nos lábios.
se estatelou no chão. Tentou segurar o livro, porém este voou para longe, amassando-se em vários pontos. A garota aparou a queda com os braços e os joelhos e, assim que se virou de costas para o chão, conseguiu ver o sangue escorrendo pelos joelhos e cotovelos. As pernas e mãos estavam sujas e tudo que ela conseguia fazer era encarar Sophie com um par de olhos incrédulos.
- Olha só! Realmente não passa de uma gata borralheira, toda suja e atirada no chão! – Sophie apontou para ela, comentando com os colegas, e rindo logo em seguida.
se esforçou ao máximo para segurar o choro e manter a cabeça erguida enquanto era sufocada pelo som de estrondosas risadas.

A garota correu para o banheiro mais distante da escola, um lugar que estava em manutenção, enquanto tentava proteger seu livro em seus braços, embalado próximo ao peito.
Chegando ao recinto, largou todos os materiais no chão e fazia o que podia para desamassar seu exemplar antigo da história dos Mosqueteiros que tanto admirava. Continha as lágrimas que ameaçavam escorrer de seus olhos, mas, quando viu o estado em que a capa tinha ficado, grossas gotas começaram a rolar pelas faces vermelhas de .
Após um longo tempo tentando lutar com o inevitável, a garota colocou o livro cuidadosamente sobre a mala e resolveu analisar seus joelhos e cotovelos. Começaram a dar pontadas e, por isso, ela achava que se tratar era o melhor a se fazer no momento.
Pegando pedaços de papel e embebendo-os em água, começou a limpar os cotovelos, esfregando os braços que também tinham sangue escorrido. Em seguida, utilizou mais papel para esfregar os joelhos, que ardiam e causavam dores agudas em cada toque da garota.
Somente quando jogou o papel ensanguentado no lixo e limpou as lágrimas com um tanto de brutalidade, respirando fundo ao final, é que os olhos encharcados dela se encontraram com um par de olhos chocados à porta do banheiro.
Aqueles olhos pertenciam a . Ele já a tinha perseguido tanto que conhecia muito bem o olhar dele.
- O que aconteceu? – Ele perguntou imediatamente, franzindo as sobrancelhas.
- Não é da sua conta. – Ela suspirou de volta, virando-se para o espelho. não era exatamente a pessoa mais indicada para conversar sobre aquilo com ela.
- O que você está fazendo aqui então? – tentou novamente. E tentaria quantas vezes precisasse para obter uma resposta satisfatória.
- O mundo não precisa saber que eu também tenho sentimentos. Ninguém precisa me ver chorar. – Dizendo isso, ela deu uma suspirada rápida e profunda, virando-se para ele a fim de encará-lo com o par de olhos fortes do dia a dia normal que conhecia tão bem. – Você também não. O que está fazendo aqui?
Quando ela colocou as mãos na cintura, deixou um pequeno sorriso surgir no canto dos lábios. Lá estava ela, a forte e destemida que ele tanto admirava e achava tão diferente.
- Também não é da sua conta. – Ele deu de ombros, enfiando as mãos nos bolsos. – Mas aposto que se eu perguntar pro pessoal o motivo do seu choro, vão me contar rapidamente.
- Se você contar pra alguém que me viu chorando...
- Pode deixar, . Seu segredo está a salvo comigo. – respondeu com um aceno de cabeça e já caminhava para a porta. – Se o meu estiver a salvo com você também.
- Qual segredo, seu...? – Ela perguntou confusa, franzindo levemente as sobrancelhas.
- O que você veio fazer no banheiro mais abandonado da escola, ? – Ele perguntou de volta, já abrindo a porta do local. – Não é só você que precisa de um tempo pessoal pra liberar angústia e chorar como se não houvesse amanhã. Eu também tenho uma imagem para preservar.
E, com essas palavras, resolveu deixá-la sozinha no banheiro, cuidando dos próprios machucados.
Porém, mal sabia ela que ele resolvera que ainda faria uma investigação própria pela escola a fim de punir a pessoa que a tinha feito chorar.

- Não me fala que isso é verdade.
simplesmente aparatara na mesa de .
A garota simplesmente tirou o nariz do próprio livro, encarando-o com uma sobrancelha erguida e um par de olhos tanto assustados quanto confusos.
Ele era meio doido. Ela tinha certeza.
- O quê...? – A garota perguntou, balançando a cabeça em seguida. – O que você está fazendo aqui?
Mas não se dera ao trabalho de explicar. Estavam no meio da aula e a única desculpa que ele tinha para ir falar com ela era o fato de que teriam um trabalho em dupla, por mais que o tivesse claramente dispensado no dia em que ele fora ao trabalho dela.
Simplesmente ignorou a pergunta da garota e mudou a atenção ao livro antigo e amassado que ela tinha em mãos. Segurou a capa e as páginas amareladas, tirando-o das mãos de à força, por mais que a garota tivesse tentado segurar. Ela o observou um tanto angustiada, enquanto olhava cada centímetro do livro.
- A Sophie fez isso com você? Só porque ela não quer que você fale comigo? – Os olhos de queimavam de fúria.
Sinceramente, pensou em negar, pois tinha medo do que faria com a garota.
Porém, no mesmo momento, seus joelhos ralados deram pontadas, como para que lembrá-la que, se fosse Sophie no lugar de , a garota não teria bondade nenhuma no coração.
- Foi. – admitiu, retirando o livro das mãos de com um pouco mais de força que o necessário. Ele respirou fundo, parecendo que ia jogar uma cadeira sobre Sophie. Porém, segurou a mão de pela primeira vez, fazendo-o desligar de qualquer raiva que estava sentindo e olhar para ela, confuso. – Não seja ruim. Pelo menos, não muito.
Após alguns segundos observando , parecia ter se acalmado. Respirou fundo e foi até a mesa de Sophie, que ficou contente de vê-lo por lá. Esperava que fosse convidá-la para fazer dupla com ele.
- Sophie... – disse gentilmente, com um sorriso no rosto. A garota abriu um enorme sorriso de volta, piscando várias vezes com seus cílios postiços. Ele quase perdeu completamente a atenção por causa daquilo. – Eu vou fazer dupla com a . E não quero que ninguém nos incomode, entendido? Faço dupla com quem bem entendo e ela é uma boa competição para mim. É mais esperto me aliar à do que competir com ela, não?
Dizendo isso, ele voltou para a mesa de , deixando tanto ela quanto Sophie boquiabertas e sem saber como reagir.
Sophie não acreditava que tinha proferido aquelas palavras e escolhera estudar com uma gata borralheira ao invés dela. , por outro lado, ficou impressionada com o fato de que ele simplesmente podia falar aquele tipo de coisa e ninguém o contrariava. Além de ser o garoto mais inteligente da escola, também sabia impor respeito e claramente era respeitado pelos outros.
voltou a observá-lo enquanto ele abria placidamente o livro de Biologia, como se a sala inteira não estivesse cochichando sobre ele. Havia muito mais em do que ela imaginara à primeira vista.

O barulho dos trens passando pelos trilhos era certamente relaxante para os dois.
Não havia mais nada em volta além dos trens correndo de quando em quando e passarinhos brincando no céu arroxeado, enquanto o sol do fim da tarde coloria tudo em tons de laranja levemente róseo.
não sabia muito bem como tinha parado lá. Simplesmente sentiu sua mão sendo agarrada quando pisou fora da escola e, quando se deu por si, já estava em um carro com , sua bicicleta cuidadosamente amarrada ao porta-malas.
Quando perguntou a ele o que estava acontecendo, ele simplesmente disse que queria conversar longe de toda aquela frescura. Pediu para o motorista deixá-los em qualquer lugar e levar a bicicleta de para a casa da garota, já que chamaria o motorista para ir buscá-los quando quisessem voltar para suas casas.
Assim, acabaram comprando sorvetes e ele cismara que queria mostrar a ela um lugar especial.
Não demoraram a entrar em uma vasta área com trilhos de trens, encontrando alguns vagões antigos abandonados em um aglomerado. Ajudando-a a subir no topo de um contêiner vermelho, os dois se sentaram por lá e começaram a observar a paisagem.
Apesar de abandonado, era um lugar muito bonito.
- Me ajuda a pensar e relaxar quando preciso... – comentou silenciosamente, apreciando cada colherada de seu sorvete.
sorriu. Tinha cada vez mais certeza de que ele era diferente de qualquer pessoa que já tinha encontrado naquela escola.
- , me conta uma coisa? Como você consegue mudar tanto a sua personalidade? – Ele perguntou repentinamente, fazendo-a franzir as sobrancelhas sem entender direito a pergunta. – Quer dizer, às vezes eu sei que você tá irritada, mas você consegue sorrir e ser simpática, sempre. Como você consegue?
- Ah, eu já disse, ... – Ela suspirou, porém sorria. – Eu sou uma sobrevivente. Não tenho tudo que você tem e não posso me dar ao luxo de ser sincera e estúpida com as pessoas. Às vezes tenho que abaixar a cabeça e botar um sorriso no rosto, por mais que eu queira bater na pessoa com uma cadeira.
- Mas você é sincera comigo. – Ele respondeu, observando-a com uma sobrancelha erguida. Imediatamente, começou a rir e ele não entendeu mais nada.
- Porque você aguenta. Acho que de todo mundo naquela escola, você é o mais sincero de todos... E até me arrisco a dizer que tem um bom coração. – Ela deu uma piscadinha para ele, fazendo-o sorrir. – Sinto que não preciso sobreviver quando você está por perto... Posso simplesmente viver. É bom, pra falar a verdade.
- Então por que diabos você está me evitando tanto, mulher?! – Ele deu um tapa na própria perna, já exasperado, fazendo-a rir mais que antes.
- Não sei se você percebeu, Sr. Melhor Aluno, mas você tem um fã clube na escola. Encabeçado pela minha melhor amiga Sophie. – Dizendo isso, rolou os olhos. – Ela me ameaçou. Disse que ia destruir a minha vida se a gente continuasse se falando. Não duvido que ela seja capaz de fazer isso, então achei melhor ficar longe de você. Percebeu o motivo pelo qual eu sempre tento fugir quando você me aparece e me persegue para todos os lugares?!
- Só por causa da Sophie?! – ficava cada vez mais indignado. – Quem ela acha que é pra falar assim com você?!
- Aparentemente, ela tem certeza que é alguém bem importante. Eu, por outro lado, não sou. Então preciso botar meu sorriso no rosto e sobreviver, percebe? – piscou novamente para ele, fazendo-o se acalmar. – Mas tudo bem. É só mais algum tempo. Daqui a pouco o ano acaba e eu pretendo estudar na Europa, então estarei bem longe daqui. Dá pra aguentar.
- Você quer estudar na Europa? – Ele perguntou um tanto incrédulo. confirmou com a cabeça, estranhando a reação dele. – Eu também!
- Jura? – E o rosto da garota se iluminou com um sorriso. – Que curso você quer fazer?
- Ainda não sei... – respondeu com um sorriso meio sem jeito. Pensou durante alguns momentos, porém já tinha lhe contado tantas coisas pessoais que não viu sentido em não compartilhar coisas com ela também. – Meus pais querem que eu aceite seguir os passos deles e assumir os negócios da família, vivendo exatamente a vida que eles delinearam para mim. Daqui a pouco vão escolher até a minha esposa, acho... Mas eu não quero isso. Quero viver um pouco sozinho e me ferrar um pouco. Quero poder escolher meu curso sem a opinião deles... E você? Quer fazer o quê?
- Psicologia. – tinha um sorriso de admiração no rosto. Não esperava aquele tipo de resposta e, muito menos, aquele tipo de comportamento de . Sabia que ele era diferente. – Por causa da minha avó.
- Sua avó? – Ele franziu as sobrancelhas, confuso.
- Exato. – E ela apontou para uma rua à distância. – Se você seguisse essa rua, descendo uns três quarteirões, minha avó tinha um café. Um lugar pequeno e simples, mas muito gostoso. Eu fiquei lá com ela a minha infância toda. Foi ela quem me ensinou a sorrir sempre para conseguir a simpatia das pessoas e a ler os clientes.
- Espera! – Agora estava realmente interessado no assunto. – É isso que você faz pra saber a comida que o cliente precisa no dia?
- Yep. – E concordou veementemente com a cabeça. – É uma questão de observação. Minha avó era uma deusa fazendo isso. Era incrível. Aprendi um pouco com ela, mas não sei fazer do jeito que ela fazia. Mas é tudo baseado em Psicologia. Meus pais herdaram o café, mas não souberam administrar, então perdemos o negócio. Quero estudar Psicologia para virar uma mestra, que nem a minha avó, e abrir o café exatamente onde ele era antes.
passou alguns momentos observando enquanto deleitava-se em seu sorvete de banana. Quando se deu por satisfeito, um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
- Você é incrível.
- O quê? – E agora quem estava confusa era ela.
- Você já tem um objetivo, tem um sonho... Tudo. É incrível. – Ele respondeu sinceramente. – Olha pra mim. Tenho tudo, mas não tenho nada. Não sei para onde vou e mal tenho um sonho, só sei que quero viver por mim mesmo. Você é muito mais focada.
- É porque sei que terei que viver por mim mesma desde pequena, né? – Ela deu uma risadinha para . – E acho a sua atitude realmente admirável. A maioria das pessoas como você se acomoda. Você quer lutar pela sua vida, pelo direito de fazer as coisas do jeito que bem entende, por mais que se ferre. Eu realmente acho essa uma bela característica.
- Obrigado. – esperava que suas bochechas não estivessem muito coradas com o elogio.
- Se bem que... – Mas, quando ela falou isso, ele já ficou alerta. – Acho que você não sobreviveria uma semana vivendo sozinho na Europa.
- Claro que sobreviveria!
- Claro que não! – respondeu dando altas gargalhadas. – Aposto que você não sabe nem como fazer miojo!
abriu a boca para responder, porém resolveu ficar quieto logo em seguida. Olhou para ela com um pouco de vergonha e começou a rir.
- Não sei mesmo.
Logo que ele disse isso, os dois se olharam por alguns segundos e caíram na gargalhada.
- Meu Deus! Eu seria uma perdição!
- Provavelmente botaria fogo em metade da casa em menos de uma semana! – Ela adicionou, fazendo-o rir mais ainda.
- , você tem que me ensinar algumas coisas, por favor! Não posso tentar ir assim!
Continuaram rindo durante mais algum tempo, porém aquele pedido fora sincero – e percebera. Ela mesma, enquanto ria, pensava naquela possibilidade.
- Fechado. Eu te ensino a ser gente, ! – E, falando isso, a garota estendeu a mão para ele. – Só que ninguém pode saber. Ou serei massacrada.
- Pode deixar. Eu te ajudo a sobreviver, . – Com isso, apertou a mão dela, fechando o contrato.
Estava na hora de aprenderem a viver juntos.

Gata Borralheira
- , eu não sei o que eu faço, me ajuda, pelo amor de todas as forças sagradas desse Universo! – simplesmente a agarrou pelos ombros e quase a chacoalhou em desespero.
Para chegarem a essa situação, tiveram que, antes, colocar o plano de transformá-lo em um ser humano de verdade em prática.
O que se iniciou com um dia de trabalho de verdade no mesmo café em que trabalhava.
Akuma adorava um dia de folga e estava mais que contente de poder se sentar em sua mesinha, comendo seu adorado bolo de morango, apreciando uma boa xícara de chá enquanto estudava teoria musical de compositores clássicos.
Sim, apesar de parecer bruto, Akuma era um homem muito refinado.
E, em meio a toda essa calmaria de Akuma, lá estava a ponto de arrancar os cabelos.
Seu trabalho não era difícil. Tinha que simplesmente ficar no caixa, sorrir para os clientes, pegar os pedidos anotados pelas garçonetes com o número das mesas correspondentes, somar tudo e falar o valor, passar no crédito, débito ou dinheiro e sorrir desejando um “volte sempre” ao acenar enquanto os clientes passavam pela porta de entrada que fazia balançar o sininho de fada preso sobre esta.
Ele achou que tiraria tudo de letra. Nada podia ser mais fácil do que aquilo. fazia altas provas de física e não errava uma conta, fazer meia dúzia de somas em um café e contar o troco dos pagamentos em dinheiro prometia ser a coisa mais simples do mundo.
Mas ele nunca esteve tão errado.
- O que foi, homem? – perguntou, segurando-o pelos ombros de volta. – Controle-se!
- Não dá, ! – E ele apontou discretamente para um cliente que esperava no caixa, com as mãos na cintura. – Aquele cara tá testando a minha paciência. Eu quero enviá-lo pra Plutão.
- Só porque é o planeta mais distante do sistema solar? – Ela perguntou com um suspiro, já guardando o bloquinho de anotações e a caneta no bolso do avental.
- Exatamente. – tentava ao máximo se manter calmo enquanto caminhavam em direção ao homem em questão.
- Mas ele tem sentimentos. Por um acaso você perdeu a foto de que Plutão tem um coração na superfície? – perguntou de volta, dando uma piscadela para o garoto logo que ele lançou um olhar de poucos amigos ao ouvir aquela frase. – Com licença... Oi!
E ela sorriu largamente para o cara. percebeu claramente que aquilo o pegou desprevenido e o homem até mudou um pouco a postura, menos agressiva e dominante do que antes, podendo ser considerada um pouco acanhada.
- Ele me disse que vocês estão com um probleminha! O senhor pode me contar o que aconteceu? – ainda tinha aquele belo sorriso estampado nos lábios, fazendo com que o homem até se distanciasse um pouco dela.
- Bom... Aconteceu que seu amigo errou a minha conta! Está cobrando mais do que eu realmente devo. É isso. – O começo foi um tanto tímido, porém logo ele ganhou confiança perante a garota.
- Não errei! Você que dar um calote na gente! – respondeu de braços cruzados.
O que fez com que desse a pisada no pé dele mais agressiva e discreta que conseguira na vida.
Enquanto sofria silenciosamente de dor – controlando-se para chorar somente internamente – ela mantinha seu sorriso doce no rosto.
- Mas por que ele errou? Posso saber?
- Esse doce aqui...! – E o homem apontou na conta. – Não era o que eu estava esperando e me recuso a pagar por ele!
- Peço desculpas por isso, senhor. – balançou a cabeça negativamente, como se realmente sentisse muito. Em seguida, olhou para . – Pode deixar sem cobrar.
- Mas o quê?! Como assim, ?! Ele claramente quer comer de graça! – apontou para o homem como se ele nem estivesse à frente dos dois. – Não podemos sair dando doces como cortesia...!
- Eu sei. A gente desconta do meu salário. – Ela disse placidamente e tanto quanto o cara ficaram em choque. – É difícil admitir, mas eu errei ao servi-lo. A culpa é minha. Pode descontar de mim.
- Mas...! – E já estava a ponto de arrancar um pedaço do cara. Com os dentes.
- Olha... Não tem problema. – O homem disse de repente. – A conta está certa. Desculpem o transtorno. Não precisa descontar do salário dela.
E não tiveram mais problemas. Ele pagou tudo sem reclamar mais nenhuma vez.
- Ok. Como você fez isso? – perguntou logo que o cara deixou o café.
- Regra número um: o cliente sempre tem razão. Regra número dois: você nunca, em hipótese alguma, sai xingando o cliente, por mais que ele esteja errado. Regra número três: sempre sorria e seja simpático, por mais que estejam jogando pedras sobre você. Regra número quatro... – E deu uma piscadela para ele, com um sorriso sapeca nos lábios. – Eu nunca erro.
Com isso, voltaram aos seus afazeres, enquanto sorria ao vê-la se distanciar para atender mais um cliente.
Ele achou que o dia tinha terminado com aquele incidente, até a garota se aproximar repentinamente, amarrar o próprio avental na cintura dele e jogá-lo na fogueira.
- Mas eu não faço idéia do que tenho que fazer...! – dizia com terror nos olhos, lutando contra as mãos de que o empurravam, forçando-o a segurar um bloquinho e uma caneta.
- A vida é assim, . A gente nunca sabe o que fazer. – Ela respondeu seriamente, porém tentava a todo custo controlar um sorrisinho que teimava em surgir no rosto. – Quer aprender a sobreviver? É assim: se joga e se vira. A vida não vai esperar você ficar confortável pra acontecer. Você tem que aprender a dançar conforme a dança... Agora vai!
Dizendo isso, ela deu um último empurrão no garoto, que já foi requisitado por várias pessoas que tinham vários pedidos para fazer.
somente se sentou no balcão e ficou observando enquanto ria ao ver tentando se desdobrar em mil, correndo de um lado para o outro, confundindo os pedidos, levando tortas e bolos para lá e para cá, pedindo desculpas pelos pedidos que levava errado e até cometendo o maior praxe dos garçons e garçonetes de primeira viagem: derrubar um copo gigante de chá gelado em um cliente, tentar limpar a roupa da pessoa, ficar vermelho que nem uma cereja e sair correndo por aí para tentar remediar a situação e não ter um desconto no salário.
Ao fim do dia, enquanto Akuma fechava as portas do café assoviando alguma composição de Liszt, escorregou pelo chão – como se estivesse derretendo, caindo de bunda e apoiando as costas no balcão, completamente exausto, com as longas pernas estiradas à sua frente.
- Você...! – Ele chamou, agarrando um dos pés de e colocando sobre seu ombro, já que a garota ainda estava sentada sobre o balcão. Quando ela fez menção de se desvencilhar dele, agarrou o outro pé, colocando sobre o outro ombro. – Você é muito má...! Só ficou aí sentada, rindo, olhando eu me ferrar...!
- Ué! Você acha que eu tive alguém pra me ajudar? – Ela perguntou de volta, rindo, enquanto mexia os pés para incomodá-lo. Porém continuava a segurá-los, rindo de volta. – Ainda que estou te ajudando bastante. Depois de hoje, você vai tirar de letra qualquer trabalho que tenha que atender clientes!
- Você é tipo uma mãe pássaro, sabe? – comentou, fazendo-a rir mais ainda. – Existem mães que abraçam os filhotes e os protegem do mundo... Você não! Você é daquelas que joga na fogueira mesmo!
E assim continuou a conversa, com ambos rindo como nunca. Apesar dos apesares, estavam felizes com aquele dia. tinha aprendido muitas coisas... E também tinha aprendido uma coisa ou outra com ele.
Enquanto isso, Akuma somente checava se todo o dinheiro estava no caixa e observava os dois com um sorriso no rosto, enquanto assoviava Liebstraum de Liszt.

(N/A: “Liebstraum”, traduzido literalmente, significa “Sonho de Amor”. Vale a pena escutar, a música é linda ;D)

- , tava olhando a lista e... – foi cutucá-la ao lado dele, porém não encontrou nada. – ?
E lá estava ele, abandonado no meio do supermercado.
O desespero bateu nele como bate numa criança que se perde da mãe no mercado cheio pela primeira vez.
Sinceramente, ele se sentiu bem idiota. Lá estava ele, parado que nem um pastel, no meio do corredor de verduras, com um papel em mãos e claramente perdido. Todas as pessoas em volta tinham um objetivo e sabiam muito bem o que fazer e para onde ir.
Menos ele.
estava literalmente perdido.
E nunca ficou tão feliz quanto no momento em que surgiu de uma das estantes, com um pacote de pimenta vermelha em flocos nas mãos.
O próprio não queria admitir, mas saiu correndo com o carrinho na direção dela.
- Ei! Não some mais desse jeito! – Ele comentou logo ao alcançá-la. levantou os olhos do pacote, olhando para ele confusa. – Eu não sabia o que fazer! Nem sabia para onde tinha que ir...!
- Poxa, . Não é tão difícil assim. – franziu as sobrancelhas, colocando a pimenta no carrinho. – É só olhar a lista e ver o que está por perto. Pelo amor de Buda, você nunca foi ao supermercado com a sua mãe?!
Ele passou alguns segundos, encarando-a.
- Minha mãe nunca foi ao supermercado. Muito menos comigo.
E o encarou de volta como se ele tivesse dito a coisa mais absurda da face da Terra.
- Ok. Você tem muitas coisas para aprender hoje... – E, suspirando, ela o pegou pela mão, guiando-o pelos corredores enquanto teve que arranjar uma maneira de empurrar o carrinho com uma mão só.
Enquanto estavam passando as compras, ela fez questão de usar dois carrinhos. Ele não via necessidade alguma naquilo, porém insistira tanto que se sujeitou a pegar mais um carrinho e dividir as compras entre os dois.
Assim, no estacionamento, lá estavam eles, cada um dirigindo um carrinho ao lado do outro.
- Existe um motivo científico para eu ter pedido dois carrinhos, . – comentou seriamente, deixando-o curioso.
- Jura? Qual? – Ele franziu as sobrancelhas, tentando se lembrar de alguma pesquisa científica sobre carrinhos de supermercado, porém falhando miseravelmente.
- Pessoas que passam a vida toda sem apostar uma corrida com carrinhos de supermercado são mais infelizes e morrem mais cedo. – respondeu ainda seriamente, fazendo-o rir audivelmente. Ele não acreditava que ela tinha dito aquilo. – Quem chegar por último é um baiacu estufado!
permaneceu alguns momentos em choque enquanto a garota saía correndo como nunca, fazendo um barulho estrondoso com o carrinho enquanto corria. Quando acordou de seu torpor momentâneo, resolveu entregar-se àquele tipo de brincadeira que não fazia há muito tempo.
Ele não achou que fazer uma corrida de carrinhos de supermercado pudesse ser tão divertida. emparelhou com e tentou segurar o carrinho dela, levando tapas em meio a risadas. Todas as pessoas do estacionamento encaravam – algumas com olhares julgadores, outras rindo – mas eles nem se importavam. Estavam se divertindo tanto, aproveitando tanto o momento que nada podia incomodá-los.
E, quando alcançaram o carro – com ganhando por pouquíssimo – estavam completamente sem ar.
- Isso aí!Ganhei! – Ele gritou estendendo os braços para o alto, antes de estatelar-se contra o carro. fez o mesmo, estampando no veículo ao lado dele. – Nem tirar uma nota mais alta que você na escola supera ganhar essa corrida! Aguarde a nossa próxima competição, mocinha!
Apesar da falta de ar, tinha um sorriso imenso estampado nos lábios. Algo que nunca tinha visto antes, o que a fazia sorrir de volta. Era impossível olhar aquele sorriso e também não sorrir.
Mas o momento de encará-lo não passou despercebido pelo garoto.
- O que foi? – Ele franziu as sobrancelhas, mas ainda sorria. Achava que nunca mais ia parar de sorrir. Pelo menos não durante aquela vida.
- Você até que é bem divertido, . – Ela comentou de volta, abrindo um reluzente sorriso em seguida, começando a rir junto com .
Mas ele ria por outro motivo... Era a primeira vez que o chamava por seu apelido – .

- É miojo. Eu não acredito que você nunca fez isso daqui... – E a indignação de era além do recomendado.
Estavam na casa dela – que amara de paixão, apesar de ser um lugar simples e depois de fazê-lo parar de surtar de amores pelo “jardim fofinho” que eles tinham na parte de trás – e se encontravam na cozinha, com pacotes e pacotes de miojo.
- Já disse, minha mãe nunca fez supermercado... – Ele deu de ombros, enquanto a observava lendo algo na parte de trás do pacote e pegando uma panela no armário embaixo da pia. Uma panela velha e bem amassada. – Além disso, ouvi que isso aí faz mal...
- , isso aqui é a fonte de energia de qualquer pessoa que se encontra na faculdade. – respondeu seriamente, estendendo o pacote para ele. – Está na hora de te ensinar a cozinhar comida de universitário pobre.
Com isso, ele não aguentou mais ficar sério. Simplesmente pegou o pacote enquanto ria da frase dela.
- Ok... Mas eu nem sei por onde começar.
- É só ler o pacote. – Ela comentou enquanto se sentava em uma cadeira à mesa de almoço e o observava com um sorriso no rosto.
- Você não vai me ajudar...? – Ele ergueu uma sobrancelha.
- Nope. Só vou supervisionar.
- Você tem noção do perigo...?! – estava indignado enquanto ela só caía na gargalhada. – Eu vou botar fogo na sua casa!
- Ninguém bota fogo em nada com miojo! Até uma criança de cinco anos consegue fazer! – E, enquanto ainda ria, estendeu a panela para ele. – Peguei a pior panela que tenho por causa disso. Você está autorizado a arrebentá-la. Agora... Se joga, querido.
- Ai, meu Deus... – suspirou e pegou a panela, derrotado.
O garoto demorou uma boa hora para preparar tudo e deixou o miojo empapado. Porém, nenhum dos dois podia reclamar do gosto: estava realmente bom. Apesar da textura, foi um dos melhores almoços que tiveram, rindo juntos e se lembrando das asneiras enquanto ele cozinhava – como passar uns quinze minutos tentando ligar o fogo sem abrir o gás.
- Como você se sente agora que sabe fazer miojo, ? – Ela perguntou com um sorriso imenso no rosto. começou a rir, porém estava realmente orgulhoso.
- Sinto que posso conquistar o mundo, . Com um miojo de cada vez. – Ele respondeu piscando para ela em seguida. Os dois caíram na gargalhada.
Quando finalmente acalmaram o riso, empurrou a panela na direção dele, juntamente com a colher de pau que permanecera dentro desta.
- São meus presentes para você. – E ela tinha um sorrisinho no rosto. somente ergueu uma sobrancelha.
- O quê?
- A panela e a colher de pau. As primeiras que você usou na sua vida. – O sorriso de aumentou um pouco. – Seu primeiro passo para a independência ou morte. Pode ficar com elas.
segurou a panela com ambas as mãos. Aquele era o presente mais estropiado e barato que ele já tinha recebido, porém o sentimento em seu coração era incomparável. Nenhum presente milionário podia comparar o que ele estava sentindo. Realmente, aquela panela velha e ferrada era um marco. Era a primeira vez que ele agia como alguém que podia cuidar de si mesmo.
Com um sorriso orgulhoso nos lábios, levantou os olhos para observar os de .
- Obrigado, .
- Disponha, . – Ela sorriu de volta, os olhos gentis e contentes. – Agora vai lavar seu aparato de cozinha. Ninguém fica independente só aprendendo a cozinhar, tem que aprender a limpar a sujeira também.
- Sei! Você é que está com preguiça de lavar a louça, isso sim! – Mas, apesar dos protestos, foi lavar sua preciosa panela.
Guardaria dentro do próprio armário, juntamente com a colher de pau, assim não corria o risco de jogarem fora por engano. Aquilo era melhor do que qualquer troféu que ele ganhara durante toda sua vida acadêmica.

- Eu não aguento mais, , meu corpo inteiro dói, tenha piedade de mim... – choramingava enquanto perseguia a garota, que passava um esfregão pelo chão com a maior boa vontade do mundo.
Sim, eles estavam limpando a casa dela.
Não, não tinha se passado nem duas horas que haviam começado aquela árdua tarefa.
- Você tem sorte que essa casa nem está tão suja assim! – comentou de volta, apoiando as mãos na cintura, com o esfregão descansando no ombro. – Quando eu era criança, ficava encarregada de tirar o pó dos móveis, nem é tão difícil assim!
- Sabe como se chama isso? Trabalho infantil. – Ele respondeu cruzando os braços. – Espanadores servem para isso! Tirar pó com um pano é loucura!
- Não é não! É normal! O espanador só serve pra espalhar tudo e fingir que está limpo! – Ela balançou a cabeça, pegando o pano das mãos dele. – Você tem que virar do lado contrário quando tá sujo assim, ou só vai fazer mais estrago que bem!
- Meu nariz está coçando e eu estou sentindo a sujeira se aderindo às minhas mãos! – pegou o pano de volta a contra gosto.
- Tem gente que faz isso daqui todo santo dia. Imagina como essas pessoas devem se sentir. – franziu as sobrancelhas, como se estivesse dando bronca em uma criança. – Agora você vai respeitar mais o trabalho delas, não? Vai, só tem mais esse cômodo e a gente pode lavar as roupas!
somente suspirou, derrotado. Ela tinha razão, apesar de não querer admitir. A partir daquele dia, ele começou a cumprimentar todos os faxineiros da escola – e de qualquer lugar que frequentasse – respeitando o trabalho deles como nunca.
E, quando finalmente chegaram à missão de utilizar a máquina de lavar roupas, estava sentado no chão da área de serviço dela, com dor em tudo, somente querendo sentar e descansar pelo resto do dia.
- Ué, não era você que queria morar sozinho? – perguntou com um cesto de roupas sujas embaixo do braço.
- Eu me arrependo amargamente dessa decisão. – O garoto respondeu decididamente, fazendo-a rir. Ele mesmo deu uma pequena risadinha.
- Vamos, levante daí. Temos muito o que fazer ainda. – abriu a máquina, já colocando as roupas dentro.
- Ok. O que eu tenho que fazer?
- É só ler. – Ela apontou para o objeto e ele só a observou, incrédulo.
- ... – Os olhos dele estavam cansados e a voz tão manhosa que nem o coração de conseguiu resistir.
- Ok... Eu te ajudo dessa vez. Pega o sabão pra mim, por favor.
- Qual é?
- Poxa, ! Também não é pra tanto, né! É só ler!
E, apesar de estar levemente brava, os dois começaram a rir. Sofreram um pouco com o “ sem noção”, conforme apelidara, e passaram um bom tempo tentando descobrir como fazer a máquina parar de cuspir espuma e bolhas por todos os lados da área de serviço. Terminaram o dia rindo, sentados em meio a muita espuma, porém com as roupas sendo lavadas.
Começaram a considerar que, sozinho, não sobreviveria muito tempo... Porém juntos, poderiam viver muito bem até.

- Você chegou vivo, homem, para de reclamar! – não conseguia parar de rir do dramaque estava fazendo por ter pego o metrô pela primeira vez.
Ela tentara deixá-lo liderar o caminho. Mas, no meio daquele mar de gente, tentando ler o mapa, sem saber para qual estação iriam e em qual estação estavam, os dois se perderam de uma maneira que deixou o garoto desesperando e pensando seriamente em ligar ao próprio motorista para ir buscá-los.
Foi nesse momento que tomou as rédeas da situação e o ensinou a como pegar o metro como uma pessoa de verdade.
quase beijou o chão da escola quando alcançaram o lugar.
- A gente podia ter morrido! – Ele continuava fazendo drama. Não que realmente acreditasse naquilo, mas estava rindo tanto dele que tudo que queria era fazê-la sorrir. Ela tinha passado por poucas e boas por causa dele na escola e somente quando começaram a se ajudar é que ele a vira conversando com algumas pessoas e convivendo melhor com os colegas. – Certeza estávamos prestes a ser sequestrados e vendidos no mercado negro como escravos!
- Meu Deus, como você é exagerado! – ria cada vez mais. O próprio começou a sorrir. Gostava de vê-la daquela maneira: leve, sorridente e jovem, assim como ele gostava de ser daquela maneira. Ninguém deveria ser forçado a ser mais velho antes da hora como os dois eram.
Porém, aquele belo sorriso da garota foi sumindo de seus lábios cor de pêssego aos poucos. Repentinamente, parecia que carregava o peso do mundo sobre os ombros. A garota ficou séria novamente, como se tivesse colocado uma armadura, e puxou um de seus fiéis livros de dentro da mala.
- Bom... A gente se fala mais tarde, .
E, com essa frase, nem ao menos acenou em despedida: simplesmente enfio a cara dentro do livro e saiu andando. Exatamente como da maneira que ele a conhecera.
Antes que pudesse segui-la para perguntar o que acontecera, entretanto, ele viu Sophie à distância, encarando com o maior ódio do mundo estampado nos olhos.
suspirou. Era de se esperar. sempre colocava sua armadura e jamais deixava que os outros vissem sua vulnerabilidade. Algo que, até aquele momento, somente ele tinha se aproximado o suficiente para notar que ela era tão frágil quanto uma rosa, apesar dos espinhos na superfície.
A aula não foi tão produtiva assim. Como sempre, permaneceu no fundo da sala, imersa em seu livro do momento, lendo como se pertencesse àquele mundo de papel. Enquanto isso, encarava a lousa com o olhar mais vidrado e distante que podia, tentando pensar em uma solução para aquele problema.
Apesar de parecer muito simples, destruir a ordem e as castas sociais da escola não era uma tarefa tão fácil.
Ele sobrevivera bem naquele meio durante toda a vida, porém jamais imaginara que conheceria alguém como e teria que lutar para que ambos tivessem paz. Ele tentava pensar em alguma maneira de alcançar aquilo e poder se relacionar com ela calmamente – como duas pessoas normais – porém nada estava a favor deles.
Estava tão compenetrado em seus pensamentos que mal percebeu Sophie e outras garotas perseguindo enquanto iam para a aula de esportes.
Quando a turma já estava na quadra – com no vestiário, colocando sua roupa de esportes – as garotas finalmente a cercaram. olhou por cima do livro, ainda sentada na arquibancada e ainda vestindo o uniforme normal.
Ela simplesmente se recusava a participar da aula de esportes.
- Então quer dizer que você está ensinando o a ser uma gata borralheira que nem você? – Sophie perguntou com as mãos enterradas na cintura.
- O quê? – E achava que não tinha processado a frase direito.
- Eu sei o que vocês andam fazendo. Você o coloca pra trabalhar de garçom, andar de metrô... – A garota respondeu com um riso de escárnio. não queria admitir, porém congelara ao ouvir aquilo. Não era para ninguém saber. – Se liga, garota! Tem gente que não nasceu pra ser resto que nem você!
- Sophie! Meninas! A aula vai começar! – A Professora finalmente se manifestou, dando fim à situação.
Porém, se levantou com a cabeça erguida e muito orgulho, olhando nos olhos de Sophie.
- Eu não sou resto. – A garota respondeu decididamente e estava pronta para deixar a aula quando a Professora voltou a falar.
- ! Se você não participar dessa aula, vai ficar de recuperação! Pelo menos uma, vai!
A garota somente rolou os olhos e deixou o livro sobre a arquibancada. A Professora estava certa e ela não estava disposta a ficar de recuperação de Esportes só porque não gostava de fazer a aula. Apesar de ter motivos para não gostar da aula.
Motivos esses que não tardaram em surgir.
Todos votaram por um jogo de queimada, algo mais divertido e que exigia menos esforço. ficou no time adversário, junto com Sophie, enquanto simplesmente observava, parada, do outro lado da quadra. A garota não se mexia muito e nem precisava.
Até a chuva torrencial de bolas começar a insistir em atingi-la.
Coordenadas por Sophie, as meninas – e até alguns meninos que queriam deixar a garota mais popular da escola feliz – começaram a tentar queimar a todo custo, da maneira mais dolorosa possível. A garota se esquivava rapidamente, caindo no chão diversas vezes e, em algumas, ralando o joelho por conta daquilo. As tentativas cada vez mais agressivas só foram parar quando a Professora resolveu se manifestar.
até se aventurou a chegar no limite do meio da quadra, para ficar mais perto dela.
- Você tá bem, ?
- Tô sim. Não se preocupe. – Ela sorriu de volta. – Agora sai daí antes que você leve uma bolada na fuça também.
Com isso, ambos começaram a rir.
- Ah, você vai ver quem vai levar uma bolada na fuça... – Sophie rosnou entre os dentes, empurrando a menina que estava com a bola e agarrando-a a força.
Não pensou duas vezes: mirou no rosto de e atirou com toda a energia que seu braço deixava.
A garota nem viu o que a acertou. só sabia que, repentinamente, seu rosto começara a arder absurdamente. Ela permaneceu parada no lugar, olhando para o horizonte, somente sentindo uma sensação de formigamento irradiando da ponta do nariz para as bochechas até chegar nas pontas das orelhas. Os olhos se encheram de lágrimas gradativamente, enquanto sentiu algo quente escorrendo no nariz até a boca, atingindo o queixo e pingando no chão.
Quando percebeu que a observava com um par de olhos horrorizados – um olhar que ela simplesmente odiou ver estampado no rosto dele – a garota somente sorriu, tentando falar que estava tudo bem. Não derramou uma lágrima sequer quando sentiu a dor latejante se espalhando pelo rosto ao se atreveu a sorrir para .
Não, ela não estava bem.
E aquilo ficou ainda mais evidente quando ela caiu sentada no chão.
mal estava escutando as risadas estrondosas ao seu redor. A Professora tentava brigar com Sophie, porém a garota se gabava como se tivesse acabado de tirar a maior nota da sala em todas as provas. Estava se divertindo como nunca.
Até se abaixar ao lado de , tirando uma mexa de cabelo do rosto da garota para ver o estado do nariz dela – que agora estava tão colorido quanto uma batata roxa.
- Sophie... Se você encostar mais um dedo na de novo, eu acabo com você, entendeu?! – perguntou com um ódio na voz que ninguém na escola tinha escutado antes. Todos pararam de rir imediatamente e Sophie parecia a ponto de chorar de desilusão. – Isso vale pra todos vocês! Eu acabo com a raça de quem encostar nela!
O silêncio tomou o lugar. passou um de seus braços por debaixo dos joelhos de e, com o outro braço, segurou-a fortemente nas costas, levantando-a no colo enquanto a garota gemia por conta da dor no nariz. Qualquer movimento fazia com que ela sentisse o rosto latejando e a cabeça girando.
Somente quando saíram da quadra é que realmente notou o que estava acontecendo. Teve a vontade imediata de dizer a ele que a colocasse no chão – afinal, não queria parecer fraca na frente da escola toda. Porém, ao observar o rosto dele – tão sério e preocupado com ela, certamente irritado com todos os colegas de sala – a garota ficou quieta.
Nunca tivera alguém para cuidar dela daquela maneira. Nunca foi defendida, tendo que aprender a defender-se desde pequena para sobreviver na selva da escola. tinha um orgulho provavelmente maior do que o recomendável por ser forte e independente. Porém, ter alguém para defendê-la, carregá-la quando estava frágil e poder se apoiar sem precisar aguentar tudo sozinha como uma rocha fincada no chão era libertador.
Ela sentia como se o peso do mundo tivesse saído de seus ombros.
O nervosismo de somente foi atenuado quando o garoto percebeu que a garota relaxara em seus braços e, repentinamente, a cabeça dela se aninhou nos ombros dele, logo abaixo do queixo. Quando olhou para baixo, viu de olhos fechados, com o nariz ainda sangrando e um sorriso levemente ensanguentado estampado nos lábios.
- Por que você tá sorrindo? , por um acaso notou o que acabou de te acontecer?! – E ele não podia estar mais indignado, apesar de um pouco mais calmo.
- Eu tive sorte de te conhecer... – Ela respondeu de uma maneira meio enrolada, como se estivesse grogue, abaixando a voz cada vez mais. – Meu anjo da guarda.
Apesar de não estar dormindo, era a primeira vez que via com a guarda completamente abaixada, simplesmente vulnerável e confiante de que ele não faria nada para machucá-la.
tentou segurá-la de uma maneira mais aconchegante em seus braços. Ele jamaisa machucaria. Sempre faria de tudo para protegê-la.

Após as aulas, ele fez questão de levá-la de volta ao vagão abandonado em que conversaram que nem duas pessoas normais pela primeira vez. Voltaram lá diversas vezes anteriormente, pois era o melhor lugar que tinham para conversar em paz.
E, como da primeira vez, achou que a melhor coisa que poderiam fazer era tomar sorvete. Esperava que a dor no rosto de passasse com aquilo.
Mesmo assim, percebeu que ela sempre franzia o nariz quando abria a boca para tomar uma colherada do seu inseparável sorvete de banana.
- Esse sorvete é tão bom assim? – perguntou repentinamente, fazendo-a parar de boca aberta com o nariz franzido enquanto levava uma colherada à boca.
olhou para ele, como se não entendesse o motivo daquela pergunta óbvia. tentou continuar com um pequeno sorriso nos lábios enquanto observava o nariz levemente arroxeado da garota.
- Yep. – Ela respondeu simplesmente e esticou a colher até ele. – Você não vai se arrepender.
O garoto nem pensou duas vezes: aceitou a colher que ela estendia. Entretanto, foi com tanta vontade que acabou sujando a boca, pois a colher quase escapou desta. Rindo, colocou a colher de volta ao pote.
- Vem cá, ! Olha que sujeira você fez! – Ela se aproximou enquanto ele fazia o mesmo, rindo da própria estupidez.
No que começou a limpar a boca de , ambos pararam de rir e somente sorriam placidamente. Não esperavam que nada fosse acontecer, porém seus olhares se cruzaram. Quando isso aconteceu, a mão de escorregou até o rosto de e ele, não aguentando mais a situação, acariciou levemente o hematoma esmaecido no nariz da garota.
- Tem certeza que tá tudo bem? – suspirou, passando a acariciar a bochecha dela. somente sorriu levemente, tomando cuidado para não se machucar mais ainda.
- Tenho... Porque você tá aqui comigo. – A garota tomou a coragem de dizer, aumentando o sorriso ao ver como a declaração deixou os olhos de levemente surpresos.
Assim, ele teve certeza que o que queria fazer há tempos não seria uma surpresa para ela. se inclinou e grudou os próprios lábios nos de . A garota não esperava aquela reação, mas, após alguns segundos para processar o que estava acontecendo, relaxou as mãos e embrenhou os dedos nos cabelos de , surpreendendo a si mesma quando percebeu que tinha expectativas que aquilo acontecesse.
Quando partiram o beijo, notaram que o pôr do sol já lhes dava um tom alaranjado, pintando o céu como se fosse tinta aquarela. Sorriram um para o outro, começando a rir em seguida.
- Nós dois, hein? Quem diria! – comentou, fazendo-o rir mais ainda.
- Eu sabia que um dia você ia se render ao meu charme! – respondeu da maneira mais metida que conseguira, levando um tapa de leve no braço por conta daquilo.
O nariz de não doía mais e o sorvete tinha um gosto duas vezes melhor do que quando começaram a tomar. Observando-a enquanto a garota ria, conseguia pensar em somente uma coisa: ela não era a única sortuda por tê-lo conhecido. Ele também tivera muita sorte que caíra de paraquedas na sua vida.

Salto Alto
- Qualquer dia na sua vida que você duvidar que eu te amo, lembre-se do que estou fazendo agora. – A voz de surgiu de dentro de um dos provadores.
As atendentes da loja reprimiram risadinhas enquanto somente deu um sorriso convencido, cruzando os braços e recostando-se à poltrona em que estava sentado na loja fina que ambos se encontravam.
- Você precisa de uma roupa de formatura. Isso não é nenhum martírio. – Ele comentou, fazendo o máximo para segurar um riso. – Agora sai daí!
- Sabe... – E somente a cabeça da garota surgiu por entre as cortinas do provador. – Não sou eu quem faz questão de ir à formatura. É você. Do jeito que eu sou, a Sophie e companhia limitada vão me trucidar tanto que esse vestido caro que o senhor “sou rico e faço o que eu quero” quer comprar pra mim vai ficar em frangalhos em menos de cinco segundos.
- Bela explicação. – Ele respondeu com uma sobrancelha erguida, nem um pouco convencido com aquela argumentação. – Mas acontece que você é a minha namorada e, se alguém chegar perto, morre. Fim de papo. Além do mais, fomos os únicos da escola que conseguiram vagas para três faculdades na Europa. Precisamos chegar com estilo.
- Acho que já deu pra perceber quem de nós dois é a diva que gosta de causar, não? – perguntou para as vendedoras, que tiveram que se segurar mais ainda para não cair na gargalhada.
- Eu não gosto de causar. Gosto de viver de acordo com a minha grandeza. – corrigiu, finalmente se levantando da poltrona. – Agora quer fazer o favor de sair desse provador, mulher?
- Viu, já tá até ficando bravinho. – A garota respondeu, franzindo as sobrancelhas. Em seguida, suspirou, derrotada. – Ok. Mas eu tô sem salto, então a barra está arrastando muito no chão.
E ela sumiu entre as cortinas novamente. somente sorriu, pedindo para que uma das moças trouxesse a sacola que levara para lá anteriormente. Já tinha comprado o sapato de festa de , pois fizera a garota experimentar alguns, “de brincadeira”, em uma loja de marca e percebera que ela gostara muito de um modelo. Porém, como ela própria dissera, nunca compraria algo daquele estilo, pois jamais teria o dinheiro.
Então, ele voltou à loja no dia seguinte e comprou o bendito sapato. Simplesmente porque sabia que jamais pediria para que ele comprasse.
- Bom... O que você acha...? – Ela perguntou de uma maneira um tanto envergonhada, finalmente chamando a atenção de .
Era um vestido azul marinho, reto, com um racho até o joelho em uma das pernas e bordado do pescoço até os pés, cintilando como estrelas azuis e prateadas. carregava a saia para que não arrastasse muito no chão e tudo que conseguia fazer era encará-la.
- Se estiver tão ruim assim, você pode esquecer que eu não vou nessa festa! – A garota estava a ponto de sair correndo de volta ao provador e nunca mais sair de lá.
- ... Você está maravilhosa. – E estava quase babando.
Foi nessa hora que quase virou um tomate, de tão vermelha que ficou.
- Jura...? – E virou uma garotinha envergonhada. As vendedoras não conseguiam deixar de achá-los um casal maravilhoso.
- Juro. Agora vem cá... – Ele chamou e a garota foi até ele sem resistir. abaixou, segurou um dos pés dela, fazendo-a se equilibrar rapidamente, e colocou um dos sapatos que comprara, olhando para ela com um sorriso. – Gostou?
- Eu não acredito que você fez isso. – E estava mortificada.
- Fiz. Nem adianta discutir. – Ele deu de ombros e colocou o outro pé nela. – Você vai ficar linda.
Mas claro. Ela discutiu. Apesar de estar feliz como nunca.

Cinderela. Era assim que ela se sentia e assim que foi apelidada na festa de formatura. Ninguém conseguia acreditar que aquela garota que brilhava como a mais bela estrela do céu era ninguém menos que .
caminhava orgulhosamente com o braço entrelaçado ao dela. Fizera questão de colocar uma gravata da mesma cor do vestido de para que todos tivessem certeza de que eram um casal. No começo, a garota ficara com vergonha, porém, aos poucos – quando percebera que nada além das memórias que eles teriam sobre aquele dia iriam importar no futuro – essa vergonha se dissipou no ar, como neblina, até sumir completamente.
Portanto, quando foram chamados ao palco para receberem o prêmio de melhores alunos, a comoção foi geral.
Simplesmente porque era o primeiro ano em que dois alunos ganhavam o prêmio.
- Essa é uma rara situação em que duas pessoas se igualaram nessa escola. – A Diretora discursava com orgulho, tendo de um lado e de outro, ambos segurando o prêmio. – Os alunos trabalharam com esforço e alcançaram a excelência acadêmica. Atingiram um rendimento acima do esperado, o que é dizer bastante considerando o histórico de ambos. Tentamos avaliar quem era o melhor deles, porém não conseguimos chegar a uma conclusão. Ou melhor, conseguimos: e estão no mesmo patamar. Desejo nada além de sucesso e um caminho brilhante para os dois. Gostariam de dizer algumas palavras?
fez que não com a cabeça, sorrindo, esperando que fizesse o mesmo para finalmente poder descer do palco e curtir a festa do lugar mais discreto que conseguisse. Porém, ele fez que sim, deixando-a com uma cara de paisagem imediata assim que se aproximou do microfone.
- Creio que digo isso por mim e pela ... Queria agradecer aos professores por nos passar tantas coisas úteis e importantes para a vida, assim como à escola por nos disponibilizar a oportunidade de cursar faculdades de ponta no exterior... – dizia com um sorriso no rosto e somente aguardava, pacientemente, contendo as mãos gélidas de estar em cima do palco. –Podem ter certeza que vamos deixar esses prêmios em cima da nossa televisão para nos lembrarmos deles todos os dias quando alugarmos nosso apartamento para morarmos juntos quando formos à Europa para nos matricular na faculdade. Obrigado.
ficou boquiaberta enquanto várias pessoas aplaudiam e gritavam. Ela simplesmente não conseguia acreditar que ele acabara de anunciar para a escola inteira que os dois iam morar juntos. Não que aquilo não fosse verdade, porém preferia manter aquilo para si mesma e não despertar a fúria de ninguém na escola.
- Por que você fez isso? – A garota perguntou mortificada, logo que desceram do palco.
- Porque sim. Considere isso um retorno por tudo que fizeram com você durante esse ano. – piscou para ela, finalmente fazendo-a rir. Assim, deu um beijo na testa da garota. – Agora vamos curtir nossa formatura, Srta. Melhor Aluna?
- Mas é claro, Sr. Melhor Aluno! – respondeu e entrelaçou o braço no dele, sorrindo enquanto começavam a caminhar para a mesa com os comes e bebes.
Podia ser o fim da escola, mas, para eles, era apenas o começo de muitasaventuras.

tivera a sorte de ter com ele na Europa para ajudá-lo a fazer muitas coisas – que normalmente envolviam atividades do dia a dia, como pegar o metrô, cozinhar ou arrumar a casa – enquanto ela tivera sorte de estar com ele em outros aspectos – como realizar contatos dentro da Universidade, aprender a fazer compras, falar outras línguas ou se portar em eventos chiques da Faculdade.
Era evidente que um supria a fraqueza do outro.
Mesmo com todo o tempo morando juntos e estudando no exterior, e eventualmente voltaram ao seu país. Com um planejamento cuidadoso feito por ele – resultado de muitas noites mal dormidas de ambos e com ajuda do conhecimento adquirido por na faculdade de Administração – conseguiram comprar de volta o local onde ficava o café da avó de .
Com muita determinação da parte dos dois, e reformaram o local, juntos. Pegaram fotos antigas que a moça tinha e fizeram de tudo para tornar o café o mais próximo do original.
Após diversos dias e noites – assim como madrugadas – de trabalho árduo, lá estavam os dois, observando a fachada do café, um ao lado do outro, com segurando-a pela cintura e fazendo o mesmo com ele.
- Só precisamos de um nome... – Ela comentou, sorrindo placidamente, apesar das bochechas sujas de tinta verde. – Ficou lindo demais! Mas sou péssima com nomes...
- Já sei! – Ele respondeu como se tivesse sido atingido por um raio repentino. Ela o observou com curiosidade. – Eu sou seu amuleto da sorte, não? E você é o meu. Acho que “Lucky” é um nome mais que apropriado.
- Lucky... – repetiu consigo mesma, observando o local. Em seguida sorriu. – Sabe de uma coisa? Também acho! É melhor que “Banana Ice Cream”.
- Decididamente melhor que “Banana Ice Cream”. – respondeu rindo, fazendo-a rir também.
Assim, o mundo veio a conhecer o Café Lucky – lar do homem que tinha abandonado tudo para começar o próprio negócio, na cara e na coragem, e da mulher que sabia ler os clientes melhor do que qualquer livro que colocassem à sua frente. Era evidente que não teriam nada além de sucesso com aquela empreitada.
Enquanto conversavam animadamente e voltavam para casa a fim de tomar um merecido banho e tirar toda aquela tinta verde do corpo e dos cabelos, e nem imaginavam o sucesso que teriam e mal perceberam o quão longe tinham chegado.
Se parassem para pensar, porém, certamente não iam deixar de sorrir. Afinal, aquele dia em que o professor os chamara para a frente da sala a fim de pegar suas provas anunciando-os como melhores alunos e ambos trocaram olhares hostis fora o dia mais sortudo em suas longas vidas. Afinal, marcou o momento em que os dois finalmente se conheceram.
E, apesar dos olhares, não podiam negar: naquele dia, souberam que, de uma maneira ou de outra, estavam destinados a fazer grandes coisas juntos.


Fim.



Nota da autora: São 2h da manhã do feriado e eu FINALMENTE acabei de escrever. Dedicação 100%, a gente vê por aqui!
Hahahaha mas esse ficstape maravilhoso do dorama mais SUCESSO da vida não podia passar em branco na minha lista! Boys Over Flowers foi o primeiro que eu assisti e tem um lugar muito especial no meu coração! Preciso falar que, como eu e minha prima não sabíamos os nomes de ninguém no começo, demos apelidos. Só sabíamos o nome da Jan-Di, agora do F4... Eles eram: Psicopata, Roberto Carlos, Yakuza e Don Juan. Deixo para que vocês adivinhem quem era quem xD
Quis escrever uma fic que tivesse como sub-tema algo que acho muito importante de tratar: Bullying. Eu sofri bullying na escola e foi uma das coisas que mais me impactou em Boys Over Flowers, porque não sei qual é a mania das pessoas de esconder esse assunto debaixo do tapete e fingir que não acontece. No dorama é tão óbvio e escancarado que eu fiquei feliz de ter uma retratação decente. Sempre fiquei com orgulho da Jan-Di quando ela gritava pra todo mundo fazer pior do que já estava fazendo com ela, sem chorar na frente de ninguém. Mas a cena que mais me impactou foi quando o Gu Jun-Pyo resolveu carregá-la quando ela se machuca. Por isso temos uma cena semelhante aqui em Lucky! Não acho um sinal de fraqueza, mas é muito bom quando temos alguém para cuidar da gente. Podemos ser fortes, mas ninguém consegue ser durante 100% do tempo... É ótimo ter alguém em quem se apoiar.
Com Lucky, quis deixar uma coisa muito clara: sempre há esperança. Sempre vai haver aquela pessoa “anjo da guarda” que vai nos ajudar a passar por momentos difíceis e, o mais importante, esses momentos PASSAM. A escola não é tão importante assim e, depois que passa, é somente o começo de grandes coisas. O jeito é nunca desanimar e sempre manter a cabeça erguida, seguindo em frente. É isso que importa! Tenham sonhos e lutem pelo que vocês querem, independente do que o mundo faça ou diga.
Ok, a nota da autora já começou a virar autoajuda, então vou parar por aqui. Espero que tenham gostado de Lucky, tanto quanto eu gostei de escrevê-la! Fiquem à vontade para deixar comentários que eu tento responder o mais rápido possível. Obrigada pela leitura e beijos de kimchi!
Ah, e como é de praxe, segue minha página no Facebook para quem quiser ficar de olho nas minhas próximas fics e projetos. Espero vê-las por lá!
XX
Disclaimer: Essa história é protegida pela Lei de Direitos Autorais e o Marco Civil da Internet. Postar em outro lugar sem a minha permissão é crime.
Não gosto de falar essas coisas, mas como já tive problemas antes, acho bom deixar avisado. Nem tudo que tá na internet é do mundo, minha gente. Quer postar em outro site? Fala comigo! Eu não mordo! Hahaha a gente vê de me dar o crédito e linkar para o original aqui no FFObs! Só me mandar um e-mail ou pedir aí nos comentários!





Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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