Finalizada em: Out/2023

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Vou manter a festa, não tem como desaparecer
Minha vida é só um carrossel girando por aí
Eu pago de novo só para não parar agora

— Achei uma tomada!
O grito de Henry foi soterrado pelo sinal do fim da aula. A agitação em sair do cubículo da sala e aproveitar 5 minutos de intervalo foi o grande motivo de ninguém ter se importado com o grupo de garotos que carregou um aparelho de som do tamanho da palma da mão até o fim do cômodo, conectando um longo fio na tomada acima do rodapé.
— E… Agora.
Ronan, de sorriso fácil e estatura inferior aos demais, pressionou o botão que deu início à um fio de som constante no meio da roda, emanando nada além de um ruído instrumental que aparentemente não significava muita coisa, mas que deixou todos os corações presentes em alta expectativa.
Louis, erguendo os ombros e acertando o boné, levou uma das mãos à boca e começou.
Dali, brotaram sons de percussão tão excelentes quanto uma bateria de carnaval. Os efeitos eletrônicos naturais logo foram sobrepostos pela voz de Mike, que moveu os ombros até cantar o trecho explosivo de: “sinto-me como um sonhador, não tente me acordar agora, boom boom boom”, e todo o restante observou as duas coisas juntas com muito interesse.
Mike balançava a cabeça para Louis à medida que o ritmo se inclinava, acelerava ou qualquer outra mudança que era implicitamente compreendida pelo olhar. Henry soltava os ombros à medida que Mike rimava com propriedade; Corbin era o único sentado, apreciando um sanduíche de frango enquanto seguia o compasso dos amigos com a cabeça, igualmente animado; Jack e Jimmy seriam os primeiros a aplaudir. E, claro, Susan se encontrava em outro universo ao cultuar as habilidades de Louis com as cordas vocais.
— Ah, fala sério — ninguém reparou quando o professor Miller finalmente chegou à soleira da porta, encarando aquela mesma cena habitual que não queria que fosse tão habitual assim. Aqueles garotos conseguiam transformar uma parte comum da sala de aula em um lugar viável para uma reunião de gangues — Já estou aqui, Mike. Louis. Ei… Henry… — ele tentou, mas o barulho era alto demais. Os garotos estavam mais preocupados com o fim da rima de Mike e no recorde do agudo de Louis do que em se lembrarem de que ainda estavam na escola. Ou melhor, de que estavam no último ano.
O jovem professor ainda esperou por mais alguns segundos para que fosse notado, mas era inútil. Se não quisesse perder mais tempo, precisaria fazer o que só podia ser feito quando se tratava daqueles desajuizados: avançar para o meio da “apresentação” e puxar o fio da caixinha que fornecia a base do som.
Foi tiro e queda. Em um instante, os chiados de indignação vieram de todos os cantos, porque agora a plateia tinha se estendido para todo o restante dos alunos.
— Acham que estamos no meio de uma praça? Ou da mata? De qualquer lugar que aceite esse tipo de barbaridade? — as orelhas do homem estavam vermelhas pelos olhares chamuscados em cima de si; era uma das únicas vezes que Jason Miller tinha todas as atenções sem estar ensinando geometria espacial.
— Isso foi um pouco exagerado, senhor Miller — Ronan falou em sua voz baixa de sempre.
— Exagerado? Exagerado?! — ele olhou para baixo para responder a Ronan — E o acidente na ponte do rio Han, foi exagero? As bombas em Hiroshima e Nagazaki foram exagero? O coronavírus foi exagero? O…
— O senhor estava elogiando Oppenheimer na semana passada, professor — Jack colocou as mãos nos bolsos, vendo o homem ser desarmado por alguns segundos antes de erguer as costas e coçar a garganta.
— Vou dar dois segundos para guardarem tudo isso e voltarem para os seus lugares. Céus, esses garotos…
Ninguém tratou de dizer alguma coisa enquanto o professor se apressava para atravessar a sala, que lentamente ia se abarrotando de novo com os alunos certos. A turma 3-B era bastante conhecida pelos corredores da Academia Brenton, embora claramente não fosse pelo motivo que o professor Miller gostaria que fosse.
— Relaxa, cara. Temos a noite inteira — Louis esbarrou levemente nos ombros de Mike, que ainda tinha os olhos fixados no homem de óculos meia-lua perto do quadro negro, como se pudesse transmutá-lo em um hipopótamo.
— A noite inteira depois das 10 — o amigo respondeu, dando de ombros — O Kaliente hoje vai fechar mais cedo. Estamos sem queijo para as pizzas de pepperoni.
— E para as pizzas de queijo, gênio — Corbin suspirou, virando-se de frente para o quadro; sua praticidade o tinha feito apreciar o show do próprio lugar.
— Tanto faz — Louis revirou os olhos — Podemos nos encontrar na garagem, a trava de…
— Essa é uma ideia interessante sobre uma quinta-feira — a voz inconfundível de Blaire barrou a frase de Louis. Ela estava acompanhada, como sempre, por suas escudeiras — Fazer barulhos estranhos por aí e tudo mais. Mas… Quais são as regras de não perturbação alheia que rola naquela área de Kentish Town? Acontece como as outras partes da cidade ou vocês são livres até a bateria dessa coisa ficar fraca?
Susan soltou uma risada perplexa. Mike deixou as pálpebras tremerem antes de desviar os olhos e Louis se manteve impassível, assim como todo o resto. Uma expressão que beirava ao tédio.
— Acho que ouvi um mosquito — Jack coçou a orelha. Jimmy sufocou uma risada pelo comentário.
— Um mosquito e a incidência de uma conversa com um shade de prostituição, não tô afim — Susan cuspiu as palavras com um sorriso ácido. Blaire deu um passo à frente, mas Skye a puxou para trás.
— Melhor a gente se sentar. Não viu que o hipopótamo já chegou?
Blaire não honrou a pergunta com uma resposta imediata. Em vez disso, reparou nos cantos da boca de Louis subindo e descendo rapidamente, aterrando um sorriso antes que se formasse.
Isso pareceu deixá-la ainda mais nervosa.
— Se eu vê-los se comportando como delinquentes de novo, vou deixar que meu pai saiba disso.
Com uma típica jogada de cabelo, a garota, que carregava o selo de representante de sala no peito, caminhou pela lateral do espaço até a primeira cadeira da fila.
— Patética — Louis se viu murmurando o adjetivo, fazendo Mike e Henry rirem na mesma hora enquanto os outros amigos voltavam aos seus respectivos lugares, esperando que as garotas também fizessem isso.
Em vez disso, Skye franziu o cenho em sua direção.
— Não sei se tem consciência disso, Partridge, mas Blaire não está totalmente errada ao dizer que vocês se parecem com delinquentes — ela chiou com um deboche mínimo — Acha que é o máximo porque imita coisas que se compram por menos de 10 libras? Então talvez temos outro patético por aqui.
Henry abriu e fechou a boca várias vezes. Mike passou uma língua pelo lábio inferior, controlando-se novamente, enquanto Louis deu um passo em direção à garota, que não temia nada daquele garoto de calças largas e boné torto.
— Sai dessa, Johnson. Não tenho tempo a perder com soldadinhos.
Skye pareceu descrente. Como se Louis obviamente tinha tomado algo dela, e que fossem as palavras, ofensas ou até mesmo a pose. Revelou uma pseudo verdade que se tornava cada vez menos pseudo a cada vez que refletia sobre ela.
Soldadinho.
Ah, Partridge, seu grande filho da…
— Não vou dizer duas vezes, senhores — a voz de Miller tinha subido 3 oitavas comparado ao lugar de onde estava — Sentados. Agora mesmo. Antes que a lista de advertências seja obrigada a olhar seus nomes de novo.
Com um sorriso cínico, Louis encarou a garota enquanto se dispersava junto com os amigos pela classe, caminhando até seu lugar de praxe atrás de Jack, a duas fileiras de distância de Skye, mesmo que estivessem na mesma direção. O semblante da garota era assassino; ela certamente estava se corroendo por dentro por não ter sido capaz de revidar o garoto. Mesmo que algo a dizia que aquela não era uma boa hora.
Talvez houvesse consequências piores do que levar uma advertência caso tivesse feito. Consequências que soavam como querer parar de brigar e começar a ter uma conversa de verdade.
— Qual é o seu problema? — Jack sussurrou por sobre o ombro, mantendo um dos olhos focados no início do discurso de Miller — Vai brigar com a Johnson? Achei que iria chamá-la pra sair.
— Shiu! — Louis olhou para os lados automaticamente. Em seguida, ergueu os ombros para o meio da mesa, se aproximando da nuca de Jack — Estamos sentados do lado do Spike, esqueceu? Ele escuta na mesma proporção que cresce, dá pra entender? E bem… — ele diminuiu ainda mais o sussurro — Eu vou chamá-la pra sair, mas preciso manter uma cena na frente dos outros, esqueceu? Se os outros descobrirem…
— Se a Susan descobrir, você quer dizer — Jack interrompeu, mordendo o lábio para segurar o riso. Sabia que Louis estaria revirando os olhos, mesmo sem ver — Isso vai ser interessante. Muito interessante.
— Cala a boca — o outro murmurou, recostando-se na cadeira e levantando o queixo para observar a vizinha a duas fileiras de distância.

🎧


Sempre olhando para trás e eu não sei por quê
Algo sempre está lá no fundo da minha mente
Todos estão vivendo em uma uma via de mão única
Como você vai chegar lá, chegar lá?

Chegar à casa de Blaire não se comparava com chegar à casa de Skye.
Atravessar um regato a passos largos perto da borda de uma pequena mata do outro lado da cidade parecia um desafio grande demais para a filha do diretor da Academia Brenton. Sua relação com a amiga fazia com que se ignorasse quase tudo de sua criação — os bons costumes que, quando ditos por aquele palavreado arrogante, se tornavam maus costumes —, mas sempre que podia, mantinha um pé em cada margem daquele pequeno riacho, com o pânico crescente de encostar em fluidos de origem desconhecida.
Mesmo que fosse só água que subiu de uma fonte subterrânea.
Naquele dia em especial, Skye parecia uma pilha de nervos. Normalmente, isso tinha a ver com o clima — ela não gostava do inverno, ou de qualquer situação onde chovia, e toda aquela água encharcava a relva nos arredores da grande casa. Era desesperador arrancar botas de poças e vice-versa. No entanto, o motivo parecia ser completamente diferente.
Tinha tudo a ver com Louis Partridge e seu sorrisinho convencido.
— Eu odeio ele — resmungou, largando as coisas ao pé da cama encostada na parede. Quem a acompanhou logo atrás foi Yaz, a terceira do trio, já que a primeira coisa que Blaire fazia ao chegar naquela pseudo fazendo era focar sua atenção em enfiar os pés e botas embaixo da água do chuveiro, torcendo para que conseguisse um carro por aplicativo na volta.
— Só o Louis pra atingir seu máximo de paciência — a amiga disse, jogando-se na cama — O que é bizarro, porque esses dias você estava cogitando a ideia de chamá-lo para sair.
Na mesma hora, Skye se virou para ela, com os olhos esbugalhados de alerta. Sussurrou, quase sem abrir a boca: “A Blaire está aqui!”, e repetiu com certo desespero na feição, porque se Blaire escutasse uma coisa daquelas, adeus à toda a sua paz.
Yaz entendeu o recado, e não disse mais nada. Mas não queria dizer que não estivesse esperando por uma resposta, de qualquer jeito.
Com um suspiro, Skye respondeu:
— Isso foi só uma brincadeira, Yaz, por favor.
O cenho franzido da outra indicava que não tinha sido convencida. Skye a olhou firme, advertindo-a a fazer um comentário explanado. Estavam separadas de Blaire apenas por uma porta, e sabe-se lá quanto tempo ela dedicaria aos próprios sapatos de marca naquele dia.
— Bem, isso é um alívio — Yaz disse com um levantar de ombros. Ela olha para trás por um instante, só para se certificar que Blaire ainda não estava se juntando a elas — Porque fala sério, quem iria querer sair com aquele garoto doido que anda por aí fazendo beatbox? Ainda bem que você não perdeu o juízo.
Skye soltou uma risada fraca. Era o máximo que podia fazer agora: concordar. E, de forma alguma, voltar a tocar no assunto. Em poucos segundos, a porta do banheiro finalmente se abriu, e Blaire voltou a entrar no quarto com os sapatos intactos. As outras duas olharam em sua direção automaticamente.
— Eu disse: sem Valentino por hoje, Dorothea — ela murmura enquanto se senta ao lado de Yaz — Valentinos não são interessantes nas quartas-feiras. Gosto do conceito Mean Girls de usar rosa nesses dias, mas não na parte dos sapatos. Ainda mais quando precisamos vir pra essa região.
— Eu disse que podíamos pedir um carro — repetiu Skye. Ela puxa a cadeira da escrivaninha e começa a esvaziar o conteúdo da mochila.
— E eu disse que não vou quebrar. Pode quase acontecer, mas eu supero — ela encara as unhas da mão pintadas de vermelho. Por pior que possa parecer, Blaire realmente aguentava bastante coisa — A apostila. Vamos começar.
As três prontamente puxaram os respectivos materiais para fora, suspirando em derrota ao pensar nas páginas e páginas extenuantes de Genética Molecular que se propunham a aprender com certa antecedência. Afinal, era difícil encontrar três amigas que queriam exatamente a mesma coisa: Farmácia. E que tinham um ótimo cronograma de revezamento para alcançar isso.
Quando Yaz passou uma página com mais pressa, um outro papel dobrado pulou para fora, caindo no chão.
Blaire foi a primeira a se abaixar e pegar o objeto. E a cara que fez ao ler do que se tratava já dizia tudo que Skye precisava.
— Festival de hip hop? — ela pergunta para Yaz como se tivesse pego um flagrante — Por que isso estava com você?
— Esqueci de jogar no lixo — Yaz pegou o papel rapidamente, amassando e jogando na lixeira ao lado da escrivaninha de Skye — Estavam distribuindo na porta da escola. Louis e aqueles outros garotos.
— Os esquisitos — Blaire foi incisiva. Só mais alguns segundos e ela certamente completaria “os esquisitos e delinquentes”.
— Eles vão participar do festival? — Skye estica o olho sobre o papel amassado, perguntando em súbito. A vontade era de tomar aquele panfleto e verificar dia e hora, assim como tinha vontade de parar um pouco na soleira da porta da sala e observar a apresentação daquela rodinha um pouco mais.
Blaire levantou uma sobrancelha. Apenas uma, perfeitamente alinhada, daquele jeito que demonstrava que estava brava ou que ficaria brava.
— De que isso importa, Johnson? Vão passar vergonha de qualquer jeito, porque tenho certeza de que até naquela esquisitice existem pessoas que conseguem fazer melhor do que aqueles neandertais.
A expressão de Skye era perversa. Yaz tentou chamar sua atenção para que controlasse as linhas de expressão antes que Blaire pensasse demais e, consequentemente, a enchesse demais com isso.
Mas Skye era muito boa em deter as próprias emoções em relação à Blaire e, assim, só limpou a garganta e continuou:
— Você tem razão. Não tem importância. Onde paramos mesmo?
Ela tira os olhos da lixeira e volta a se concentrar em suas anotações, avisando a si mesma para parar de pensar demais.
Por que diabos ela se envolveria em um festival de hip-hop. De jeito nenhum poderia existir diversão em um antro de garotos fazendo barulhos de beatbox.
Pelo menos, era o que Blaire pensava. O que queria que as amigas também pensassem.
Mas Skye era muito diferente de suas amigas.


FIM.



N/A FIXA 📌: Obrigada por ter lido :)


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