Última atualização: 20/10/2021

Capítulo Único

fora pego de supetão em uma missão que tinha tudo para dar certo.
Quando menos esperava, porém, tinha um saco enfiado na cabeça, levara uma facada para garantir que não iria fugir e se encontrava em algum apartamento desconhecido, trancado em um quartinho, recebendo socos e pontapés de seus sequestradores quando estavam com vontade.
Raramente entendia o que estavam falando e, apesar de tentar, identificar os sons do lado de fora para se localizar era impossível. estava perdido e desnorteado, sem muitas esperanças naquele fim de mundo.
Permanecia de olhos fechados, ajoelhado no chão, tentando aguentar a dor. Já não sabia por quanto tempo ficara lá, mas devia ser um tanto considerável: se não se levantasse, ia perder o movimento das pernas, afinal, já estava sentindo os pés começando a ficar dormentes.

— Negociação? — Ele ouviu um dos homens falando em outro cômodo, gritando ao telefone. — Bom, diga a esses filhos da puta que não haverá negociação nenhuma! Ele é um homem MORTO! Ou vocês concordam com os nossos termos, ou mandamos só os pedaços dele pra casa!

Tudo aconteceu muito rápido para a mente de , desorientada e coberta por um saco de estopa, entender.
Ouviu um tiroteio literal começar no cômodo em questão. A porta fora derrubada, os tiros começaram a chover como água. Facadas, móveis se destruindo, paredes sendo atravessadas. Quando ele menos esperou, o silêncio tomou novamente o local e o saco foi arrancado de sua cabeça, deixando-o ver a luz do dia.
Piscando algumas vezes, ele identificou um uniforme de Operações Especiais. E, dentro desse uniforme, estava uma mulher que ele nunca vira antes.

— Quem…?
— O nome é . Estou aqui para salvar você, . — A mulher sorriu rapidamente de volta, cortando as amarras que envolviam os pés e mãos do soldado. — Consegue andar?
— Sim... Sim. Consigo. — Com isso, colocou os pensamentos de volta no lugar. Precisava reagir rápido e não podia ficar desnorteado como estava. — E o filho do Comandante…?
— Está seguro. Minha missão é te tirar daqui. — Ela respondeu categoricamente, dando uma pistola para . Ele somente a lançou um olhar rápido. — Não confio em te dar um fuzil no seu estado atual. Você está sob minha proteção e eu vou na frente. Estou em comando aqui. Entendido?
— Yep, entendido. — confirmou rapidamente, pegando a arma e as munições extras oferecidas para ela.
— Ok. Hora de ir. — Com isso, começou a andar na frente, com em seu encalço enquanto apontavam as armas para possíveis locais com inimigos. — QG. Encontrei o . Indo para local seguro.
— O pessoal do QG que te enviou pra me achar? — descia as escadas rapidamente com a mulher. Naquele momento, tinham que fazer tudo o mais rápido possível e não podiam parar para sentir dor ou qualquer outra coisa que fosse.
— Queriam que eu resgatasse o filho do Comandante, mas achei que trabalharia melhor com você. — respondeu rapidamente, agarrando pela blusa para que parasse de andar, assim como ela, quando chegaram a um hall de entrada do prédio abandonado em que se encontravam e ouviram vozes no outro cômodo. — Menos trabalho.

concordou com a cabeça. Poderia parecer menos trabalho, era verdade. Afinal, ele sabia atirar. Mas exatamente por ser um soldado, antigo mercenário reformado, seria extremamente bem guardado por dois motivos: primeiro, era uma enorme fonte de informações sobre virtualmente tudo que podia ser usado em combate; segundo, era uma ótima barganha contra o governo deles.

— Você... Fica. — apontou para ele, fazendo franzir as sobrancelhas.

A mulher atravessou o hall, entrando no próximo recinto já atirando nos alvos inimigos. Ao notar o que estava acontecendo, a desobedeceu imediatamente, seguindo-a para ajudá-la naquela situação.
Mas já matara três homens e estava lidando com os outros dois com uma facilidade descomunal. Uma facilidade que somente tinha naquelas situações.
Agora entendia o motivo de terem enviado para resgatá-lo.

— O que eu disse sobre ficar lá? — Ela perguntou logo que se livrou dos últimos homens e fez sinal para que ele a seguisse.
— Esse é meu trabalho também. Não vou te deixar levar todas as condecorações sozinha. — respondeu com um pequeno sorriso nos lábios, correndo até ela e saindo do apartamento.
— Você está ferido, não? — mal se virou para ele a fim de perguntar. Abaixara o fuzil agora que estavam na rua e com civis em sua volta. Todos olhavam para eles e desviavam, as mulheres escondiam suas crianças embaixo dos longos tecidos que usavam para cobrir a cabeça. — Se qualquer coisa der errado, não posso falar que a culpa foi única e exclusivamente dos seus ferimentos antes de te resgatar.
— Bom, sei que você deve estar contando com o fato de que tudo vai dar certo. — comentou rapidamente, vendo que se aproximavam de um carro velho e empoeirado. — Ou não teria se enfiado nesse fim de mundo pra me salvar.

Esperando uma resposta, se voltou para a mulher somente para encontrá-la sorrindo - como se ele a tivesse lido sem erro algum. Aquilo o fez sorrir de volta e ignorar uma dor aguda na perna. Aliás, como aquela dor tinha chegado lá?

— Bingo. — Foi a única coisa que ela respondeu antes de entrar no carro, seguida por no banco de carona.

E ele podia dizer com toda a certeza que aquela mulher dirigindo em rota de fuga era mais eficiente do que um piloto de Fórmula 1.

[…]

. Estou com , chegamos a um local seguro. Requisito extração no nosso ponto de localização. — Ela disse ao rádio assim que estacionaram em um local desolado que parecia um hotel abandonado no meio de toda aquela areia. — Coordenadas via satélite.
— Então... — respirou fundo, parecendo que retomava o fôlego. — Você é Operações Especiais?
— Yep. Eu que cuido das coisas quando vocês fazem besteira. — Ela respondeu casualmente, pegando mais armas no porta-malas e caminhando até o hotel abandonado. a seguiu sem questionar. — O que houve com a sua missão?
— Um dos nossos informantes era um agente duplo. — Ele balançou a cabeça, checando o hall de entrada junto com ela assim que adentraram o prédio. Tendo o local liberado, apoiaram a mala de armas no balcão empoeirado e continuaram a conversa enquanto checavam armas e munições. — Ele nos ajudou sim, mas passou todas as nossas informações pro pessoal que estava com o filho do Comandante. Quando chegamos na casa que foi indicada para a missão de resgate, era uma armadilha. Minha equipe morreu lutando ou tentando fugir e eles me capturaram, para me usar de informação e ter uma vantagem sobre a gente. Principalmente para...
— Negociar. É, essa parte eu tava sabendo... — suspirou, recarregando o fuzil. Teriam balas suficientes caso alguma coisa desse errado, pelo menos nas contas dela. — Eu fui enviada como negociadora.
— Olha... Não queria falar nada, mas pelo visto você é péssima nisso. — completou com uma breve risada, causando a mesma ração nela. — Mas é boa em extrações.
— Digamos que eu não fui enviada exatamente para negociar. — A mulher suspirou, apoiando-se no balcão ao lado de , ambos observando a areia entre as janelas do hotel e aguardando as próximas instruções. — O plano era tentarmos negociar e evitarmos as mortes. Mas já estávamos suspeitando que eles iriam querer forçar as demandas em cima de nós, então se não aceitassem negociar, era para invadir e te tirar de lá.
— Claramente eles não estavam interessados na negociação. — considerou e ela balançou a cabeça negativamente, dando uma pequena risada.
— Claramente. — concordou com um murmúrio, seguido de silêncio.

O silêncio, entretanto, foi para ouvir o barulho de um motor se aproximando pelo céu. Pegando o rádio, já ia se comunicar, mas recebeu uma resposta antes que pudesse falar qualquer coisa.

— Enviamos um helicóptero na sua localização. Ele deve chegar em menos de um minuto.
— Ok. Avise o pessoal que o ponto de extração será o telhado. — respondeu brevemente e, com um breve soco no braço de , pegaram as armas e subiram rapidamente as escadas.

Novamente, a perna dele deu aquela fisgada de antes. Mas estava muito ocupado para se preocupar com o que seu corpo queria lhe dizer.
Chegando ao telhado, foram logo atingidos pela ventania feita pelas pás do helicóptero. acenou para o piloto, que começou a rodeá-los e preparar o pouso, a fim que pudessem entrar e sair daquele inferno.
Mal sabiam eles que o inferno somente estava prestes a começar. Quando menos esperaram, o rabo do helicóptero foi acertado por um míssil, criando uma explosão de fogo e fazendo os destroços voarem para todos os lados. e se abaixaram - ele fez de tudo para conseguir protegê-la dos pedaços de metal quente que voavam no entorno - e, após a queda do helicóptero, somente lançou um olhar a , indignada.

— Quem foi que o Comandante irritou dessa vez?! — A mulher se levantou rapidamente somente para ver dois carros chegando, repleto de homens e crianças armadas. — Eles têm um lança-mísseis!
— Vamos. — concordava com o questionamento dela, mas a palavra “lança-mísseis” imediatamente acendeu um sinal vermelho na mente dele. — Precisamos sair daqui.

Segurando-a pelo pesado colete à prova de balas, praticamente arrastou para fora do telhado o mais rápido possível: tinham que alcançar o carro, pois aquela seria a única chance de sobreviverem àquele dia.

— Vou na frente! — Ela imediatamente se colocou antes de assim que chegaram ao hall de entrada. Com a perna fisgando novamente e a dor começando a aumentar, ele nem reclamou. Era bom que fosse na frente e comandasse a missão, exatamente como fora enviada para fazer. — Quando chegarmos lá fora, você corre pro carro e eu dou cobertura até dar partida, ok?
— Ok. Chaves! — Com isso, a mulher jogou as chaves para ele e ambos saíram do hotel, com dando cobertura a enquanto ele corria até o carro.

Ela nem parecia piscar quando a torrente de balas se iniciou. Com correndo, focado somente em entrar no carro, a mulher não desviava os olhos dos homens armados que atiravam neles e nem ficava com medo de levar um tiro: o objetivo era protegê-lo, então ficaria na frente de o tempo que fosse preciso até que o carro estivesse pronto.
E não demorou muito. precisou tentar somente três vezes até aquele motor cheio de areia dar partida.

— Vamos! , entra! — Ele gritou imediatamente, batendo no braço da mulher para que ela parasse de atirar e seguisse com o plano.

abaixou a arma e correu, por sorte, não levando nenhum tiro no processo. Dentro do carro, acelerou o máximo que pôde, fazendo algumas manobras para levantar areia e causando o cessar fogo. Assim que viu a oportunidade, passou entre os jipes de guerra que os cercaram e pisou no acelerador para puxar o motor daquele carrinho encrencado ao máximo.

... Ei, ! — franziu as sobrancelhas após olhar para ela. — Seu braço está sangrando!
— Eu sei, continua dirigindo! — Ela checava a distância dos jipes no que sobrara dos espelhos do carro. — Depois pensamos nisso, temos problemas muito maiores agora!

De fato, tinham mesmo. Despistar dois jipes não seria fácil e precisaria utilizar todas as habilidades das quais tinha conhecimento.
Por isso, quando se aproximaram de um mercado lotado - agora com os gritos de diversas pessoas pegas de surpresa pelo carro em alta velocidade - ele teve a ideia mais genial que podia para o momento.

— Ok. Prepara para pular!
— O quê? — franziu as sobrancelhas, pega de supetão. Porém, após processar por alguns segundos, entendera o que ele queria fazer. — Ok!
— E... — se preparou, segurando a trava da própria porta, no que fez o mesmo. Ele não parava de dirigir e parecia querer colocar mais pressão ainda no acelerador para que o carro não parasse. — Agora!

e pularam do carro ao mesmo tempo enquanto este somente continuava seu trajeto desgovernado para encontrar um fim explosivo em uma banca de panelas de cobre. Mercadorias e pedaços de carro explodiram para todos os lados, pessoas tentaram se proteger como puderam daquele acidente tão estranho.
correu até , ajudando-o a se levantar do chão com dificuldade. Ele já tinha marcas visíveis no rosto e sangue escorrendo da testa e cotovelos. Parecia que as pernas estavam fracas, então ela deu o apoio que ele precisava para permanecer em pé, enquanto observavam brevemente a explosão.

— Isso deve nos dar um pouco mais de tempo. — murmurou, no que concordou com a cabeça. — Vamos. Antes que alguém nos encontre.

Ele não sabia para onde estava indo. Mas, naquele pouco tempo de convivência, podia concluir que qualquer lugar que o levasse estaria bom.
Sendo assim, deixou-se guiar, apoiado nos ombros de para conseguir andar. Sua perna fisgava cada vez mais e, quando finalmente descansassem, talvez poderia entender o motivo.

[…]

— Podemos confiar nessas pessoas? — já tinha sido traído pelo informante que o fizera perder toda a equipe e acabar daquele jeito. Não estava muito certo em confiar em outros seres humanos que não os que estivessem vestindo os uniformes deles.

Mas o levou para uma pequena casa, na qual conversara com uma mulher e foram recebidos como se fossem família. Levados para um quartinho nos fundos do segundo andar, observaram o sol se pôr entre os tons azulados do início da noite. já retirava o colete à prova de balas e ainda relutava.

— Podemos. — Ela suspirou, estalando o pescoço e franzindo as sobrancelhas ao passar o colete pelo braço que sangrava. — Salvei a vida do marido dela uma vez. Eles me devem uma.

concordou com a cabeça, guardando a própria arma com relutância. estava se saindo melhor do que a encomenda, ele tinha que admitir aquilo. Não podia deixar de observar aquela mulher com admiração.
Definitivamente, diferente de todas as pessoas que já tinha conhecido na vida.

— Você realmente é Operações Especiais, não? — Ele comentou com um breve sorriso nos lábios, sentindo uma dor aguda no lado esquerdo do corpo ao começar a tirar o próprio colete. — Nossa própria Mulher Maravilha.
— Eu tento. — respondeu com o mesmo tipo de sorriso nos lábios, mas parecia ao mesmo tempo orgulhosa e sem jeito com o elogio.
? — Uma voz masculina ecoou do lado de fora do quarto, fazendo imediatamente apontar a arma em um reflexo. Um homem barbudo e de olhos gentis entrou e sorriu imediatamente ao ver a mulher. — Ah, minha esposa disse que você estava aqui! É tão bom te ver bem!
— “Bem” é relativo, Farid. — Ela respondeu com um sorriso simpático, abrindo os braços para cumprimentá-lo em um abraço. abaixou a arma. — É bom te ver novamente.
— Queria que nos encontrássemos em circunstâncias melhores. — Farid respondeu olhando-a nos olhos durante alguns segundos, mudando a atenção para em seguida. — Ele deve ser quem deu início a toda essa confusão, não?
— Eu mesmo... — suspirou, guardando a pistola. Apesar de poder deixá-la sobre a cômoda mais próxima, escolheu prendê-la na cintura. Por mais que dissesse que podiam confiar, não queria abaixar a guarda. Não após tudo que acontecera. — Queria que tudo tivesse sido mais fácil.
— Assim como todos que vivem para passar esses momentos de agonia como eu e você. — Farid comentou de uma maneira sábia, repousando uma das mãos no ombro de . — Mas não nos cabe escolher. Com quem vocês se meteram dessa vez?
— Não sabemos, Farid. Mas aparentemente essa pessoa tem um bom controle da cidade, pois conseguiu enviar dois jipes com homens e crianças armadas até com um lança-mísseis para nos explodir nos ares. — apoiou as mãos na cintura, tentando se lembrar do máximo de detalhes. — E explodiram nosso helicóptero, sem se preocupar se a polícia iria aparecer ou não, portanto devem ter um bom controle da polícia, pelo menos aqui... A maioria tinha o rosto coberto por panos e camisetas velhas, mas lembro de ver uma tatuagem bem mal feita de duas armas se cruzando, algumas palavras que não consegui ler e três estrelas em cima, como um emblema...
— A estrela do meio maior do que as estrelas laterais...? — Farid perguntou de volta e imediatamente concordou com a cabeça. O homem ficou lívido, limpando um pouco de suor da testa e balançando a cabeça. — Vocês realmente se meteram em uma confusão enorme dessa vez.
— Por quê? Quem são eles? — se adiantou, franzindo as sobrancelhas. Tinha informações sobre as pessoas com quem estavam lidando, mas, se foram passadas erroneamente para a equipe dele, não era surpresa que foram massacrados assim que chegaram ao resgate. — Pelas nossas informações, são uma milícia bem organizada de cunho religioso, formada para a liberação do país com métodos terroristas. Era para isso que tínhamos nos preparado.
— Eu tenho pena de você e da sua equipe. De coração. — Farid tocou o peito, lançando um olhar triste para . — E pena também de você por não saber onde estava se enfiando. As informações que lhes passaram estão erradas. Vocês estão lidando com o maior grupo de traficantes de armas desse país. São extremamente organizados e utilizados pelo governo. A polícia possuí acordos com eles e trabalham juntamente. Eles mandam em todo esse território e ninguém se atreve a se opor às vontades deles. Traficam morte: balas, armas, crianças para combate, mulheres... Tudo para manter o negócio deles funcionando. Não há nada de ideológico: a ideologia deles é o dinheiro e o poder. O respeito. Qualquer um que quebre isso, como vocês, é esmagado que nem um inseto para que demonstrem à cidade toda quem é que manda. Vocês já estavam mortos a partir do momento em que pisaram nesse país.

e permaneceram em silêncio. Aquilo era sério: as informações que tinham eram fornecidas pelo pessoal da inteligência — ou seja, alguém traíra a confiança deles e passara informações erradas. Alguém de dentro. Havia um traidor no meio do time deles, dando ordens às equipes, e não sabiam quem era.

— Ok. Prioridades... — começou a pensar alto, suspirando enquanto esfregava a testa. — Precisamos dar um jeito de sair daqui.
— Ok. Eu tinha um jipe em um ponto estratégico próximo à fronteira pronto para nos tirar daqui quando tivéssemos concluído a missão. — começou a pensar rapidamente. Se não resolvessem aquele problema logo, corriam o risco de morrer. — Se dermos sorte, ainda estará lá.
— Podemos tentar. Nada é garantido, mas já é algo. — A mulher considerou, concordando vagarosamente com a cabeça.
— A esse ponto, já devem ter colocado um alerta sobre vocês em cada fronteira da cidade. — Farid alertou antes que aqueles dois pudessem tomar qualquer decisão idiota. — Fiquem de olho. Se forem tentar atravessar as fronteiras, tomem muito cuidado. O controle que eles têm sobre a região não deve ser subestimado.

e franziram as sobrancelhas, ambos encarando o chão enquanto pensavam. Realmente, a situação era muito pior do que esperavam.

— Pensem durante a noite. Vocês estão machucados e cansados, então cuidem dos ferimentos e descansem. — O homem suspirou, caminhando até a porta a fim de deixar o quarto. — Amanhã será um novo dia com novas perspectivas. Quanto mais permanecerem em silêncio, mais tempo darão para que eles se confundam e percam o rastro de vocês. Será uma vantagem.

Com isso, Farid deixou-os sozinhos novamente. deu um suspiro audível.

— Que bela confusão a gente foi se enfiar, não?

Aquilo fez dar uma risada. Nem ela esperava um pouco de humor numa situação daquelas, mas ainda bem que conseguira aliviar o momento - tinha a impressão de que iria sufocar naquele quarto.

— Ele está certo. Precisamos dar um tempo e pensar. — A mulher comentou, suspirando em seguida. — Como você está de ferimentos?
— Já estive melhor, com certeza. — nem queria tirar a blusa para ver o tamanho do estrago, mas sabia que teria que fazer aquilo eventualmente. — Mas não vou morrer e te deixar sem mim nessa missão suicida.
— Ótimo. Já estava desesperada de ter que passar por tudo isso sozinha. — Ela respondeu de maneira sarcástica, fazendo-o rir.

Contra a própria vontade, gemeu baixinho ao passar a blusa preta pela cabeça e liberar o torso do material sujo de sangue e suor. olhou para ele imediatamente e não conseguiu deixar de franzir as sobrancelhas em choque: tinha hematomas de diversas cores e tamanhos, principalmente arroxeados quase negros com bordas amareladas; bem como um grande machucado sangrando no lado esquerdo que não fora coberto pelo colete. Nas costelas, o hematoma era maior e mais avermelhado, com uma parte levemente afundada que só podia indicar um osso quebrado.

. — Ela chamou, fazendo-o virar a cabeça enquanto respirava fundo. Ambos estavam perdendo a descarga de adrenalina dada por seus corpos, fazendo-os sentir dor novamente. E, realmente, doía muito mais do que ele achara que estava doendo inicialmente. — Senta. Eu cuido de... Bom, tudo isso aí.
— Obrigado, mas consigo...

Antes que ele pudesse terminar de falar, porém, rolou os olhos e apontou para a cama, claramente sem querer ouvir qualquer palavra que fosse nas linhas de “consigo cuidar de mim mesmo”. Com um pequeno sorriso, enquanto abaixava a cabeça, obedeceu: se fosse sincero consigo mesmo, estava cansado demais para ter que fazer tudo sozinho.

— Se você não se importar, eu vou precisar de ajuda também. Então estaremos quites. — se enfiou no banheiro, voltando logo em seguida com um copo cheio d’água e bandagens que levara consigo em um dos vários bolsos da roupa de combate. Agora sem o colete, parecia muito menor do que julgara inicialmente.

Apesar daquilo, tinha a constituição forte e não parecia se incomodar com muitos machucados. Limpou rapidamente o sangue de , descendo as mãos para o lado esquerdo do corpo dele - que tinha que admitir: estava incomodando mais do que esperava.

— Vou ter que apertar. Preciso entender o que aconteceu aqui, aparentemente... — Ela terminou a frase murmurando, apertando levemente o hematoma mais evidente. gemeu e abaixou a cabeça, controlando a respiração. — Yep. Você quebrou uma costela.
— Que bom. — Ele respondeu ironicamente, dando um sorriso sem humor para ela. — Bom, me enfaixa e depois lido com isso. Não é hora de ficar chorando por causa disso, não...?
— Não. — concordou com um pequeno sorriso. Ouvira que era destemido e aguentava firmemente qualquer tipo de situação, mas ver que aquilo era verdade certamente a deixava mais contente. — Ok, vou fazer o que dá pra enfiar as coisas no lugar por enquanto. Se ficar muito ruim...
— Acho que você deve ter alguns remédios pra dor no seu bolsinho mágico. Se ficar muito ruim, vou precisar de alguns e a gente continua em frente. — respondeu decididamente, fazendo-a concordar com a cabeça. — Aliás, minha perna...
— Aparentemente, você levou uma facada há um tempo para te impedir de fugir. — mal deu tempo para que ele terminasse de falar, enquanto enrolava a bandagem em volta do corpo de . — O que realmente deixa impressionante o fato de você ter corrido comigo durante todo esse tempo.
— O que a gente não faz pra se salvar, não? — Ele suspirou de volta, abaixando os braços assim que ela terminou o trabalho com a bandagem. voltou a atenção para a perna dele, passando uma pomada que levara para emergências na pele que aparecia pelo rasgo da calça preta de , enrolando a coxa dele na bandagem em seguida. — Todo o pessoal de Operações Especiais é bom assim com curativos?
— É o mínimo que temos que saber. — Ela deu de ombros, amarrando as pontas da última bandagem. — Ou é isso ou morremos. Acho que a escolha é óbvia.
— Você podia ter dado aulas pra minha equipe. Alguns poderiam ter sobrevivido se fossem bons como você. — balançou a cabeça, passando uma mão pelos cabelos. — Não entendo como fomos pegos de surpresa desse jeito. Juro que quando achar o desgraçado que nos deu a informação errada, vou acabar com a raça desse sujeito.
— Hmmm, então... O buraco é mais embaixo, . — considerou silenciosamente por alguns segundos. — A informação veio do gabinete do Comandante. Como o resgate é do filho dele, o homem fez questão de dar todas as informações e ficar no cangote de qualquer pessoa que estivesse envolvida nessa missão.

franziu as sobrancelhas, um tanto confuso com aquela informação. Se estivesse certa - e ele não tinha motivos para duvidar do que ela dizia - o próprio Comandante repassara somente as informações que o interessava, enviando as equipes para uma chacina certa naquela cidade controlada por todos que queriam acabar com a vida deles.

— Ou seja... O Comandante... — começou a pensar em voz alta, olhando para logo em seguida. — Tira sua blusa, minha vez de cuidar de você.
— O Comandante está metido em algo que não sabemos. — A mulher concluiu a frase dele, trocando de lugar com . Enquanto estava em pé, tirou a blusa com cuidado para não sentir tanta dor nos músculos que começavam a retesar. Sentando-se na cama, tomou o lugar dela com os aparatos curativos. — Ele não é da minha unidade, então não sei exatamente o que pode...

Imediatament,e a expressão no rosto de clareou como se ele tivesse entendido tudo que estava acontecendo. Embebendo os algodões em água, começou a limpar o sangue do rosto de .

— Ele é da minha unidade. Adivinha qual o lugar em que foi lotado nos últimos cinco anos? — Ele deixou a resposta no ar, descendo o algodão pela clavícula da mulher.
— Aqui. — Ela respondeu como se fosse óbvio, fazendo-o concordar com a cabeça.
— Aqui. E por algum motivo, ele sempre conseguiu pagar as viagens mais caras, melhores escolas, fundo de universidades, casas, comprar e alugar apartamentos... — Ele suspirou, ajoelhando-se no chão enquanto se ocupava do machucado no braço de . — O seu Comandante consegue pagar por tudo isso?
— Definitivamente, não... — balançou a cabeça, como se fossem muito idiotas e só agora tivessem entendido tudo. — Você acha que ele está envolvido com o tráfico?
— Não sei, não posso dizer nada com certeza... — deu de ombros, preparando as bandagens para ela. — Mas por que essa cidade sempre foi tomada por esses caras? Por que eles comandam tudo, vendendo armas desde à polícia até às milícias internas? Por que a gente tem a informação de que eles são só uma milícia extremista pela libertação do país? Toda a inteligência que temos sobre esse lugar está equivocada e quem comandava todas as missões...
— Era o Comandante. — A mulher franziu as sobrancelhas assim que ele apertou a bandagem contra o machucado para assentá-la melhor. — Se você estiver certo, , não existe força nesse Universo que consiga nos tirar vivos daqui.

Ela tinha razão. sabia daquilo. Realmente, a partir do momento em que a missão dele fora por água abaixo e fora capturado, eram como cadáveres ambulantes - morrer era somente uma questão de tempo. Não sabiam por quantos dias teriam que ficar lá, tentando achar uma saída, e teriam que lutar para escapar. E, talvez, não tivessem como escapar.

— Existe sim. A nossa força. — sorriu para ela. — Não vamos conseguir sozinhos, mas...
— Se estivermos juntos, talvez tenhamos uma chance. — completou, fazendo-o concordar com a cabeça. — Ok. Amanhã a gente pensa melhor em algo então.
— Ok. Agora, eu vou precisar ver embaixo do seu top nas costas, tem um machucado bem ruim no seu ombro direito. — Ele deu leves tapinhas para que ela se virasse na cama e ele tivesse acesso às costas da moça. não reclamou, fazendo o que pedira. Afastando a alça do top preto, franziu as sobrancelhas ao encontrar um hematoma agressivo, com alguns arranhões sangrando. — Olha, você escapou por um triz de deslocar seu ombro.
— Hmmm, é por isso que tá doendo tanto. — respondeu com as sobrancelhas igualmente franzidas. — Consegue segurar com a bandagem?
— Consigo, mas você vai ter que tirar uma parte do top e me ajudar com a parte da frente. Prometo que fico atrás de você. — Dizendo isso, se sentou atrás da mulher, que tirou as alças do top logo em seguida. Abaixando-as, logo coordenaram que ele seguraria as bandagens atrás, entregando nas mãos de assim que ela tivesse que as passar pelo peito, a fim de prender fortemente a bandagem no lugar. — Amanhã é bom você tomar alguns remédios antes de atirar. Senão, quando a arma recuar...
— Não se preocupa, eu estou bem. Consigo lidar com isso daqui. — Ela suspirou de volta, estalando levemente o pescoço para ajeitar a bandagem com os movimentos.
— Eu sei que você consegue. — murmurou para si mesmo, dando um pequeno sorriso de admiração. Estava contente que, de todas as pessoas na equipe, enviaram para ajudá-lo naquele inferno. — Prontinho. Pode colocar de volta.

Ele deu um tapinha leve nas costas dela, fazendo-a colocar as alças do top com cuidado para não doer tanto. passou alguns segundos sentado na cama, somente observando-a.

— Qual é sua cor favorita? — Ele perguntou repentinamente. se virou para ele com as sobrancelhas franzidas, puxando a camiseta para colocá-la novamente.
— Azul. Por quê?
— Não sei. — suspirou, dando de ombros e olhando para o chão em seguida. — A minha é vermelho.

Durante um tempo em silêncio, contemplava o que estava fazendo. Talvez não saíssem vivos de lá, ou somente um deles sobrevivesse. Se tivessem que morrer, seria mais fácil com alguém que conheciam. Se só um deles sobrasse, seria melhor se o outro o conhecesse. A morte era muito melhor quando não se estava entre desconhecidos.

— Eu gosto bastante do inverno... — começou a contar de maneira silenciosa. — Mas tem alguma coisa nas flores da primavera que me deixa muito feliz. Falo que não, mas secretamente gosto de ir na praia, principalmente pra passar tempo no mar. Também leio bastante e odeio ficar na academia, prefiro dançar pra fazer exercícios. Comecei a trabalhar pra tentar ajudar as pessoas com as habilidades que tenho.
— Olha, odiar academia e trabalhar na nossa área é muito incompatível. — considerou, fazendo-a rir. — Eu gosto de academia. Passo bastante tempo lá, acho que é porque meus amigos e as pessoas que me conheciam falavam que eu não passava de um moleque fofinho. Imagina só quando apareci assim depois do meu treinamento, todo mundo mordeu a língua. “Fofinho” é a mãe. — Ele balançou a cabeça, fazendo-a rir de maneira audível. Mas percebeu que havia algo de fofo no sorriso de . — Gosto de verão, mas também tem algo de confortável no inverno. Se posso escolher, prefiro viajar pro campo em algum lugar quieto que eu consiga relaxar... Também gosto de dançar, mas minha atividade preferida é cantar. Posso passar horas cantando.
— Olha só. Se tivéssemos nos conhecido em outras circunstâncias, seríamos um bom par nos karaokês da equipe. Eu sou imbatível sempre que me disponho a cantar com a galera do trabalho. — deu uma breve risada, empurrando de leve com o ombro para não machucar tanto ela quanto ele.

sentiu um certo aperto no coração ao ouvir aquela frase. De repente, desejava que a tivesse conhecido em outra circunstância, de outra maneira. Talvez em outra vida, mas qualquer coisa que não fosse aquela desolação em que se encontravam. Mal tinham a possibilidade de saírem vivos juntos de lá e começava se questionar o motivo de não a ter encontrado antes.

— Depois daqui, temos que ir em um karaokê. — Ele comentou meio ausente, fazendo-a concordar com a cabeça.

Porém, antes que conseguisse responder qualquer coisa, Farid entrou no quarto com pressa, lívido, como se tivesse visto um fantasma.
E ambos sabiam que algo estava errado.

— Eles estão vindo. — Farid falou baixinho, fechando a porta com cuidado. — A minha cunhada estava com a minha esposa quando vocês chegaram. O marido dela tem um acordo com esse grupo e dedurou, falando que estávamos mantendo vocês aqui para entregar a eles. Ela acha que está nos fazendo um favor.
— Merda! — balançou a cabeça com raiva, levantando-se imediatamente. já tinha as armas em mãos.
— Tranca sua mulher e seus filhos no seu quarto. — Ela disse imediatamente e Farid nem questionou, saiu correndo pela casa para fazer exatamente o que ela tinha dito.
— O quê...?
— Se descobrirem que ele tava nos ajudando de verdade, é a família dele que fica em risco. — explicou terminando de se preparar, pronta para pegar o colete. a ajudou a colocá-lo assim que viu que ela estava com dificuldades para levantar o braço com a bandagem, sendo que Farid voltou logo que terminaram de se aprontar. — Desculpa por isso.
document.write(Alice) deu um soco em Farid, espantando tanto o homem quanto . Com a base da pistola, bateu novamente em Farid, machucando-o até ver um pequeno veio de sangue na cabeça do amigo.

— Desculpa. Desculpa mesmo. — Os olhos dela estavam repletos de dor enquanto guardava a pistola e ajeitava o fuzil na mão. Farid somente deu um sorriso compreensivo para ela.
— Obrigado. Agora vão embora, antes que...

Nesse momento, entretanto, ouviram a campainha da casa de Farid. Sem uma palavra, pegou os pulsos do amigo e, com um pano manchado de sangue no quarto, amarrou-o contra o pé da cama mais próxima.

— Vão. Eu vou começar a gritar logo. — Farid respondeu assim que olhou para ele. — Muito obrigado. Agora vão.

Segurando pelo colete, correu com ele até a janela a fim de pularem. Mais abaixo, conseguiam ver o telhado da casa vizinha e, com um impulso, pulou antes, sendo seguida de . Silenciosamente, os dois seguiram pelo telhado até Farid começar a gritar, pedindo por ajuda e falando que eles haviam fugido.

— Eu podia ter dado a surra nele. — comentou silenciosamente, caminhando abaixado juntamente com . Ao ver uma pessoa suspeita, empurrou a cabeça dela para baixo, agachando-se ao lado da mulher logo em seguida.
— Ele é meu amigo. Fiz isso para acharem que lutamos com ele e escapamos. Não ia deixar esse tipo de coisa nas suas mãos. — respondeu sem muitas emoções, apesar de incomodada pelo que acabara de fazer.

deu um pequeno sorriso, sem perceber. Se deixassem, aquela mulher dominaria o mundo sozinha.

— Ok... — Checando novamente os arredores, ele estendeu a mão para ajudá-la a levantar, sem colocar muita força no ombro machucado. — Vamos.

[…]

— Para onde iremos agora? — perguntou enquanto tentavam andar casualmente pelas ruas noturnas nas quais mal circulavam pessoas. As maiores aglomerações eram em bares e clubes noturnos, o que eles evitariam a todo custo.
— Sinceramente... Não faço ideia. Farid era meu último contato de confiança por aqui. — suspirou, tentando esconder o fuzil embaixo de um pano longo que roubara para envolver o rosto e o corpo dela, como a maioria das mulheres fazia por lá. Ele mesmo tinha o rosto parcialmente coberto por outro pano que roubara juntamente com o dela. — Se o Comandante está envolvido em tudo isso, nem os contatos no QG podem nos ajudar. A não ser que o pessoal envolvido na nossa extração seja completamente isento da corrupção do Comandante, mas não conseguimos ter certeza.
— Precisamos tentar achar uma rota de fuga da cidade. — Ele tentou organizar as ideias, caminhando casualmente e tentando não levantar suspeitas. — Se todas as vias por terra são problemáticas, será que temos alguma por água? Algum rio que saia da cidade ou algo do tipo?
— Talvez. Mas não acredito que conseguimos achar algum barco pra nos tirar daqui. — A mulher franziu as sobrancelhas. — Precisamos ir por terra mesmo.
— Então, de noite é o melhor horário para tentar atravessar. — concluiu, no que ela concordou com a cabeça. — Qual a nossa distância da fronteira mais próxima da cidade?
— Não sei, precisaremos de um mapa. Ou um GPS, o meu era o QG e não quero ligar meu rádio para que tenham a nossa localização. — mostrou o objeto para ele, fazendo-o torcer o nariz levemente.

Olhando em volta, percebeu que estavam perto de alguns bares - algo que podiam tirar algum proveito no momento. Pensando por breves segundos com as sobrancelhas franzidas, ele abriu os bolsos para tentar contar quanto dinheiro ainda tinha sobrando.

— Por favor, me fala que você veio pra cá com mais dinheiro do que eu.
— Vim. Por quê?

A próxima coisa que estavam fazendo era entrar em um bar abraçados, trocando risadinhas e olhares cúmplices como se fossem namorados de longa data. As pessoas presentes naquela noite nem se importaram, mal notando a presença de ambos. Se tivessem entrado como dois soldados, chamariam toda atenção do mundo para si - mas, daquela maneira, era possível terem alguma chance.
e ficaram alguns momentos próximos ao balcão, conversando como se estivessem flertando. Estavam fazendo reconhecimento da área, a fim de ter certeza que ninguém os seguira e não estavam em perigo. Após alguns momentos, chamou o barman.

— Cara, será que você pode me ajudar? — Ele perguntou assim que o homem se aproximou, sorrindo juntamente com ele. — Estamos de passagem por aqui e resolvemos fazer uma parada pra descansar. Só que o amor da minha vida perdeu nosso GPS, será que você sabe me indicar o caminho pra fronteira mais próxima daqui?

O homem olhava para ambos de maneira suspeita, enxugando um copo. Sabendo que a história não estava colando, tirou o dinheiro dele e de do bolso da calça e colocou sobre a mesa.

— Claro, sua ajuda será mais que recompensada, meu amigo. — Com uma piscadela de , o homem imediatamente começou a rir, pegando o dinheiro e colocando no bolso.
— Vocês dois se enfiaram em alguma merda, por um mero acaso? — O homem perguntou e ambos deram de ombros. — Bom, amigo, tenho um mapa por aqui. Já venho.

e esperaram em expectativa sem dizer uma palavra enquanto o homem se demorava a buscar o tal mapa. olhava discretamente em volta enquanto tamborilava impaciente no próprio joelho.

— Ele está demorando, não...? — Ela perguntou em um murmúrio, exteriorizando o que estava pensando. Em uma cidade comandada pelo tráfico, esperavam todo e qualquer tipo de perigo, principalmente que todos tivessem sido avisados para capturarem ambos.
— Aqui, desculpa a demora. — O homem reapareceu com uma caneta em mãos, tirando a tampa com os dentes e estendendo o mapinha sobre o balcão. — Vocês têm que vir pra cá. Acho que estão de carro, então não vão sofrer: dois quilômetros nessa direção e conseguem atravessar a fronteira. Se derem sorte, ainda encontram algum hotel aberto para abrigá-los, ou terão que dormir no carro.
— Ah, obrigado! — pegou o mapinha, observando durante alguns segundos. — Já nos ajudou bastante. Até!
— Até mais. — O homem deu um sorriso ambíguo enquanto ambos se distanciavam abraçados, deixando o bar.
— Acha que podemos confiar nele? — perguntou com uma sobrancelha erguida, soltando-se de assim que atingiram a esquina.
— Não sei. É o que você disse, ele demorou demais. Pode ter avisado a alguém para onde estamos indo. — Ele torceu o nariz, observando o mapa e o lugar marcado pelo homem. — Mas não vejo muita escolha.
— É... Também não. — Ela suspirou, segurando o fuzil com mais força por baixo do tecido. — Ok. Vamos até lá medir o tamanho do nosso problema.
Concordando com a cabeça, continuou a caminhar. Dois quilômetros era um bom caminho a se fazer a pé.


[…]

— A gente pode tentar dar a volta pela parte que não está guardada. — sugeriu, apesar de não dar muita confiança às próprias palavras.

Estava deitada com no telhado de um pequeno prédio de três andares, ambos usando a mira do único rifle de precisão que tinham disponível como binóculo. Já tinham feito diversas rotas e desistido de todas elas pelo alto nível de periculosidade e pequena chance de sucesso.

— Não tem nenhum lugar que não está guardado. — suspirou, apontando dois pontos específicos para ela. — Aquelas construções são as últimas e o resto é deserto. Se tentarmos sair sem nada, estamos em um local plano descampado, que será extremamente fácil para nos dar um tiro. Se aquelas árvores ali estivessem mais perto, poderíamos tentar usar de cobertura, mas o caminho para corrermos até lá é muito longo.
— Qualquer sniper com um bom rifle consegue nos acertar no primeiro terço do caminho, não importa quão rápido corrermos. — Ela franziu as sobrancelhas, incomodada. Não era possível chegarem até lá somente para morrerem na praia.
— Não chegamos a cogitar uma possibilidade... — jogou no ar, atraindo o olhar atento de . — Você pega uma daquelas motos ali. Eu distraio o pessoal e você passa.
— E você morre. — concluiu, fazendo concordar com a cabeça. — Esquece. Eu não vou te deixar pra trás.
— Mas...
Esquece, . Se for pra você morrer, eu morro junto. Não vou te sacrificar pra salvar minha própria vida. — Ela respondeu incomodada. — O que te faz pensar que eu valho mais do que você? Todos nós temos nossos lados obscuros e somos pessoas que “talvez não valham a pena”. Mas, no final, todo mundo vale a pena. E eu não valho mais ou menos que você.
— É, eu percebi... — suspirou secretamente contente, passando uma das mãos pelos cabelos. — Desde que você me achou lá naquele apartamento abandonado nesse fim de mundo.

deu um pequeno sorriso, abaixando a cabeça. Questionava-se o motivo de somente ter conhecido naquela situação.

? Ei, ? Tá na escuta? — O rádio dela repentinamente chiou com a interferência, fazendo com que ambos quase dessem um pulo no lugar.
— Alô, ? Sim, na escuta! — começou a checar o aparelho, notando que acidentalmente havia ligado novamente.
— Ainda bem! Você tá viva! — Ele falava mais baixo, suspirando de maneira audível assim que ouviu a voz dela. — Fiquei sabendo do que aconteceu! Ouvi uma conversa do Comandante no telefone e ele estava preocupado com a situação de vocês dois, falando algo sobre serem “alvos altamente perigosos que precisavam ser eliminados imediatamente”. O está OK?
— Yep. Aqui, vivo. Por enquanto. — Ele respondeu com um suspiro. Afinal, não sabiam se viveriam tempo suficiente para ver o sol nascer novamente.
— Ótimo, ótimo! Olha, eu ouvi a conversa dele e hackeei a base de dados do gabinete do Comandante... E o computador dele. Vocês não sabem o que eu achei.
— Ele comercia e protege o maior representante de tráfico de armas da região. — concluiu e ela praticamente podia ouvir a expressão de completo desaforo de .
— Ok. Não tinha como você saber dessa antes de mim. Eu descobri tudo sozinho, mulher! Como assim? — estava claramente indignado, fazendo com que e dessem uma pequena risada naquela situação fora de série.
— Nós concluímos isso quando um amigo da nos disse que não estávamos lutando contra uma milícia organizada. — explicou rapidamente. — Mas o que mais você achou?
— Achei documentos que comprovam tudo isso. Ligações, recibos de transações... Tudo. Na verdade, o Comandante foi bem burro de guardar tudo no computador. — respondeu da maneira inteligente de sempre. — É por isso que tô falando baixo. Se souberem que eu sei de algo, é meu cadáver no fundo do mar hoje.
... Você consegue nos tirar daqui? — perguntou imediatamente. — Precisamos denunciar o Comandante. Eu e somos testemunhas, você traz os documentos. Se nos entregar tudo, falamos que achamos e você não precisa ter medo de irem atrás de você.
— Não quero deixar tudo nas costas de vocês...
. Esse filho da puta acabou com a minha equipe inteira, fez com que eu fosse sequestrado, torturado e agora estamos eu e a quase morrendo tentando sair desse pesadelo com vida. — falou em um tom baixo e sério. — Eu quero acabar com esse desgraçado.

respirou fundo. não falaria mais nada, porque concordava com cada palavra de . Estavam vivendo aquela fuga desenfreada desde o dia anterior e era tudo culpa do Comandante e sua avareza desmedida. Ela faria de tudo para derrubá-lo daquele cargo e vê-lo atrás das grades.

— Ok. Ok... Sim, consigo tirar vocês daí. Tenho um helicóptero, que estava pronto para a extração de vocês mais cedo. Posso falar que consegui contato e o helicóptero demorará dez minutos para chegar até vocês, pelo que estou vendo aqui... — Após essa frase, ficou algum tempo em silêncio, pensando. — Invariavelmente, vou ter que compartilhar a localização de vocês. Não tenho tempo pra pedir sigilo para os superiores, principalmente com a acusação contra o Comandante como justificativa. Assim que eu compartilhar a localização de vocês, esperem o maior dos infernos nas vidas de vocês, porque qualquer pessoa pensante nessa cidade vai querer matá-los.
— Nossa recompensa está tão boa assim? — riu sem humor nenhum, mas concordou veementemente.
— Dez milhões para cada um. Eu diria que é um bom número.

Em silêncio, e pensaram mais um pouco, precisando somente trocar um olhar para saber qual era a resposta que dariam. Afinal, era a única esperança que tinham sobrando.

— Onde é melhor para o helicóptero nos pegar, ? — finalmente perguntou.
— Te enviei as coordenadas. Assim que chegarem lá, me avisem pra que eu acione o helicóptero e compartilhe a sua localização. Ok?
— Ok. Câmbio. — respondeu e assim terminou a conexão de rádio. — Vamos achar um lugar em que podemos nos defender e depois avisamos da nossa posição.
— Era o que eu ia falar. — sorriu brevemente. — Acho que grandes mentes pensam parecido, não?
— Exatamente. — Assim, estendeu a mão para ajudá-la a se levantar e saírem do prédio, em busca de um novo lugar em que pudessem se defender enquanto o helicóptero não chegava.

Apesar de tudo, aquela era a única esperança que tinham. E lutariam até a morte, se precisassem.

[…]
— Quer ligar para o ? Tá tudo pronto aqui. — apontou para a janela na qual preparara o próprio fuzil e alguns lança-granadas.

Encontraram um apartamento vazio e resolveram usá-lo de ponto estratégico. O helicóptero pousaria em uma praça aberta logo à frente deles, com terreno grande suficiente para fazer seu pouso. tinha preparado o o rifle de precisão, deixando o fuzil e o lança-granadas com . A intenção era que ele fizesse o estrago à curta distância enquanto ela cuidaria dos tiros à longa distância. Em duas janelas diferentes, de costas para a entrada barrada por um enorme armário abandonado, tinham perfeita visão de 180° do futuro ambiente hostil. Alguns carros passavam pela rua e, sabiam que quando aquilo se tornasse uma zona de guerra, seria exponencialmente difícil atravessar para alcançar o helicóptero.

— Ok. — Puxando o rádio, respirou fundo antes de apertar o botão para abrir a comunicação. — . Estamos prontos. Pode mandar o helicóptero.
— Ok, . Ele vai pousar na praça, vocês já estão com tudo pronto?
. Eu sou Operações Especiais, isso é pergunta que se faça?! — se fingiu de indignada, erguendo uma sobrancelha enquanto reprimia uma risada.
— Dá próxima vez, mando o negócio sem nem perguntar. — balançou a cabeça, digitando rapidamente.
— Tomara que tenha uma próxima vez. — comentou silenciosamente a mesma coisa que havia pensado.
— O helicóptero já está a caminho. Como eu disse, tomem cuidado, porque agora... — voltou ao seu tom profissional de sempre. Podia tentar evitar aquele assunto, mas não conseguiria.
— Estamos por nossa conta e risco. Sabemos. — concordou vagarosamente com a cabeça. — Obrigada, .
— Se precisar de qualquer coisa que eu possa fazer, é só me chamar. — Ele comentou pela última vez antes de desligar, sentindo-se completamente impotente naquela situação.

Com o rádio desligado, e passaram a observar a rua, atentamente. permanecia sentada em sua cadeira enquanto apoiava na mesa ao lado dela, cruzando os braços após ajeitar as luvas de combate negras nas mãos. Os tons mais escuros da noite já começavam a dar espaço para o azul cada vez mais claro do horário entre a madrugada e o nascer do sol. Aos poucos, a rua era cada vez mais iluminada.
e aguardavam como se estivessem no meio de uma corda bamba. Qualquer movimento em falso e poderiam cair - mas estavam prontos para lutar. Não se entregariam e fariam de tudo para manter o outro vivo. Lutariam juntos e sairiam de lá juntos.

— Eu gosto de cookies também. — disse repentinamente, fazendo olhar para ela. — Se sairmos daqui vivos, você pode me dar alguns de presente por salvar a sua pele.
— Se sairmos vivos, eu faço seus cookies. — Ele respondeu com uma breve risada. — Eu gosto de bolo com sorvete.
— Já comeu bolo de sorvete? — Ela ergueu uma sobrancelha, somente observando a expressão de pura admiração no rosto dele.
— Existe essa coisa maravilhosa? — No que perguntou, ela confirmou com a cabeça. — Nossa. Ok, se sairmos daqui, você me ensina a fazer isso.
— Fechado. — sorriu para , porém aquela reação não durou muito tempo. Após alguns segundos, a mulher retomou a expressão séria, ouvindo com mais atenção. - , você...
— Yep. Barulhos de motores e pneus em alta velocidade. — Ele se aproximou da janela a fim de tentar enxergar o que estava se aproximando. Apesar disso, não conseguiu divisar nada. — E pode me chamar de .
— E você pode me chamar de . — Ela respondeu tão séria quanto ele, atenta a qualquer movimento de .

Aí que ele viu o que se aproximava, despontando no horizonte como os quatro cavaleiros do Apocalipse.

— Quatro jipes, cada um com pelo menos cinco pessoas armadas. Provavelmente, há crianças envolvidas. — Ele deu um soco fraco no braço dela que não estava machucado a fim de que tomasse posição.

A mulher se manteve sentada na cadeira, porém debruçou sobre o rifle, já se preparando para mirar, o dedo próximo ao gatilho. foi para a própria janela, pegando o fuzil nas mãos e deixando o lança-granada a postos.

— Vamos lá, . A missão “Bring The Pain On” está pra começar. — respirou fundo, fazendo-a dar um pequeno sorriso.
— É um bom nome pra uma última missão suicida, . — E logo os carros entraram no campo de visão de , armados de metralhadoras acopladas aos jipes. — Vamos lá, garotos. Bring the pain on.

Respirando fundo, os dois se prepararam para a primeira rajada de balas de metralhadora que irromperam pelo ar de uma manhã que ainda nem tinha sido agraciada pelos raios dourados do sol.
Aproveitando a munição limitada do lança-granadas, aproveitou para incendiar e causar explosões em um dos dois jipes munidos de metralhadoras.

— Boa, ! — comemorou, sem tirar os olhos da mira do rifle de precisão. Tentava focar e acertar nos motoristas dos jipes, na esperança de que batessem e causassem acidentes entre eles mesmos. — Menos quantos?
— Três baixas, dois caras saíram do jipe com fuzis! — respondeu rapidamente, mirando nos homens que se aproximavam e acertando tiros. — Retificando, cinco baixas! Quantas por aí?
— Duas! Motorista do jipe parado mais próximo e o cara que estava atirando com a metralhadora! — rebateu enquanto recarregava o rifle. — Vou tentar desabilitar a metralhadora!
— Quer que eu tente? O lança-granadas tem mais três de munição!
— Não! Guarda, pro caso de eles terem um lança-mísseis! — fez um sinal com a mão e, focando friamente em sua missão, conseguiu um tiro certeiro que enguiçou a metralhadora, tornando-a completamente inútil.
— Boa, ! Metralhadoras fora de jogo! — comemorou enquanto se aproximava da janela com o fuzil para acertar os homens que tentavam entrar no edifício. — Tenta segurar os caras de trás pra não entrar no prédio!
— Lança-mísseis! — anunciou, fazendo-o procurar imediatamente pela arma em questão. — Pode deixar, eu derrubo o cara!

Com um pouco de mira estratégica e sangue frio, deu um tiro certeiro, impedindo que o míssil fosse lançado. já ia comemorar com a moça, mas algo em seu canto de visão o fez voltar a atenção para um garoto que não tinha mais de dezessete anos apontando uma enorme arma para eles.
Um lança-mísseis prestes a ser disparado.

! CUIDADO! — correu o mais rápido que podia, puxando para o chão junto com ele e praticamente cobrindo a mulher com o corpo quando as janelas explodiram com o míssil lançado.

Sentiram o calor da explosão atingir os corpos e as laterais do rosto enquanto se protegiam como podiam. caíra com um baque no chão, o ombro direito latejando tanto que ela quase tinha certeza que tinha deslocado daquela vez. mal podia sentir as costelas: o osso quebrado estava se manifestando e logo ele sabia que não conseguiria levantar mais.

— Você tá bem? — perguntou enquanto se ajoelhava, puxando para que a mulher se levantasse.
— Sim. Vai ser difícil pra atirar, mas estou OK. — Ela fez sinal positivo com a mão, levantando com a ajuda de . Ele imediatamente retesou com a dor nas costelas. — Tudo bem, ? Precisa de alguma coisa?
— Não. Minha costela, tá doendo mais do que eu esperava. — Ele fechou os olhos com força e respirou fundo. — Mas vamos, eles já devem estar vindo por nós.

Falando isso, ouviram passos e gritos subindo pela escada do prédio. pegou o pesado rifle na pressa e preparou o fuzil nos braços, ambos retirando o armário que usaram para bloquear a porta.
— Vamos atravessar a praça e tentar abrigo no monumento do outro lado? — perguntou para se certificar e confirmou com a cabeça.
— Vem atrás de mim. Eu sirvo de escudo, você pode apoiar o peso do cano do rifle no meu ombro. — Ele indicou enquanto se abaixava para ficar em uma altura boa para . — Bom?
— Ótimo. — O rifle não pesava tanto quanto esperava e o braço dela podia aguentar mais peso. apoiou a mão livre nas costas dele, enganchando os dedos no colete à prova de balas. — Vamos.

Confirmando com a cabeça, derrubou a porta com um chute, os inimigos ainda não tendo alcançado o andar deles. Com um sinal rápido da parte dele, pegou uma de suas granadas e jogou escada abaixo, caminhando rapidamente com pela rota de fuga: uma saída de emergência na lateral do prédio com uma escada de metal que certamente iria se destruir por nunca ter sido utilizada.
tirou a arma do ombro de , deixando-o descer livremente enquanto ela o seguia. Realmente, o peso da arma era maior do que o braço machucado dela poderia aguentar.

! Espera! — Com o grito repentino da parte dela, parou de correr e pôde novamente apoiar a arma no ombro dele. — Não se mexe.

Ela nem precisava pedir. Com a mira impecável, derrubou um homem que apontava de maneira certeira a . Batendo de leve nas costas dele, voltaram a fazer o caminho descendo as escadas.

— Prepara pra atirar mais, porque agora eles sabem de onde estamos vindo! — nem precisava dizer, mas queria fazer mais para proteger . Infelizmente, a única coisa que tinha disponível no momento era aquilo.

Apoiando o pesado rifle nos próprios braços, estava pronta para voltar a atirar. Quando chegaram à rua, correram para utilizar um carro de escudo assim que as balas começaram a chover neles.

— Consegue falar com o ? — perguntou somente para, em seguida, levantar-se rapidamente e dar mais alguns tiros, derrubando outros homens no processo.
! Quanto tempo falta pra esse helicóptero chegar?! — gritou para se ouvir por cima dos tiros, assustando do outro lado da linha.
— Dois minutos! Preciso que vocês segurem dois minutos!
— Ok, podemos esperar na praça! — acenou com a cabeça, fazendo correr até outro carro, escondendo-se atrás do mesmo. Ele foi logo em seguida atrás dela. — Vamos até aquele jipe...
— Depois o carro do outro lado da rua... — Ela continuou o pensamento.
— E depois rezamos pra que dê a porra dos dois minutos e o helicóptero chegue. — sorriu rapidamente para ela, fazendo com que espelhasse a reação. — Ok. Pronta?
— Pronta. — Ela acenou rapidamente com a cabeça. — Vamos!

Dessa vez, porém, não o agarrou pelo colete. Em um reflexo nem um pouco prático, a mulher segurou a mão de , correndo com ele até o jipe e se escondendo atrás do veículo que queimava - anteriormente atingido pelo lança-granadas. Ouviam as balas atravessando a lataria e os pneus, ameaçando atingi-los.
grunhiu, sentindo a dor das costelas ficar cada vez pior. Tentava manter-se são e focado na missão, mas os machucados tornavam aquilo cada vez mais difícil. respirava de olhos fechados, esperando que o recuo da arma não a machucasse muito quando atirasse.

— O carro. Vamos? — segurou a mão de , mas, antes que pudessem fazer qualquer coisa, um dos homens dera a volta e quase acertou as mãos de ambos.
mirou imediatamente nele, descendo os tiros. saiu da cobertura do jipe, somente para achar mais três homens se aproximando. Ajoelhando no chão para ter mais estabilidade, atirou no primeiro, acertando um tiro na coxa. Sabendo que ela estava exposta, correu para logo se colocar de pé atrás da mulher e ajudar a atirar nos homens restantes. Enquanto recarregava o rifle, resolveu abandonar o plano anterior e fazer um rápido reconhecimento da área: os inimigos não estavam agindo como esperado e andar de maneira linear seria somente um problema para eles.
Mas, quando ela finalmente se levantara após terminar de carregar, viu que fora encurralado por dois homens e lutava a socos e chutes para conseguir um bom ângulo a fim de atirar e acabar com as vidas deles. Nesse processo, levou tiros e, assim que ela tinha uma boa visão para atirar em um dos homens, percebera que havia outro pronto para acabar com ela.
teve que se defender como pôde, largando o rifle no chão e usando a pistola para matar o homem. E, quando se voltou novamente para , viu que mais homens haviam chegado para dar uma surra nele. lutou de maneira destemida e, antes de conseguir matar o último, levou tantos golpes que caiu junto com o homem que matara.

! — correu até ele, vendo que a queda não fora em vão: um homem escondido dera um tiro em . A mulher descarregou desnecessariamente três tiros para matar aquele infeliz, utilizando mais dois mesmo após vê-lo morto no chão. Guardando a própria arma, arrastou para trás de um carro, aonde poderiam ter um pouco mais de cobertura.

Ele estava cansado. Extremamente cansado. Colocara-se naquela situação e não podia reclamar, afinal, somente estava fazendo seu trabalho. Mas tinha dias que não sabia se voltaria vivo. E, talvez, o dia dele tivesse chegado.

. , levanta. — A voz de soava um tanto distante e ele não conseguia abrir os olhos. — , não faz isso! Levanta!

As mãos dela seguraram as alças do colete de com força, colocando-o de joelhos, como se estivesse embriagado. Os olhos de se abriram vagamente, enquanto ele tentava falar algumas coisas. Não conseguiu notar as lágrimas que escorriam pelo rosto de .

— Estamos quase lá. , não desiste agora! — Ela tentava levantá-lo do chão, mas era pesado. Muito mais pesado do que ela estava acostumada a carregar.

se sentia envolto por sombras e escuridão. A voz de era somente um eco. Os braços e pernas perderam a energia e o colete pesava demais no corpo dele. Aliás, todo o corpo de pesava. Ele aguentaria? Conseguiria continuar andando? Talvez o melhor fosse ficar para trás e dar uma chance para escapar.
“Eu não valho mais ou menos do que você”. Todos tinham suas sombras. Todos tinham suas vidas. Todos tinham o direito de dizer que não estavam bem, de gritar de cansaço - como ele queria fazer naquele momento. Mas isso não indicava que tinha que desistir.
Abrindo os olhos, encontrou chorando; o rosto sagrando enquanto gritava para ele resistir e se colocar de pé novamente. Gritando que estavam quase lá. estava lá. Sangrando junto com . Ela o encontrara no meio daquele inferno e estava sangrando, como ele. Com ele.

— Eu te disse... Não vou te deixar sozinha nisso. — murmurou com certa dificuldade, respirando fundo e voltando a focar o olhar decididamente. — Juntos conseguimos sair dessa. Não separados. Não é?

No que ele perguntou, abriu um grande sorriso - decididamente belo demais para aquele lugar.
Vendo um homem mirando uma arma para ela no mesmo momento, conseguiu juntar o restante de energia que tinha em seu corpo e, levantando-se de uma vez, abraçou contra o próprio corpo e atirou no homem à distância - mais do que ciente de que poderia levar um tiro por ela. E levaria se fosse preciso.
— Você é muito mais forte que eu... — comentou, cansado, colocando em sua frente e voltando a correr com a moça pela rua, já tão próximos da praça. — Mas vamos fazer isso juntos.
— Exatamente, . — Com isso, passou um dos braços dele pelos ombros e começou a suportar metade do peso dele com o próprio corpo, a fim de ajudá-lo. — Juntos. Vamos!

Como um raio de esperança, ouviram o barulho das pás do helicóptero contra o céu. sinceramente achou que ia chorar naquele momento. O veículo chegou com ventania, distraindo os homens que ainda sobravam naquela zona de guerra.

! ! — Um homem gritou na lateral do helicóptero, a equipe descendo logo que o veículo pousou na parte mais aberta da praça, começando a troca de tiros com os homens que se escondiam atrás dos jipes. — Venham! Vamos levar vocês para casa!

segurou com mais força, fazendo com que ele conseguisse correr para atravessar a rua. Ele teve certeza de que, em alguns momento, a mulher efetivamente o carregou para que conseguissem ir com mais rapidez. A poucos metros do helicóptero, soltou , que fez questão de entrar antes para ajudá-la a subir no veículo.
E foi nesse momento que um dos homens acertou um tiro em , fazendo-a cambalear pelo chão da praça.

— NÃO! — A adrenalina no sangue de foi tão forte que, enquanto o homem que chegara para o resgate matava o homem que atirara em , desceu do helicóptero para ajudá-la a levantar imediatamente. — ! Levanta, ! Estamos quase lá, não me faça carregar você!
— Estou bem, não vai precisar me carregar, exagerado...! — A mulher respondeu com um grunhido, passando a mão pelo ombro que sangrava profusamente. O mesmo ombro que estava machucado anteriormente, no único lugar que o colete puído não conseguia proteger. — Droga.

Era muito sangue, sabia daquilo. não sabia de onde ele tirara forças para levá-la até o helicóptero, mas praticamente a carregou para ajudá-la a entrar no veículo. Os homens que ajudaram no resgate voltaram para o helicóptero e o mesmo levantou vôo enquanto tentava estancar o sangue de e a mulher aproveitava a paz de finalmente poder descansar, nos braços de .

— Respira fundo. A gente vai conseguir sair dessa, lembra? — Ele perguntou silenciosamente, dando um pequeno sorriso entre toda aquela sujeira, sangue e suor. — Bring the pain on.
— Lembro, , lembro... — suspirou, concordando com a cabeça. — Bring the pain on.

Ela segurou uma das mãos ensanguentadas de . E ele não podia soltar.

****


Não, a primeira coisa que fizeram juntos quando se recuperaram daquele inferno não foi ir ao karaokê. Foi pegar todos os documentos em posse de e iniciar um inquérito de responsabilidade que, muitos meses depois, resultara na condenação do Comandante. e ficariam eternamente marcados por ele e pelos colegas dele, mas assumiram aquele risco constante para fazer a coisa certa.
A segunda coisa que fizeram, entretanto, foi ir ao karaokê. Era a primeira vez que via arrumada, completamente diferente daquela mulher prática e de roupas pesadas na missão de resgatá-lo - mas não menos incrível. Cantando lado a lado com , não podia negar: desde que ela o encontrara, passar por qualquer coisa com aquela mulher era muito mais fácil do que passar por tudo sozinho.

— A pizza vai chegar logo! — anunciou, olhando o tempo de entrega no celular e ocupando-se logo em seguida de organizar um pouco a mesa que usava para trabalhar. Ele e tinham decidido começar uma investigação por conta própria a respeito da cidade em que quase morreram: afinal, alguém precisava atualizar as informações repassadas erradas durante cinco anos. — Se ainda estiver no banho, vou comer inteirinha sem você!
— Por isso falei pra pedir uma só pra você, seu gordo! — A voz dela ecoou de volta da fresta da porta aberta no banheiro, fazendo-o sorrir, observando um papel com calma.

Era uma foto tirada por um dos membros da equipe de extração. carregava pela rua, atravessando freneticamente para alcançar o helicóptero, quando ele quase desistira. “Bring the pain on”, esse era o nome que ele dera à missão. Um grito de guerra para trazerem a dor, afinal, eles podiam aguentar e atravessar qualquer coisa.
E podiam mesmo. Não estavam oficialmente morando juntos, mas passava por volta de cinco dias no apartamento de - e, quando não era ele quem estava lá, ela quem ia para o apartamento dele, durante os ditos cinco dias.
No canto da foto, conseguiu ver que escrevera um pequeno recado, como um lembrete de tudo que viveram logo que se conheceram: “encontre-me e sangrarei com você”. Aquilo o fez sorrir.

— Olha só você, perdidamente apaixonado na nossa foto. — ouviu a voz de atrás de si, sentindo um beijo no topo dos cabelos logo em seguida enquanto a garrafa de cerveja que segurava era retirada de suas mãos.
— Sabe, tem cerveja pra você na geladeira. Muito melhor que essa cerveja pela metade. — ergueu uma sobrancelha, levantando-se para seguir pelo apartamento, Era hora de parar de trabalhar.
— Acabei de sair do banho, não quero ficar na frente da geladeira pegando friagem. — deu de ombros, lançando um pequeno sorriso por cima dos ombros. — Além de que a sua cerveja sempre é mais gostosa.

Ela gostava de provocar, sabia daquilo. Observou-a alguns segundos enquanto iam até a cozinha a fim de pegar os pratos - os cabelos molhados penteados para trás, uma larga blusa cinza, as pernas nuas e os pés descalços. Era somente isso que usava e não podia deixar de achá-la linda - muito mais do que quando estava toda arrumada quando iam sair. Ele a conhecera da maneira mais natural de todas, portanto vê-la em seu estado normal sem o desespero de saírem vivos era algo impagável para .
Aquilo fez com que ele se aproximasse de , repousando as mãos na cintura da mulher e puxando-a para perto, até sentirem o calor do corpo do outro. Ela desistiu imediatamente de pegar os pratos, erguendo uma sobrancelha quando enterrou o rosto no pescoço dela, sentindo o aroma do sabonete de lírios.

— Você é sempre tão maravilhosa... — Ele disse de maneira abafada, apoiando a cabeça no ombro dela em seguida. — Seja assim, seja arrumada pra sair, seja suja de sangue no meio do combate.
— Se a sua intenção é me cantar, ... — suspirou, olhando para ele em seguida, encontrando os grandes olhos atentos de . — Só vou te dizer que está funcionando.

sorriu de volta, apertando o abraço e beijando o pescoço da mulher, subindo os lábios até a base da orelha.

— Fico feliz que foi você quem me salvou daquilo lá. — Ele disse baixinho, como um segredo que só ela podia ouvir. — Não sei se teria sobrevivido se fosse com qualquer outra pessoa. Mas sobrevivi com você. “Encontre-me e sangrarei com você”, quase tão bom quanto “bring the pain on”.
— Ainda acho “bring the pain on” melhor. — deu uma breve risada, virando-se nos braços de até ficar de frente para ele. Enlaçando os braços em torno do pescoço de , ficou levemente na ponta dos pés para se aproximar mais do rosto dele. — Mas você esqueceu um detalhe também, .
— Ah, é? — Ele ergueu uma sobrancelha, um sorriso convencido escondido no canto dos lábios. — O quê?
— Você também me salvou. Quando segurou minha mão enquanto eu sangrava naquele helicóptero.

Dizendo isso, mal deu tempo para que corasse. Puxando-o mais para perto, juntou os lábios aos dele, no que correspondeu imediatamente, empurrando-a até a bancada da cozinha.
e foram forjados no mesmo fogo: tudo que sabiam era continuar caminhando - correndo ou até se arrastando - mas lutar para sobreviver. Quando se conheceram, porém, aprenderam algo muito diferente, que acendera um novo tipo de fogo em seus corações.
A vontade de lutar para viver.




Fim!



Nota da autora: Com inspirações em filmes e jogos de sobrevivência e guerra, essa foi ON.
A ideia original era totalmente diferente, mas peguei um dia inteiro pra desenvolver um mini plot que achei que podia dar certo e cá estamos com ON completa.
Espero que tenham gostado! Muito obrigada pela leitura e pelos comentários, prometo responder assim que possível! Como esse ficstape talvez seja meu último, deixo aqui um grande agradecimento para todo mundo que me acompanhou durante esse tempo e uma despedida que pode ser definitiva ou não. Muito obrigada pelo apoio! XX
Kah

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Não gosto de falar essas coisas, mas como já tive problemas antes, acho bom deixar avisado. Nem tudo que tá na internet é do mundo, minha gente. Quer postar em outro site? Fala comigo! Eu não mordo! Hahaha a gente vê de me dar o crédito e linkar para o original aqui no FFObs! Só me mandar um e-mail ou pedir aí nos comentários!

Nota da Beta: Eu quase não consigo colocar em palavras o quão ENTRETIDA eu fiquei nessa história, desde a primeira palavra escrita, nossa! É, realmente, aquela leitura "que prende", sem mencionar o fato de que a gente se apaixona pelos personagens. Meu coração quase se contorcia com o Kook e com a Alih, sério, Kah! A típica FIC que a gente passa dias e mais dias relembrando, sentindo o sabor doce do final feliz. <3
PS: eu seria uma pessoa muito feliz com uma continuação HAHA assim, só falando... ><

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