Fanfic finalizada.

You start me up a million times

(POV: )

Dor.
Sofrimento.
Caos.
Não havia mais posição que desse certo para mim e nada parecia contribuir a meu favor. Até o som quase inaudível da geladeira na cozinha estava me irritando, atrapalhando a minha vivência através de toda a cobrança que estava sendo feita sobre os pecados que ainda não cometi. A visita mensal da natureza feminina já estava em tempo de me fazer querer ser homem, mas aí seria pagar por algo muito maior que qualquer pecado, algo muito além da capacidade humana.
Esse era o único momento em minha vida que eu sentia a confusão de uma carência. A vontade de ter alguém que me mandasse um belo doce suculento, com o bilhetinho mais fofo do mundo, ou que simplesmente existisse ali, para eu aporrinhar o tempo todo e descontar minha vontade de viver. Isso também era, de certo modo, raro.
Todas as vezes que eu fazia a pausa na pílula contínua vinha esse arrependimento mortífero.
Escutei duas batidas suaves na porta e tirei apenas a cabeça de dentro do casulo que fiz com meu cobertor.
— Entra. — disse com toda a força que meu útero surrado ainda tinha.
Aimé abriu a porta em seguida, colocando apenas um pouco da cabeça para dentro, deixando a claridade de fora entrar pela fresta. Cobri meus olhos.
Unnie... — ela disse receosa. — É seguro ou você vai querer o meu sangue?
— Ainda estou passando pela transição vampiresca, seja rápida ou a sua jugular será meu banquete. — resmunguei e assim ela o fez.
Vi que entrou com dificuldade, segurando uma bandeja com um bowl, e andou devagar até minha cama. Nesse meio tempo eu me sentei e liguei a luz do abajur.
— Trouxe caldo de ervilha para você, bem quentinho. Do jeito que gosta. — parada à minha lateral, esticou levemente a bandeja, exibindo seu sorriso doce.
A única glicose do momento. Observei a bandeja quando peguei, vendo que não era só o bowl com caldo que tinha ali. Havia uma mini garrafinha de Coca-Cola, dois comprimidos e um envelope.
Bem dizendo, exatamente o que eu pedi, mas sendo entregue por alguém que de forma alguma serviria para deitar de conchinha ali comigo — e eu também não teria capacidade de descontar em Aimé qualquer que fosse a raiva que eu tinha.
— Come primeiro. — Aimé ordenou, mas não escondendo sua ansiedade.
— Até parece. Não me conhece, menina? — ri fraco, pegando direto no envelope. Assim que o abri, vi um papel impresso com as diretrizes sobre um evento. Uma sessão de autógrafos do autor .
O meu autor favorito.
— O que é isso? — balbuciei. Aimé já estava sentada em minha cama, do lado esquerdo que sempre ficava vazio.
— A editora abriu uma sessão de autógrafos para o próximo sábado... Ainda não foi divulgado porque estão esperando sair a nota oficial sobre ser realmente o último livro dele e em qual unidade da Wang Bookstore vai ser. Eu consegui colocar seu nome em primeiro lugar.
— Espera. — pigarreei. — O , aquele autor que tem quase dez anos que publica livros best sellers e que jamais mostrou a cara, vai, finalmente, se revelar? — perguntei, seguindo meu raciocínio bagunçado. Ela apenas assentiu. — Cacetada!
— É a sua chance, unnie!
— Sim! Não acredito que você conseguiu isso! — me emocionei. — Vou derreter pelos olhos. — funguei o nariz. — Você é muito esperta, pagando o aluguel dos últimos anos da melhor forma possível, hein!
— Eu faço o que posso, unnie.
Ri de Aimé e me estiquei com cuidado, protegendo a bandeja no colo, para dar um beijo na bochecha dela. O que eu tinha na minha mão era muito melhor que ganhar doce ou a simples companhia de pseudo namorado. E tinha propriedades de cura.
📚

— Eu ainda não sei o que comer, estou com medo de qualquer coisa que possa me dar dor de barriga.
— Beba água. Pronto. — Gahyeon respondeu em um tom que eu poderia dizer, com toda certeza do mundo, que acompanhou uma revirada clássica de olhos. — Só, por favor, escolha logo e não deixe para escolher quando chegar lá.
Resmunguei qualquer sílaba e continuei a olhar a tela do meu celular, iluminando o cardápio do restaurante a qual havíamos escolhido para entrar na fila. Estávamos no shopping, algumas horas antes do meu grande momento na sessão de autógrafos de , e Gahyeon tinha se disposto a me acompanhar, com o pretexto de ter uma desculpa para chegar mais tarde em casa depois do trabalho e seu excelente marido estar com o jantar pronto.
Assim que me decidi, virei para ela ainda empolgada.
— Céus! Você parece uma criança prestes a ver uma ídola infantil. — ela riu de mim, devorando seu sorvete.
Aigoo... — cruzei os braços. — Você entenderia se estivesse no meu lugar.
— Duvido. — Gahyeon riu outra vez.
— É sério! Eu acho que nunca li outro autor de romance que tenha feito histórias tão tangíveis quanto ao . — suspirei. — As personagens dele são tão comuns, me identifico com todas.
Arqueando as sobrancelhas, Gahyeon me indicou que deveria virar para frente, fazendo eu notar ser a minha vez no caixa. Durante esse pequeno tempo entre eu fazer meu pedido e ir para o balcão ao lado retirá-lo, nos separamos, não era uma lanchonete grande o suficiente para ter uma distância tão longa, mas estava em um horário pós expediente no início da noite de uma sexta-feira, então a multidão nos separava mais.
Me coloquei na fila da retirada e voltei a fuçar meu celular, me sentindo cada vez mais ansiosa com meus pensamentos empolgados. Talvez nem se eu fosse ficar frente a frente com Taylor Swift meu coração estivesse tão acelerado assim — tudo bem que ela escreve sobre ela, mas com palavras que tornam suas próprias histórias as dos outros e eu me sinta muito presente na grande maioria de suas músicas, mas J.W. tem uma coisa diferente com sua escrita, com suas personagens tão variadas, ao mesmo tempo que familiares para mim.
Não notei quanto tempo foi passando enquanto eu olhava o celular, logo estava diante da retirada do meu pedido. Peguei a bandeja do meu bibimbap simples e segui em busca de uma mesa que eu e Gahyeon pudéssemos aproveitar juntas. Encontrar não foi fácil, mas eu consegui, entretanto, logo que cheguei, uma pessoa também tentou.
Para minha surpresa, alguém que eu não via há anos.
-ya?
Engoli a seco, vendo meu próprio reflexo pelas lentes bem limpas de ao erguer meu rosto. Cinco anos foram suficientes para fazê-lo se tornar vários centímetros mais alto ou era apenas o meu estado surpreso me fazendo sentir tão pequena?
— Sim. — respondi automaticamente. — É o meu nome.
— Que surpresa te encontrar. — polido como sempre, sorriu, mas sem mostrar os dentes (para o meu alívio). — Você está sozinha? — olhou em volta.
— Ah, não. Estou esperando uma pessoa. — por um momento, desejei que Gahyeon demorasse um pouco mais, não queria dar satisfações a ela.
— Ah sim... — ele recolheu a bandeja, usando uma mão para ajustar o óculos no rosto. — Melhor eu ir então.
— Ah, não! Por favor, fique com a mesa!
— Estou sozinho, é mais fácil para mim. — desta vez ele aumentou o sorriso, me fazendo pedir internamente que não mostrasse os dentes. — Foi bom te ver. Você parece estar... Ótima.
— Obrigada. — sorri minimamente, sendo formal no meu agradecimento com uma rápida reverência.
Que patético, me curvar formalmente para um ex-quase-namorado a qual já me viu curvada por outras coisas. Sem mencionar o fato de eu mal ter conseguido falar qualquer palavra decentemente.
Aish!
— Foi muito bom te ver de longe derretendo pelo gatinho míope. — Gahyeon chegou à mesa aos risos. — Credo, você está pálida demais, ! Nunca viu um homem antes?
— Já. E já vi esse muito antes. — suspirei, vendo-o bem ao fundo, por cima dos ombros de Gahyeon, encontrar um lugar sozinho e sentar para comer. — É um ex. Não sei bem se chega a ser ex, não chegamos a namorar, acho que eu estraguei tudo antes de ele chegar a esse finalmente. — ri de mim mesma.
— E como eu não sei sobre essa história?
— Não tem muito o que saber. — dei de ombros, misturando o molho no meu bibimbap. — Eu tinha acabado de entrar na universidade e ele também, só que como professor.
— Sua safada! — Gahyeon berrou, atraindo atenção, e eu a olhei feio. — Desculpa! Desenvolve melhor isso aí. — levou uma boa porção de seu lámen para a boca, mastigando enquanto falava.
— É isso. Não tem muito o que desenvolver. Estávamos em uma fase um pouco diferente, sabe?
— Besteira. Isso não existe. — ela fez uma careta.
— Mas é! Naquela época eu era pouco para o tanto que ele poderia ter. — dei de ombros novamente.
Nenhuma resposta de Gahyeon, sequer um comentário ácido. Ergui meu rosto e a encontrei me fulminando com o olhar e o macarrão parado no meio do caminho entre o bowl e sua garganta. Olhando em meus olhos, ela sugou tudo e mastigou sem piscar.
— De todas as merdas que eu já te ouvi falar nesses últimos três anos sendo sua única amiga naquela empresa, essa foi realmente a primeira da qual eu perderia meu tempo pra te socar a cara, Yoon ! — finalmente disse, com uma feição muito séria.
📚

— Sua vez, senhorita.
Guardei o celular na bolsa e bebi o último gole do meu café, erguendo o rosto.
O que fez meu coração acelerar e eu quase engasguei com o Iced Americano.
— Moça? Vem logo, por favor. — o rapaz ali na porta da sala surgiu outra vez em minha frente, tampando a figura alta dentro daquele ambiente reservado.
Atrás de mim não havia mais ninguém, eu era a última da fila que passou tempo demais ali atrás de um autógrafo do famoso autor misterioso. Meu estômago estava se revirando em uma mistura de arroz com folhas e um ovo, meu jantar naquele shopping, e a ansiedade me consumia com muitos questionamentos. Sequer havia qualquer coisa que eu quisesse perguntar decentemente a ele, afinal eu só pensava em agradecê-lo por criar pessoas tão possíveis de imaginar como as quais ele havia colocado nos inúmeros livros que escreveu e publicou.
Engoli a seco quando fui empurrada pela mulher atrás de mim, uma funcionária qualquer da livraria, e respirei fundo, logo notando que algumas coisas poderiam fazer sentido até demais a partir do momento em que meus olhos caíram sobre a figura esguia dentro daquela saletinha.
Em um rápido movimento analítico do meu cérebro algo se encaixou.
As iniciais eram de .
Como se não bastasse as discórdias do universo, era o meu ex, .
— Ora, ora... — disse com seu sorriso intrínseco, cruzando os braços.
Apenas me curvei rapidamente, como o costume formal — e a segunda vez dentro de algumas horas.
— Eu deveria saber que a essência ácida presente na identidade das histórias tinha mesmo algo de familiar. — respondi seca, perdendo todo o meu brilho de fã ao entregar o livro para a assinatura dele.
riu nasalado e curto, abrindo a contracapa e assinando, enquanto eu observava em volta os diversos seguranças dispostos pela livraria e a única mulher ali presente, com uma feição avassaladoramente séria.
— Achei que nunca mais fosse ver você, senhorita Yoon.
A voz dele carregava um tom tão superior nada parecido com o rapaz polido que não quis entrar em briga comigo por uma mesa, como se ao me ver ali, esperando em uma fila por algumas horas, fosse o suficiente para devolver a ele todo o tempo que gastou comigo antes de eu terminar com ele cerca cinco anos atrás. Imediatamente me senti uma idiota, mesmo sabendo que não tinha como eu saber antes — embora agora soasse meio óbvio pelas iniciais; imaginei muitas vezes o nome e o rosto de , não teria alguém capaz de me convencer que era o meu ex, o homem que garantiu que eu nunca mais me apaixonasse por alguém, o autor de livros tão profundos, com palavras tão viciantes.
— Eu também acho infeliz essa novidade. — suspirei derrotada, aceitei o livro de volta. — Me sinto Penelope indo de encontro ao inimigo. — citei uma de suas personagens.
— Penelope é uma personagem muito antiga, me acompanha há muito tempo, ... — ele se ajeitou na cadeira, apoiando os cotovelos na mesa e cruzando os dedos, que prenderam a caneta entre eles mesmos. O sorriso em seu rosto não mudava e eu estava com medo demais de ficar analisando-o. Eram detalhes que demoraram a sair da minha mente após minha decisão.
— Agora vejo que foi uma perda de tempo. — bufei irritada (e afetada) e ele soprou um riso nasalado. — O que tem graça?
— Você. — foi simples. — Você nunca perderá o orgulho, não é?
— Obviamente. Da mesma forma que você jamais perderá esse ar de superioridade. Cada um se vira com o que tem, . — e eu dei de ombros.
— Acabou o tempo.
Olhei para a mulher de feição séria, parada na porta de saída e voltei a encará-lo.
— Não vai fazer nenhuma pergunta ou comentário? — me perguntou, voltando a encostar-se no encosto e cruzar os braços. — Não era por isso que estava nesta fila?
— Eu estava na fila para descobrir o rosto do dono de livros viciantes. Mas infelizmente vou sair daqui preferindo quando eu não sabia quem ele era. — coloquei o livro dentro da minha ecobag. — Passar bem, senhor . — e lhe dei as costas, marchando para fora da sala.
No corredor de saída haviam inúmeras fãs histéricas e curiosas. Ali estavam as que não tinham conseguido uma senha para a sessão e eu fui abordada, quase não conseguindo sair. Custou para que eu pudesse me esquivar e finalmente encontrar meu caminho até a saída da livraria. Totalmente zonza, claro, mas consegui. E quando me sentei num dos lugares vagos no corredor, peguei o livro na bolsa, abrindo-o para ver a dedicatória.
— Filho da puta! — berrei, atraindo a atenção até da poeira. — Mas que porra de assinatura é essa?
“Nem sempre você. Mas todas as vezes você.” — .
Li e reli várias e várias vezes, sem entender uma letra que fosse. Era impossível que durante anos da minha vida eu estivesse me entregando em histórias e me redescobrindo dentro delas escritas por alguém que havia me conhecido mais do que a contracapa, mais do que eu havia sequer deixado outras pessoas. Dentre todos os homens no mundo, justamente saiu de meu ex para meu autor favorito.
E não havia qualquer motivo para que eu pudesse criar um ódio a mais por ele.
Dizer que ele era perfeito demais não seria plausível (primeiro porque ele é homem, segundo que isso é impossível — mais ainda pelo primeiro item).
Sempre me senti uma bocó por ter inventado essa desculpa de fases diferentes porque eu mesma não sabia lidar com o fato de ser tão bem sucedido, saber muito mais sobre a vida e estar alguns anos à frente de mim, por ser insegura. Claro que me apegar à desculpa de que ele poderia ter vindo atrás foi muito mais fácil, afinal, seria muito menos culposo para mim colocá-lo como principal responsável nessa confusão toda que eu criei.
— É seguro me sentar aqui?
Me virei, fechando o livro no instante que ouvi sua voz, e o encarei.
— Você deve estar muito confusa, me desculpe. — mantinha as mãos nos bolsos e estava com uma máscara no rosto, além do boné preto. — Se te serve como um certo consolo, este foi o meu último livro.
— O que? — minha voz sairia esganiçada, se não fosse pela falta de volume.
— Acho que, de alguma forma, minha fonte se secou. — ele riu fraco.
— Não, espera. Essa não é uma informação a qual seja tão importante agora. — guardei o livro e mantive a bolsa no meu colo. — Você tem ideia do que está acontecendo na minha cabeça?
... Se eu não tive ideia há cinco anos, acho meio difícil agora...
Nos encaramos por um momento.
Ele está certo, de fato. E isso fez minhas bochechas arderem.
— Não é que você não tenha capacidade para isso. Pra construir algo tão coeso e... Personagens tão... tangíveis. — comecei a me aprofundar nos meus pensamentos. — Aigo! ! Eu fui uma idiota. — levei as mãos ao rosto. — Eu vi no seu computador! Eu li o título de Poisoned no seu computador! Como nunca pensei sobre isso?
— Foi uma retórica, sim?
O encarei cética e antes que seu sorriso evoluísse para os dentes sendo exibidos, me virei para frente, recompondo meu estado de negação. Não era a melhor forma de encontrar ele após alguns anos.
— Não vai adiantar eu ficar aturdida assim. — murchei os ombros. — Me conta, por que acha que não consegue mais escrever? Que história é essa de que sua fonte secou?
— Bem... — ele ajeitou a postura. — Não acho seguro dizer... Não quero outra reação extra sua.
— Fala logo. Eu mereço saber. Fiquei horas esperando por isso aqui! — apontei o livro dentro da ecobag, querendo mencionar seu autógrafo.
— Tem certeza?
— Absoluta. — fui mais assertiva.
— Todas as histórias que leu não lhe foram familiares em algo? — tirou os óculos, sendo cauteloso ao dizer e massagear as têmporas.
— Ahn... — estreitei os olhos, encarando-o para tentar me conectar com sua linha de raciocínio.
— Penelope encontrando Kyungho no aeroporto, quando ela volta de Paris. Genevieve sendo a melhor da turma em literatura britânica. Felicia e Woobin se conhecendo na-
— Biblioteca. — completei com ele, falando quase em um sussurro. — Você... Você-
— Talvez seja esse motivo de você se sentir tão familiarizada com todas elas. — ele pareceu um pouco hesitante.
— Nem sempre você. Mas todas as vezes você. — repeti a frase de dedicatória em um tom sussurrado e ergui o rosto para ele.
— Me desculpe por ter te usado tanto assim, . Me desculpe por nunca ter ido atrás de você. Me desculpe por todo esse segredo.
— Quieto! — ergui um dedo, colocando-o por cima de seus lábios (com o tecido da máscara separando, claro). — Você me usou todo esse tempo e nunca pensou em me perguntar? Me ligar ou sei lá... Dividir os lucros comigo? — esbravejei, mas não de fato brava o suficiente.
O que ele estava confessando para mim, no corredor de um shopping quase vazio, sentado num banco, só nós dois, era um tanto poético demais para que eu simplesmente me sentisse ofendida (com exceção da parte do lucro, isso sim me afetou).
Antes que desmaiasse de nervoso, eu mudei o rumo, tocando em sua perna.
— Não se preocupe. Está tudo bem. Eu só... continuo confusa. — tentei sorrir minimamente para soar honesta.
— Você deve estar mesmo confusa. E eu vou entender qualquer chateação sua. — devolveu o óculos ao rosto, sem sombra de qualquer sorriso.
— Eu... Eu estou confusa mesmo. — ri nasalado. — Mas não estou chateada... Não sei definir... — comecei a cair em mim com a realidade dos fatos. — Chateada por você ter me usado e não dividir comigo os lucros talvez. — o olhei de soslaio e em um tom divertido. — Mas se... Se... Você se inspirou em mim para criar personagens tão ricas assim... Significa que eu nunca fui menos do que achei que você merecia. — mordi o lábio, envergonhada com a minha constatação. — Se eu sou polida como a Joane... Linda como a Myungho... Tão sagaz quanto a Penelope-
— Você sempre foi uma poesia completa para mim, . — como se estivesse batendo o martelo em um final de audiência, no papel de juiz, disse em tom firme e voz linear.
Virei meu rosto lentamente para ele, encontrando o sorriso cheio de dentes que eu estive evitando, desde o esbarrão na mesa. Ele estendeu o braço para tirar o meu cabelo do meu rosto.
— Isso foi demais para mim. — ri sozinha, fechando os olhos por um tempo. — Mas eu acho que depois de uma noite longa de sono, minha cabeça vai saber pensar melhor sobre tudo isso.
— Certo.
— Porém... — enchi o pulmão de ar e me levantei. — Jamais serei capaz de viver com a culpa de ser a sua falta de inspiração. — estendi a mão para ele. — Meu telefone não mudou, senhor , então, se você ainda quiser conteúdos, sei lá...
— Está se oferecendo para ser minha musa inspiradora? — ele pegou em minha mão, mas se manteve sentado.
— E eu não fui durante todos esses anos do seu sucesso? — disse como se fosse óbvio. E era, não era?
— Se for pensar assim...
— Então. Vamos trazer à vida todas as suas inspirações. O que acha? — apertei sua mão.
me encarou por um tempo antes de se levantar, ainda segurando minha mão, e tão próximo.
— Tem uma coisa que você precisa me contar, aliás. — sorri perversa, inclinando o rosto para encontrar os olhos dele. — Qual era o final alternativo de Penelope e Kyungho se ela tivesse aceitado a carona dele naquela chuva?
Ele riu, inclinando-se para frente e levando seus lábios até minha orelha e, depois de puxar um pouco da máscara para baixo, disse:
— Eu posso te mostrar se quiser.
Senti meu corpo todo vacilar e estávamos nos encarando novamente, muito próximos. E, ao contrário de Penelope, eu sorri gentil.
— Aceito a sua carona.

I need you around, got my head in the clouds

(POV: )

Prendi o cabelo num laço, um dos muitos da minha coleção. Os adornos de cetim e fita eram uma tentativa meio tola de manter contato com a minha garotinha interior, aquela que foi abandonada pelo pai e trazida para um mundo ao qual ela, claramente, não pertencia. Criar uma criança nascida nos Estados Unidos e fazê-la se sentir amada e acolhida quando ela é visivelmente diferente de todo mundo não é uma tarefa fácil, mas minha mãe e meu “paidrasto” conseguiram a façanha de fazer Seul, na Coreia do Sul, ser a minha casa. Apesar do bullying na escola, das crises de identidade na adolescência e de todos os problemas que vêm no pacote de uma garota distraída e insegura, minha mãe e DongHae se empenharam muito e me transformaram na jovem adulta que eu era: formada, independente e... feliz, eu acho?
Não me faltava nada, mas também não sobrava muito. Era bem verdade que eu conseguia, com meu salário de atendente de livraria, cobrir minhas despesas, fazer uma viagem ou outra e até comprar um perfume mais caro aqui e ali. Era bem verdade também que eu adorava morar no quarto que , minha melhor amiga e quase irmã mais velha, me cedeu no apartamento dela, e graças a essa ajuda eu tinha conseguido quitar um carro e juntar uma graninha para, logo mais, batalhar o cantinho só meu...
Mas também era verdade — e essa verdade já não era tão doce — que toda vez que eu ia a um café ou ao cinema havia um casal apaixonado esfregando na minha cara o que eu não tinha ainda. E por pura inveja e ciúme, eu desenvolvi uma certa preguiça aos rapazes que colocavam suas namoradas dentro de seus casacos quando o tempo esfriava. Às namoradas que deitavam a cabeça no peito de seus rapazes no metrô. E a todas essas cenas românticas que recheavam a maioria dos livros da Wang Bookstore, onde eu trabalhava há alguns anos. E para onde eu já estava atrasada.
Stewart! — a voz de atravessou a porta do meu quarto.
— Eu sei! — respondi, pegando a bolsa e as chaves. — Eu me atrasei, mas eu já tô in-
— Antes fosse só isso, sua maluca. — ela agitou uma panela suja que só então eu percebi que ela segurava. — Você foi aquecer o leite e esqueceu ele lá! Parece que ordenharam uma vaca no nosso fogão!
Corri para a cena do crime, encontrando tudo branco e grudento. Virei para com as mãos no coração e os olhos cheios de lágrimas. Tinha isso também: além de terrivelmente desligada e aérea, eu chorava quando achava que iam brigar comigo. , que me conhecia melhor que ninguém, apenas suspirou pesado e soltou a frase que eu mais ouvia desde que me entendia por gente:
— Você tem a cabeça nas nuvens, . — ela me chamou pelo apelido coreano que me deu. — Vai que eu limpo tudo aqui. Mas você fica me devendo.
Assenti e tomei meu rumo para a charmosa Wang Bookstore, uma das mais famosas livrarias do centro. Jackson Wang, o dono, tinha acabado de fazer uma reforma na cafeteria e uma ampliação no depósito, comprovando o crescimento do negócio e, graças a Deus, do meu salário. Era um trabalho simples, eu só tinha que catalogar os livros, ajudar os clientes a acharem seus títulos e fazer uma recomendação ou outra aos mais indecisos, no entanto, desde que o local começou a realizar encontros de fãs com a presença dos escritores, o movimento e as minhas atribuições aumentaram. Às vezes, sobrava para mim organizar a bagunça das prateleiras e até mesmo cobrir alguém no caixa. E era sempre o mesmo alguém, Somi, um desafeto de longa data.
Não era bem o que eu tinha em mente quando me formei em Biblioteconomia, eu admito. O que eu tinha em mente era bem mais ousado e quase fantasioso. Todo mundo tem um sonho meio impossível quando entra na faculdade, certo? O meu era publicar um livro infantil. Estava terminado, graças ao cronograma que me fez seguir, eu só precisava revisar e procurar uma editora interessada. No entanto, toda vez que eu abria o manuscrito, eu achava pior que da última leitura. Quanto mais eu olhava, mais defeitos eu encontrava, então eu engavetei o projeto para não achar mais nada.
Infelizmente, trabalhar numa livraria não me ajudava a esquecer esse meu delírio literário. A cada remessa de livros infantojuvenis que eu recebia, uma pontada discreta no meu ego vinha junto: “podia ser você”. Mas como não era, eu só lamentava internamente minha falta de sangue e de coragem, afastava o pensamento do sonho e seguia pelos fundos da livraria para começar meu dia.
O mesmo dia, todos os dias.
Talvez eu estivesse me enganando ao achar que não me faltava nada. Ironicamente, encarando com a minha cabeça de vento a minha rotina estoica, eu me via fazendo a constatação insossa de que, bom, faltava vida na minha vida.
Suspirei, tirei o casaco e guardei minhas coisas no meu armário cheio de adesivos. Pus o avental preto por cima da roupa e agachei para amarrar o cadarço do All Star, mas como eu só sabia fazer uma coisa de cada vez, a porta do armário ficou aberta e quase me acertou a cabeça quando levantei, não fosse a intervenção sorridente e fofa do rapaz do almoxarifado.
— Cuidado, noona. — Lee Chan me estendeu a mão livre, enquanto a outra fechava a porta que por pouco não fez um galo na minha cabeça.
— É o meu segundo acidente do dia e ainda não são nem nove da manhã. — puxei ele pela mão e o cumprimentei com um beijo na bochecha. — Aliás, quase acidente, você me salvou. — beijei do outro lado, dessa vez em agradecimento.
— Os cartazes do segundo evento do chegaram. — ele olhou para o chão timidamente, tocando o local beijado e mudando de assunto. — Posso começar a colocar?
— Por que você sempre me pede autorização antes de fazer alguma coisa?
— Porque foi o que me disseram quando eu cheguei aqui. — ele arriscou um olhar. — “Qualquer coisa, pergunte a noona.”
— Não sou sua noona.
— Você é sim. Você é mais velh-
— Shiu! — apertei o rosto dele até a boca fazer um bico. — Eu posso ter morado aqui a vida inteira, mas eu ainda sou estrangeira e ainda me ofende esse negócio de idade.
Noona não é só pela idade, é pela proximidade também. Gosto da senhora, noona. — Chan voltou a encarar o chão.
— Então não me chama de senhora. — comecei a caminhar e fui seguida. — Nem de noona. Nós somos amigos.
Lee Chan riu e apontou o balcão com o queixo, grande e marcado da barba feita recentemente, balançando a cabeça em negação logo em seguida. Bem atrás do caixa, o gerente, furioso, articulava algo ao telefone, enxugando a testa com um lenço.
— Nós vamos abrir em breve. — ele checou o relógio. — Esse é o tipo de coisa que eu preciso saber com antecedência, Somi. — uma pausa impaciente. — Tá, tá. Eu coloco alguém no seu lugar.
— Já sabemos quem. — sussurrei para Chan. — A princesa loira resolve faltar o trabalho e a aqui é quem se fod-
! — o gerente chamou antes que eu terminasse. O apelido, embora invenção de , não era exclusividade dela. — Preciso que você fique no caixa hoje, a Somi...
— Não vem. De novo. — murmurei, mas fiz uma menção de concordância. — Eu posso cobri-la.
— Obrigado. — o gerente se curvou. — Agora todo mundo nos seus lugares, já tem gente lá fora esperando.
— O dia vai ser longo... — lamentei baixinho, espiando pelos vidros a discreta aglomeração do lado de fora da livraria.
— Vai dar tudo certo, . — Chan fechou o punho para que eu desse um soquinho. — Se concentra no caixa e, quando o dia acabar, eu te levo pra matar um hambúrguer e falar mal da Somi.
— Se a gente vai falar mal dela, talvez eu precise de dois. E batatas fritas e um milk-shake.
— De chocolate! Combinado! — ele falou enquanto se afastava e eu comecei a abrir o caixa.
A manhã se arrastou entre um cliente e outro e um sistema que não parava de travar. Perto do meio-dia, o entra e sai de gente abrandou um pouco e a Wang estava praticamente vazia, movimentação típica do horário. Comecei a pensar em enfrentar a fila para esquentar meu almoço e me peguei salivando. Não pela carne grelhada com macarrão e verduras refogadas na minha marmita, mas pelo pedaço enorme de homem que apareceu no meu campo de visão, analisando minuciosamente uma caixa de giz pastel no expositor ao meu lado.
A boca carnuda abria e fechava conforme ele lia as especificações do produto, que parecia maior do que realmente era nas mãos pequenas e desastradas: a caixa quase escorregou, e quase escorregou de novo quando ele decidiu colocá-la de volta no lugar. Ri para dentro, me identificando com a falta de jeito. Outro cabeça nas nuvens. Ou apenas um cara preso num corpo muito grande. Muito moreno, muito bem feito e muito cheiroso.
O cheiroso, claro, era uma dedução minha, e eu deixei minha mente voadora vagar e deduzir mais. Deduzi, por exemplo, que além do cheiro intoxicante, ele deveria ter a pele quente, naturalmente morna. E deduzi ainda (agora descendo das nuvens) que, a julgar pela marca dos pincéis e blocos de folhas para aquarela que ele escolheu, não era a primeira vez que ele comprava equipamento de desenho. Aqueles materiais eram profissionais e caros demais para amadores. Ele deveria ser pintor ou coisa parecida.
Foi no meio desse devaneio que o rapaz alto, enfiado numa camiseta branca que marcava o peito enorme a cada vez que ele se mexia, colocou cuidadosamente a cesta de compras no meu caixa, sorrindo grande, aceso e afiado. O canino escapando da boca quando ele me deu bom-dia me fez acreditar, por uma fração de segundo, que vampiros existiam. E que os finais felizes que eu vendia existiam também.
— Bom-dia. — respondi apesar da voz falhando. — Tem cadastro conosco, senhor?
— Sim. — ele balançou a cabeça feito um filhote e digitou os números no teclado que eu indiquei. Até as unhas dele eram perfeitas, sem sinal de cutícula.
— Bem-vindo à Wang Bookstore, senhor Kim. — conferi nome e sobrenome na minha tela.
— Só , por favor. — ele pediu e demorou os olhos em mim enquanto eu digitava os códigos de desconto com as mãos suando. — Você é nova aqui? Não lembro de ter visto você antes.
Minhas pernas amoleceram e meu rosto esquentou. Ele estava prestando atenção. Prestando atenção em mim. Eu não sabia o que fazer com a atenção de um cara tão bonito em mim.
— Nova aqui no caixa. — comecei, hipnotizada. — Estou substituindo uma... — me pausei. De jeito nenhum chamaria Somi de minha “colega”. — Uma outra funcionária.
— Ainda bem. — ele deixou escapar e se arrependeu, mas meu sorriso involuntário foi um sinal verde para que ele prosseguisse. — Eu quis dizer, er... é que aquela outra moça é meio...
Folgada? Lambida? Enjoada? Parece uma vela apagada?
— Relapsa. — ele completou. Era um adjetivo sutil se comparado aos que eu e Chan usávamos no nosso clube secreto “eu não suporto a Somi”, mas serviu para me arrancar outro sorriso.
desgrudou a camisa do peito, sacudindo-a, e conforme minha imaginação aguçada me sugeriu, o perfume gostoso que subiu com a manobra era um quê de indecifrável, um cheiro bom de alguma coisa que eu nunca tinha sentido na vida, tipo o tal cardamomo almiscarado que eu li uma vez num dos livros da . O homem parecia um sonho. Além de tudo, tinha um par de olhos bem pretos e uma pele da cor de açúcar mascavo me distraindo do empacotamento, que eu fiz questão de fazer absurdamente devagar só para apreciar aquela vista magnífica. Depois de guardar os papéis e as tintas nas sacolas, notei que um volume peculiar restava na cesta. Tomei em minhas mãos com alguma dúvida.
— Não é meu não, é pra minha namorada. — ele explicou rapidamente quando eu passei pelo leitor uma edição de colecionador de um livro da saga Crepúsculo.
Disfarcei um suspiro pesado. Existia, na maldita Seoul dos casais perfeitos, uma namorada. Stephanie Meyer não me deu a sua bênção e a fanfic que eu criei com o gostoso misterioso da livraria acabou antes mesmo de começar.
— Ela vai adorar. — sorri conformada e profissionalmente. — Podemos fazer uma etiqueta especial para presente. Como ela se chama?
— Hã... — ele raspou a garganta e quebrou o contato visual pela primeira vez. — Bella.
— Como a Bella do livro? — ergui uma sobrancelha.
— S-sim.
Foi a confirmação mais suspeita que eu já tinha ouvido. Mas um homem lindo como aquele estar solteiro era mais suspeito ainda. Afinal de contas, por que ele mentiria sobre ter uma namorada?
🎨🎀

Porque ele não tinha.
Algumas semanas depois do episódio Crepúsculo, continuou frequentando a Wang Bookstore e fugindo do caixa de Somi (nas poucas ocasiões em que ela aparecia para trabalhar) para conversar comigo. Ele decorou meus horários de intervalo e passou a aparecer todos os dias no café da livraria, onde começamos a trocar ideias sobre o trabalho dele como ilustrador, sobre música, sobre os rumos do universo Marvel, sobre o céu selvagem de Seul e sobre tudo e mais um pouco. E sobre como ele tinha inventado para si uma Bella, porque era uma explicação muito mais crível do que:
— Eu sou um marmanjo com quase dois metros de altura que gosta de ler romances água com açúcar, tá? — limpou o bigode de chocolate quente. — Acredita em mim, eu sei do que eu tô falando. O Edward só se afastou da Bella porque ele a amava!
— Pode dizer o que quiser, eu continuo sendo Team Jacob. — provoquei, dando uma mordida no meu sanduíche do intervalo.
agitou-se na cadeira, rindo e indignado ao mesmo tempo. Elencou ainda mais alguns motivos para justificar a escolha da protagonista e eu, em certo ponto, me obstinei em discordar dele apenas pelo prazer de vê-lo discursar atropelando a própria língua presa, falando tudo numa velocidade tão grande quanto o bico. Por fim, ele se deu por vencido quando a garçonete o interrompeu, trazendo meu suco de laranja e colocando-o sobre a mesa.
— Aqui, . Sem açúcar, como você pediu. — ela avisou e eu agradeci de boca cheia.
— Por que todo mundo te chama assim? — perguntou enquanto eu me desentalava com o suco.
é meu apelido coreano, é mais fácil de pronunciar que meu nome. — dei mais um gole. — A pergunta é: por que só você não me chama assim?
— Eu me recuso. — ele cruzou os braços e o peitoral ficou ainda mais alto. — Um nome bonito feito o seu tem que ser dito da maneira que deve ser, .

Errei o canudo do copo. Toda vez que eu ouvia meu nome na voz de , uma combustão interna tomava conta de mim e bagunçava meus pensamentos. Não que meus pensamentos já não fossem, por si só, uma grande bagunça, mas desde que tinha entrado na minha vida, alguma coisa aqui dentro estava diferente. Um diferente bom. Como se tudo fosse desbotado e, de repente, ganhasse cor. Como se tudo estivesse meio parado e, de repente, ganhasse vida.
? — me chamou com um tom de terceira ou quarta vez.
— Hein? — acordei do transe. — Desculpa. Eu estava com a cabeça nas nuvens.
— Então desça, eu preciso de você por perto. — ele sorriu, segurando o canudo, e eu finalmente acertei a boca nele. — Eu estava perguntando sobre o seu livro. Você comentou outro dia que escreveu um.
— Ahn... Não é lá grande coisa. — dei de ombros. — O que você quer saber?
— Tudo. Sobre o que é?
— Um mágico atrapalhado que nunca acerta os truques. — sorri leve. — É uma homenagem ao meu pai. Quer dizer, não o meu pai biológico, esse eu nem conheço. Meu pai é meu padrasto.
— O que aconteceu? — segurou minhas mãos instintivamente. — Quer dizer, se estiver tudo bem por você falar sobre isso.
Estava. Com ele, estava tudo bem para falar sobre qualquer coisa.
— Meu pai biológico deixou minha mãe quando descobriu que ela estava grávida de mim. Ela nunca mais teve notícias dele, ainda bem. — percebi que fazia um carinho gostoso nos meus dedos enquanto eu falava, piscando devagarinho de tanta atenção investida. — Alguns meses depois que eu nasci, minha mãe conheceu o DongHae, eles se apaixonaram e se casaram logo em seguida.
Um “own” prolongado foi a resposta de , o romântico incurável. Os olhos dele brilharam quando eu falei em casamento e o modo como ele umedeceu os lábios logo em seguida me deu uma sede estranha. Eu poderia ter virado o suco de uma vez, mas se eu fizesse aquilo, ele teria que me soltar. E eu não queria que ele me soltasse.
— Bom, quando eu completei um ano, DongHae precisou voltar para a Coreia. — continuei, tentando não me perder no lábio que agora mordia sutilmente. — Mas ele não queria ir sem a minha mãe e sem mim, então, ele me assumiu e nos mudamos. Graças a ele, tem um nome de um pai no meu registro.
inclinou a cabeça, enternecido, me incentivando a continuar.
— Conforme eu fui crescendo, eu comecei a perceber que eu não parecia com as meninas da minha escola. Nem com a , nem com mais ninguém que eu conhecia, exceto pela minha mãe, é claro. Isso me deixava muito triste. — suspirei e apertou minha mão. — O Hae e minha mãe tentavam de tudo para me animar, mas nada funcionava. Até que um dia, ele chegou em casa com um kit de mágica e fez um show pra mim.
— E como foi? — o carinho desceu para os meus pulsos.
— Horrível. — soprei pelo nariz. — Ele se atrapalhou todo, derrubou a cartola, acertou a varinha no próprio olho... Então, finalmente, eu consegui rir. — um sorriso genuíno acompanhou a lembrança. — Eu ri tanto que esqueci de ficar triste. Foi quando eu entendi que não importava que o Hae não tivesse me gerado, ou que eu fosse diferente de todo mundo. O que importava era que eu tinha um pai para fazer mágica pra mim. Daí a motivação para o livro.
mostrou os caninos, fascinado, e deslizou gentilmente as minhas mãos pelo próprio rosto para deixar um beijo nelas.
... — ele cantou meu nome. — Essa história é linda demais para ficar engavetada. Você precisa publicar seu livro. Pelo seu pai e, principalmente, por você.
— Você acha? — perguntei, mole pelo conjunto todo: a carícia, o incentivo e o meu nome musicado.
— Eu sei. — confirmou, demorando no “s”.
— Sabe como se você nem leu? — desdenhei.
— Não seja por isso, você vai me mandar uma cópia quando chegar em casa. — ele puxou o celular e começou a digitar uma mensagem.
... — prolonguei com desânimo quando a mensagem chegou no meu celular. Era o endereço de e-mail dele.
— Por favor, . Eu tenho certeza que está incrível só porque veio de você.
Me senti derrotada pelos olhos faiscantes e concordei em deixar alguém além da ler alguma coisa que eu escrevi. Mais tarde, quando cheguei ao apartamento, liguei o computador e procurei o arquivo parado há meses, salvo numa pasta esquecida na minha área de trabalho. Um suspiro bem denso e dois cliques depois, lá estava eu, pela primeira vez em muito tempo, encarando o título na minha frente:
Magic Man, por Stewart.

🎨🎀

Você tá de brincadeira comigo? — uma voz sibilada atravessou o telefone quando eu atendi.
? — tirei o aparelho do ouvido e a tela acendeu, confirmando o chamador. — São duas da manhã...
, o seu livro é incrível! Você é incrível!
— Ah, você leu... — esfreguei os olhos e bocejei. Já era bem tarde quando eu terminei de revisar a história e encaminhei para , não esperava que ele fosse ler tão instantaneamente.
Eu chorei com o final, sabia?
— Você chorou nos créditos de Amanhecer Parte 2, você não é parâmetro.
Você vai publicar, não vai?
— Eu... Eu não sei. — meu coração pulou com a ideia e meu corpo despertou, me obrigando a sentar na cama. — O namorado da é escritor, eu posso conversar com ele e ver o que ele acha.
Promete pra mim, ? Promete pra mim que vai pensar com carinho?
Pude ouvir a respiração de , ofegante, na espera. Era bonito o jeito como ele torcia por mim, genuíno, sincero. Eu era capaz de jurar que ele estava, lá da casa dele, com o mindinho erguido aguardando que eu selasse a promessa.
— Eu prometo. Agora vai dormir e me deixa dormir também. Eu tenho muito trabalho amanhã com esse novo evento do .
E eu tenho uma fila imensa pra enfrentar se quiser falar com ele... estalou a língua. — Eu sou tão fã desse cara, ! Queria tanto conhecê-lo!
— Não se preocupe. — sorri, lembrando que o famoso em questão era ninguém menos que , o namorado da minha melhor amiga. — Eu dou um jeito de te colocar pra dentro.
No dia seguinte, tão logo o evento terminou, o depósito de estoque da Wang ficou apertado quando o maior par de peitos de toda Coreia entrou correndo: tinha praticamente madrugado na porta da livraria para conhecer seu autor favorito e era hilário como ele, com todo seu porte físico, destoava das pequenas e barulhentas fãs que buscavam o tão sonhado autógrafo.
— Ele assinou meu livro! — veio na minha direção, me apertando num abraço. — Olha, ! Ele fez dedicatória! — e abriu a contracapa com os dedos trêmulos.
— Que bom que você conseguiu falar com ele! — apertei a mão pequena e fofa demais em comparação ao resto do corpo enquanto ele dava pulinhos no lugar.
— Vou guardar junto com o autógrafo da Stephanie Meyer. — os dentes de vampiro do maior fã de Crepúsculo escaparam dos lábios carnudos.
A empolgação dele (a-do-rá-vel) se mostrava nos olhinhos cintilando e na respiração pesada perto demais do meu rosto. Às vezes, se esquecia da quantidade de espaço que ocupava e, não raro, eu me via amassada contra o peito dele. Não que eu achasse ruim, pelo contrário, tudo ali era agradável, desde o perfume até a temperatura morna da pele, mas eu não podia mais negar os fatos. Um homem daquele tamanho prestes a chorar com o simples fato de ter escrito o nome dele só podia significar uma coisa.
— Então você é um cara bonito, malhado... — apertei os bíceps dele, certa de que ele entenderia a referência. — Sua pele não tem poros visíveis e seu cabelo tá sempre hidratado. Eu sei o que você é.
— Então diga, . — entrou na minha brincadeira, imitando Edward Cullen e me puxando pela cintura. — Alto e claro.
Gay.
— Quê? — ele piscou várias vezes, completamente aturdido.
— Gay, ué.
— De onde foi que você tirou isso? — ele franziu o cenho.
— De você? — perguntei mais do que afirmei. — Você é lindo, doce, gentil. Se eu nunca te vi com mulher nenhuma, é porque deve haver um cara, certo?
, eu não sou gay. — riu baixinho e prendeu o lábio inferior com os dentes. — É só que... Eu não quero só ter uma namorada. Eu quero sentir todas essas coisas que eu leio, entende? Eu quero alguém que faça eu me sentir...
— Vivo. — completei instintivamente.
— Isso.
Senti um formigamento por toda extensão do meu corpo. Uma sensação misturada de empolgação com esperança e, como era de costume para mim, algumas doses de insegurança. Que diferença fazia que ele fosse hétero, desimpedido e que eu gostasse dele? era areia demais para o meu caminhão.
Mas eu podia fazer duas viagens?
— Desculpa. — cobri o rosto, vexada. — Eu fiz um julgamento errado de você.
— Tá tudo bem. — ele afastou minhas mãos e levantou meu queixo. — Não é a primeira vez que pensam isso.
O canto mal iluminado do depósito fez nossas risadas ecoarem e nos demoramos ali, naquele olhar e se deixar olhar. me prensava contra as caixas empilhadas de livros de autoajuda, ainda segurando o seu livro autografado numa mão e a minha cintura com a outra. Havia algo que eu queria dizer, mais ainda, havia algo que eu queria fazer, mas uma rápida escaneada no ambiente nada romântico me lembrou que não era a hora, muito menos o lugar certo.
— Eu espero que você encontre alguém que te faça ganhar vida, . — foi o que eu consegui dizer depois de me afastar e voltar ao trabalho.

🎨🎀

Amanheci do mesmo jeito que adormeci: reprisando mentalmente a cena do depósito e criando um final alternativo para ela, um final em que eu me declarava e , magicamente, gostava de mim de volta. Entretanto, a única mágica que estava ao meu alcance era a que eu tinha escrito. Li o arquivo do Magic Man pela enésima vez, mas não vi mais os defeitos que sempre foram tão cruéis para mim. Tudo o que eu vi foi uma história pulsando, vibrando, pedindo para ser contada. Uma história que poderia confortar alguma criança meio deslocada por aí, meio cabeça nas nuvens... Uma história que, assim como eu, precisava ganhar vida.
Mordi a parte interna das bochechas, caminhei em círculos e ensaiei roer as unhas antes de tomar a decisão que eu adiava há meses. Por fim, fechei o notebook e fui resoluta até o quarto de .
— Unnie... — encostei na porta entreaberta. — Eu preciso de um favor. Um favor que envolve o .
— Se for pra ele autografar mais alguma coisa daquele seu amigo eu mesma vou pedir uma ordem de restrição. — ela me apontou um lugar na cama.
— Não é isso. — aceitei o convite. — Eu finalmente decidi publicar o meu livro e eu queria que você entregasse o manuscrito ao . Pra ele mostrar pra agente dele.
— Eu já entreguei. — disparou com naturalidade.
— O quê? — agarrei uma das almofadas felpudas.
— Quando eu vi que você tinha voltado a mexer no arquivo, eu me adiantei. — ela espalmou as mãos para cima. — O vai levar para a hoje.
Meu estômago deu uma pirueta e o sangue começou a correr mais rápido, aumentando o ritmo da minha respiração. Depois de tanto tempo desperdiçado com medo e comodismo, eu, enfim, agia concretamente sobre o meu sonho adormecido. E aquele primeiro passo tão esperado era, em grande parte, culpa de , para quem eu mandei mensagem avisando da novidade. A resposta veio em áudios, figurinhas e um convite que parecia uma intimação:

🐶:
Vem aqui em casa assim que você sair da Wang!
Eu fiz uma coisa que você precisa ver.


Passei o resto do dia sendo corroída pela curiosidade e aturando Lee Chan se divertir às custas da minha aflição. À noite, me enfiei no meu melhor vestido casual e fui aproveitando os sinais vermelhos para arrumar meu laço preferido a caminho do apartamento de . Não fazia ideia do que ele queria me mostrar, mas queria estar bonita. E até que eu estava.
Subi depois de me anunciar ao porteiro do prédio em que ele morava, um edifício simpático e acolhedor (combinava com ele, afinal). Bati na porta e assim que ela destravou, fui puxada para dentro pelo filhote de Golden Retriever que ignorava o fato de ser bem mais forte do que eu.
— Eu tenho uma surpresa pra você. — ele vendou meus olhos com as mãos gordinhas, enquanto eu, atônita, tentava sem sucesso enxergar alguma coisa.
— Sério? Quase não deu pra perceber. — ironizei e girou meu corpo, apoiando as minhas costas contra o tronco dele.
Tinha muita coisa acontecendo, mas... o tronco parecia estar nu?
Afastei a suspeita e ele me forçou a caminhar, me dirigindo com cuidado e adentrando o apartamento. Segurei pelos antebraços, deslizando pelas veias grossas e aparentes conforme ele se esforçava para me manter no escuro, e um cheiro intenso se misturou ao dele. Parecia óleo, papel molhado e tinta.
— Pronta? — ele perguntou e eu assenti.
Quando as mãos dele descobriram meus olhos, me deparei com várias telas espalhadas pela sala. Os quadros alternavam em tamanho, em técnica e em cores, um mais lindo que o outro. Kim era incrivelmente talentoso e seu amor e cuidado pela pintura eram perceptíveis em cada traço, em cada detalhe perfeitamente executado. Ele tinha um estilo orgânico e a aquarela dele era fluida, limpa e inconfundível. Comecei a passear pelos desenhos, cheios de coelhos encantados, cartas mágicas e flores saindo de uma cartola. Caminhei mais um pouco e reconheci num dos quadros um mágico baixinho e bigodudo que jogava pó dos desejos numa menininha de lacinho. Meus olhos encheram d'água quando eu entendi a sequência. Quando eu entendi, finalmente, qual era a surpresa de .
— Você ilustrou meu livro! O livro inteirinho! Está tudo aqui! — lancei num único fôlego e encarei o artista, incrédula. — , isso é incrível! Deve ter levado a noite toda!
— Não consegui dormir pensando em você. — ele sorriu.
coçou a nuca com o braço malhado e só então eu percebi que realmente não havia mais nada lhe cobrindo o peito além de um avental salpicado de tinta, a mesma que sujava um cantinho atrás da orelha e um pouco do pescoço dele. Ele apertou a calça de moletom, tentando caber em si, e engatou uma apresentação da sua obra.
— E aqui eu coloquei um degradê de verde porque você fala muito dessa cor no livro... Você gostou? — ele quis saber quando terminou de me mostrar tudo.
— Se eu gostei? — rebati, radiante de felicidade. — , isso é o coração do meu livro bem aqui! Batendo na nossa frente! Você fez a história...
— Ganhar vida. — ele completou, enfiando as mãos nos bolsos e mirando os próprios pés. — Mas você é quem fez tudo. Eu só desenhei.
Pulei nele para um abraço, apoiando meu queixo no ombro exposto e sendo esmagada pelo corpo febril. nos girou com facilidade e voltou a me puxar quando me pôs de volta no chão, me colocando na frente de mais uma tela, dessa vez em branco.
— Eu guardei uma pra gente. — a presa rasgou num sorriso pedinte.
— Mas... — encarei os pincéis e a paleta apoiados num pedestal perto da tela. — Eu não sei desenhar.
— Eu te ensino. — resolveu, apanhando um avental para mim. — Você vai adorar.
Era uma oferta irresistível, mas a quantidade de pele à mostra nele me deixou paralisada demais para falar qualquer coisa. Ignorando a minha falta de resposta, me vestiu o avental, prendendo-o primeiro na minha cintura num único e firme nó. Delicadamente, os dedos dele afastaram meu cabelo das minhas costas e eriçaram a pele por onde passaram, amarrando ali as pontas de cima do tecido. O cheiro inebriante dele se sobrepôs ao da tinta e a qualquer outra coisa que eu era capaz de sentir. Ainda atrás de mim, pegou minha destra e encaixou um pincel de cabo envernizado nela, me orientando ao pé do ouvido.
— Você segura assim, tá? — a mão dele cobriu a minha, flexionando-a e ajustando a posição, tão gentil no movimento quanto no tom. — Relaxe o pulso... Isso. — senti ele formar mais um sorriso, soprando na minha nuca. — Agora umedeça a ponta. — ele ordenou, indicando um pote de vidro com água.
Mergulhei o pincel no vidro com exagero, nervosa pela voz sussurrada, pelos músculos escapando do mísero avental dele e pela distância mínima entre nós. Quando o pincel escorregou dos meus dedos trêmulos e ficou completamente imerso, riu na curva do meu pescoço e me deteve com sutileza.
— Não precisa afogar o coitado, tá? — ele segurou a haste na minha mão e o braço livre também me enlaçou, me prendendo num abraço por trás enquanto ele tirava o excesso de água. — Agora escolha uma cor e esboce.
— Esboçar o quê? — levantei o rosto, incapaz de me mover com o corpo dele me esmagando.
— A primeira coisa que lhe vier à cabeça. — ele continuou sem recuar. — Deixe a tinta correr.
Analisei as muitas opções, cores que eu sequer sabia que existiam, e um azul sereno foi a minha escolha. Recolhi o pigmento com o pincel e tentei visualizar a coisa pronta antes de pintar, querendo me poupar de cometer uma atrocidade artística na frente do meu instrutor, um ilustrador habilíssimo. me observava pacientemente, acompanhando o meu tímido subir e descer na folha. A textura ajudava no deslize e ele tinha razão, eu estava adorando. Repeti o contorno algumas vezes e completei, pairando no meio da tela, uma nuvem azul bem cheia.
— Ficou lindo. — ele sorriu imenso e tomou também um pincel para si. — Agora vamos colorir esse céu juntos.

🎨🎀

A cama em que eu acordei cheirava a roupa limpa e tinha um travesseiro fofinho, mas não era a minha. Esfreguei os pés um no outro, sentindo as meias atritarem, e levantei de supetão, perdida num quarto que eu não conhecia. A inferência que meu cérebro fez foi assustadora, mas logo esclarecida quando removi o cobertor e vi que eu estava completamente vestida. A única coisa que eu dei por falta foi o meu laço, que estava numa cômoda ao lado da cama e não no meu cabelo. A fim de entender meu paradeiro, repassei os acontecimentos da noite anterior: e eu terminamos a tela, conversamos por horas, eu me entupi com o jantar que ele preparou (um japchae divino) e depois eu tomei uma dose de soju. Soju me deixava sonolenta, então eu encostei no sofá e fechei os olhos por cinco minutos. Ou bem mais que isso.
Eu caí no sono e aquele era o quarto dele, óbvio. Mas se eu dormi lá, onde ele dormiu?

Alguns passos furtivos pelo apartamento foram bastantes para que eu obtivesse uma resposta inusitada. Atrás do balcão americano, um pé balançava para fora de um colchão inflável e uma mãozinha canhota levantava no ar, espreguiçando um corpão descamisado.
? — me aproximei, seguindo o lençol espalhado meio no piso e meio no colchão. — Você dormiu na cozinha?!
— Ahn... Oi, . — ele bocejou, sentando-se. — É que não me cabia no sofá. E eu gosto desse cantinho aqui.
— Não acredito que você dormiu desconfortável assim por minha causa!
Ajoelhei na cama improvisada dele, arrumando o cabelo despenteado que fazia parecer que ele tinha uma plantinha no topo da cabeça. piscou lenta e repetidamente, esforçando-se para abrir os olhos, e enfim se deu conta de que estava sem a parte de cima do pijama, embolada perto da geladeira.
— Você dormiu bem? — ele perguntou no meio de outro bocejo.
— Divinamente. Mas por que você não me acordou, seu maluco? — afundei o dedo no peito nu. — Por que não me mandou embora?
— Porque eu não queria que você fosse. — ele falou depressa e cobriu-se com o lençol, esfregando o local da cutucada. — Quer dizer, você comeu demais, tomou uma dose, e ainda por cima começou a chover...
— Eu vou te fazer um café da manhã pra compensar esse inconveniente. — decidi.
— Você não é nenhum inconveniente, . — ele me deu o primeiro sorriso da manhã. — Mas eu aceito a oferta.

Minhas torradas de queijo branco com geleia de pimenta ficaram prontas em dez minutos (tempo que levou para tomar um banho e achar uma camisa) e eu montei a mesa com algumas porções de arroz e do kimchi que ele tinha na geladeira. Comi correndo, sem querer prolongar minha estadia nem abusar da hospitalidade do dono da casa que, ao contrário de mim, não parecia estar com pressa. As ilustrações do livro ainda estavam expostas nos cavaletes pela sala e eu dei uma última olhada naquelas peças maravilhosas antes de me despedir, notando um bloco de aquarela com desenhos que eu ainda não tinha visto.
— Essa sou eu? — perguntei, levantando uma das folhas para , que permanecia à mesa.
— Depende. — ele colocou um pedaço grande de alga na boca. — Você gostou?
— Claro que sim!
— Então é você.
— E se eu não tivesse gostado? — ri.
— Ainda seria você, mas aí eu ia ficar envergonhado. — ele respondeu com as bochechas cheias e um toque estridente de notificação veio da minha bolsa.
— Eu tenho que ir. — verifiquei na tela mais uma das milhares de mensagens de , digitando uma resposta rapidamente. — Mais cinco minutos e ela manda as forças armadas me buscarem. — balancei o celular com a foto do contato dela.
Deixei um beijo na testa de e voltei para casa, enfrentando um inquérito policial de assim que coloquei o pé para dentro:
— Você sabia onde eu estava, unnie... — argumentei, tentando amolecê-la. — Até porque você rastreia meu celular.
— Mas sabe o que eu não rastreio? — balançou o dedo no meio da minha cara. — Aquela sacola de músculos com quem você tá andando pra cima e pra baixo! O que tá rolando entre vocês, hein? — ela baixou o dedo e o tom, suavizando o semblante. — Você tá gostando dele?
Sim.
— Quê? Não. Quer dizer, um pouco. — fingi uma tosse. — Talvez.
— E ele sabe?
— Parece até que você não me conhece. — meneei a cabeça, derrotada.
— Conheço até demais e acho que você deveria contar pra ele. — ameaçou sorrir. — Aliás, aproveita e conta também que a leu seu livro e quer te ver para acertar a publicação.
— Nem fodend- — comecei e me censurou com um grito. — Tá falando sério? Ela gostou mesmo?
— Pediu seu contato ao e tudo. Falei que você estava livre hoje.
Unnie! — agarrei minha melhor amiga. — Obrigada! Muito obrigada!
— De nada, sua pirralha. — ela resmungou, orgulhosa. — Agora se apronta! Você tem que publicar um livro!
Quase me arrependi de ter calçado um Converse para a reunião mais importante da minha vida quando vi sustentada num salto agulha me esperando no saguão da editora. Por sorte, a morena de roupas escuras era mais receptiva do que aparentava e logo elogiou minha escolha:
— Conforto em primeiro lugar, gostei. — ela apertou minha mão e me indicou o assento. — Eu, se pudesse, só andava de coturno.
Era difícil imaginar uma agente literária tão chique num coturno, mas o fiz como exercício mental para me distrair do meu nervosismo. me explicou os trâmites, acertamos os detalhes e decidimos que a próxima reunião demandava a presença do ilustrador, Kim . E o simples mencionar do nome me deixava com as pernas bambas e a barriga borboleteando.
A perna parou de tremer algum tempo depois da reunião, quando eu entrei no meu carro e soquei a buzina, extravasando a euforia e a alegria que eu estava sentindo. Já as borboletas, resistentes e teimosas, aumentaram conforme o dia passou, batendo as asas sem parar no meu estômago até de madrugada. Virei de um lado para o outro na cama, briguei com o travesseiro e dei a luta por encerrada quando me levantei, vencida pelo turbilhão de ideias que fervilhavam na minha cabeça. Uma delas, tão insistente quanto as borboletas, empurrava as outras e era silenciada logo em seguida. Mas a ideia era dura, voltava mais forte, e não demorou muito a me convencer que aquilo martelando na minha mente já não era mais uma ideia, mas sim uma necessidade.
Coloquei um casaco por cima do pijama, calcei chinelos e apanhei as chaves do carro. A ideia me venceu.
Dirigi e estacionei perto da calçada sem me dar tempo de pensar muito, tomada de uma coragem insana que eu não sabia de onde tinha vindo, mas que ficou comigo até eu atravessar a rua fria. Até eu entrar no prédio e me anunciar pelo interfone. Até eu subir as escadas. Até eu bater na porta.
? — um sonolento e confuso me atendeu. — Tá tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
— Aconteceu. Aconteceu sim.
amarrou o laço do robe, piscando os olhinhos cansados e vermelhos. Ele fez menção para que eu entrasse e eu entrei, mas o surto da coragem acabou e ficou do lado de fora.
— Eu... — balbuciei. — Eu esqueci meu laço aqui.
— Seu laço? — ele franziu o cenho. — São duas e quinze da manhã e você bateu na minha porta porque esqueceu o seu laço?
— Não. — respirei fundo. — Eu bati na sua porta porque eu tenho que te contar uma coisa.
— O que foi? — ele segurou minhas mãos. — Pode falar, eu tô aqui.
... — respirei fundo e fechei os olhos. — Eu gosto de você. Eu gosto muito, muito mesmo de você. E eu estava morrendo de medo de te contar porque eu não sei se você se sente do mesmo jeito.
Um breve silêncio encheu a sala iluminada por uma solitária luz amarela, quente como as mãos que me seguravam. A revoada das borboletas foi mais violenta dessa vez, e eu teria saído voando junto se não fosse pelo lindo sorriso diante de mim, se abrindo e me prendendo.
— Você não sabe se eu me sinto do mesmo jeito? — sussurrou. — Tem certeza que você não sabe, ?
— Bom, eu achei que talvez você também gostasse de mim, mas aí eu comecei a suspeitar que você era gay, então você não era, eu fiquei super aliviada, mas aí depois eu-
usou o indicador para me silenciar e me trouxe perto o suficiente para eu aspirar o perfume que eu não sabia qual era. Não fazia ideia se era mesmo o tal cheiro de cardamomo almiscarado, eu só sabia que era cheiro de , e isso bastava. A boca rosada se abriu minimamente em antecipação, exalando um ar quente que atraiu a minha, indo ao encontro da boca dele como uma mariposa seduzida pela luz. Nossos lábios se apertaram macio, sem pressa, se mordendo e se testando. O beijo lento e interminável tinha um gosto agridoce de bala de canela, aquelas que ardem mais do que refrescam, e era ao mesmo tempo forte como embriaguez e ameno como adormecer. Viciante. Suave. Entorpecente.
— Eu te desenho o tempo todo porque eu não paro de pensar em você. — confessou raspando os lábios nos meus. — Eu tenho que te ver todo dia porque o dia em que eu não te vejo é... É todo em preto e branco, . É como uma cena que não valeu. — a esse ponto, o nariz dele já passeava livremente pelo meu rosto. — Você me faz ganhar cor, Stewart. Você me faz ganhar vida. Como você não sabia disso?
— Eu meio que tenho a cabeça nas nuvens... — ri na boca alheia.
— Então, por favor, desça. — ele pediu, manso. — Eu preciso de você por perto.

The way you turn it on, you're so electrical

(POV: )

— E esse é o nosso plano.
— Não vai funcionar. — mal terminei de falar e o chefe da segurança se posicionou.
— O que não vai funcionar, senhor... — levei um tempo para ler o sobrenome na folha em minhas mãos. — Choi?
— O seu plano, senhorita Pérez. — ele negou com a cabeça.
— Eu sigo esse plano há dois anos, senhor Choi. Se não funcionar agora, a responsabilidade é toda do senhor e da sua equipe. — arqueei uma sobrancelha. Quem aquele coreano estava pensando que era?
— Eu já servi o exército, senhorita Pérez. Fui mandado para serviços mais amenos por ferimento em batalha. Eu sei do que eu estou falando. — ele cruzou os braços fortes sobre o peito e formou um bico adorável. Foco, .
— Ele foi realocado porque machucou o joelho jogando futebol e precisou de cirurgia. — minha assistente murmurou ao meu lado.
— Jogar futebol não é uma batalha, senhor Choi. — respirei fundo e quase passei os dedos nos olhos, mas lembrei que estava maquiada para aquela reunião que estava se tornando improdutiva.
— Ainda é um ferimento, senhorita Pérez. — ele rebateu de imediato.
— Já que o senhor é tão bom no que faz, trace um plano de segurança e apresente na próxima reunião em dois dias. O evento de leitura da vai ser em breve e a segurança precisa ser alinhada. — levantei e me equilibrei nos saltos. Que saudade do meu coturno. — Passar bem.
— Senhorita... — ainda o ouvi me chamar, mas saí da sala de reuniões o mais rápido que pude em direção à minha sala.
— Quem trouxe esse cara, Laly? — perguntei à minha assistente, que, pude ver, segurou um sorriso.
— A eletricidade na sala era capaz de acender uma luz. — ela riu baixo.
— É sério, Laly. Quem indicou? — perguntei. Os chefes de segurança sempre seguiam minhas ordens. Quem aquele bicudo estava pensando que era? Aquele era meu trabalho.
— O senhor . — Laly respondeu ainda segurando o riso. Eu estava sentindo a pele arrepiada, aquilo não era bom.
— Tinha que ser o míope. — respirei fundo e sentei na minha cadeira, logo me livrando dos saltos. — Ele inventa de lançar um novo livro e ainda me indica esse segurança.
— E a diretora da escola onde vai acontecer o evento também confia nele. Parece que ele já cobriu alguns eventos lá. — Laly olhou os papéis. Então ouvimos três batidas na porta.
— Entre. — respondi sem pensar.
— Senhorita Pérez. — o senhor Choi entrou na sala com um ar decido.
— Eu já acabei com o senhor, senhor Choi. Até a próxima reunião. Espero seu plano no meu e-mail.
— Não estou aqui para questionar seus métodos, senhorita Pérez. — ele apoiou as mãos na minha mesa.
— Não é o que parece. — me aproximei dele.
— Eu já cobri eventos nessa escola. Seu plano é complexo demais para crianças tão pequenas. Eles não vão atacar a autora. — ele suspirou.
— O senhor tem cem por cento de certeza? — questionei.
— Não, mas... — ele suspirou. — Tudo bem. Vamos fazer do seu jeito. Mas, se for preciso, faremos alguns ajustes.
— Desde que eu seja comunicada antes... — relaxei na cadeira.
— Você vai ser. Estou às ordens. — ele sorriu e eu também. Era aquilo que eu queria ouvir.
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— Fiquei sabendo que vamos atrapalhar uma aula hoje. — sorri para a diretora.
— O senhor Chwe é professor de inglês e concordou totalmente com o projeto. — ela sorriu de volta. — Ele está nos esperando na quadra.
A mulher caminhou pela escola e eu fui atrás dela, Laly comigo. O senhor Choi estava atrasado.
— Senhor Chwe, essa é a senhorita Pérez, agente literária e uma das organizadoras do projeto de hoje. — a diretora me apresentou para um rapaz branco demais. Ele me encarou com o par de olhos castanhos mais bonitos que eu já tinha visto desde que cheguei à Coreia.
— Nome diferente. — ele sorriu e me estendeu a mão.
— Estou muito longe de casa, senhor Chwe. — sorri para ele.
— Por favor, me chame de . — ele pediu.
— Choi . — meu segurança chegou de repente e se colocou entre nós, estendendo a mão para . — Chefe da segurança.
— Está atrasado, senhor Choi. — ralhei com ele.
— Tive um imprevisto, . — ele me chamou pelo apelido. Olhei para Laly por cima do ombro e a peguei sorrindo. — Estamos prontos?
vai chegar em breve. Aí estaremos prontos. — o avisei.
, eu adoraria tomar um café com você e conversar mais sobre... um projeto. — sorriu para mim. — Se você estiver disponível, claro.
— Não está. Temos muito trabalho nos próximos dias. — respondeu por mim.
— Por acaso é meu secretário e tem acesso à minha agenda? Não responda por mim, Choi. — o empurrei pelo ombro e o tirei do meu caminho. — Estou disponível sim. — tirei um cartão do bolso e o entreguei a . — Basta me ligar.
— Eu vou achar um tempo para o senhor, senhor Chwe. — Laly balançou o tablet em mãos. Ela tinha tudo organizado ali.
— Com licença. — pedi e me dirigi ao portão da escola. já deveria ter chegado.
, me avisaram que temos mais três eventos como esse. — foi atrás de mim.
— Não se envolva no meu trabalho, senhor Choi. Eu sei o que estou fazendo. — chequei o relógio.
— Sim, está dando abertura a um professorzinho. — ele resmungou baixinho.
— E , Laly? — perguntei à minha secretária, ignorando o tom ciumento de .
— Avisou que está chegando. estava nervoso. — ela riu.
— Cheguei, . — saiu quase correndo do carro, seguida pela torre que era o ilustrador e namorado dela. — estava preocupado que as crianças não fossem gostar da roupa dele.
— Acredite, essa é a última coisa que eles vão ver. — sorri para ele. Então ouvi um pigarro alto. — Esse é Choi . Ele é servidor do governo e está aqui para cobrir a segurança do evento. — apresentei o chefe de segurança. — E o professor de inglês que cedeu a aula para sua leitura é divino. — sorrindo, tomei a mão de na minha e a carreguei para dentro da escola.
— Diretora, desculpe o atraso. — ela reverenciou a mulher mais velha. — E você deve ser o professor de inglês. — ela sorriu para e então para mim.
— É um prazer. — sorriu para ela. — As crianças são todas suas. Boa sorte.
— Vocês falam como se elas fossem terroristas. — murmurou. Ele estava cheio de murmúrios naquele dia.
— Se forem, você está acostumado, não é, ? — impliquei. — Ferimento em batalha...
— Pare de debochar de mim, . — ele formou um bico e se afastou de nós.
— Você o magoou. — quis rir.
— Ele se acostuma. — dei de ombros. — Vamos, temos uma leitura para fazer.
Pelas horas seguintes, e fizeram a leitura do livro que estava sendo um fenômeno entre as crianças. Vez ou outra, eu pegava ou me olhando de longe. E então a cena mais fofa do evento aconteceu: uma garotinha de cabelos lisos demais amarrados em mini coques correu até o senhor Choi, que parecia mais emburrado que antes, e lhe estendeu os bracinhos. ainda relutou, mas ela insistiu e ele a pegou no colo, a acomodando no peito que parecia forte.
— Será que é bom deitar a cabeça ali? — Laly perguntou e suspirou.
— Parece confortável. — respondi sem tirar os olhos da cena. O emburrado senhor Choi com uma criança no colo.
— E você tem a oportunidade e está desperdiçando. — Laly suspirou de novo. A olhei por cima do ombro. — O que foi? O Choi tá na sua. Não reparou?
— Você está vendo demais, Laly. — tentei cortar a ideia dela.
— O professor também. — ela continuou. — Que perfume encantador de homens você tá usando, ?
— Fica quieta, Laly. — ralhei. Olhei para e ele me sorriu sem mostrar os dentes. Então olhei para e ele parecia encantado com a garotinha em seu colo. Balancei a cabeça para espantar as ideias. Não podia dar ouvidos a Laly.
— Obrigada por estarem aqui hoje. — ouvi agradecer.
— É sempre ótimo ler com vocês. — completou. Então a diretora tomou a frente e se aproximou de mim.
— Achei que eu fosse morrer de nervoso. — ela suspirou e depois riu. — Nunca mais invente uma dessas, .
— Péssima notícia: temos mais três dessa. — avisei. Então se aproximou.
— Professor Chwe. Vamos almoçar? vai conosco. — convidou. A encarei de olhos estreitos.
— Infelizmente, tenho muitas provas para corrigir, mas obrigado pelo convite. — sorriu sem mostrar os dentes.
— Estou pronto. — se aproximou e encarou . — Está pronta, ?
— Não lembro de ter combinado nada com você, Choi. — cruzei os braços sobre o peito.
— Sou responsável pela segurança. Vou te deixar em casa. — ele explicou e eu tive que rir.
— Primeiro, você é responsável pela segurança do evento. Segundo, é a artista aqui. Terceiro, não preciso da sua proteção. — respirei fundo. — Vamos, Laly. — chamei minha secretária. — Eu te ligo, . Vou esperar sua ligação, . — pisquei para ele e saí batendo os saltos, ouvindo Laly vir atrás de mim.
, você o magoou de novo. — Laly riu atrás de mim.
— Quem esse cara tá pensando que é, Laly? — parei de andar para lhe encarar.
— Ele é um gatinho, . — ela riu.
— Eu não disse que ele é feio. Eu só acho ele um abusado. — suspirei e quase passei as mãos no rosto maquiado. — Lá vem. — quase bufei quando vi correr em nossa direção.
, você... quer tomar um café? — ele perguntou parecendo envergonhado. Pelo visto, a abordagem tinha mudado.
— Infelizmente eu preciso trabalhar, senhor Choi. vai lançar um novo livro e vai demandar muito da minha atenção. — sorri sem mostrar os dentes.
— Pro professor você...
— Não conclua, . — o interrompi. — O que é isso de repente? Ciúmes?
— Não, é que... — ele suspirou. — Deixa pra lá. Bom trabalho. — ele tomou minha mão e deixou um beijo suave no dorso, saindo em seguida.
— Não fala nada, Laly. — pedi quando ouvi seu riso baixo.
— Não vou. — ela prometeu. Mas eu sabia que, uma hora ou outra, Laly me alfinetaria com aquela cena.
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Era noite e eu estava rolando o feed do Instagram.
já tinha me mandado uma mensagem e eu mesma tinha achado um espaço para ele na minha agenda. O senhor Choi continuava agindo estranho e Laly estava cada vez mais se divertindo com a situação.
De repente, ouvi uma gritaria do lado de fora da minha casa. Chequei o relógio na tela do celular: 2:15 da manhã. Céus, eu deveria estar dormindo. Não dei muita importância à gritaria até que ouvi o que achei ser o meu nome. Bloqueei a tela e prestei atenção. Então ouvi um “!”, gritado numa voz meio bêbada.
Levantei e vesti meu roupão. Definitivamente precisava checar que algazarra era aquela.
! — a voz chamou de novo e não me restaram dúvidas: eu teria que sair. Acendi as luzes e abri a porta, encontrando um com os olhos meio baixos. — Você tá acordada. Que bom. — ele riu frouxo.
— Senhor Choi, são 2:15 da manhã. O que faz aqui? Aliás, como me achou? — perguntei enquanto me aproximava dele. Ele precisava parar de gritar ou daqui a pouco os vizinhos estariam me xingando nas janelas.
— Eu sou do exército. — ele riu baixo.
— Era. — o corrigi.
— Eu sou do governo de qualquer forma. — ele deu de ombros. — Achou mesmo que eu não te encontraria? — ele colocou uma mão fria no meu rosto quase em um carinho.
— Você está bêbado, ? — perguntei já sabendo a resposta.
. — ele colocou a outra mão no meu rosto. — Eu acho que... — ele suspirou e apertou minhas bochechas entre as mãos. — Eu acho que estou na sua.
— Senhor Choi... — me afastei delicadamente.
— Não, me chama de . — ele protestou com um bico nos lábios bonitos. — O que você fez comigo, ?
— Nada.
— Eu me sinto... quente. Vivo. Alguma coisa você me fez. — ele riu.
— Você está bêbado e delirante. Vá para casa, . — pedi educadamente.
— Não. — e o bico voltou aos lábios.
— Amanhã, quando você estiver sóbrio, nós conversamos. O que acha? — sugeri.
— Promete? — ele pediu com olhos de cachorrinho. Eu não poderia olhar para por muito tempo. Ele parecia perigoso.
— Prometo. — respondi e passei os dedos em um carinho suave em sua bochecha.
— Na cafeteria perto da escola às 4. — ele tomou minha mão e deixou um beijo no dorso. — Até amanhã.
Ele me deu as costas e saiu tropeçando enquanto descia a rua. Fiquei olhando até ele sumir e subi para o meu quarto pensando no quanto de confusão eu tinha arrumado para mim.

— O que eu fiz, Laly? — perguntei pela milésima vez à minha secretária. Eu estava inquieta, andando na sala.
— Você deixou o marcar um encontro com você na mesma hora e no mesmo dia que você marcou com o . Acontece. — Laly tentou segurar o riso.
— Eu não vou. — sentei de volta na minha cadeira.
— Vai sim. Eu vou ficar olhando de longe. — Laly riu. — Faz assim: você dispensa um hoje. Aí depois você vai atrás do que dispensou e fica com ele também. Só tem vantagens, .
— Cala a boca, Laly. Você não tá me ajudando em nada — ralhei com ela. O fato era que eu tinha marcado com , mas devido ao fato “ bêbado” na minha porta, eu também tinha marcado com ele.
— Você tá interessada em um dos dois, ? — Laly quis saber.
— Eu sei lá, Laly. Acho que sim. Nos dois. E esse é o problema. — passei as mãos nos cabelos.
— Então vai lá e deixa os bonitos decidirem. — Laly deu de ombros. — Você consegue não tomar uma decisão, ? Consegue não estar no controle?
— Eu vou te demitir, Laly. — ameacei.
— Vai nada. Só eu te aguento. — ela sorriu. — Vai, os meninos estão te esperando. — ela encorajou. Suspirando, levantei e peguei minha bolsa. Era agora ou nunca.
Caminhei até a cafeteria perto da escola e avistei assim que passei pela porta. Ele se levantou e veio em minha direção. estava do outro lado e também caminhou até mim. Os dois pararam na minha frente, com sorrisos e olhares confusos.
— O que você tá fazendo aqui? — perguntou a .
— Eu marquei com a . — o professor respondeu.
Eu marquei com a . — explicou.
— Eu esperava que você estivesse bêbado demais para lembrar, . — confessei.
— A gente pode ir para outro lugar, . — delicadamente segurou minha mão.
— Só... — olhei para os lados e decidi sair dali. A cena já começava a chamar a atenção das pessoas da cafeteria que estava relativamente cheia por conta do horário. Então, ainda segurando a mão de , caminhei para fora, obrigando a nos seguir.
, o que... — cortou a frase quando parei de andar e o encarei.
— Vou cortar seu contrato de segurança, . — anunciei. — E você... — apertei a mão dele que ainda segurava a minha. — Não posso te ajudar no seu projeto agora.
... — tentou protestar, mas eu coloquei o indicador sobre seus lábios.
— Vocês dois são incríveis, mas eu não posso decidir isso agora. — suspirei. Estava me sentindo uma adolescente com dois namoradinhos de escola. E estava sendo patética, eu tinha certeza disso. A ideia de Laly não me parecia a melhor do mundo agora. Então, eu um choque de coragem, selei os lábios de e depois de .
, só você pode decidir isso. — sorriu para mim. Então foi a vez de me sorrir e me fazer a pergunta de 1 milhão:
— Sim, . E então, quem você escolhe?




FIM.



Nota da Daph: Se você chegou até aqui, obrigada por ler. Fique de olho nos próximos surtos desse trio.
Beijinhos!

Nota da beta: Bem, o Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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