Capítulo Único
Estava mais frio do que ela esperava. Mais frio do que a previsão do tempo esperava também, já que seu celular marcava pelo menos cinco graus a menos do que o estimado para aquela noite.
já havia trocado a blusa de gola alta por um cardigan e o cardigan por um sobretudo. Ainda não estava satisfeita. Talvez fosse exagerado demais, quente demais. Ao mesmo tempo, conhecia a si mesma bem o suficiente para saber que não costumava deixar passar qualquer oportunidade de tremer de frio por aí e ouvir dizendo como tinha avisado que ela deveria ter colocado algum agasalho mais grosso. Era praticamente um ritual constante em suas vidas e ela já estava acostumada a girar os olhos com bom humor para ele.
Naquela noite, a lã batida teria que bastar sobre seus ombros.
Arrumou seus cabelos mais uma vez, escolhendo uma porção de fios anteriores para jogar por cima dos ombros, permitindo que eles caíssem em um quase cacho que emoldurava o pescoço longo. Retocou o rímel pela terceira vez, pensando em como seus cílios poderiam estar prestes a endurecer e cair se ela cedesse, mais uma vez, à sua ansiedade exageradamente perfeccionista.
Era, de certa forma, tosco e terno que ainda se sentisse tão nervosa depois de um ano de casamento e alguns outros de relacionamento antes disso. Mas era esse o efeito que continuava causando nela dia após dia, mesmo depois de todo aquele tempo.
E ela se lembrava de cada detalhe da primeira vez em que colocou os olhos nele. Com seu terno cinza claro e a camisa branca com os dois primeiros botões já abertos depois de alguns drinks, o sorriso dele a tinha feito derreter de imediato. ergueu a taça de champagne borbulhante, propondo um brinde bem humorado, e foi naquele momento que ela finalmente pôde dissolver sua curiosidade, descobrindo que o homem era o primo de Samuel, o noivo.
Samuel que tinha a mesa ao lado da sua no escritório e tivera a sensibilidade e a consideração de convidá-la ao seu casamento, mesmo conhecendo-a há pouco, já que havia se mudado para a cidade há menos de um semestre. Samuel a quem ela sempre seria eternamente grata por ter desempenhado, com o momento mais feliz de sua vida, a oportunidade a ela de conhecer o amor da sua própria.
Quando ela arranjou um motivo para se aproximar da mesa de canapés só porque ele estava lá, escolhendo um para si, sorriu da forma mais simpática e charmosa que sabia. elogiou o vestido, dizendo que a cor havia ficado linda nela.
Ela riu das piadas dele, que eram - quase todas - realmente divertidas. Ele quis ouvir suas histórias sobre a família no interior e os irmãos - ou ao menos soube fingir interesse com maestria. No fim das contas, tudo o que importava era que ele havia saído daquela celebração com o número dela no celular e havia decidido pular os joguinhos e discá-lo já no dia seguinte.
Eles estavam namorando antes mesmo que se dessem conta. O pedido veio apenas para formalizar um carinho e uma exclusividade que haviam crescido com a naturalidade do próprio desenrolar de uma vida.
Mas soluçou de tanto chorar quando chegou o de casamento, adornado com um anel brilhante em uma caixinha aveludada e todo o amor que ela não cansava de ver nos olhos de . Já estava dando pulinhos no lugar antes mesmo que ele pudesse terminar de se ajoelhar por completo. Disse sim tantas vezes que chegou a repassar a cena em sonhos - e talvez tivesse aceito o pedido neles mais dezenas de vezes, flutuando entre as nuvens do céu.
Os meses que se sucederam foram atribulados em um turbilhão de tarefas, mas divertidos na mesma medida. Os dois tinham levado uma semana completa só para ajeitar o próprio calendário e pensar na melhor forma de cumprir as horas obrigatórias de serviço semanal para poderem decidir juntos as questões de decoração, bolos, convites, comida e quaisquer outros problemas que viessem a aparecer.
A única coisa que havia feito sem tinha sido escolher seu vestido de noiva. Ela nem era apegada a superstições ou crenças antigas; só queria que aquele detalhe pudesse ser uma surpresa para ele. Queria poder ver em cada mísero movimento da expressão de seu rosto toda a emoção que só aquele momento poderia trazer. E ela tinha que admitir que chorou tanto quanto ele. E agradecia ao maquiador por ter usado somente produtos amplamente testados e garantidos quanto a seu caráter à prova d’água.
O bolo tinha sido de chocolate - o favorito dele - com morangos - o favorito dela. Eles dividiram o primeiro pedaço e duas taças de champagne da forma mais cafona e clichê que um casamento poderia pedir. Depois, dançaram a noite inteira, lembrando-se casualmente, vez ou outra, que não estavam sozinhos ali e várias outras pessoas estavam presentes para compartilhar daquela felicidade que parecia imensa demais para caber no peito.
se lembrava de cada instante com um sorriso doce, enquanto girava a aliança de ouro em seu anelar esquerdo, sentada no banco de trás de um táxi. Era incrível, no sentido mais puro e literal da palavra, que já estivessem um ano à frente daquele dia.
Pagou ao motorista o dinheiro correspondente à corrida e desceu em direção ao ar gelado, inspirando pesadamente a massa densa noturna enquanto olhava para a fachada do restaurante que havia escolhido. Não poderia ser outro. Tinha que ser exatamente o lugar que tinha assistido ao seu primeiro encontro, vendo-os dar risadas tão altas que assustaram os clientes ao seu redor pela inconveniência pouco costumeira em um lugar tão chique e refinado quanto aquele.
Ela deu os poucos passos que faltavam até a porta, empurrando-a e sentindo o aquecimento da temporada ruborizando seu rosto pelo contraste imediato de temperaturas. Permitiu que a porta se fechasse sozinha, vendo em sua frente o homem mais incrível do mundo, em seu melhor terno, usando - e ela não precisava nem se aproximar para saber - seu perfume favorito.
sorriu, sentindo os olhos em uma alta de lubrificação ao receber o buquê de astromélias, a representante botânica da amizade eterna. Selou seus lábios aos de , em uma prece silenciosa para que as flores estivessem certas e ele fosse sempre seu melhor amigo.
— Feliz aniversário - ele sussurrou, apertando-a em seus braços.
— Feliz aniversário - ela repetiu. — Eu te amo tanto.
— Eu amo mais.
Ela revirou os olhos, tão certa de que aquela era uma inverdade quanto estava de que aquela sempre seria uma discussão inútil de se sustentar, já que nenhum dos dois estava nem um pouco propenso a ceder.
As notas de um jazz suave se misturavam às nuances dos variados temperos, preenchendo o ambiente em complexa e palatável sinestesia. O casal pediu ao garçom o mesmo prato solicitado no primeiro encontro, disposto a manter aquilo como tradição enquanto possível fosse.
— Como foi no trabalho?
— O de sempre - ele deu de ombros. — Praticamente vomitei tudo que tinha que entregar para o chefe na reunião, morrendo de medo de atrasar para vir para cá.
riu.
— Ele deve ter achado que você era doido.
— Ou que estava com disenteria. Já aconteceu.
— ! Estamos jantando!
O homem escondeu a gargalhada com o guardanapo. Era simplesmente impossível não acompanhá-lo.
— E você? Como foi o seu dia?
— Samuel e eu estamos trabalhando em um caso novo - ela contou. — Um dos grandes. Reza a lenda que, se tudo der certo, receberemos um bônus bem generoso.
— Será que vamos finalmente completar o fundo de viagem?
Ela assentiu.
— Pelas estimativas da contabilidade, dá para fecharmos a viagem para a Suíça.
— Então isso merece um vinho - decidiu, acenando educadamente para chamar o garçom.
— Uma garrafa inteira.
A bebida e a comida chegaram e eles brindaram à Suíça, à vida e, acima de tudo, a eles.
— Você lembra que eu gaguejei no nosso primeiro encontro?
riu, sentindo a iminência do engasgo com o vinho pelo momento pouco apropriado para uma lembrança daquelas.
— Perfeitamente. Eu perguntando o que você fazia no tempo livre e você engasgando uma resposta. Não sei quem estava mais nervoso; você que nem conseguia falar ou eu que só falava merda.
— Não que isso tenha mudado muito.
ergueu as sobrancelhas, em uma feição de falso choque e ofensa.
— É o nosso aniversário de casamento - ela ralhou. — Você deveria estar me dizendo como sou linda, cheirosa, inteligente, divertida e a melhor parceira que você poderia ter em todos os sentidos; não confirmando que eu só falo merda.
O marido riu, flexionando o corpo levemente para a frente, apenas o suficiente para alcançar sua mão sobre a mesa de madeira nobre.
— Mas é porque essas coisas eu já falo sempre. Estou tentando inovar um pouco aqui, me dá um crédito.
— Sim, , vou te dar créditos por falar mal de mim - ela prosseguiu com a reclamação brincalhona.
— Não estou falando mal. É um elogio. É isso que te faz tão divertida, o que, aliás, era uma das coisas que você disse que queria ouvir.
A mulher revirou os olhos largamente, desvencilhando sua mão da dele para retomar a liberdade de levar o conteúdo arroxeado de sua taça à boca.
— Sabia que a Suíça é o quarto país do mundo que mais consome vinho per capita no mundo?
— Eles sobem para terceiro fácil enquanto estivermos lá - comentou, fazendo-a concordar avidamente mais pelo espírito da afirmação do que pela matemática que, claramente, não fechava.
Experimentar e apreciar bons vinhos - e alguns nem tão bons também - havia se tornado um hábito deles. Fosse acompanhada de queijos, massas, carnes ou apenas de uma boa conversa jogada fora noite adentro, eles jamais dispensariam sua assiduidade enófila.
Assim como acontecia exatamente naquele momento.
e sustentaram o bate-papo por mais uma longa hora que passou praticamente voando. Ele pagou a conta e a acompanhou até o carro, com a mão em sua cintura e o calor de seus corpos sendo compartilhado em uma oposição clara à temperatura.
A rádio que costumavam deixar como som ambiente tocava James Blunt no maior espírito de sofrimento e nostalgia possível. suspeitou que, se olhasse para si mesma no retrovisor, veria seu rosto se tornando verde em uma clara metamorfose a She-Hulk.
— Credo - murmurou, colocando a mão sobre a barriga que estava se tornando mais embrulhada que a sessão de brinquedos do shopping no Natal.
— Eu sei que você não gosta dessa música, mas passar mal com ela é um pouco demais, não acha? - brincou.
encontrou forças para socar seu braço direito, enquanto fechava os olhos para impedir que a iluminação da rua e a visão da cinestesia a deixassem ainda mais nauseada.
— Você é ridículo.
— Eu sei. Estava só brincando. Você está bem? Quer ir para o hospital?
— Claro que não. Deve ter sido o vinho. Eu só preciso colocar para fora. Não vou pagar um rim em assistência hospitalar para que um médico recém-formado me conte isso.
O homem apenas assentiu, tirando uma das mãos do volante para acariciar sua coxa em um carinho suave. Evitou os raros buracos e as curvas mais acentuadas e logo chegaram em casa.
não precisou pensar duas vezes ao ouvir o som do carro desligando. Destravou a sua porta e correu até a entrada, virando sua chave. Ainda mais rápido, subiu para o quarto de hóspedes e liberou todo o conteúdo estomacal no vaso sanitário em um jato único.
Depois de se certificar de que não havia mais de onde aquele havia vindo, levantou-se lentamente, sentindo a fraqueza como um vulto bagunçando os olhos. Caminhou até o próprio quarto, ignorando as perguntas do marido sobre seu estado até que tivesse escovado os dentes e feito um gargarejo intenso com enxaguante bucal. A última coisa de que precisava era daquele amargor na garganta.
— Você está bem?
Seus olhos eram preocupados e cuidadosos. se deitou ao seu lado, aceitando o toque dele em seus cabelos. — Acho que agora estou - respondeu. — Que grande porcaria pagar um jantar caro para não ter nem tempo de digeri-lo.
riu, balançando a cabeça.
— Sério que é com isso que você está preocupada?
— É óbvio! Se eu ia colocar tudo para fora, antes tivesse sido aquele lanche barato e de procedência duvidosa na frente do serviço.
— Você não existe.
— Preferia não existir mesmo.
— Já está fazendo drama. Sinal de que está bem.
— Desculpa por destruir nossa noite.
— Você enlouqueceu, ? Você não estragou absolutamente nada, para com isso.
— Tem razão. Foi aquele vinho delicioso. Ele é o culpado desse estrago todo.
se aconchegou às suas costas, passando um braço por ela e deixando um beijo sereno em seu pescoço.
— Nada e nem ninguém nunca vai estragar esses nossos momentos juntos. Foi perfeito, exatamente como da primeira vez.
sorriu, sentindo seus lábios em sua nuca, mais uma vez, enviando um arrepio gostoso pela sua espinha.
Antes de dormir, fez uma prece em agradecimento a qualquer que fosse o responsável por ter enviado um anjo para sua vida.
🍷❤✈
estava atrasada. E não atrasada para uma reunião, para um compromisso ou para qualquer outra coisa minuciosamente marcada na cronologia adequada do espaço-tempo. Ginecologicamente atrasada. Há pelo menos uns cinco dias. E ela costumava ter o ciclo menstrual mais regular de todos os tempos, com cinco dias de sangramento a cada vinte e oito dias exatos.
nunca se atrasava, cronológica ou ginecologicamente.
Seu primeiro pensamento foi que isso justificava o vômito repentino algumas noites atrás. O segundo foi um alívio momentâneo pela sinalização de que seu corpo não estava prestes a se tornar averso ao álcool e não havia problema algum com o vinho.
Na sequência, veio o pânico. A sensação de ‘meu Deus, o que raios eu vou fazer’, enquanto olhava para a própria barriga e pensava em coisas demais ao mesmo tempo para que pudesse sequer distingui-las. Como poderia estar grávida? Quer dizer, ela entendia perfeitamente como funcionava o sexo, a contracepção e a fecundação; mas como ela poderia estar grávida?
Mas recapitulando o último mês ela concluiu e aceitou que, de fato, poderia. E, enquanto caminhava a passos largos até a farmácia mais próxima, sua mente viajou sobre todas as mudanças que viriam automaticamente a depender dos risquinhos naquele dispositivo revelador.
O que ela faria com o emprego? E se precisasse se afastar durante os nove meses por alguma complicação ou risco inerente da gravidez? Logo agora que ela estava se sentindo confiante em sua ascensão gradual e no ganho de confiança óbvio que estava adquirindo em relação ao seu chefe e ao resto de toda a equipe. E se ela se mostrasse uma mãe de merda e colocar uma criança no mundo fosse apenas um ato de má-fé para com uma criança que literalmente jamais tinha pedido para nascer?
Mas, ao mesmo tempo, ela sabia que a intenção de adquirir posição materna havia sido um sonho e uma certeza desde muito pequena. nunca havia pensado, por um segundo sequer, em não ser mãe um dia. Era algo que havia se instalado com naturalidade em sua mente, sem imposições familiares ou sociais em uma sociedade que costumava esperar pouco mais do que isso de uma mulher. Ela realmente queria aquilo para sua vida. Então, talvez, um resultado positivo não fosse o fim do mundo.
Agradeceu ao vendedor da farmácia e enfiou o teste no fundo da bolsa, sentindo seu coração batendo com força contra seus tímpanos. Acabou sorrindo, após uma inspiração profunda e uma exalação prolongada. O medo momentaneamente silenciado por uma animação gradual e repentina.
Foi então que se lembrou de . Por Deus, ele iria acabar desmaiando com a notícia e depois fazer questão de contar aos berros para absolutamente todos os residentes desse universo que iria ser pai. Não seria nada fácil fazê-lo controlar sua euforia e fechar a boca por pelo menos três meses, que eram a margem mais ou menos segura de confiança para garantir que aquela gestação iria para frente.
E eles teriam que preparar o enxoval e um quarto para o bebê. E aceitar que toda a vida mudaria completamente assim que aquela pequena criatura começasse a dar os primeiros sinais de que estava ali e não pretendia ir embora tão cedo.
Mas isso não a assustava mais. Havia superado seu surto e, assim que trancou a porta do banheiro atrás de si - mesmo sabendo que estava sozinha em casa -, abriu o pacote e ficou olhando para aquele palitinho tão pequeno e aparentemente insignificante, mas que guardava as respostas de uma vida inteira. Literalmente.
Os minutos de espera foram os mais longos de toda a sua vida. Tentou abrir o Facebook, o Candy Crush, o Google e qualquer outro aplicativo, mas tudo parecia incapaz de chamar sua atenção por mais de meio segundo. Ela só queria que aqueles risquinhos ficassem prontos logo.
Quando o alarme que havia colocado finalmente tocou, praticamente voou até o teste, fechando os olhos e contando até dez antes de finalmente tomar coragem de encará-lo.
Dois risquinhos.
Ela sabia exatamente o que dois riscos significavam. Tinha um segundo ser ali. Sua mão desceu automaticamente para o baixo ventre, acariciando o local enquanto seu cérebro parecia se esforçar para dar conta de assimilar a novidade.
— Meu Deus do céu, o que eu vou fazer? - Levou as mãos à barriga rapidamente de novo. — Não, você não ouviu a mamãe se apavorando, ok? Era só brincadeirinha. Está tudo certo. Vai dar tudo certo. A gente vai arrasar. Toca aqui.
Ela riu de si mesma, enquanto limpava o teste e o guardava no fundo de uma das gavetas do banheiro. logo voltaria da caminhada que costumava fazer todo sábado pela manhã e ela precisava encontrar uma forma minimamente criativa para contar a novidade a ele, sem dispor de qualquer coisa fora de casa. Não havia tempo para comprar sapatinhos, uma camisa escrito ‘Melhor Pai do Mundo’, nem nada do tipo.
Começou a caminhar pelos cômodos, torcendo para que aquele passeio a fizesse ter uma ideia em um estalo. Por sorte, fora exatamente aquilo que acontecera.
Ao encontrar o computador do escritório ligado, ela correu até o dispositivo e trocou a senha dele. Foi tempo o bastante para ouvir o barulho da chave na porta e sair correndo de volta para o quarto, como se nada tivesse acontecido. Puxou o livro que repousava sobre a mesa de cabeceira e fingiu ler as palavras nas quais não conseguia prestar um pingo de atenção sequer.
— Que carinha é essa? - perguntou ao encará-la.
— Não tem carinha nenhuma.
Ele estreitou os olhos, como se estivesse ponderando e decidindo se acreditava ou não.
— Já sei o que é - estabeleceu por fim. — É saudade de mim. Quer um abraço?
Ela riu, encolhendo-se na cama.
— Vai tomar seu banho logo. Nem ouse encostar em mim suado desse jeito.
— Mas é só um abraço. É tão feio recusar o carinho de quem te ama - ele insistiu, aproximando-se a passos lentos com os braços abertos.
— Chuveiro, . Anda!
Entre gargalhadas, ele se trancou finalmente no banheiro. Ao ouvir o som das gotas pesadas sendo derrubadas com agradável pressão, ela finalmente tomou seu tempo para respirar fundo e tentar se acalmar.
andou a passos rápidos até a cozinha, decidida a se ocupar com qualquer coisa. Suas mãos correram automaticamente para as cápsulas de café, sobre as quais impediu seu movimento automático.
Ainda poderia ficar enchendo seu corpo de cafeína? Achava pouco provável. Já havia vacilado com o vinho - álcool ela tinha certeza de que não era recomendado para o bebê - e não queria cometer outro deslize em menos de um dia de consciência de que precisava agora cuidar de outra vida além da sua própria.
Abriu a geladeira e encontrou uma garrafa de suco integral de laranja, servindo-se de um copo alto e cheio. Não seria nem de perto sua pedida convencional, mas, aparentemente, aquela estaria entre a lista infinita de coisas com as quais ela ainda precisaria se acostumar.
Ouviu o exato momento em que fechou o chuveiro - um pequeno problema com o misturador barulhento que eles sempre diziam que consertariam, mas simplesmente nunca o faziam.
Ela continuou com seus longos goles de suco, sentindo os pequenos gomos naturais explodindo em sua boca, enquanto ouvia os passos de . Sua audição conseguia localizá-lo relativamente bem ao longo do corredor, ao passo que ela apertava os olhos apenas aguardando o momento.
As rodinhas da cadeira do escritório correram para frente, retornando à origem apenas alguns instantes depois. Os passos dele fazendo seu coração se esquecer de sua calmaria temporária.
— , você trocou a senha do computador?
Ela tentou forçar uma naturalidade.
— Ah, troquei, sim. É ‘vamos ter um bebê’.
A cabeça de surgiu no corredor, fitando-a.
— Como é que é?
— ‘Vamos ter um bebê’ - ela repetiu. — Tudo junto e minúsculo.
— Você está brincando comigo? - permanecia atônito.
Ela deu de ombros.
— Só se aquele teste positivo no banheiro estiver brincando comigo.
— Você fez um teste? Que horas?
— Enquanto você caminhava.
Ele tinha as mãos apoiadas na cintura, olhando para o vazio.
— É sério?
Ela aquiesceu.
A reação dele foi, finalmente, efusiva o suficiente para lhe causar um susto. a tomou nos braços, girando-a entre gargalhadas e pequenos gritos.
— Puta merda, puta merda!
riu, beijando sua clavícula com carinho.
— Puta merda - ele voltou a falar, dessa vez em um cochicho preocupado. — Eu preciso parar de falar palavrão perto de vocês dois.
— Tenho a impressão de que ele vai ouvir tanto isso da gente que nem vai se importar.
— Quem disse que é um ‘ele’?
— Tenho a sensação de que é - ela respondeu simplesmente.
Ele riu, concordando.
— Isso faz de nós pais horríveis? Falar besteira perto dele?
— Espero que não - ela suspirou.
balançou a cabeça descrente.
— A sonoridade disso é tão estranha - admitiu. — , nós vamos ser pais.
Ela moveu a cabeça, concordando com um sorriso estupefato.
— Eu vou ser pai - ele sussurrou de novo, abraçando-a ainda mais apertado. — Amanhã nós vamos ao laboratório fazer um exame de sangue, ok? E precisamos procurar um médico. Eu li em algum lugar que é muito importante começar com o pré-natal desde cedo.
riu, fazendo uma careta.
— Ok, então, senhor Eu-Leio-Matérias-Ginecológicas-No-Meu-Tempo-Livre. Como quiser.
— Tudo o que eu quero é que vocês dois estejam bem e saudáveis - ele se justificou, depositando um beijo sereno no topo de sua cabeça.
— Eu sei que sim.
inspirou pesadamente, antes de soltar o ar juntamente com o peso de seus ombros.
— Puta merda, . Eu sou o homem mais feliz do mundo todo.
👫❤👶🏻
O consultório era dolorosamente branco ao ponto de fazer arder a vista.
tinha decidido focar seus olhos no grande quadro colorido que ocupava a parede principal da recepção, observando as variações de suas linhas em uma mútua fuga do branco estéril e tentativa de relaxar.
batia os pés incessantemente contra o piso de porcelanato, fazendo suas mãos balançarem, juntamente com o pequeno envelope do laboratório que carregava mais uma confirmação hormonal da gestação.
Se fosse sincero, ainda parecia surreal demais. Ainda acordava pela manhã, levantava da cama e seguia sua rotina costumeira até, de repente, parar por um segundo e receber de volta a informação, parecendo parar bem no meio do seu cérebro para se certificar de que seria seu único foco de atenção. Ele seria pai. Pai.
E aquela mulher maravilhosa que segurava em suas mãos todo o seu coração seria mãe. Ele não precisava divagar muito para saber como ela seria incrível na função. Não havia coisa alguma em que ela parecesse capaz de não ser absolutamente perfeita, mas a farda de progenitora lhe caía melhor do que qualquer outra.
estava radiante mesmo em seus momentos de maior pavor, em que se perguntava repetidamente vários ‘e se’ que brincavam com sua criatividade de forma maligna, contemplando apenas o pior. já havia repetido ao menos algumas dezenas de vezes que deveriam adicionar os ‘e se’ positivos à lista, pois aquela estava sendo uma batalha injusta. E se ele fosse saudável? E se tivesse os olhos caridosos dela e o sorriso iluminado dele? E se ele gostasse de passar os domingos no parque? E se os obrigasse - e a isso eles agradeceriam - a passar mais tempo na piscina? E se ele fosse muito mais do que pudessem, um dia, ter sonhado? E se tudo fosse ficar bem?
— Jones? - Uma mulher de cabelos lisos e loiros chamou. — Pode entrar, por favor.
segurou sua mão, apertando-a levemente apenas para lhe assegurar pelo toque o óbvio: ele estava ali com ela e por ela. E não sairia de seu lado por um instante sequer.
Acompanharam a médica que parecia ter saído diretamente de um comercial de produtos capilares até uma sala à parte, onde se sentaram de frente a ela, separados por uma mesa de vidro fosco que sustentava um computador, uma impressora e alguns modelos em silicone de úteros, ovários e todas as outras coisas que os rodeavam.
— Então, como posso ajudar vocês?
olhou para a esposa, esperando que ela começasse a falar sobre a novidade dos últimos dias.
— Há uns dias, eu tive um enjoo repentino, mas achei que fosse algo que eu tinha comido.
Ou bebido, pensou ele; mas guardou a informação para si. já se sentia culpada o suficiente por ter bebido antes de saber que estava grávida. Ele não precisava mesmo voltar àquele assunto.
— Chegou a vomitar? - A médica questionou, enquanto seus dedos batiam rapidamente contra as teclas, anotando cada um de seus mais imperceptíveis suspiros.
— Sim - ela confirmou. — Uns dias depois, eu percebi que minha menstruação estava atrasada e eu nunca atraso. Tipo, nunca mesmo. Fui até a farmácia, comprei um teste e fiz. Positivo.
A mulher digitava, enquanto confirmava com a cabeça.
— Imagino que esse envelope na mão do seu acompanhante seja o exame de sangue.
— Isso mesmo - confirmou, estendendo o papel a ela.
Com a folha aberta, ela leu todas as letras e pequenos números digitados após o teste laboratorial, anotando os valores no prontuário. Não havia dúvidas de que aqueles eram níveis positivos para a gonadotrofina coriônica humana - o principal hormônio dosado nos testes gestacionais.
A médica prosseguiu com a sua anamnese, questionando várias coisas, como a data da última menstruação, resultado do último papanicolau, antecedentes familiares, doenças genéticas na família, uso prévio de contraceptivos e todo o tipo de coisas que pareciam cercar como um pequeno tornado pessoal de coisas sobre as quais ela não tinha pensado - e ela realmente tinha pensado em coisas demais.
— Bom, pelas minhas contas, estamos em um período razoável para fazer a sua primeira ultrassonografia e tentar estimar o tempo mais próximo de gestação. Não vamos ver muita coisa e definitivamente estamos a algumas semanas de poder sequer pensar em identificar o sexo, mas é um começo para fazermos um acompanhamento bem justinho ao longo dos próximos meses.
Existia uma atmosfera de acolhimento e segurança no tom de voz que ela aplicava em cada uma de suas palavras. Era o suficiente para permitir que finalmente completasse uma respiração completa com um pouco de calma, sem se sentir prestes a destruir cada uma das falanges de entre seus dedos.
Assegurada de que o exame não causaria qualquer dano ou dor ao bebê - frases que a ginecologista e obstetra basicamente havia decorado desde o primeiro dia desempenhando a sua especialidade -, recebeu um avental hospitalar e um saco para deixar suas roupas.
Deitada na maca, com o marido ao seu lado - sob autorização e pedido dela -, segurando a sua mão, ouviu todas as informações prévias de uma ultrassonografia transvaginal que ela já havia cansado de escutar ao longo de sua vida de rotina ginecológica. Estava longe de ser um dos exames mais agradáveis e confortáveis de se fazer no universo, mas, com o tempo, também havia deixado de parecer um grande problema.
O transdutor foi cuidadosamente internalizado, fazendo-a piscar com um pouco mais de força por alguns escassos instantes até aceitar normalmente sua introdução. Alguns movimentos foram aplicados, enquanto a ansiedade pairava como uma névoa espessa sobre eles.
Aquilo parecia estar levando mais tempo do que o necessário.
— Algum problema, doutora? - Foi que encontrou um fio de voz no fundo de sua garganta, enquanto engolia o bolo doloroso que havia se formado, prestes a lhe dar ânsia.
O silêncio durou os segundos mais angustiantes de toda a história.
— Só um momento - pediu, antes de se afastar e se retirar da sala.
não conseguiu permanecer deitada. Em instantes, estava sentada, empurrando para os pés a almofada que havia sido colocada logo abaixo de seu quadril. Seus movimentos eram bruscos e apavorados, como se estivesse prestes a correr para o colo de sua mãe - o que estava longe de parecer uma má ideia naquele momento. repousou a mão em suas costas, tentando fazê-la recuperar seu fôlego.
— Ei, ei, calma - pediu.
— Tem alguma coisa errada - ela disse, sentindo o coração batendo violentamente contra a caixa torácica.
— Não necessariamente. Não vamos tirar conclusões precipitadas.
Sua tentativa de acalmá-la havia acabado de alcançar o primeiro lugar em sua lista de coisas que o fizeram se sentir patético ao longo da vida. Era incomodamente ridículo tentar convencê-la de algo que ele próprio estava longe de acreditar.
A respiração descompassada era como um tambor de fanfarra totalmente fora de ritmo. E doía. Doía feito o próprio inferno trazido diretamente para o seu peito. Doía a cada gota de medo que parecia escorrer pelo tubo digestório e causar úlceras no fundo do estômago.
— O que eu fiz de errado? - questionou, sentindo a boca seca de repente.
— Você não fez nada. Nada, nada, nada - repetia, beijando o topo de sua cabeça com carinho. — Vai ficar tudo bem. Está tudo bem.
Ele duvidava de sua própria crença naquilo.
O barulho dos saltos finos batendo contra o piso capturou de volta a atenção do casal para a médica que, enfim, retornava. viu a esperança afundar dentro de si ao não encontrar nos olhos dela o sinal reconfortante pelo qual tanto havia ansiado.
— Peço desculpas por ter saído daquela forma - ela pediu, sentando-se novamente.
— O que aconteceu? - apertou os próprios braços por cima do avental que, de repente, parecia ter se transformado em uma camisa de força.
A longa inspiração era qualquer coisa menos reconfortante.
— Com o transdutor, deu para identificar uma dilatação uterina, o que era basicamente o que nós esperávamos. A questão é que, além disso, não tem nenhuma outra alteração no seu útero.
— Como assim? - A voz grossa de se fez presente.
— Por mais que eu movesse o aparelho, não pudemos identificar feto algum.
O rosto de se contorceu em uma careta. Uma risada anasalada veio na sequência.
— Isso não faz sentido nenhum. Todos os exames deram positivo. Você viu o exame de sangue. Ele estava positivo - sua voz era incisiva e, simultaneamente, passava a atingir tons mais altos que o normal.
A médica moveu a cabeça levemente em concordância. Era verdade. Aqueles testes raramente eram mal interpretados e este, definitivamente, não era o caso ali.
— Os testes de gravidez se baseiam, basicamente, na dosagem de beta HCG. E, sim, ambos os seus resultados foram positivos porque, de fato, você está apresentando uma elevação desse hormônio.
— Então como raios eu não estou grávida? - soou bem mais agressiva do que ela esperava, mas era como se tivessem rasgado alguma parte de si por dentro. Ela estava sangrando, exposta sobre uma maca, com a alma nua em desespero.
— Durante o exame, também foi possível perceber uma massa no seu ovário esquerdo. Não é motivo para desespero imediato. Não significa malignidade enquanto não forem realizados outros exames, mas precisaremos checar. Eu vou te indicar uma médica excelente na área e encaminhar os pedidos de alguns novos testes…
O cérebro de parecia ter encontrado o interruptor dentro de sua cabeça, decidindo desligá-la de vez. Nenhuma das palavras que vieram depois daquilo foram realmente ouvidas. Tudo o que sua audição era capaz de detectar eram os pequenos ecos em algum espaço oco de sua mente, rindo da dolorosa ironia que era toda aquela história. Ela havia caminhado para dentro daquela maldita sala com um bebê e estava prestes a sair dela sem ele, mas com um possível câncer de presente. O universo devia mesmo odiá-la com todas as suas forças acumuladas por múltiplos éons. Aquela era a única justificativa plausível para toda aquela merda que havia atingido sua cabeça com precisão balística.
— ?
A voz de a trouxe de volta em corpo, mas fosse lá do que seu âmago era composto, parecia ter se esfacelado por completo, correndo como pequenos grãos de areia escapando pelos espaços interdigitais.
— Podemos ir embora? - Foi a única coisa que ela conseguiu verbalizar.
Ele ergueu o olhar, procurando a confirmação da médica, que ele sinceramente esperava que já tivesse dito tudo. Não sabia se conseguiria suportar mais uma palavra que fosse enquanto canalizava toda a sua energia em se manter o mais inescrutável possível, evitando qualquer demonstração de reação ou emoção que só pioraria a situação.
O silêncio os abraçou como o aperto asfixiante de uma grande jiboia, perseguindo-os durante todo o caminho, enquanto os pedidos de exame repousavam sobre os bancos traseiros como um lembrete terminal do que poderia estar por vir.
empurrou a porta do carona sem força, deixando-a entreaberta enquanto subia a passos pesados em direção à suíte. trancou as portas e foi ao seu encontro, achando-a no banheiro, despindo-se das roupas e de sua angústia.
— Você precisa de alguma coisa?
— Só de um banho - ela respondeu, secamente.
— Quer que eu faça algo para comer? Ou um chá?
Ela respirou com esforço.
— Só quero tomar banho mesmo - repetiu. — Fecha a porta, por favor.
abaixou a cabeça levemente e obedeceu ao seu pedido, consolidando a barreira que parecia ter sido construída com uma velocidade assustadora entre eles.
Com as costas contra a porta e o rosto entre as mãos trêmulas, ele se permitiu desabar.
🏥❤🩺
— Como você está se sentindo?
‘Vazia’ era o que ela queria responder. Já havia passado por mais fases do luto do que Kübler-Ross poderia ter cogitado definir. Ainda não tinha muita certeza se esse luto era sobre o filho que nunca existira ou sobre sua própria vida. Para ser sincera, não sabia exatamente onde se encontrava o limite entre uma coisa e outra àquela altura.
Havia passado pela negação; tentado com todas as suas forças seguir a sua rotina normal apenas para se convencer de que tudo estava bem e absolutamente nada havia mudado. Estava tudo bem. Menos quando se lembrava de que nada estava bem.
Veio a depressão, veio a barganha, veio o desespero, veio o incessante questionamento. Mais escandalosa que todas elas, veio a raiva. A descrença. A emoção angustiante de injustiça por ter que viver aquilo. O que raios ela havia feito para merecer toda aquela merda? Não estava certo. Se Deus existia - e ela, que sempre acreditara no fundo, começava a ter suas dúvidas -, como ele podia ser tão masoquista e cruel ao ponto de permitir aquilo? Ela não sabia se realmente acreditava em todas as palavras ruins e negativas que havia dirigido a Ele, mas, naquele momento, ela precisava arranjar um culpado para dividir o peso sobre seus ombros e Ele havia sido o sortudo da vez.
Até porque, sim, ela sabia que a culpa era dela. Era dela o corpo defeituoso e mentiroso, que havia decidido dar sinais falsos em um surto incompreensível de sadismo. Era dela o desespero por confirmações e resultados e por atribuir sentido lógico a tudo o mais rápido possível, por ser simplesmente incapaz de seguir a vida com qualquer incógnita à sua frente. Também havia sido dela a animação extrema e despreocupada, antes mesmo de fazer aquela maldita ultrassonografia. Talvez sua mãe estivesse errada no fim das contas; talvez ela pudesse - e devesse -, sim, ser mais pessimista. No mínimo, poderia lhe poupar de momentos como aquele. Ou amenizar a situação.
Por fim, deveria ter vindo algum tipo de aceitação, mesmo que sob a forma de auto-consolo ou auto-piedade. Contudo, aquela não parecia a definição mais acurada para o que ela sentia. não havia aceitado; nem de longe. só estava tremendamente cansada. Desgastada. Exausta. Não havia um só fio de energia percorrendo seu corpo para qualquer coisa que não fosse essencialmente vital - e, em alguns momentos de tristeza profunda, ela quase desejava que nem esses persistissem.
Mas tudo o que passava em sua mente era demais. E a última coisa que ela queria era ter de se esforçar qualquer segundo além do estritamente necessário em qualquer tipo de interação social. Era esse o único motivo que a levara a responder:
— Bem.
assentiu lentamente, incapaz de verbalizar o quanto não acreditava nela por um segundo sequer. Havia aprendido - algumas vezes por mal - que, na maior parte do tempo, era simplesmente mais simples e sensato apenas concordar. Mesmo que aquela fosse a maior mentira que ela havia contado desde a vez em que jurou para os pais que não havia bebido na festa de Ano Novo, porque estava terminando o período de tratamento de uma infecção de garganta com antibióticos.
— Quer outro travesseiro?
Ela balançou a cabeça, negando. O movimento evidenciava a profundidade aumentada na região clavicular, marcando a perda de peso recente de quem mal conseguia encontrar forças para se alimentar.
— Mas se der para fechar um pouco as cortinas - ela comentou. — Eu agradeço.
Ele cumpriu rapidamente sua vontade, puxando o tecido até quase encostá-lo à parede, deixando apenas uma pequena fresta da luz solar invadir o quarto.
— Está bom assim?
Ela concordou, sem muita emoção.
— Não vou estar aqui quando a direção do sol estiver prestes a queimar meus olhos, nessa posição. Então tudo bem.
Ela estava certa. Poucos minutos foram necessários até que a enfermeira e o médico voltassem, explicassem mais uma vez como seria o procedimento - mostrando vários pontos nos exames de imagem que apenas fingia entender - e perguntassem se ela estava pronta.
Ela não estava. Mas não achava que realmente tivesse essa opção.
— Pelos seus exames, acreditamos que não será uma cirurgia muito complicada. Temos ótimas perspectivas de que dará tudo certo - o médico assegurou, ignorando o fato de que nem isso era capaz de realmente fazê-la se sentir melhor.
havia criado uma certa aversão à voz dele. Era só ele começar a falar que ela era automaticamente transportada para a primeira consulta, na qual só o título de oncologista na porta do consultório era capaz de lhe causar intensa náusea.
Entretanto, deveria admitir, pouco tinha realmente ouvido naquele momento. Muitas palavras eram complicadas e cientificamente rebuscadas demais para sua paciência, por mais que o médico estivesse se esforçando em ser o mais claro possível com sua linguagem. , por sua vez, havia levado um pequeno bloco de notas e uma caneta esferográfica de ponta fina, em plena dedicação a anotar a maior quantidade possível de informações que pareciam pertinentes e soavam como coisas que acabariam sendo importantes no futuro.
Ele estava sendo ultra prestativo, atencioso e preocupado e, por mais que não conseguisse demonstrar, ela valorizava isso e era silenciosamente grata por ele não ter saído do seu lado, mesmo quando ela própria já não se suportava mais.
— Você tem alguma dúvida ou preocupação em relação ao procedimento?
Sua única dúvida era como fazer o termo "salpingo-ooforectomia" se parecer menos com um ultimato doloroso, como a nomeação do coletivo de cada um de seus demônios.
O procedimento em si ela já havia compreendido perfeitamente. O ovário com a massa seria retirado, junto com sua respectiva tuba. A partir dele seria realizada a biópsia, em busca de algum sinal de malignidade. Talvez ela precisasse de outros exames depois disso. Talvez precisasse de uma nova cirurgia. Talvez acabasse na quimioterapia, lembrando-se de todos os efeitos adversos que sempre eram mostrados nos filmes. E, mesmo não estando, ela se disse pronta e se despediu de enquanto sua maca era empurrada pelo corredor.
Ficou observando os detalhes de cada luminária firmemente presa ao teto, parecendo em movimento enquanto seu mundo psicologicamente parava. Queria se convencer de que não estava nervosa. Queria se conformar de uma forma quase fúnebre de que não existia mais uma fagulha sequer de esperança em seu corpo, mas havia. Existia uma parte de si que ainda havia ficado alheia à fase de aceitação, perdendo-se em uma inércia que negava a expectativa.
— Vou pedir que conte de dez a zero, de trás para frente mesmo - o médico pediu, ao longo da aplicação do anestésico e sedação.
— Dez - ela começou. — Nove… Oito… Sete…
Seus olhos se fecharam pesadamente.
— Seis… Cinco…
E a escuridão.
🏥
estava de joelhos em frente a um dos bancos da pequena capela mantida no hospital. Sabia que aquele era o local aonde iam, principalmente, aqueles que estavam orando por um milagre, esperando que seus companheiros, familiares ou amigos queridos simplesmente abrissem os olhos. Aquele não era o caso dele - ao menos ele esperava que não fosse. Mas ele havia sentido todas as punhaladas da vida nas últimas semanas, como milhares de pequenos cortes ardidos feitos por papel em sua pele, impedindo-o até de dormir.
Estava tão brutalmente cansado, que sentia cada músculo de seu corpo pesado feito chumbo. Havia chegado a se questionar quão grande seria o pecado se debruçasse sobre o apoio, mesmo que apenas para poder orar.
Nada na vida o havia preparado para o caos dos últimos tempos. Nenhuma força e coragem haviam lhe preparado para ter de ser forte por dois, ainda mais quando a outra pessoa era quem ele mais amava em todo o mundo. Nada doía tanto quanto vê-la tão frágil, desanimada e desolada. Ele percebia as olheiras se tornando progressivamente mais fundas, os ossos levemente mais proeminentes e a pele mais pálida depois de tantos dias se recusando sequer a abrir a janela.
E ele não estava lá muito melhor, apesar de estar se esforçando mais para fingir. No fim das contas, havia sido arrancada dele também toda a ideia, a alegria e a expectativa da paternidade. Como brinde, tinha recebido a dúvida desconcertante sobre aquela palavra de seis letras que era muito pior de ser dita do que qualquer tipo dos mais cabeludos palavrões. E, por mais que ele quisesse acreditar nas estatísticas positivas de prognóstico, o monstrinho em seu ombro o cutucava novamente para observar todos os poréns e tudo o que poderia ser ruim.
Esse monstro parecia estar se alimentando rápida e avidamente de suas inseguranças e temores silenciosos - que eram muitos -, ficando cada vez maior e mais insustentável. Mas ele não podia jogar nada disso em cima dela. Não era justo e nem sensível. Não falava sobre nada que esbarrasse no tópico, a menos que a iniciativa partisse dela. Não ficava reforçando lembretes sobre os horários de consulta e exames porque sabia que não ia lhe fazer bem algum. Não queria parecer desesperado, grudado demais, muito preocupado e assustá-la ou sugar dela o pouco de ar que lhe parecia restar. Por outro lado, continuava se perguntando se não era exatamente de seu apoio e de sua presença que ela precisava, mesmo demonstrando exatamente o oposto.
Todas as dualidades e conflitos dentro dele travavam batalhas incessantes e asfixiantes em seu peito, comprimindo sua traqueia como se uma mão gigante a apertasse. Era difícil ser forte quando tudo o que ele sentia era fraqueza. E medo.
Medo de complicações. Medo da depressão. Medo do resultado daquela maldita biópsia. Medo das consequências e do que viria depois dela. Medo de perdê-la.
Não era justo e nisso eles concordavam. De uns tempos para cá, ele só conseguia pensar em como apenas a minoria das coisas da vida realmente eram justas. E ela ainda tinha a coragem de cobrar força.
Os joelhos começaram a reclamar da pressão contra a madeira e ele juntou as mãos em prece, encarando as figuras que pareciam estar naquele altar já há um bom tempo.
— Acho que faz um certo tempo que a gente realmente conversa - ele murmurou. — Mas espero que possam me ouvir do mesmo jeito. Sabe como é, sem ressentimentos.
Ele soltou uma risada pelo nariz que mais parecia um suspiro de exaustão, incapaz de achar graça em sua tentativa de quebrar o gelo com quaisquer que fossem aqueles que estariam acima dele.
— Eu não sei dizer o que eu estou sentindo. Nunca fui muito bom nesse sentido; ao menos foi essa a desculpa que eu sempre dei quando me incentivaram a fazer terapia - admitiu. — E é, eu sei que não faz sentido e eu realmente só estava procurando um meio de me esquivar de lidar com todas as merdas que passavam pela minha cabeça. Mas foi a desculpa esfarrapada que eu encontrei. E estou divagando, então vou tentar me concentrar antes de ditar um testamento novo.
inspirou profundamente, soltando o ar dos pulmões em uma exalação pesada.
— Eu nem sei o que dizer. Eu estou desesperado. Completamente desesperado. Foi um soco na boca do estômago saber que não tinha gestação nenhuma depois de termos passado dias discutindo de que cor pintar as paredes do quarto extra, mas eu só fiquei real e totalmente sem ar agora.
Ele olhou para o teto, observando os detalhes do gesso enquanto tentava convencer as lágrimas a seguirem o caminho de volta para os dutos de onde tinham vindo.
— Eu não sei o que ela tem e não sei se realmente quero saber depois que essa cirurgia acabar, mesmo sendo inevitável. Às vezes eu só queria que o método de ignorar e esperar sumir fosse eficiente de verdade. A única coisa que eu posso te dizer com mais do que cem por cento de certeza é que eu não posso perder a . Eu não posso - a voz embargou. — E, por mais que eu nunca tenha falado isso em voz alta, puta merda, eu estou com tanto medo. Completamente apavorado.
Mas ele sabia que não precisava verbalizar isso para que qualquer um soubesse só de olhar em sua cara. Expressivo demais, ele nunca havia conseguido ser exatamente uma pessoa misteriosa.
— Eu daria absolutamente qualquer coisa no mundo para que ela não tivesse que passar por isso; qualquer coisa para que ela simplesmente melhorasse e isso tudo não passasse de um grande susto desnecessário. E o pior de tudo é que eu sei que existe um fundo totalmente egoísta nisso, que é o fato de eu não ter a mínima ideia do que fazer sem que ela esteja do meu lado. Eu não tenho direito de fazer isso ser sobre mim, mas o que me resta sem a aqui?
As lágrimas começavam a se acumular, unindo-se em um soluço nervoso que ameaçava se formar de maneira basicamente visceral no fundo de sua garganta. Seu maxilar e mandíbula se encontravam em estalidos de tremor, enquanto seu peito subia e descia aceleradamente.
— Então, por favor, por favor, não leva ela de mim.
se levantou custosamente do chão, sentando-se novamente no banco. Com os cotovelos apoiados no nos joelhos e o rosto escondido entre as mãos, ele decidiu ignorar o barulho que faria e a quem pudesse incomodar e colocou toda a sua angústia para fora.
⛪️
Os dois dias de internação que se sucederam foram compostos de noites mal dormidas, dores nas costas, analgésicos e maratonas de Modern Family às quais nenhum dos dois estava prestando muita atenção.
A equipe de enfermagem tinha feito o possível para tornar aquele período mais confortável, levando travesseiros e cobertores extras, oferecendo doces pouco gordurosos e se mostrando absolutamente preocupadas com o seu bem estar e o máximo de conforto que se pudesse ter dentro de um hospital, ainda mais quando a espera pelo resultado da biópsia era sufocante.
— , - chamava, ainda se sentindo grogue depois de dormir com tanta medicação.
O marido abriu os olhos depressa, assustado, correndo até ela.
— Oi, tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
Ela soltou uma risada leve.
— Tudo bem, sim. Não precisa se preocupar. Só ia te pedir para pegar mais uma coberta. Estou com frio.
Ele assentiu rapidamente, pegando o cobertor que haviam deixado na poltrona e o esticando cuidadosamente sobre ela. usou as pontas dos dedos para dobrá-lo levemente ao redor do corpo dela, criando um tipo de casulo que pudesse aquecê-la melhor.
Levou o dorso da mão à testa dela e ao pescoço, apenas por garantia, procurando se certificar de que ela não estivesse com febre.
— Eu estou bem, é sério - ela reforçou
— Certo. Vai voltar a dormir?
Mesmo com todo o cansaço, ela não pôde evitar um pequeno sorriso ao olhá-lo. Tudo o que aquele homem havia feito e continuava fazendo por ela, nos melhores e piores momentos, era muito mais do que ela poderia esperar, com sua mania de não querer criar expectativas. havia levado ao pé da letra cada uma das palavras ditas há pouco mais de um ano: na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. E mesmo que soubesse que, por vários momentos, não havia deixado ele se aproximar como queria, ela sabia que ele não a culpava por isso. E era hora de deixá-lo entrar, independentemente do que viesse a seguir.
— Acho que vou aproveitar e tentar descansar mais um pouquinho, sim - respondeu. — Obrigada por cuidar de mim.
— Não precisa agradecer. Estamos juntos nessa, haja o que houver.
Ela aquiesceu, recebendo, com um sorriso, um beijo carinhoso na testa. Era impossível simplesmente dizer que tudo estava bem e não poderiam sequer dizer que ficaria bem; mas, por pior que fosse, estariam juntos e isso teria de bastar.
👫
cochilou por mais algumas horas, acordando para almoçar. Comeu junto com o marido, enquanto ele contava as novidades dos casos românticos completamente fracassados do irmão mais velho, arrancando dela algumas risadas por saber que, fatalmente, parecia que a história para ele nunca mudaria.
O caso da vez havia se dado quando seu irmão decidira enviar um buquê de flores no aniversário de uma das mulheres com quem estava se relacionando, mas este foi recebido por sua colega de trabalho - outra mulher com quem ele também estava saindo. Ele nunca havia parado para se aprofundar muito em nenhuma de suas empreitadas profissionais e, por isso, não fazia ideia de que as duas trabalhavam juntas. Tinha certeza de que nunca havia dito qualquer coisa que pudesse fazê-las concluir que eram exclusivos, mas, aparentemente, era assim que ambas pensavam e as duas deram um lindo e dolorido pé na bunda dele em conjunto, com direito a vários adjetivos desgostosos como acompanhamento.
— Eu não acredito numa coincidência dessas - ela comentou. — Puta merda, que azar.
— Pois é. Mas é exatamente o tipo de sorte que ele sempre teve. Até para fazer algo legal, tipo mandar um presente, ele termina quebrando a cara com essas confusões que arruma.
Entre uma conversa e outra, a médica entrou no quarto com uma prancheta e uma pasta.
— Oh, vocês estão almoçando. Posso voltar depois.
— Não, já acabamos - ela disse. — Estávamos só conversando, mas pode falar.
— Ok. Bom, ocorreu tudo bem na cirurgia, como já devem ter explicado para vocês.
e assentiram. Ele buscou a mão dela, entrelaçando seus dedos. Ela os apertou com a força da apreensão da expectativa, sentindo a circulação sendo interrompida brevemente com a pressão das articulações.
— O resultado da biópsia acabou de ser enviado pelos patologistas e foi confirmada a malignidade do tumor.
trincou os dentes, odiando cada uma daquelas palavras. se martirizou por ter de admitir que já estava esperando por aquilo enquanto só conseguia se lembrar de sua mãe reclamando constantemente que pensamentos negativos apenas poderiam atrair coisas ruins.
— O que encontramos foi um disgerminoma ovariano, que é um tumor de células germinativas. Considerando o estágio e o quão avançada estava a disseminação das células neoplásicas, a cirurgia já fez uma boa parte do processo. Vamos repetir alguns exames para confirmar isso.
— Mas? - perguntou, sabendo que, em momentos como aquele, sempre havia um porém.
— Mas provavelmente ainda vamos precisar de algumas sessões de quimioterapia. Esperamos que sejam poucos ciclos.
— Quão preocupante é a situação? - tomou a coragem de realizar a única pergunta que nublava sua mente.
— Ainda não podemos dizer com muita certeza antes dos exames, mas acreditamos que o diagnóstico foi feito a tempo para podermos ter perspectivas muito boas com esse tratamento.
balançou a cabeça lentamente, absorvendo aquilo tudo. Em suma, pelo que ela havia entendido, era ruim, mas poderia ser pior. Provavelmente não a mataria, mas já tinha causado alguns estragos e causaria outros mais. Não soava como a perspectiva mais animadora do mundo, mas parecia haver um potinho de esperança e ela estava cansada de se iludir, repetindo que não queria agarrá-la.
— Alguma dúvida? - Foi o questionamento da médica.
— Quando eu posso ir para casa?
A mulher sorriu de forma simpática e quase aliviada.
— Até o fim da tarde você vai ser liberada para terminar a recuperação em casa. Mais tarde voltamos com os pedidos de exame e as próximas instruções, ok?
assentiu, assistindo à médica indo embora. manteve o toque firme em sua mão, recusando-se a sair dali assim.
— Amor - chamou. — Como você está?
Os olhos dela minaram como o fio de um lençol freático recém-escavado. subiu desajeitadamente na cama, colocando-se ao seu lado e passando o braço ao redor do seu corpo, acolhendo-a contra seu corpo com cuidado para não movimentar os acessos venosos.
Ela deixou que ele a abraçasse, levando a mão livre ao peito dele e apoiando ali a sua cabeça. logo sentiu as próprias lágrimas escorrendo pela face.
— Vai ficar tudo bem - disse baixinho, sem ter muita certeza se estava tentando convencer a ela ou a si mesmo.
— Vai - ela concordou, com um sorriso entristecido. — Mas eu não sei se vamos conseguir ter o Liam depois disso tudo.
sentiu um pequeno aperto no coração frente à menção do nome que eles haviam escolhido para o bebê que ela tanto insistira ter certeza de que era um menino.
Apesar de doer pensar sobre aquilo, não era nem de perto o foco de suas preocupações no momento.
— A gente vai dar um jeito. Eu te prometo que a gente vai fazer todo o possível.
— Eu não mereço você - ela concluiu, aconchegando-se a ele um pouco mais.
— Pode parar de falar essas besteiras. Eu posso te dar várias colheres de chá, mas essa não vai ser uma delas.
revirou os olhos, passando as pontas dos dedos ao redor dos olhos, tentando se livrar das lágrimas que ali se depositavam.
— Você vai se cansar de ter que cuidar de mim. Ainda mais com essa porcaria aqui agora - ela falou, erguendo o avental para mostrar o local dos pontos de linha preta da cirurgia.
correu os dedos delicadamente sobre os fios ásperos, fazendo a esposa estremecer levemente com o toque.
— Quer saber? Acho que você fica ainda mais sexy com essa cicatriz.
Ela gargalhou, meneando a cabeça.
— Você é completamente louco.
— Sou louco por você - ele retrucou, fazendo-a rir ainda mais.
— Meu Deus, quantos filmes clichês de comédia romântica você viu enquanto eu dormia? Parece que engoliu o repertório inteiro.
Ele deu de ombros.
— Acho que uns seis.
— Meu Deus do céu, essa internação criou um monstro.
Ele foi obrigado a concordar.
— Ainda tenho várias cartas na manga.
— Vai ter tempo de usá-las.
— Pode ir preparando sua paciência e as reviradas de olho, porque eu vou mesmo.
Enquanto ela ria, se inclinou, beijando de novo o topo de sua cabeça, enquanto ela o apertava um pouco mais nos braços, desejando pertencer àquele momento naquele lugar por tempo indeterminado. Cada pedacinho dela amava incondicionalmente cada pedacinho dele e ela nunca seria capaz de demonstrar o suficiente toda a gratidão que aquecia seu peito por tê-lo ali ao seu lado, sempre sustentando o melhor sorriso do mundo.
👫❤🩺
— O que acha?
Ela lia cada uma das linhas daquele relatório com os olhos mais ágeis do que a velocidade que a quimioterapia parecia disposta a permitir que o seu corpo alcançasse. Depois de três ciclos, ela sentia menos o impacto dos efeitos adversos - talvez por já estar psicologicamente preparada para eles, já tendo uma boa noção do que esperar. O intestino ainda ficava solto, a boca ficava seca, os olhos pesavam com o cansaço e ela se sentia pálida e fraca. Contudo, quando decidira se jogar de cabeça naquela batalha, havia também passado pelo processo mental de convencimento próprio em buscar sempre olhar para o lado bom das coisas, especialmente quando o lado ruim parecia tentar gritar mais alto, apenas para se certificar com toda a garantia de que estava sendo percebido em tom alto e claro.
Era por isso que ela preferia pensar no fato de que os oncologistas estavam animados com o prognóstico ao ver cada um de seus exames de rotina melhorando ainda mais com a resposta incrivelmente adequada ao tratamento. E, agora que eles diziam que ela estava praticamente livre da zona de perigo, ela havia surgido de repente com aquela ideia louca que abraçou com afinco tão rapidamente.
Ela terminou de ler cuidadosamente os documentos e descrições intimamente detalhadas de suas vidas e anseios mais pessoais e os devolveu ao marido.
— Se eles não nos acharem simplesmente o máximo depois de ler tudo isso, eu desisto do mundo - ela comentou, devolvendo-lhe os papéis.
Ele suspirou aliviado, concordando em gênero, número e grau. Tinha passado alguns dias de estresse contínuo e sono entrecortado pensando na melhor forma de preencher a papelada para entrada no sistema de adoção, tentando escolher a dedo as melhores - e mais sinceras - palavras para dizer e expressar o quanto queriam aquilo e como estavam dispostos a serem os melhores pais de todo o universo.
Tinha contado a história de como nunca haviam sentido tanta alegria na vida como no momento em que pensaram estar esperando um filho e como tudo isso havia sido arrancado deles de uma forma dolorosa e quase maquiavélica por parte do regimento do universo. provavelmente nunca mais conseguiria ser mãe pelos meios biológicos de reprodução, mas estava mais animada do que nunca ao enxergar essa nova possibilidade, que estava lhe dando tanta força para seguir com cada uma daquelas curtas internações em que tantos protocolos e medicamentos de nomes esquisitos e cheios de consoantes demais eram colocados para correr em suas veias.
Eles realmente tinham se jogado de cabeça naquilo, mesmo com todos os entraves, as burocracias, o possível tempo de espera e os comentários ignorantes e não solicitados de algumas pessoas que simplesmente menosprezavam a adoção como se a paternidade não biológica formasse uma família com laços menos válidos e verdadeiros. não conseguia suportar a besteira naquilo e já tinha xingado essas pessoas sem nem precisar pensar duas vezes. Como podia ser menos válida uma família que, além de todo o amor e carinho de outra qualquer, havia se escolhido? Poucas coisas na vida eram mais belas que aquilo e nada tiraria isso de suas mentes.
E não importava como o sistema fosse demorado e, por muitas vezes, completamente exaustivo. Estavam dispostos a esperar se preciso fosse. A única coisa que escrevera no campo “Preferências” havia sido: “uma criança disposta a receber todo o amor do universo”. Simples assim. Sem cor. Sem sexo. Sem idade. E por mais que algumas pessoas pudessem pensar que eles estavam apenas enfeitando o formulário para parecerem boas pessoas, eles sabiam, no fundo de seus corações, que aquela era a mais pura verdade e era só isso que realmente importava.
— Amanhã eu levo as coisas para eles - concluiu, respirando fundo ao sentir a adrenalina da expectativa despertando. — Nós vamos mesmo fazer isso.
assentiu animada, enquanto lhe estendia a mão gelada.
— Vamos - concordou. — E vamos ser muito, muito felizes.
Ele tinha certeza de que sim. Se pudessem compartilhar todo o amor incondicional que sentiam um pelo outro com mais um pequeno ser, não estariam dividindo o sentimento e, sim, multiplicando-o.
👫❤👶🏻
— Eu não acredito que você fez isso - ela disse, rindo ao ver o carro deles.
O vidro traseiro estava pintado com os dizeres “Eu venci o câncer” e cheio de laços cor de rosa, além de latinhas barulhentas amarradas à base como no veículo pós-matrimônio de recém-casados.
— É um evento importante e eu acho que todo mundo é obrigado a saber disso.
Ela concordou, abraçando-o com toda a força que tinha.
— Eu nem acredito que acabou.
— Pois acredite - ele respondeu. — Você venceu.
— Nós vencemos. E eu nunca vou conseguir te agradecer o suficiente por ter ficado do meu lado e ter me apoiado tanto, mesmo nos meus piores momentos.
— Você não precisa me agradecer. É isso o que fazemos por quem amamos.
Ela sorriu ternamente ao concordar.
— E eu te amo mais do que tudo nessa vida - disse.
— Vai me amar ainda mais quando chegarmos em casa.
— Meu Deus, . O que você fez com a nossa casa?
— Você vai ver.
Entraram no carro e seguiram o caminho até a residência, ouvindo a barulheira traseira e as buzinas dos carros que passavam por eles, acenando em parabenizações e aplaudindo-os. não conseguiu segurar as pequenas lágrimas que se formavam.
estacionou o carro e eles desceram, recebendo assobios e comentários dos vizinhos curiosos que tinham ido até as janelas tentar entender que inferno de barulho era aquele na rua. não sabia mais como responder aos parabéns além de um ‘obrigada’ tímido, acompanhado de um sorriso e acenos leves.
Ao abrir a porta, ela viu do que ele estava falando, entrando em outra crise de riso. Uma placa colorida estava pendurada de um lado ao outro da sala com os dizeres ‘Eu chutei a bunda de um disgerminoma e você?’, acompanhado de balões adornando uma mesa com um bolo alto e vários camafeus, seus docinhos favoritos.
Ela logo correu para pegar um e o enfiou inteiramente na boca, soltando um gemido de prazer e satisfação ao ter seu paladar tomado pelo açúcar cristalizado e o espesso creme de nozes.
— Isso aqui é infinitamente melhor que o pudim do hospital - disse. — Não que seja muito difícil superar, mas, de verdade, está uma delícia.
Ela lhe deu um selinho açucarado em agradecimento.
— Nossos pais disseram que vêm mais tarde, acho que já estão a caminho. Como não precisamos de um novo ciclo nas últimas semanas, acho que fica tudo bem se abrirmos umas janelas.
Ela concordou.
— Está tudo certo, não precisa se preocupar. Só não garanto que eles vão encontrar os docinhos aqui quando chegarem. - E pegou mais um, fechando os olhos mais uma vez enquanto seu paladar era tomado pelo sabor que ela tanto amava.
— Ah, meu irmão disse que também vem - ele adicionou. — Vai trazer a nova namorada e disseram que vão se hospedar em um hotel para não dar trabalho para nós. Espero que não se importe.
— Não me importo - ela respondeu. — Se quer saber, até acho bom. Pelo menos o entretenimento do dia já está garantido.
concordou rindo.
— Adivinha qual foi a primeira pergunta que ele fez dessa vez.
— Você por acaso trabalha com alguma das outras mulheres com quem estou flertando abertamente? - chutou.
— Dessa vez ele está se abstendo de outros relacionamentos e está realmente namorando uma pessoa só. Mas quase isso. Ele perguntou vários detalhes sobre o trabalho dela, com medo de ela realmente ser amiga de alguma ex dele e o último caso se repetir.
Ela riu enquanto ajeitava uma das cadeiras que não estava tão bem alinhada quanto as demais.
— Tomara que ele tome jeito agora.
— Vamos esperar que sim. Porque eu não aguento mais ficar ouvindo as lamentações de quem só faz merda.
O telefone começou a tocar, assustando-os por alguns instantes.
— Deve ser a pizza - ele disse. — Sei como você adora e não come faz tempo, então arranjei um lugar que aceitasse encomendas para o almoço.
— Ou é seu irmão dizendo que já terminou com a garota e ela não vem mais.
riu, sabendo que a hipótese dela não deixava de ser igualmente provável.
— Vamos torcer para que dessa vez seja só a pizza - respondeu. — Alô?
Ela se apoiou contra a parede, tentando ler as reações dele à ligação para definir qual dos dois havia acertado.
, contudo, pareceu ficar em silêncio por tempo demais, com a fisionomia que ele só adquiria quando estava se esforçando para canalizar toda a sua atenção para algo. Ela achava simplesmente adorável a forma como um pequeno vinco se formava em sua testa, cheio de tensão por foco.
Mas estava preocupada. Não esperava ver aquela expressão ao menos naquele momento.
— O que é? Quem é? O que aconteceu?
Ele estendeu a mão, em um sinal que pedia que ela esperasse enquanto ele começava a concordar com o que era falado do outro lado da linha.
percebeu os olhos dele se tornando gradualmente mais úmidos. Estava prestes a voar em seu pescoço para que ele dissesse o que era e finalmente colocasse um fim à sua própria angústia quando ele abaixou o telefone, tapando o bocal com a mão livre e olhou para ela.
— É do centro de adoções - a voz saiu em uma leve oscilação. — Eles têm um menino de quase dois anos e querem saber se não temos interesse em visitá-lo.
Ela engasgou com a própria surpresa, levando a mão à boca instantaneamente em resposta ao choque.
— E sabe o mais louco disso tudo? O nome dele é Liam - comentou, finalmente deixando que uma lágrima rolasse a favor da gravidade.
Ela assentiu, soluçando enquanto suas lágrimas também corriam, como se competissem com as dele.
Naquele instante, naquele olhar tão profundo que compartilharam, estavam misturadas tantas sensações e emoções que nem com um dicionário em mãos eles saberiam dar conta de nomear todas. O destino às vezes sabia ser um belo de um desgraçado, mas suportariam esses momentos se, depois deles, viessem tempos como aquele.
respirou fundo, tentando se conter ao levar o telefone de volta à orelha.
— Pode marcar a visita.
já havia trocado a blusa de gola alta por um cardigan e o cardigan por um sobretudo. Ainda não estava satisfeita. Talvez fosse exagerado demais, quente demais. Ao mesmo tempo, conhecia a si mesma bem o suficiente para saber que não costumava deixar passar qualquer oportunidade de tremer de frio por aí e ouvir dizendo como tinha avisado que ela deveria ter colocado algum agasalho mais grosso. Era praticamente um ritual constante em suas vidas e ela já estava acostumada a girar os olhos com bom humor para ele.
Naquela noite, a lã batida teria que bastar sobre seus ombros.
Arrumou seus cabelos mais uma vez, escolhendo uma porção de fios anteriores para jogar por cima dos ombros, permitindo que eles caíssem em um quase cacho que emoldurava o pescoço longo. Retocou o rímel pela terceira vez, pensando em como seus cílios poderiam estar prestes a endurecer e cair se ela cedesse, mais uma vez, à sua ansiedade exageradamente perfeccionista.
Era, de certa forma, tosco e terno que ainda se sentisse tão nervosa depois de um ano de casamento e alguns outros de relacionamento antes disso. Mas era esse o efeito que continuava causando nela dia após dia, mesmo depois de todo aquele tempo.
E ela se lembrava de cada detalhe da primeira vez em que colocou os olhos nele. Com seu terno cinza claro e a camisa branca com os dois primeiros botões já abertos depois de alguns drinks, o sorriso dele a tinha feito derreter de imediato. ergueu a taça de champagne borbulhante, propondo um brinde bem humorado, e foi naquele momento que ela finalmente pôde dissolver sua curiosidade, descobrindo que o homem era o primo de Samuel, o noivo.
Samuel que tinha a mesa ao lado da sua no escritório e tivera a sensibilidade e a consideração de convidá-la ao seu casamento, mesmo conhecendo-a há pouco, já que havia se mudado para a cidade há menos de um semestre. Samuel a quem ela sempre seria eternamente grata por ter desempenhado, com o momento mais feliz de sua vida, a oportunidade a ela de conhecer o amor da sua própria.
Quando ela arranjou um motivo para se aproximar da mesa de canapés só porque ele estava lá, escolhendo um para si, sorriu da forma mais simpática e charmosa que sabia. elogiou o vestido, dizendo que a cor havia ficado linda nela.
Ela riu das piadas dele, que eram - quase todas - realmente divertidas. Ele quis ouvir suas histórias sobre a família no interior e os irmãos - ou ao menos soube fingir interesse com maestria. No fim das contas, tudo o que importava era que ele havia saído daquela celebração com o número dela no celular e havia decidido pular os joguinhos e discá-lo já no dia seguinte.
Eles estavam namorando antes mesmo que se dessem conta. O pedido veio apenas para formalizar um carinho e uma exclusividade que haviam crescido com a naturalidade do próprio desenrolar de uma vida.
Mas soluçou de tanto chorar quando chegou o de casamento, adornado com um anel brilhante em uma caixinha aveludada e todo o amor que ela não cansava de ver nos olhos de . Já estava dando pulinhos no lugar antes mesmo que ele pudesse terminar de se ajoelhar por completo. Disse sim tantas vezes que chegou a repassar a cena em sonhos - e talvez tivesse aceito o pedido neles mais dezenas de vezes, flutuando entre as nuvens do céu.
Os meses que se sucederam foram atribulados em um turbilhão de tarefas, mas divertidos na mesma medida. Os dois tinham levado uma semana completa só para ajeitar o próprio calendário e pensar na melhor forma de cumprir as horas obrigatórias de serviço semanal para poderem decidir juntos as questões de decoração, bolos, convites, comida e quaisquer outros problemas que viessem a aparecer.
A única coisa que havia feito sem tinha sido escolher seu vestido de noiva. Ela nem era apegada a superstições ou crenças antigas; só queria que aquele detalhe pudesse ser uma surpresa para ele. Queria poder ver em cada mísero movimento da expressão de seu rosto toda a emoção que só aquele momento poderia trazer. E ela tinha que admitir que chorou tanto quanto ele. E agradecia ao maquiador por ter usado somente produtos amplamente testados e garantidos quanto a seu caráter à prova d’água.
O bolo tinha sido de chocolate - o favorito dele - com morangos - o favorito dela. Eles dividiram o primeiro pedaço e duas taças de champagne da forma mais cafona e clichê que um casamento poderia pedir. Depois, dançaram a noite inteira, lembrando-se casualmente, vez ou outra, que não estavam sozinhos ali e várias outras pessoas estavam presentes para compartilhar daquela felicidade que parecia imensa demais para caber no peito.
se lembrava de cada instante com um sorriso doce, enquanto girava a aliança de ouro em seu anelar esquerdo, sentada no banco de trás de um táxi. Era incrível, no sentido mais puro e literal da palavra, que já estivessem um ano à frente daquele dia.
Pagou ao motorista o dinheiro correspondente à corrida e desceu em direção ao ar gelado, inspirando pesadamente a massa densa noturna enquanto olhava para a fachada do restaurante que havia escolhido. Não poderia ser outro. Tinha que ser exatamente o lugar que tinha assistido ao seu primeiro encontro, vendo-os dar risadas tão altas que assustaram os clientes ao seu redor pela inconveniência pouco costumeira em um lugar tão chique e refinado quanto aquele.
Ela deu os poucos passos que faltavam até a porta, empurrando-a e sentindo o aquecimento da temporada ruborizando seu rosto pelo contraste imediato de temperaturas. Permitiu que a porta se fechasse sozinha, vendo em sua frente o homem mais incrível do mundo, em seu melhor terno, usando - e ela não precisava nem se aproximar para saber - seu perfume favorito.
sorriu, sentindo os olhos em uma alta de lubrificação ao receber o buquê de astromélias, a representante botânica da amizade eterna. Selou seus lábios aos de , em uma prece silenciosa para que as flores estivessem certas e ele fosse sempre seu melhor amigo.
— Feliz aniversário - ele sussurrou, apertando-a em seus braços.
— Feliz aniversário - ela repetiu. — Eu te amo tanto.
— Eu amo mais.
Ela revirou os olhos, tão certa de que aquela era uma inverdade quanto estava de que aquela sempre seria uma discussão inútil de se sustentar, já que nenhum dos dois estava nem um pouco propenso a ceder.
As notas de um jazz suave se misturavam às nuances dos variados temperos, preenchendo o ambiente em complexa e palatável sinestesia. O casal pediu ao garçom o mesmo prato solicitado no primeiro encontro, disposto a manter aquilo como tradição enquanto possível fosse.
— Como foi no trabalho?
— O de sempre - ele deu de ombros. — Praticamente vomitei tudo que tinha que entregar para o chefe na reunião, morrendo de medo de atrasar para vir para cá.
riu.
— Ele deve ter achado que você era doido.
— Ou que estava com disenteria. Já aconteceu.
— ! Estamos jantando!
O homem escondeu a gargalhada com o guardanapo. Era simplesmente impossível não acompanhá-lo.
— E você? Como foi o seu dia?
— Samuel e eu estamos trabalhando em um caso novo - ela contou. — Um dos grandes. Reza a lenda que, se tudo der certo, receberemos um bônus bem generoso.
— Será que vamos finalmente completar o fundo de viagem?
Ela assentiu.
— Pelas estimativas da contabilidade, dá para fecharmos a viagem para a Suíça.
— Então isso merece um vinho - decidiu, acenando educadamente para chamar o garçom.
— Uma garrafa inteira.
A bebida e a comida chegaram e eles brindaram à Suíça, à vida e, acima de tudo, a eles.
— Você lembra que eu gaguejei no nosso primeiro encontro?
riu, sentindo a iminência do engasgo com o vinho pelo momento pouco apropriado para uma lembrança daquelas.
— Perfeitamente. Eu perguntando o que você fazia no tempo livre e você engasgando uma resposta. Não sei quem estava mais nervoso; você que nem conseguia falar ou eu que só falava merda.
— Não que isso tenha mudado muito.
ergueu as sobrancelhas, em uma feição de falso choque e ofensa.
— É o nosso aniversário de casamento - ela ralhou. — Você deveria estar me dizendo como sou linda, cheirosa, inteligente, divertida e a melhor parceira que você poderia ter em todos os sentidos; não confirmando que eu só falo merda.
O marido riu, flexionando o corpo levemente para a frente, apenas o suficiente para alcançar sua mão sobre a mesa de madeira nobre.
— Mas é porque essas coisas eu já falo sempre. Estou tentando inovar um pouco aqui, me dá um crédito.
— Sim, , vou te dar créditos por falar mal de mim - ela prosseguiu com a reclamação brincalhona.
— Não estou falando mal. É um elogio. É isso que te faz tão divertida, o que, aliás, era uma das coisas que você disse que queria ouvir.
A mulher revirou os olhos largamente, desvencilhando sua mão da dele para retomar a liberdade de levar o conteúdo arroxeado de sua taça à boca.
— Sabia que a Suíça é o quarto país do mundo que mais consome vinho per capita no mundo?
— Eles sobem para terceiro fácil enquanto estivermos lá - comentou, fazendo-a concordar avidamente mais pelo espírito da afirmação do que pela matemática que, claramente, não fechava.
Experimentar e apreciar bons vinhos - e alguns nem tão bons também - havia se tornado um hábito deles. Fosse acompanhada de queijos, massas, carnes ou apenas de uma boa conversa jogada fora noite adentro, eles jamais dispensariam sua assiduidade enófila.
Assim como acontecia exatamente naquele momento.
e sustentaram o bate-papo por mais uma longa hora que passou praticamente voando. Ele pagou a conta e a acompanhou até o carro, com a mão em sua cintura e o calor de seus corpos sendo compartilhado em uma oposição clara à temperatura.
A rádio que costumavam deixar como som ambiente tocava James Blunt no maior espírito de sofrimento e nostalgia possível. suspeitou que, se olhasse para si mesma no retrovisor, veria seu rosto se tornando verde em uma clara metamorfose a She-Hulk.
— Credo - murmurou, colocando a mão sobre a barriga que estava se tornando mais embrulhada que a sessão de brinquedos do shopping no Natal.
— Eu sei que você não gosta dessa música, mas passar mal com ela é um pouco demais, não acha? - brincou.
encontrou forças para socar seu braço direito, enquanto fechava os olhos para impedir que a iluminação da rua e a visão da cinestesia a deixassem ainda mais nauseada.
— Você é ridículo.
— Eu sei. Estava só brincando. Você está bem? Quer ir para o hospital?
— Claro que não. Deve ter sido o vinho. Eu só preciso colocar para fora. Não vou pagar um rim em assistência hospitalar para que um médico recém-formado me conte isso.
O homem apenas assentiu, tirando uma das mãos do volante para acariciar sua coxa em um carinho suave. Evitou os raros buracos e as curvas mais acentuadas e logo chegaram em casa.
não precisou pensar duas vezes ao ouvir o som do carro desligando. Destravou a sua porta e correu até a entrada, virando sua chave. Ainda mais rápido, subiu para o quarto de hóspedes e liberou todo o conteúdo estomacal no vaso sanitário em um jato único.
Depois de se certificar de que não havia mais de onde aquele havia vindo, levantou-se lentamente, sentindo a fraqueza como um vulto bagunçando os olhos. Caminhou até o próprio quarto, ignorando as perguntas do marido sobre seu estado até que tivesse escovado os dentes e feito um gargarejo intenso com enxaguante bucal. A última coisa de que precisava era daquele amargor na garganta.
— Você está bem?
Seus olhos eram preocupados e cuidadosos. se deitou ao seu lado, aceitando o toque dele em seus cabelos. — Acho que agora estou - respondeu. — Que grande porcaria pagar um jantar caro para não ter nem tempo de digeri-lo.
riu, balançando a cabeça.
— Sério que é com isso que você está preocupada?
— É óbvio! Se eu ia colocar tudo para fora, antes tivesse sido aquele lanche barato e de procedência duvidosa na frente do serviço.
— Você não existe.
— Preferia não existir mesmo.
— Já está fazendo drama. Sinal de que está bem.
— Desculpa por destruir nossa noite.
— Você enlouqueceu, ? Você não estragou absolutamente nada, para com isso.
— Tem razão. Foi aquele vinho delicioso. Ele é o culpado desse estrago todo.
se aconchegou às suas costas, passando um braço por ela e deixando um beijo sereno em seu pescoço.
— Nada e nem ninguém nunca vai estragar esses nossos momentos juntos. Foi perfeito, exatamente como da primeira vez.
sorriu, sentindo seus lábios em sua nuca, mais uma vez, enviando um arrepio gostoso pela sua espinha.
Antes de dormir, fez uma prece em agradecimento a qualquer que fosse o responsável por ter enviado um anjo para sua vida.
estava atrasada. E não atrasada para uma reunião, para um compromisso ou para qualquer outra coisa minuciosamente marcada na cronologia adequada do espaço-tempo. Ginecologicamente atrasada. Há pelo menos uns cinco dias. E ela costumava ter o ciclo menstrual mais regular de todos os tempos, com cinco dias de sangramento a cada vinte e oito dias exatos.
nunca se atrasava, cronológica ou ginecologicamente.
Seu primeiro pensamento foi que isso justificava o vômito repentino algumas noites atrás. O segundo foi um alívio momentâneo pela sinalização de que seu corpo não estava prestes a se tornar averso ao álcool e não havia problema algum com o vinho.
Na sequência, veio o pânico. A sensação de ‘meu Deus, o que raios eu vou fazer’, enquanto olhava para a própria barriga e pensava em coisas demais ao mesmo tempo para que pudesse sequer distingui-las. Como poderia estar grávida? Quer dizer, ela entendia perfeitamente como funcionava o sexo, a contracepção e a fecundação; mas como ela poderia estar grávida?
Mas recapitulando o último mês ela concluiu e aceitou que, de fato, poderia. E, enquanto caminhava a passos largos até a farmácia mais próxima, sua mente viajou sobre todas as mudanças que viriam automaticamente a depender dos risquinhos naquele dispositivo revelador.
O que ela faria com o emprego? E se precisasse se afastar durante os nove meses por alguma complicação ou risco inerente da gravidez? Logo agora que ela estava se sentindo confiante em sua ascensão gradual e no ganho de confiança óbvio que estava adquirindo em relação ao seu chefe e ao resto de toda a equipe. E se ela se mostrasse uma mãe de merda e colocar uma criança no mundo fosse apenas um ato de má-fé para com uma criança que literalmente jamais tinha pedido para nascer?
Mas, ao mesmo tempo, ela sabia que a intenção de adquirir posição materna havia sido um sonho e uma certeza desde muito pequena. nunca havia pensado, por um segundo sequer, em não ser mãe um dia. Era algo que havia se instalado com naturalidade em sua mente, sem imposições familiares ou sociais em uma sociedade que costumava esperar pouco mais do que isso de uma mulher. Ela realmente queria aquilo para sua vida. Então, talvez, um resultado positivo não fosse o fim do mundo.
Agradeceu ao vendedor da farmácia e enfiou o teste no fundo da bolsa, sentindo seu coração batendo com força contra seus tímpanos. Acabou sorrindo, após uma inspiração profunda e uma exalação prolongada. O medo momentaneamente silenciado por uma animação gradual e repentina.
Foi então que se lembrou de . Por Deus, ele iria acabar desmaiando com a notícia e depois fazer questão de contar aos berros para absolutamente todos os residentes desse universo que iria ser pai. Não seria nada fácil fazê-lo controlar sua euforia e fechar a boca por pelo menos três meses, que eram a margem mais ou menos segura de confiança para garantir que aquela gestação iria para frente.
E eles teriam que preparar o enxoval e um quarto para o bebê. E aceitar que toda a vida mudaria completamente assim que aquela pequena criatura começasse a dar os primeiros sinais de que estava ali e não pretendia ir embora tão cedo.
Mas isso não a assustava mais. Havia superado seu surto e, assim que trancou a porta do banheiro atrás de si - mesmo sabendo que estava sozinha em casa -, abriu o pacote e ficou olhando para aquele palitinho tão pequeno e aparentemente insignificante, mas que guardava as respostas de uma vida inteira. Literalmente.
Os minutos de espera foram os mais longos de toda a sua vida. Tentou abrir o Facebook, o Candy Crush, o Google e qualquer outro aplicativo, mas tudo parecia incapaz de chamar sua atenção por mais de meio segundo. Ela só queria que aqueles risquinhos ficassem prontos logo.
Quando o alarme que havia colocado finalmente tocou, praticamente voou até o teste, fechando os olhos e contando até dez antes de finalmente tomar coragem de encará-lo.
Dois risquinhos.
Ela sabia exatamente o que dois riscos significavam. Tinha um segundo ser ali. Sua mão desceu automaticamente para o baixo ventre, acariciando o local enquanto seu cérebro parecia se esforçar para dar conta de assimilar a novidade.
— Meu Deus do céu, o que eu vou fazer? - Levou as mãos à barriga rapidamente de novo. — Não, você não ouviu a mamãe se apavorando, ok? Era só brincadeirinha. Está tudo certo. Vai dar tudo certo. A gente vai arrasar. Toca aqui.
Ela riu de si mesma, enquanto limpava o teste e o guardava no fundo de uma das gavetas do banheiro. logo voltaria da caminhada que costumava fazer todo sábado pela manhã e ela precisava encontrar uma forma minimamente criativa para contar a novidade a ele, sem dispor de qualquer coisa fora de casa. Não havia tempo para comprar sapatinhos, uma camisa escrito ‘Melhor Pai do Mundo’, nem nada do tipo.
Começou a caminhar pelos cômodos, torcendo para que aquele passeio a fizesse ter uma ideia em um estalo. Por sorte, fora exatamente aquilo que acontecera.
Ao encontrar o computador do escritório ligado, ela correu até o dispositivo e trocou a senha dele. Foi tempo o bastante para ouvir o barulho da chave na porta e sair correndo de volta para o quarto, como se nada tivesse acontecido. Puxou o livro que repousava sobre a mesa de cabeceira e fingiu ler as palavras nas quais não conseguia prestar um pingo de atenção sequer.
— Que carinha é essa? - perguntou ao encará-la.
— Não tem carinha nenhuma.
Ele estreitou os olhos, como se estivesse ponderando e decidindo se acreditava ou não.
— Já sei o que é - estabeleceu por fim. — É saudade de mim. Quer um abraço?
Ela riu, encolhendo-se na cama.
— Vai tomar seu banho logo. Nem ouse encostar em mim suado desse jeito.
— Mas é só um abraço. É tão feio recusar o carinho de quem te ama - ele insistiu, aproximando-se a passos lentos com os braços abertos.
— Chuveiro, . Anda!
Entre gargalhadas, ele se trancou finalmente no banheiro. Ao ouvir o som das gotas pesadas sendo derrubadas com agradável pressão, ela finalmente tomou seu tempo para respirar fundo e tentar se acalmar.
andou a passos rápidos até a cozinha, decidida a se ocupar com qualquer coisa. Suas mãos correram automaticamente para as cápsulas de café, sobre as quais impediu seu movimento automático.
Ainda poderia ficar enchendo seu corpo de cafeína? Achava pouco provável. Já havia vacilado com o vinho - álcool ela tinha certeza de que não era recomendado para o bebê - e não queria cometer outro deslize em menos de um dia de consciência de que precisava agora cuidar de outra vida além da sua própria.
Abriu a geladeira e encontrou uma garrafa de suco integral de laranja, servindo-se de um copo alto e cheio. Não seria nem de perto sua pedida convencional, mas, aparentemente, aquela estaria entre a lista infinita de coisas com as quais ela ainda precisaria se acostumar.
Ouviu o exato momento em que fechou o chuveiro - um pequeno problema com o misturador barulhento que eles sempre diziam que consertariam, mas simplesmente nunca o faziam.
Ela continuou com seus longos goles de suco, sentindo os pequenos gomos naturais explodindo em sua boca, enquanto ouvia os passos de . Sua audição conseguia localizá-lo relativamente bem ao longo do corredor, ao passo que ela apertava os olhos apenas aguardando o momento.
As rodinhas da cadeira do escritório correram para frente, retornando à origem apenas alguns instantes depois. Os passos dele fazendo seu coração se esquecer de sua calmaria temporária.
— , você trocou a senha do computador?
Ela tentou forçar uma naturalidade.
— Ah, troquei, sim. É ‘vamos ter um bebê’.
A cabeça de surgiu no corredor, fitando-a.
— Como é que é?
— ‘Vamos ter um bebê’ - ela repetiu. — Tudo junto e minúsculo.
— Você está brincando comigo? - permanecia atônito.
Ela deu de ombros.
— Só se aquele teste positivo no banheiro estiver brincando comigo.
— Você fez um teste? Que horas?
— Enquanto você caminhava.
Ele tinha as mãos apoiadas na cintura, olhando para o vazio.
— É sério?
Ela aquiesceu.
A reação dele foi, finalmente, efusiva o suficiente para lhe causar um susto. a tomou nos braços, girando-a entre gargalhadas e pequenos gritos.
— Puta merda, puta merda!
riu, beijando sua clavícula com carinho.
— Puta merda - ele voltou a falar, dessa vez em um cochicho preocupado. — Eu preciso parar de falar palavrão perto de vocês dois.
— Tenho a impressão de que ele vai ouvir tanto isso da gente que nem vai se importar.
— Quem disse que é um ‘ele’?
— Tenho a sensação de que é - ela respondeu simplesmente.
Ele riu, concordando.
— Isso faz de nós pais horríveis? Falar besteira perto dele?
— Espero que não - ela suspirou.
balançou a cabeça descrente.
— A sonoridade disso é tão estranha - admitiu. — , nós vamos ser pais.
Ela moveu a cabeça, concordando com um sorriso estupefato.
— Eu vou ser pai - ele sussurrou de novo, abraçando-a ainda mais apertado. — Amanhã nós vamos ao laboratório fazer um exame de sangue, ok? E precisamos procurar um médico. Eu li em algum lugar que é muito importante começar com o pré-natal desde cedo.
riu, fazendo uma careta.
— Ok, então, senhor Eu-Leio-Matérias-Ginecológicas-No-Meu-Tempo-Livre. Como quiser.
— Tudo o que eu quero é que vocês dois estejam bem e saudáveis - ele se justificou, depositando um beijo sereno no topo de sua cabeça.
— Eu sei que sim.
inspirou pesadamente, antes de soltar o ar juntamente com o peso de seus ombros.
— Puta merda, . Eu sou o homem mais feliz do mundo todo.
O consultório era dolorosamente branco ao ponto de fazer arder a vista.
tinha decidido focar seus olhos no grande quadro colorido que ocupava a parede principal da recepção, observando as variações de suas linhas em uma mútua fuga do branco estéril e tentativa de relaxar.
batia os pés incessantemente contra o piso de porcelanato, fazendo suas mãos balançarem, juntamente com o pequeno envelope do laboratório que carregava mais uma confirmação hormonal da gestação.
Se fosse sincero, ainda parecia surreal demais. Ainda acordava pela manhã, levantava da cama e seguia sua rotina costumeira até, de repente, parar por um segundo e receber de volta a informação, parecendo parar bem no meio do seu cérebro para se certificar de que seria seu único foco de atenção. Ele seria pai. Pai.
E aquela mulher maravilhosa que segurava em suas mãos todo o seu coração seria mãe. Ele não precisava divagar muito para saber como ela seria incrível na função. Não havia coisa alguma em que ela parecesse capaz de não ser absolutamente perfeita, mas a farda de progenitora lhe caía melhor do que qualquer outra.
estava radiante mesmo em seus momentos de maior pavor, em que se perguntava repetidamente vários ‘e se’ que brincavam com sua criatividade de forma maligna, contemplando apenas o pior. já havia repetido ao menos algumas dezenas de vezes que deveriam adicionar os ‘e se’ positivos à lista, pois aquela estava sendo uma batalha injusta. E se ele fosse saudável? E se tivesse os olhos caridosos dela e o sorriso iluminado dele? E se ele gostasse de passar os domingos no parque? E se os obrigasse - e a isso eles agradeceriam - a passar mais tempo na piscina? E se ele fosse muito mais do que pudessem, um dia, ter sonhado? E se tudo fosse ficar bem?
— Jones? - Uma mulher de cabelos lisos e loiros chamou. — Pode entrar, por favor.
segurou sua mão, apertando-a levemente apenas para lhe assegurar pelo toque o óbvio: ele estava ali com ela e por ela. E não sairia de seu lado por um instante sequer.
Acompanharam a médica que parecia ter saído diretamente de um comercial de produtos capilares até uma sala à parte, onde se sentaram de frente a ela, separados por uma mesa de vidro fosco que sustentava um computador, uma impressora e alguns modelos em silicone de úteros, ovários e todas as outras coisas que os rodeavam.
— Então, como posso ajudar vocês?
olhou para a esposa, esperando que ela começasse a falar sobre a novidade dos últimos dias.
— Há uns dias, eu tive um enjoo repentino, mas achei que fosse algo que eu tinha comido.
Ou bebido, pensou ele; mas guardou a informação para si. já se sentia culpada o suficiente por ter bebido antes de saber que estava grávida. Ele não precisava mesmo voltar àquele assunto.
— Chegou a vomitar? - A médica questionou, enquanto seus dedos batiam rapidamente contra as teclas, anotando cada um de seus mais imperceptíveis suspiros.
— Sim - ela confirmou. — Uns dias depois, eu percebi que minha menstruação estava atrasada e eu nunca atraso. Tipo, nunca mesmo. Fui até a farmácia, comprei um teste e fiz. Positivo.
A mulher digitava, enquanto confirmava com a cabeça.
— Imagino que esse envelope na mão do seu acompanhante seja o exame de sangue.
— Isso mesmo - confirmou, estendendo o papel a ela.
Com a folha aberta, ela leu todas as letras e pequenos números digitados após o teste laboratorial, anotando os valores no prontuário. Não havia dúvidas de que aqueles eram níveis positivos para a gonadotrofina coriônica humana - o principal hormônio dosado nos testes gestacionais.
A médica prosseguiu com a sua anamnese, questionando várias coisas, como a data da última menstruação, resultado do último papanicolau, antecedentes familiares, doenças genéticas na família, uso prévio de contraceptivos e todo o tipo de coisas que pareciam cercar como um pequeno tornado pessoal de coisas sobre as quais ela não tinha pensado - e ela realmente tinha pensado em coisas demais.
— Bom, pelas minhas contas, estamos em um período razoável para fazer a sua primeira ultrassonografia e tentar estimar o tempo mais próximo de gestação. Não vamos ver muita coisa e definitivamente estamos a algumas semanas de poder sequer pensar em identificar o sexo, mas é um começo para fazermos um acompanhamento bem justinho ao longo dos próximos meses.
Existia uma atmosfera de acolhimento e segurança no tom de voz que ela aplicava em cada uma de suas palavras. Era o suficiente para permitir que finalmente completasse uma respiração completa com um pouco de calma, sem se sentir prestes a destruir cada uma das falanges de entre seus dedos.
Assegurada de que o exame não causaria qualquer dano ou dor ao bebê - frases que a ginecologista e obstetra basicamente havia decorado desde o primeiro dia desempenhando a sua especialidade -, recebeu um avental hospitalar e um saco para deixar suas roupas.
Deitada na maca, com o marido ao seu lado - sob autorização e pedido dela -, segurando a sua mão, ouviu todas as informações prévias de uma ultrassonografia transvaginal que ela já havia cansado de escutar ao longo de sua vida de rotina ginecológica. Estava longe de ser um dos exames mais agradáveis e confortáveis de se fazer no universo, mas, com o tempo, também havia deixado de parecer um grande problema.
O transdutor foi cuidadosamente internalizado, fazendo-a piscar com um pouco mais de força por alguns escassos instantes até aceitar normalmente sua introdução. Alguns movimentos foram aplicados, enquanto a ansiedade pairava como uma névoa espessa sobre eles.
Aquilo parecia estar levando mais tempo do que o necessário.
— Algum problema, doutora? - Foi que encontrou um fio de voz no fundo de sua garganta, enquanto engolia o bolo doloroso que havia se formado, prestes a lhe dar ânsia.
O silêncio durou os segundos mais angustiantes de toda a história.
— Só um momento - pediu, antes de se afastar e se retirar da sala.
não conseguiu permanecer deitada. Em instantes, estava sentada, empurrando para os pés a almofada que havia sido colocada logo abaixo de seu quadril. Seus movimentos eram bruscos e apavorados, como se estivesse prestes a correr para o colo de sua mãe - o que estava longe de parecer uma má ideia naquele momento. repousou a mão em suas costas, tentando fazê-la recuperar seu fôlego.
— Ei, ei, calma - pediu.
— Tem alguma coisa errada - ela disse, sentindo o coração batendo violentamente contra a caixa torácica.
— Não necessariamente. Não vamos tirar conclusões precipitadas.
Sua tentativa de acalmá-la havia acabado de alcançar o primeiro lugar em sua lista de coisas que o fizeram se sentir patético ao longo da vida. Era incomodamente ridículo tentar convencê-la de algo que ele próprio estava longe de acreditar.
A respiração descompassada era como um tambor de fanfarra totalmente fora de ritmo. E doía. Doía feito o próprio inferno trazido diretamente para o seu peito. Doía a cada gota de medo que parecia escorrer pelo tubo digestório e causar úlceras no fundo do estômago.
— O que eu fiz de errado? - questionou, sentindo a boca seca de repente.
— Você não fez nada. Nada, nada, nada - repetia, beijando o topo de sua cabeça com carinho. — Vai ficar tudo bem. Está tudo bem.
Ele duvidava de sua própria crença naquilo.
O barulho dos saltos finos batendo contra o piso capturou de volta a atenção do casal para a médica que, enfim, retornava. viu a esperança afundar dentro de si ao não encontrar nos olhos dela o sinal reconfortante pelo qual tanto havia ansiado.
— Peço desculpas por ter saído daquela forma - ela pediu, sentando-se novamente.
— O que aconteceu? - apertou os próprios braços por cima do avental que, de repente, parecia ter se transformado em uma camisa de força.
A longa inspiração era qualquer coisa menos reconfortante.
— Com o transdutor, deu para identificar uma dilatação uterina, o que era basicamente o que nós esperávamos. A questão é que, além disso, não tem nenhuma outra alteração no seu útero.
— Como assim? - A voz grossa de se fez presente.
— Por mais que eu movesse o aparelho, não pudemos identificar feto algum.
O rosto de se contorceu em uma careta. Uma risada anasalada veio na sequência.
— Isso não faz sentido nenhum. Todos os exames deram positivo. Você viu o exame de sangue. Ele estava positivo - sua voz era incisiva e, simultaneamente, passava a atingir tons mais altos que o normal.
A médica moveu a cabeça levemente em concordância. Era verdade. Aqueles testes raramente eram mal interpretados e este, definitivamente, não era o caso ali.
— Os testes de gravidez se baseiam, basicamente, na dosagem de beta HCG. E, sim, ambos os seus resultados foram positivos porque, de fato, você está apresentando uma elevação desse hormônio.
— Então como raios eu não estou grávida? - soou bem mais agressiva do que ela esperava, mas era como se tivessem rasgado alguma parte de si por dentro. Ela estava sangrando, exposta sobre uma maca, com a alma nua em desespero.
— Durante o exame, também foi possível perceber uma massa no seu ovário esquerdo. Não é motivo para desespero imediato. Não significa malignidade enquanto não forem realizados outros exames, mas precisaremos checar. Eu vou te indicar uma médica excelente na área e encaminhar os pedidos de alguns novos testes…
O cérebro de parecia ter encontrado o interruptor dentro de sua cabeça, decidindo desligá-la de vez. Nenhuma das palavras que vieram depois daquilo foram realmente ouvidas. Tudo o que sua audição era capaz de detectar eram os pequenos ecos em algum espaço oco de sua mente, rindo da dolorosa ironia que era toda aquela história. Ela havia caminhado para dentro daquela maldita sala com um bebê e estava prestes a sair dela sem ele, mas com um possível câncer de presente. O universo devia mesmo odiá-la com todas as suas forças acumuladas por múltiplos éons. Aquela era a única justificativa plausível para toda aquela merda que havia atingido sua cabeça com precisão balística.
— ?
A voz de a trouxe de volta em corpo, mas fosse lá do que seu âmago era composto, parecia ter se esfacelado por completo, correndo como pequenos grãos de areia escapando pelos espaços interdigitais.
— Podemos ir embora? - Foi a única coisa que ela conseguiu verbalizar.
Ele ergueu o olhar, procurando a confirmação da médica, que ele sinceramente esperava que já tivesse dito tudo. Não sabia se conseguiria suportar mais uma palavra que fosse enquanto canalizava toda a sua energia em se manter o mais inescrutável possível, evitando qualquer demonstração de reação ou emoção que só pioraria a situação.
O silêncio os abraçou como o aperto asfixiante de uma grande jiboia, perseguindo-os durante todo o caminho, enquanto os pedidos de exame repousavam sobre os bancos traseiros como um lembrete terminal do que poderia estar por vir.
empurrou a porta do carona sem força, deixando-a entreaberta enquanto subia a passos pesados em direção à suíte. trancou as portas e foi ao seu encontro, achando-a no banheiro, despindo-se das roupas e de sua angústia.
— Você precisa de alguma coisa?
— Só de um banho - ela respondeu, secamente.
— Quer que eu faça algo para comer? Ou um chá?
Ela respirou com esforço.
— Só quero tomar banho mesmo - repetiu. — Fecha a porta, por favor.
abaixou a cabeça levemente e obedeceu ao seu pedido, consolidando a barreira que parecia ter sido construída com uma velocidade assustadora entre eles.
Com as costas contra a porta e o rosto entre as mãos trêmulas, ele se permitiu desabar.
— Como você está se sentindo?
‘Vazia’ era o que ela queria responder. Já havia passado por mais fases do luto do que Kübler-Ross poderia ter cogitado definir. Ainda não tinha muita certeza se esse luto era sobre o filho que nunca existira ou sobre sua própria vida. Para ser sincera, não sabia exatamente onde se encontrava o limite entre uma coisa e outra àquela altura.
Havia passado pela negação; tentado com todas as suas forças seguir a sua rotina normal apenas para se convencer de que tudo estava bem e absolutamente nada havia mudado. Estava tudo bem. Menos quando se lembrava de que nada estava bem.
Veio a depressão, veio a barganha, veio o desespero, veio o incessante questionamento. Mais escandalosa que todas elas, veio a raiva. A descrença. A emoção angustiante de injustiça por ter que viver aquilo. O que raios ela havia feito para merecer toda aquela merda? Não estava certo. Se Deus existia - e ela, que sempre acreditara no fundo, começava a ter suas dúvidas -, como ele podia ser tão masoquista e cruel ao ponto de permitir aquilo? Ela não sabia se realmente acreditava em todas as palavras ruins e negativas que havia dirigido a Ele, mas, naquele momento, ela precisava arranjar um culpado para dividir o peso sobre seus ombros e Ele havia sido o sortudo da vez.
Até porque, sim, ela sabia que a culpa era dela. Era dela o corpo defeituoso e mentiroso, que havia decidido dar sinais falsos em um surto incompreensível de sadismo. Era dela o desespero por confirmações e resultados e por atribuir sentido lógico a tudo o mais rápido possível, por ser simplesmente incapaz de seguir a vida com qualquer incógnita à sua frente. Também havia sido dela a animação extrema e despreocupada, antes mesmo de fazer aquela maldita ultrassonografia. Talvez sua mãe estivesse errada no fim das contas; talvez ela pudesse - e devesse -, sim, ser mais pessimista. No mínimo, poderia lhe poupar de momentos como aquele. Ou amenizar a situação.
Por fim, deveria ter vindo algum tipo de aceitação, mesmo que sob a forma de auto-consolo ou auto-piedade. Contudo, aquela não parecia a definição mais acurada para o que ela sentia. não havia aceitado; nem de longe. só estava tremendamente cansada. Desgastada. Exausta. Não havia um só fio de energia percorrendo seu corpo para qualquer coisa que não fosse essencialmente vital - e, em alguns momentos de tristeza profunda, ela quase desejava que nem esses persistissem.
Mas tudo o que passava em sua mente era demais. E a última coisa que ela queria era ter de se esforçar qualquer segundo além do estritamente necessário em qualquer tipo de interação social. Era esse o único motivo que a levara a responder:
— Bem.
assentiu lentamente, incapaz de verbalizar o quanto não acreditava nela por um segundo sequer. Havia aprendido - algumas vezes por mal - que, na maior parte do tempo, era simplesmente mais simples e sensato apenas concordar. Mesmo que aquela fosse a maior mentira que ela havia contado desde a vez em que jurou para os pais que não havia bebido na festa de Ano Novo, porque estava terminando o período de tratamento de uma infecção de garganta com antibióticos.
— Quer outro travesseiro?
Ela balançou a cabeça, negando. O movimento evidenciava a profundidade aumentada na região clavicular, marcando a perda de peso recente de quem mal conseguia encontrar forças para se alimentar.
— Mas se der para fechar um pouco as cortinas - ela comentou. — Eu agradeço.
Ele cumpriu rapidamente sua vontade, puxando o tecido até quase encostá-lo à parede, deixando apenas uma pequena fresta da luz solar invadir o quarto.
— Está bom assim?
Ela concordou, sem muita emoção.
— Não vou estar aqui quando a direção do sol estiver prestes a queimar meus olhos, nessa posição. Então tudo bem.
Ela estava certa. Poucos minutos foram necessários até que a enfermeira e o médico voltassem, explicassem mais uma vez como seria o procedimento - mostrando vários pontos nos exames de imagem que apenas fingia entender - e perguntassem se ela estava pronta.
Ela não estava. Mas não achava que realmente tivesse essa opção.
— Pelos seus exames, acreditamos que não será uma cirurgia muito complicada. Temos ótimas perspectivas de que dará tudo certo - o médico assegurou, ignorando o fato de que nem isso era capaz de realmente fazê-la se sentir melhor.
havia criado uma certa aversão à voz dele. Era só ele começar a falar que ela era automaticamente transportada para a primeira consulta, na qual só o título de oncologista na porta do consultório era capaz de lhe causar intensa náusea.
Entretanto, deveria admitir, pouco tinha realmente ouvido naquele momento. Muitas palavras eram complicadas e cientificamente rebuscadas demais para sua paciência, por mais que o médico estivesse se esforçando em ser o mais claro possível com sua linguagem. , por sua vez, havia levado um pequeno bloco de notas e uma caneta esferográfica de ponta fina, em plena dedicação a anotar a maior quantidade possível de informações que pareciam pertinentes e soavam como coisas que acabariam sendo importantes no futuro.
Ele estava sendo ultra prestativo, atencioso e preocupado e, por mais que não conseguisse demonstrar, ela valorizava isso e era silenciosamente grata por ele não ter saído do seu lado, mesmo quando ela própria já não se suportava mais.
— Você tem alguma dúvida ou preocupação em relação ao procedimento?
Sua única dúvida era como fazer o termo "salpingo-ooforectomia" se parecer menos com um ultimato doloroso, como a nomeação do coletivo de cada um de seus demônios.
O procedimento em si ela já havia compreendido perfeitamente. O ovário com a massa seria retirado, junto com sua respectiva tuba. A partir dele seria realizada a biópsia, em busca de algum sinal de malignidade. Talvez ela precisasse de outros exames depois disso. Talvez precisasse de uma nova cirurgia. Talvez acabasse na quimioterapia, lembrando-se de todos os efeitos adversos que sempre eram mostrados nos filmes. E, mesmo não estando, ela se disse pronta e se despediu de enquanto sua maca era empurrada pelo corredor.
Ficou observando os detalhes de cada luminária firmemente presa ao teto, parecendo em movimento enquanto seu mundo psicologicamente parava. Queria se convencer de que não estava nervosa. Queria se conformar de uma forma quase fúnebre de que não existia mais uma fagulha sequer de esperança em seu corpo, mas havia. Existia uma parte de si que ainda havia ficado alheia à fase de aceitação, perdendo-se em uma inércia que negava a expectativa.
— Vou pedir que conte de dez a zero, de trás para frente mesmo - o médico pediu, ao longo da aplicação do anestésico e sedação.
— Dez - ela começou. — Nove… Oito… Sete…
Seus olhos se fecharam pesadamente.
— Seis… Cinco…
E a escuridão.
estava de joelhos em frente a um dos bancos da pequena capela mantida no hospital. Sabia que aquele era o local aonde iam, principalmente, aqueles que estavam orando por um milagre, esperando que seus companheiros, familiares ou amigos queridos simplesmente abrissem os olhos. Aquele não era o caso dele - ao menos ele esperava que não fosse. Mas ele havia sentido todas as punhaladas da vida nas últimas semanas, como milhares de pequenos cortes ardidos feitos por papel em sua pele, impedindo-o até de dormir.
Estava tão brutalmente cansado, que sentia cada músculo de seu corpo pesado feito chumbo. Havia chegado a se questionar quão grande seria o pecado se debruçasse sobre o apoio, mesmo que apenas para poder orar.
Nada na vida o havia preparado para o caos dos últimos tempos. Nenhuma força e coragem haviam lhe preparado para ter de ser forte por dois, ainda mais quando a outra pessoa era quem ele mais amava em todo o mundo. Nada doía tanto quanto vê-la tão frágil, desanimada e desolada. Ele percebia as olheiras se tornando progressivamente mais fundas, os ossos levemente mais proeminentes e a pele mais pálida depois de tantos dias se recusando sequer a abrir a janela.
E ele não estava lá muito melhor, apesar de estar se esforçando mais para fingir. No fim das contas, havia sido arrancada dele também toda a ideia, a alegria e a expectativa da paternidade. Como brinde, tinha recebido a dúvida desconcertante sobre aquela palavra de seis letras que era muito pior de ser dita do que qualquer tipo dos mais cabeludos palavrões. E, por mais que ele quisesse acreditar nas estatísticas positivas de prognóstico, o monstrinho em seu ombro o cutucava novamente para observar todos os poréns e tudo o que poderia ser ruim.
Esse monstro parecia estar se alimentando rápida e avidamente de suas inseguranças e temores silenciosos - que eram muitos -, ficando cada vez maior e mais insustentável. Mas ele não podia jogar nada disso em cima dela. Não era justo e nem sensível. Não falava sobre nada que esbarrasse no tópico, a menos que a iniciativa partisse dela. Não ficava reforçando lembretes sobre os horários de consulta e exames porque sabia que não ia lhe fazer bem algum. Não queria parecer desesperado, grudado demais, muito preocupado e assustá-la ou sugar dela o pouco de ar que lhe parecia restar. Por outro lado, continuava se perguntando se não era exatamente de seu apoio e de sua presença que ela precisava, mesmo demonstrando exatamente o oposto.
Todas as dualidades e conflitos dentro dele travavam batalhas incessantes e asfixiantes em seu peito, comprimindo sua traqueia como se uma mão gigante a apertasse. Era difícil ser forte quando tudo o que ele sentia era fraqueza. E medo.
Medo de complicações. Medo da depressão. Medo do resultado daquela maldita biópsia. Medo das consequências e do que viria depois dela. Medo de perdê-la.
Não era justo e nisso eles concordavam. De uns tempos para cá, ele só conseguia pensar em como apenas a minoria das coisas da vida realmente eram justas. E ela ainda tinha a coragem de cobrar força.
Os joelhos começaram a reclamar da pressão contra a madeira e ele juntou as mãos em prece, encarando as figuras que pareciam estar naquele altar já há um bom tempo.
— Acho que faz um certo tempo que a gente realmente conversa - ele murmurou. — Mas espero que possam me ouvir do mesmo jeito. Sabe como é, sem ressentimentos.
Ele soltou uma risada pelo nariz que mais parecia um suspiro de exaustão, incapaz de achar graça em sua tentativa de quebrar o gelo com quaisquer que fossem aqueles que estariam acima dele.
— Eu não sei dizer o que eu estou sentindo. Nunca fui muito bom nesse sentido; ao menos foi essa a desculpa que eu sempre dei quando me incentivaram a fazer terapia - admitiu. — E é, eu sei que não faz sentido e eu realmente só estava procurando um meio de me esquivar de lidar com todas as merdas que passavam pela minha cabeça. Mas foi a desculpa esfarrapada que eu encontrei. E estou divagando, então vou tentar me concentrar antes de ditar um testamento novo.
inspirou profundamente, soltando o ar dos pulmões em uma exalação pesada.
— Eu nem sei o que dizer. Eu estou desesperado. Completamente desesperado. Foi um soco na boca do estômago saber que não tinha gestação nenhuma depois de termos passado dias discutindo de que cor pintar as paredes do quarto extra, mas eu só fiquei real e totalmente sem ar agora.
Ele olhou para o teto, observando os detalhes do gesso enquanto tentava convencer as lágrimas a seguirem o caminho de volta para os dutos de onde tinham vindo.
— Eu não sei o que ela tem e não sei se realmente quero saber depois que essa cirurgia acabar, mesmo sendo inevitável. Às vezes eu só queria que o método de ignorar e esperar sumir fosse eficiente de verdade. A única coisa que eu posso te dizer com mais do que cem por cento de certeza é que eu não posso perder a . Eu não posso - a voz embargou. — E, por mais que eu nunca tenha falado isso em voz alta, puta merda, eu estou com tanto medo. Completamente apavorado.
Mas ele sabia que não precisava verbalizar isso para que qualquer um soubesse só de olhar em sua cara. Expressivo demais, ele nunca havia conseguido ser exatamente uma pessoa misteriosa.
— Eu daria absolutamente qualquer coisa no mundo para que ela não tivesse que passar por isso; qualquer coisa para que ela simplesmente melhorasse e isso tudo não passasse de um grande susto desnecessário. E o pior de tudo é que eu sei que existe um fundo totalmente egoísta nisso, que é o fato de eu não ter a mínima ideia do que fazer sem que ela esteja do meu lado. Eu não tenho direito de fazer isso ser sobre mim, mas o que me resta sem a aqui?
As lágrimas começavam a se acumular, unindo-se em um soluço nervoso que ameaçava se formar de maneira basicamente visceral no fundo de sua garganta. Seu maxilar e mandíbula se encontravam em estalidos de tremor, enquanto seu peito subia e descia aceleradamente.
— Então, por favor, por favor, não leva ela de mim.
se levantou custosamente do chão, sentando-se novamente no banco. Com os cotovelos apoiados no nos joelhos e o rosto escondido entre as mãos, ele decidiu ignorar o barulho que faria e a quem pudesse incomodar e colocou toda a sua angústia para fora.
Os dois dias de internação que se sucederam foram compostos de noites mal dormidas, dores nas costas, analgésicos e maratonas de Modern Family às quais nenhum dos dois estava prestando muita atenção.
A equipe de enfermagem tinha feito o possível para tornar aquele período mais confortável, levando travesseiros e cobertores extras, oferecendo doces pouco gordurosos e se mostrando absolutamente preocupadas com o seu bem estar e o máximo de conforto que se pudesse ter dentro de um hospital, ainda mais quando a espera pelo resultado da biópsia era sufocante.
— , - chamava, ainda se sentindo grogue depois de dormir com tanta medicação.
O marido abriu os olhos depressa, assustado, correndo até ela.
— Oi, tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
Ela soltou uma risada leve.
— Tudo bem, sim. Não precisa se preocupar. Só ia te pedir para pegar mais uma coberta. Estou com frio.
Ele assentiu rapidamente, pegando o cobertor que haviam deixado na poltrona e o esticando cuidadosamente sobre ela. usou as pontas dos dedos para dobrá-lo levemente ao redor do corpo dela, criando um tipo de casulo que pudesse aquecê-la melhor.
Levou o dorso da mão à testa dela e ao pescoço, apenas por garantia, procurando se certificar de que ela não estivesse com febre.
— Eu estou bem, é sério - ela reforçou
— Certo. Vai voltar a dormir?
Mesmo com todo o cansaço, ela não pôde evitar um pequeno sorriso ao olhá-lo. Tudo o que aquele homem havia feito e continuava fazendo por ela, nos melhores e piores momentos, era muito mais do que ela poderia esperar, com sua mania de não querer criar expectativas. havia levado ao pé da letra cada uma das palavras ditas há pouco mais de um ano: na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. E mesmo que soubesse que, por vários momentos, não havia deixado ele se aproximar como queria, ela sabia que ele não a culpava por isso. E era hora de deixá-lo entrar, independentemente do que viesse a seguir.
— Acho que vou aproveitar e tentar descansar mais um pouquinho, sim - respondeu. — Obrigada por cuidar de mim.
— Não precisa agradecer. Estamos juntos nessa, haja o que houver.
Ela aquiesceu, recebendo, com um sorriso, um beijo carinhoso na testa. Era impossível simplesmente dizer que tudo estava bem e não poderiam sequer dizer que ficaria bem; mas, por pior que fosse, estariam juntos e isso teria de bastar.
cochilou por mais algumas horas, acordando para almoçar. Comeu junto com o marido, enquanto ele contava as novidades dos casos românticos completamente fracassados do irmão mais velho, arrancando dela algumas risadas por saber que, fatalmente, parecia que a história para ele nunca mudaria.
O caso da vez havia se dado quando seu irmão decidira enviar um buquê de flores no aniversário de uma das mulheres com quem estava se relacionando, mas este foi recebido por sua colega de trabalho - outra mulher com quem ele também estava saindo. Ele nunca havia parado para se aprofundar muito em nenhuma de suas empreitadas profissionais e, por isso, não fazia ideia de que as duas trabalhavam juntas. Tinha certeza de que nunca havia dito qualquer coisa que pudesse fazê-las concluir que eram exclusivos, mas, aparentemente, era assim que ambas pensavam e as duas deram um lindo e dolorido pé na bunda dele em conjunto, com direito a vários adjetivos desgostosos como acompanhamento.
— Eu não acredito numa coincidência dessas - ela comentou. — Puta merda, que azar.
— Pois é. Mas é exatamente o tipo de sorte que ele sempre teve. Até para fazer algo legal, tipo mandar um presente, ele termina quebrando a cara com essas confusões que arruma.
Entre uma conversa e outra, a médica entrou no quarto com uma prancheta e uma pasta.
— Oh, vocês estão almoçando. Posso voltar depois.
— Não, já acabamos - ela disse. — Estávamos só conversando, mas pode falar.
— Ok. Bom, ocorreu tudo bem na cirurgia, como já devem ter explicado para vocês.
e assentiram. Ele buscou a mão dela, entrelaçando seus dedos. Ela os apertou com a força da apreensão da expectativa, sentindo a circulação sendo interrompida brevemente com a pressão das articulações.
— O resultado da biópsia acabou de ser enviado pelos patologistas e foi confirmada a malignidade do tumor.
trincou os dentes, odiando cada uma daquelas palavras. se martirizou por ter de admitir que já estava esperando por aquilo enquanto só conseguia se lembrar de sua mãe reclamando constantemente que pensamentos negativos apenas poderiam atrair coisas ruins.
— O que encontramos foi um disgerminoma ovariano, que é um tumor de células germinativas. Considerando o estágio e o quão avançada estava a disseminação das células neoplásicas, a cirurgia já fez uma boa parte do processo. Vamos repetir alguns exames para confirmar isso.
— Mas? - perguntou, sabendo que, em momentos como aquele, sempre havia um porém.
— Mas provavelmente ainda vamos precisar de algumas sessões de quimioterapia. Esperamos que sejam poucos ciclos.
— Quão preocupante é a situação? - tomou a coragem de realizar a única pergunta que nublava sua mente.
— Ainda não podemos dizer com muita certeza antes dos exames, mas acreditamos que o diagnóstico foi feito a tempo para podermos ter perspectivas muito boas com esse tratamento.
balançou a cabeça lentamente, absorvendo aquilo tudo. Em suma, pelo que ela havia entendido, era ruim, mas poderia ser pior. Provavelmente não a mataria, mas já tinha causado alguns estragos e causaria outros mais. Não soava como a perspectiva mais animadora do mundo, mas parecia haver um potinho de esperança e ela estava cansada de se iludir, repetindo que não queria agarrá-la.
— Alguma dúvida? - Foi o questionamento da médica.
— Quando eu posso ir para casa?
A mulher sorriu de forma simpática e quase aliviada.
— Até o fim da tarde você vai ser liberada para terminar a recuperação em casa. Mais tarde voltamos com os pedidos de exame e as próximas instruções, ok?
assentiu, assistindo à médica indo embora. manteve o toque firme em sua mão, recusando-se a sair dali assim.
— Amor - chamou. — Como você está?
Os olhos dela minaram como o fio de um lençol freático recém-escavado. subiu desajeitadamente na cama, colocando-se ao seu lado e passando o braço ao redor do seu corpo, acolhendo-a contra seu corpo com cuidado para não movimentar os acessos venosos.
Ela deixou que ele a abraçasse, levando a mão livre ao peito dele e apoiando ali a sua cabeça. logo sentiu as próprias lágrimas escorrendo pela face.
— Vai ficar tudo bem - disse baixinho, sem ter muita certeza se estava tentando convencer a ela ou a si mesmo.
— Vai - ela concordou, com um sorriso entristecido. — Mas eu não sei se vamos conseguir ter o Liam depois disso tudo.
sentiu um pequeno aperto no coração frente à menção do nome que eles haviam escolhido para o bebê que ela tanto insistira ter certeza de que era um menino.
Apesar de doer pensar sobre aquilo, não era nem de perto o foco de suas preocupações no momento.
— A gente vai dar um jeito. Eu te prometo que a gente vai fazer todo o possível.
— Eu não mereço você - ela concluiu, aconchegando-se a ele um pouco mais.
— Pode parar de falar essas besteiras. Eu posso te dar várias colheres de chá, mas essa não vai ser uma delas.
revirou os olhos, passando as pontas dos dedos ao redor dos olhos, tentando se livrar das lágrimas que ali se depositavam.
— Você vai se cansar de ter que cuidar de mim. Ainda mais com essa porcaria aqui agora - ela falou, erguendo o avental para mostrar o local dos pontos de linha preta da cirurgia.
correu os dedos delicadamente sobre os fios ásperos, fazendo a esposa estremecer levemente com o toque.
— Quer saber? Acho que você fica ainda mais sexy com essa cicatriz.
Ela gargalhou, meneando a cabeça.
— Você é completamente louco.
— Sou louco por você - ele retrucou, fazendo-a rir ainda mais.
— Meu Deus, quantos filmes clichês de comédia romântica você viu enquanto eu dormia? Parece que engoliu o repertório inteiro.
Ele deu de ombros.
— Acho que uns seis.
— Meu Deus do céu, essa internação criou um monstro.
Ele foi obrigado a concordar.
— Ainda tenho várias cartas na manga.
— Vai ter tempo de usá-las.
— Pode ir preparando sua paciência e as reviradas de olho, porque eu vou mesmo.
Enquanto ela ria, se inclinou, beijando de novo o topo de sua cabeça, enquanto ela o apertava um pouco mais nos braços, desejando pertencer àquele momento naquele lugar por tempo indeterminado. Cada pedacinho dela amava incondicionalmente cada pedacinho dele e ela nunca seria capaz de demonstrar o suficiente toda a gratidão que aquecia seu peito por tê-lo ali ao seu lado, sempre sustentando o melhor sorriso do mundo.
— O que acha?
Ela lia cada uma das linhas daquele relatório com os olhos mais ágeis do que a velocidade que a quimioterapia parecia disposta a permitir que o seu corpo alcançasse. Depois de três ciclos, ela sentia menos o impacto dos efeitos adversos - talvez por já estar psicologicamente preparada para eles, já tendo uma boa noção do que esperar. O intestino ainda ficava solto, a boca ficava seca, os olhos pesavam com o cansaço e ela se sentia pálida e fraca. Contudo, quando decidira se jogar de cabeça naquela batalha, havia também passado pelo processo mental de convencimento próprio em buscar sempre olhar para o lado bom das coisas, especialmente quando o lado ruim parecia tentar gritar mais alto, apenas para se certificar com toda a garantia de que estava sendo percebido em tom alto e claro.
Era por isso que ela preferia pensar no fato de que os oncologistas estavam animados com o prognóstico ao ver cada um de seus exames de rotina melhorando ainda mais com a resposta incrivelmente adequada ao tratamento. E, agora que eles diziam que ela estava praticamente livre da zona de perigo, ela havia surgido de repente com aquela ideia louca que abraçou com afinco tão rapidamente.
Ela terminou de ler cuidadosamente os documentos e descrições intimamente detalhadas de suas vidas e anseios mais pessoais e os devolveu ao marido.
— Se eles não nos acharem simplesmente o máximo depois de ler tudo isso, eu desisto do mundo - ela comentou, devolvendo-lhe os papéis.
Ele suspirou aliviado, concordando em gênero, número e grau. Tinha passado alguns dias de estresse contínuo e sono entrecortado pensando na melhor forma de preencher a papelada para entrada no sistema de adoção, tentando escolher a dedo as melhores - e mais sinceras - palavras para dizer e expressar o quanto queriam aquilo e como estavam dispostos a serem os melhores pais de todo o universo.
Tinha contado a história de como nunca haviam sentido tanta alegria na vida como no momento em que pensaram estar esperando um filho e como tudo isso havia sido arrancado deles de uma forma dolorosa e quase maquiavélica por parte do regimento do universo. provavelmente nunca mais conseguiria ser mãe pelos meios biológicos de reprodução, mas estava mais animada do que nunca ao enxergar essa nova possibilidade, que estava lhe dando tanta força para seguir com cada uma daquelas curtas internações em que tantos protocolos e medicamentos de nomes esquisitos e cheios de consoantes demais eram colocados para correr em suas veias.
Eles realmente tinham se jogado de cabeça naquilo, mesmo com todos os entraves, as burocracias, o possível tempo de espera e os comentários ignorantes e não solicitados de algumas pessoas que simplesmente menosprezavam a adoção como se a paternidade não biológica formasse uma família com laços menos válidos e verdadeiros. não conseguia suportar a besteira naquilo e já tinha xingado essas pessoas sem nem precisar pensar duas vezes. Como podia ser menos válida uma família que, além de todo o amor e carinho de outra qualquer, havia se escolhido? Poucas coisas na vida eram mais belas que aquilo e nada tiraria isso de suas mentes.
E não importava como o sistema fosse demorado e, por muitas vezes, completamente exaustivo. Estavam dispostos a esperar se preciso fosse. A única coisa que escrevera no campo “Preferências” havia sido: “uma criança disposta a receber todo o amor do universo”. Simples assim. Sem cor. Sem sexo. Sem idade. E por mais que algumas pessoas pudessem pensar que eles estavam apenas enfeitando o formulário para parecerem boas pessoas, eles sabiam, no fundo de seus corações, que aquela era a mais pura verdade e era só isso que realmente importava.
— Amanhã eu levo as coisas para eles - concluiu, respirando fundo ao sentir a adrenalina da expectativa despertando. — Nós vamos mesmo fazer isso.
assentiu animada, enquanto lhe estendia a mão gelada.
— Vamos - concordou. — E vamos ser muito, muito felizes.
Ele tinha certeza de que sim. Se pudessem compartilhar todo o amor incondicional que sentiam um pelo outro com mais um pequeno ser, não estariam dividindo o sentimento e, sim, multiplicando-o.
— Eu não acredito que você fez isso - ela disse, rindo ao ver o carro deles.
O vidro traseiro estava pintado com os dizeres “Eu venci o câncer” e cheio de laços cor de rosa, além de latinhas barulhentas amarradas à base como no veículo pós-matrimônio de recém-casados.
— É um evento importante e eu acho que todo mundo é obrigado a saber disso.
Ela concordou, abraçando-o com toda a força que tinha.
— Eu nem acredito que acabou.
— Pois acredite - ele respondeu. — Você venceu.
— Nós vencemos. E eu nunca vou conseguir te agradecer o suficiente por ter ficado do meu lado e ter me apoiado tanto, mesmo nos meus piores momentos.
— Você não precisa me agradecer. É isso o que fazemos por quem amamos.
Ela sorriu ternamente ao concordar.
— E eu te amo mais do que tudo nessa vida - disse.
— Vai me amar ainda mais quando chegarmos em casa.
— Meu Deus, . O que você fez com a nossa casa?
— Você vai ver.
Entraram no carro e seguiram o caminho até a residência, ouvindo a barulheira traseira e as buzinas dos carros que passavam por eles, acenando em parabenizações e aplaudindo-os. não conseguiu segurar as pequenas lágrimas que se formavam.
estacionou o carro e eles desceram, recebendo assobios e comentários dos vizinhos curiosos que tinham ido até as janelas tentar entender que inferno de barulho era aquele na rua. não sabia mais como responder aos parabéns além de um ‘obrigada’ tímido, acompanhado de um sorriso e acenos leves.
Ao abrir a porta, ela viu do que ele estava falando, entrando em outra crise de riso. Uma placa colorida estava pendurada de um lado ao outro da sala com os dizeres ‘Eu chutei a bunda de um disgerminoma e você?’, acompanhado de balões adornando uma mesa com um bolo alto e vários camafeus, seus docinhos favoritos.
Ela logo correu para pegar um e o enfiou inteiramente na boca, soltando um gemido de prazer e satisfação ao ter seu paladar tomado pelo açúcar cristalizado e o espesso creme de nozes.
— Isso aqui é infinitamente melhor que o pudim do hospital - disse. — Não que seja muito difícil superar, mas, de verdade, está uma delícia.
Ela lhe deu um selinho açucarado em agradecimento.
— Nossos pais disseram que vêm mais tarde, acho que já estão a caminho. Como não precisamos de um novo ciclo nas últimas semanas, acho que fica tudo bem se abrirmos umas janelas.
Ela concordou.
— Está tudo certo, não precisa se preocupar. Só não garanto que eles vão encontrar os docinhos aqui quando chegarem. - E pegou mais um, fechando os olhos mais uma vez enquanto seu paladar era tomado pelo sabor que ela tanto amava.
— Ah, meu irmão disse que também vem - ele adicionou. — Vai trazer a nova namorada e disseram que vão se hospedar em um hotel para não dar trabalho para nós. Espero que não se importe.
— Não me importo - ela respondeu. — Se quer saber, até acho bom. Pelo menos o entretenimento do dia já está garantido.
concordou rindo.
— Adivinha qual foi a primeira pergunta que ele fez dessa vez.
— Você por acaso trabalha com alguma das outras mulheres com quem estou flertando abertamente? - chutou.
— Dessa vez ele está se abstendo de outros relacionamentos e está realmente namorando uma pessoa só. Mas quase isso. Ele perguntou vários detalhes sobre o trabalho dela, com medo de ela realmente ser amiga de alguma ex dele e o último caso se repetir.
Ela riu enquanto ajeitava uma das cadeiras que não estava tão bem alinhada quanto as demais.
— Tomara que ele tome jeito agora.
— Vamos esperar que sim. Porque eu não aguento mais ficar ouvindo as lamentações de quem só faz merda.
O telefone começou a tocar, assustando-os por alguns instantes.
— Deve ser a pizza - ele disse. — Sei como você adora e não come faz tempo, então arranjei um lugar que aceitasse encomendas para o almoço.
— Ou é seu irmão dizendo que já terminou com a garota e ela não vem mais.
riu, sabendo que a hipótese dela não deixava de ser igualmente provável.
— Vamos torcer para que dessa vez seja só a pizza - respondeu. — Alô?
Ela se apoiou contra a parede, tentando ler as reações dele à ligação para definir qual dos dois havia acertado.
, contudo, pareceu ficar em silêncio por tempo demais, com a fisionomia que ele só adquiria quando estava se esforçando para canalizar toda a sua atenção para algo. Ela achava simplesmente adorável a forma como um pequeno vinco se formava em sua testa, cheio de tensão por foco.
Mas estava preocupada. Não esperava ver aquela expressão ao menos naquele momento.
— O que é? Quem é? O que aconteceu?
Ele estendeu a mão, em um sinal que pedia que ela esperasse enquanto ele começava a concordar com o que era falado do outro lado da linha.
percebeu os olhos dele se tornando gradualmente mais úmidos. Estava prestes a voar em seu pescoço para que ele dissesse o que era e finalmente colocasse um fim à sua própria angústia quando ele abaixou o telefone, tapando o bocal com a mão livre e olhou para ela.
— É do centro de adoções - a voz saiu em uma leve oscilação. — Eles têm um menino de quase dois anos e querem saber se não temos interesse em visitá-lo.
Ela engasgou com a própria surpresa, levando a mão à boca instantaneamente em resposta ao choque.
— E sabe o mais louco disso tudo? O nome dele é Liam - comentou, finalmente deixando que uma lágrima rolasse a favor da gravidade.
Ela assentiu, soluçando enquanto suas lágrimas também corriam, como se competissem com as dele.
Naquele instante, naquele olhar tão profundo que compartilharam, estavam misturadas tantas sensações e emoções que nem com um dicionário em mãos eles saberiam dar conta de nomear todas. O destino às vezes sabia ser um belo de um desgraçado, mas suportariam esses momentos se, depois deles, viessem tempos como aquele.
respirou fundo, tentando se conter ao levar o telefone de volta à orelha.
— Pode marcar a visita.
FIM
Nota da autora: Ufa, chegamos ao fim! Essa história mexeu bastante comigo enquanto eu a escrevia e espero que tenha tocado vocês um pouco também.
Alguns detalhes inerentes ao tratamento e ao próprio processo de adoção - especialmente cronológicos - foram suprimidos ou modificados por conta do andamento da história, mas acho que vocês entenderam bem o que eu quis passar hahaha.
Espero do fundo do meu coraçãozinho que vocês tenham gostado <3
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Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
01. Mine
02. Blow Me (One Last Kiss)
02. Dance Again
02. Don't Let It Break Your Heart
02. Stitches
03. Dear Patience
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. Consequences
06. Falling
06. If I Could Fly
06. Love Maze
07. Bossa
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08. Answer: Love Myself
08. No Goodbyes
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11. Under Pressure
12. Be Alright
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. False God
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
14. Tonight
14. When You're Ready
15. Overboard
A Million Dreams
Daydream
Evermore
MV: Miracle
Not Over
Señorita
Wallfower
Alguns detalhes inerentes ao tratamento e ao próprio processo de adoção - especialmente cronológicos - foram suprimidos ou modificados por conta do andamento da história, mas acho que vocês entenderam bem o que eu quis passar hahaha.
Espero do fundo do meu coraçãozinho que vocês tenham gostado <3
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Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
01. Mine
02. Blow Me (One Last Kiss)
02. Dance Again
02. Don't Let It Break Your Heart
02. Stitches
03. Dear Patience
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. Consequences
06. Falling
06. If I Could Fly
06. Love Maze
07. Bossa
07. If Walls Could Talk
08. American Boy
08. Answer: Love Myself
08. No Goodbyes
09. When You Look Me In The Eyes
10. Is it Me
10. Simple Song
10. Trust
11. Boys Will Be Boys
11. Nós
11. Robot
11. Under Pressure
12. Be Alright
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. False God
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
14. Tonight
14. When You're Ready
15. Overboard
A Million Dreams
Daydream
Evermore
MV: Miracle
Not Over
Señorita
Wallfower