Finalizada em: 20/02/2022

First Love

“Eu me sinto tão bem, mãe, eu me sinto tão bem
As notas que só soavam onde meus dedos alcançavam
Eu não sabia o seu significado naquela época
Naquele tempo eu ficava contente em apenas te olhar.”

É claro que ele estava atrasado para as aulas.
A hora marcada já tinha chegado e passado. Nada de Yoongi. E, talvez mais decepcionante ainda, nenhum telefonema de aviso. Não que fosse possível que garotos de 8 anos se lembrassem de ligar para casa quando estavam sob responsabilidade dos avós, do outro lado de Toronto, mas essa atitude não deveria partir dele. A família Min parecia ter um problema genético quando se tratava de falta de atenção. Mas, naquele dia, Yoongi estava genuinamente ansioso para chegar em casa.
Quando o Ford estacionou no meio-fio em frente à casa azul desbotada, a senhora Min havia acabado de abrir as cortinas da sala, dando uma espiada para um lado e para o outro na rua, não encontrando nada no início a não ser o tráfego normal após um dia de trabalho, mas não demorando muito para finalmente ouvir o grito do garotinho, que agora corria para dentro com animação, sem esperar que a velha senhora ao volante o acompanhasse até a porta.
— Senhor Min, é um prazer revê-lo — a mulher disse em deboche quando sentiu suas pernas sendo abraçadas pelo garotinho de um metro e meio — Que desculpas vai inventar por estar atrasado?
— Vovó disse que você poderia ter escrito a hora errada, por isso demoramos a sair. Eu insisti que estava certo, 3:21! — disse ele, com inocência infantil — 21 porque adoramos números quebrados e 21 é a idade em que eu vou ficar mundialmente famoso.
Sua mãe sorriu, acariciando seus cabelos despenteados com um sorriso dócil.
— Isso mesmo, senhor Min, você está certo, sua mãe e professora jamais teria escrito a hora errada de um momento tão importante. Então vamos?
— Vamos! — o garoto deu passos largos até a sala, ouvindo ao fundo a voz arrastada da avó, que acabava de passar pelo batente da porta exigindo um café fresco e forte.
No cômodo ao lado, Yoongi freou os pés em frente ao monumento que o tirava o fôlego. Era grande, majestoso e emitia um chamado sobrenatural para ele. Um chamado de pertencer. Yoongi se apaixonou pela estrutura desde que a tocou pela primeira vez.
O piano. O velho e estonteante piano repousado no meio da sala, parecendo um edifício amadeirado, a personificação de sua própria casa. Dez minutos se arrastavam facilmente enquanto ele se mantinha parado, apenas em um estado puro de admiração.
Pouco tempo depois, sua mãe chegou ao seu lado, acompanhada da avó, que se sentou em uma das poltronas de couro com sua grande xícara de café e estendeu um dedo para o instrumento.
— Vamos, garoto, quase tive problemas com o carro de tanto que corri para te trazer a tempo de tocar essa coisa. Anda, mostre o que sabe.
Yoongi não achava que aquele carro poderia ter mais problemas do que já tinha por causa de uma força a mais no acelerador, mas, mesmo assim, sorriu alegremente enquanto acenava e recebia ajuda da mãe para se sentar no banco alto em frente às teclas, lembrando-se das notas enquanto a mulher puxava a grande proteção de madeira de cima.
— O que vai tocar, senhor Min? — perguntou ela, em outro tom ironicamente profissional.
— Chopin — respondeu automaticamente, com os olhos já grudados nas divisões pretas e brancas — Nocturne. N. 2.
— Ótima escolha! — sua mãe depositou um beijo no tipo de sua cabeça e foi se sentar ao lado da senhora idosa com o café. Pegou o romance que estava lendo no topo da lareira e fez um sinal de cabeça para que ele começasse.
Yoongi suspirou e começou a tocar.
A sensação não podia ser explicada por nenhuma palavra existente no vocabulário. Não havia uma característica que chegava à altura.
Ele não sabia o que significava na época. Até hoje, quando fala sobre o assunto, Min Yoongi fazia questão de repetir que não imaginava o significado de conexão e que era exatamente o que sentia quando tocava, como se a música se tornasse um artifício vivo, prendendo-o àquele piano específico como uma correia de automóvel, deixando seu dia ligeiramente mais alegre e prazeroso para ser vivido.
Min Yoongi amou muitas coisas na vida, e odiou ainda mais, mas aquele piano era o único elemento que permanecia inquebrável em seu inconsciente, imutável, seja no passado ou no futuro. Porque, em um presente distante, ele havia se tornado apenas uma lembrança.

🎹•🎹


Eu negligenciei quando eu te ansiava, então
No topo das teclas brancas feito jade, a poeira se acumulando
Sua imagem que eu negligenciei
Mesmo naquela época
Eu não sabia seu significado.”

Ela morava ao lado daquela loja de móveis na Allen Road. Na verdade, para o conhecimento geral, aquela loja pertencia ao seu pai, um homem muito feio que vivia ao telefone e era extremamente gentil. Tão gentil que era capaz de convencer até mesmo uma criança de 10 anos a comprar um apoiador para os pés, mesmo sem ter um tostão. Era possível que Yoongi tenha visto a merda antes que acontecesse, mas ainda assim ali estava ele, parado junto dos demais garotos embaixo da árvore grossa, esperando que saísse para uma diversão particular.
Diversão era uma hipérbole, e também uma ironia. Bill estava com os ovos preparados em uma mão, enquanto James mascava o chiclete que pretendia grudar em seu cabelo assim que ela saísse para a calçada e seguisse o caminho comum para o ensaio da igreja.
Yoongi não tinha um relógio de pulso, mas sabia que já devia ser tarde. Que o jantar já estaria na mesa e, mais uma vez, receberia broncas da mãe não apenas por chegar àquele horário, mas sim, por ter perdido as aulas de novo. De qualquer maneira, o sermão duraria até a hora de dormir e ele estaria tão cansado que pegaria no sono rapidamente e não refletiria sobre como as coisas haviam mudado desde o ano passado.
Sobre como o suntuoso piano descansando na sala pegava mais poeira dia após dia.
Se o calendário pudesse mostrar a última vez que Min Yoongi havia tocado aquele instrumento, ele marcaria dia 17 de junho de 2002. Era aniversário de sua mãe, o que tornava inegável sua exigência para que o filho tocasse sua tentativa amadora, porém impecável, de Beethoven e ele o fez com êxito, com ternura, mas, pela primeira vez, com distração, a cabeça em outro lugar.
Ele pensava nos amigos que o esperavam do lado de fora para irem jogar Dungeons & Dragons ou brincar de Star Wrek — uma mistura de Star Wars com Star Trek — ou, ainda, algo novo que começava a experimentar agora: falar sobre garotas.
Com 10 anos, Yoongi começou a ter amigos. E melhores amigos de carne e osso, que falavam e corriam, que o levavam a fazer coisas erradas e certas pela vizinhança, amigos que contavam piadas e tinham sonhos pequenos mas reais, muito diferentes do monumento de madeira no centro da sala, que sussurrava constantemente para ele que seu nome seria um sucesso.
Aquilo era mesmo possível?
— Acho que você se enganou, Bill — resmungou James, já se sentando na calçada com a expressão cansada — Tem certeza que o ensaio não é amanhã à tarde em vez de hoje?
— É claro que é hoje — disse Bill, encarando as janelas da casa com precisão, como se pudesse arrastar a garota de dentro com aquilo.
Yoongi murmurou:
— É sempre possível que ele esqueça — então disse: — Talvez devêssemos ir comer uma torta.
James olhou ansiosamente para Yoongi, mas foi censurado imediatamente pela expressão raivosa de Bill, com a postura avantajada que adiantava uma liderança do trio.
— Qual é a sua, Yoongi? Preparar esse plano foi um processo demorado, quer desistir de tudo agora?
— Quero entender por que precisamos interromper a nossa caçada ao Lando Calrissian em Vulcano para sujar o cabelo de uma garota que nem conhecemos — a resposta veio com um levantar de ombros. Yoongi observou os amigos, que pareciam cozinhar a questão por alguns instantes antes de responder — Hein?!
— Porque ela é novata — sussurrou James, inseguro.
— Porque ela é esquisita! — Bill bradou com mais vontade, como se segurasse a razão junto com aqueles ovos. Yoongi revirou os olhos, entendendo naquela hora o que só se entendia no futuro: que crianças nunca, jamais tinham motivos plausíveis para odiar umas às outras. Ou fingir que odeiam.
De qualquer forma, ele não começaria a dar as cartas do jogo autoral de RPG ali mesmo se existisse a remota chance que a aparição da garota os interrompesse. Yoongi não gostava de interrupções. Nenhum momento roubado jamais seria igual ao anterior.
A voz aguda e feminina veio alguns minutos depois, quando James estava prestes a tirar um saco de doces de abóbora da mochila, que estavam engordurados pelo contato com outro saco de bacon frito em manteiga que fazia parte do arsenal de seus lanches diários. Yoongi tinha medo de olhar o restante daquela mochila, e viu Bill chutar a lateral das pernas do amigo, obrigando-o a se levantar e guardar toda aquela comida envelhecida. Quando o líder fez sinal para que eles seguissem atrás da garota, que acabava de chegar à calçada, Yoongi sabia precisamente como o dia se desenrolaria.
Ele sabia que existia vários tipos de diversão, mas como aquilo poderia ser mais divertido do que falar em klingon com o Chewbacca?
De primeiro, Yoongi não viu nada demais em . Não achou nada que a caracterizasse como uma garota doce, mas também não viu nada que a colocasse no posto de esquisita. Ela literalmente parecia comum; a novidade em Toronto que não acrescentava, apenas se misturava. Se houvesse algo que pudesse dizer que chamou sua atenção naquela época, poderia ser o cabelo castanho escorrido, brilhante, vivo. Ele esperou genuinamente que James não inventasse de colocar algo com manteiga neles.
A caixa do violino parecia ser maior do que realmente era, carregada atrás de suas costas. Mais tarde, ele se lembraria de como ver o ângulo daquele instrumento o fez sentir um breve arrepio, uma lembrança nebulosa do que o esperava em casa. Uma empatia cresceu debilmente em seu peito. Por favor, James, não jogue salsicha ou bacon no cabelo dela, fala sério! Bill, não toca no violino, sabe o som irado que sai dessas coisas? Podemos voltar e abrir portais na Floresta Encantada, por favor?
Antes de curvar no beco do cruzamento, Bill soltou seu famoso berro em forma de canto. A garota se virou para trás imediatamente, encarando os garotos com estranheza, mas era esperta o bastante para notar o que estava prestes a acontecer quando os dois seguravam as armas nas mãos.
Com um trincar de dentes, ela jogou o corpo para a curva, correndo a plenos pulmões.
— Droga, pensei que ela fosse mais burra — James ofegou enquanto corria.
— Ela não vai escapar. Vamos logo! — Bill seguiu com mais entusiasmo, e também a raiva.
Yoongi se manteve parado observando as costas dos amigos. Dois segundos que pareceram horas se passaram até que ele grunhisse de frustração e corresse atrás, curvando no beco ao mesmo tempo em que , há alguns metros, se virava com a expressão assustada ao topar com o muro de tijolos e arame no fim da rua.
Claro. As famosas ruas sem saída da Allen Road. Algo totalmente inevitável de se topar quando não se tinha uma fuga planejada antecipadamente.
Se aquele encontro tivesse acontecido no “amanhã à tarde” em vez do “hoje”, teria conseguido escapar?
— O que vocês querem? — Ela parecia genuinamente assustada, mas também parecia genuinamente corajosa.
— Jogar tênis. Ou queimada, qualquer coisa que teste seus reflexos de garota de Boston — disse Bill, ácido e inconformado. Tinha raiva naquelas palavras, e ela vinha do nada, algo que estava guardado e sendo posto para fora na hora certa.
James e Yoongi o encararam com dúvida.
— Como você sabe disso? — James sussurrou, perdido no roteiro pré-estabelecido pelo líder. Bill não respondeu.
arfou depois de alguns segundos, correspondendo aquele olhar com ironia.
— Então foi você que deixou aquele bilhete na minha mesa? — Ela estreitou os olhos — Aquele com um chocolate e dois ingressos para a sessão da tarde no Syracusa...
Um dos ovos fez uma curva no ar até atingir o ombro de como uma bala. Os olhos de Bill pegavam fogo, as mãos tremiam com raiva. Yoongi encarou a cena com uma lívida surpresa. James tinha a boca aberta em um “o” infinito.
— Então ela te deu um fora? — O amigo não conseguiu se manter calado. Bill o olhou de um jeito fatal. encarou a gema que escorria em sua blusa branca de botões, estática e surpresa pelo ataque repentino.
— Pois eu também estou te dando um fora agora, esquisita! — Ele ergueu os braços para repetir o lance, mas Yoongi o puxou pelo cotovelo, fazendo-o voltar atrás.
— Qual é, Bill, se controla, alguém vai entrar aqui e nós todos vamos estar ferrados.
Bill se balançou para sair das mãos de Yoongi, sem surpresa alguma por ter sido parado pela mesma pessoa que insistia em ser o bom samaritano do grupo. Yoongi havia feito exatamente o que se espera de um garotinho de boa família, que passava o tempo livre em reuniões pomposas em sua sala de jantar e tocando aquela coisa grande e cara que custava uma fortuna.
correu por mais alguns metros até se encolher literalmente à parede, sendo perseguida por um Bill totalmente alucinado, e, bem na hora em que o garoto estava se preparando para lançar-lhe mais um golpe de ovos, Yoongi se colocou à sua frente, o maxilar trincado de aborrecimento, recebendo o ataque bem no meio do peito, que explodiu em gosma transparente e amarela, deslizando para baixo.
James arfou, olhando-o estupefato. Bill parecia chocado no primeiro momento, mas logo se transformou em uma expressão extremamente zangada. A garota tinha as pernas trêmulas, e o rosto virado com abalo para Yoongi de costas que, dentre tantos olhares em sua direção, só conseguia sentir alívio pelo ataque não ter ido parar em sua mochila, onde só existiam agulhas e lição de casa, mas ainda assim, era a coisa mais difícil de se limpar.
— Qual é o seu problema, porra? — O berro de Bill assustou até mesmo James, mas era mais porque ainda parecia um pouco estranho um garoto de 12 anos que falava tantos palavrões daquele jeito.
— Vou precisar esclarecer mais pra você? Eles vão nos pegar, vamos embora daqui agora! — o grito de Yoongi era mudo, mas claro. Seus olhos foram de relance para a garota prostrada logo atrás, encolhida no muro, alimentando os piores pensamentos sobre todos aqueles garotos, senão da cidade inteira — Estou te falando, vamos…
O ronco de um Camaro na entrada da rua pareceu tremer todos os muros e, então, como um momento perfeito de distração, Bill partiu para cima de Yoongi, empurrando-o para o lado com uma força superior e gritando em seguida: “James, pega a caixa!”. O outro ficou sem entender nada por um tempo, olhando de Bill para Yoongi, e se decidindo que gostava mais de Yoongi, mas tinha mais medo de Bill.
Com isso, foi abordada pelo outro garoto, que estendeu os braços em direção à caixa em suas costas, que ela bem tentou protegê-la colocando força em suas unhas, mas foi bruscamente jogada para o lado. A madeira fez um estrondo ao se chocar no chão, e o impacto destravou o que a trancava. Uma chuva de papéis ascendeu, voou e encontrou o asfalto escuro e sujo do beco, sendo abraçado por poças ou pisoteado pelos dois garotos que ainda brigavam aos rugidos há alguns metros.
Da última vez que brigou com Bill, Yoongi havia ganhado um belo hematoma no canto do rosto, destruindo todas as desculpas que poderia dar em casa. Hoje, ele faria de tudo para não deixar que aquele garoto usando estampa havaiana tocasse em alguma parte frontal que pudesse lhe causar ainda mais problemas.
Todos os movimentos das crianças cessaram quando mais um grito veio da boca da rua, um grito saído do Camaro 1973 estacionado:
— O que estão fazendo? Parem já com isso agora! — O homem rangeu os dentes e escolheu os braços de Bill para agarrar e puxar. O garoto ainda lutou, oferecendo mais uma chuva de palavrões, que foram ignorados com sucesso — Ei, você! Larga a menina! Homens de verdade não fazem isso! Querem que eu ligue para a polí… Ah!
Bill usou os joelhos para se livrar dos braços do cidadão. Sem pensar muito, ele gritou o nome de James e começou a correr para longe, bem longe, sendo acompanhado pelo fiel subordinado, que olhou para Yoongi antes de desaparecer pela rua.
— Inacreditável… — disse o senhor frustrado. Ele parecia ter uns vinte e poucos anos e Yoongi teve certeza de que era um poeta solitário que escrevia sobre como o mundo estava indo ladeira abaixo.
— Está tudo bem, o senhor pode ir. Obrigado pela ajuda — Yoongi falou antes que o homem perguntasse. Ele piscou os olhos algumas vezes antes de assentir e começar a se virar em direção ao carro, que tinha um adesivo persa no para-lamas.
Com um suspiro, o garoto finalmente se virou para , que estava abaixada em movimentos frenéticos para salvar o amontoado impressionante de folhas espalhadas pela rua. Fazendo o mesmo, Yoongi ignorou seus olhares curiosos e julgadores e perguntou:
— Você tá legal?
— O que você acha? — Ela era arisca. Yoongi reparou que grande parte dos papéis eram folhas de jornais velhos e também teve certeza de que não havia violino em lugar nenhum.
— Acho que essas coisas já eram — ele se colocou de pé e estendeu as mãos para baixo, com uma pilha molhada e suja de marcas de tênis. Uma delas era de uma manchete de 4 anos atrás sobre o governador dos Estados Unidos e a história fantasiosa sobre a iminência de uma nova guerra. Marcas de caneta vermelha destacam palavras e frases inteiras. A garota revirou os olhos e puxou os papéis — Não sabia que as pessoas tinham modernizado as pastas de escritório. Você é alguma espiã?
— Eu queria ser — respondeu ela, fechando a caixa. — Mas é melhor deixarem pensar que não. E essa coisa de instrumentos são pra quem tem talento, eu não faço parte dessa população. Mas estou bem com isso.
— Então o que faz no ensaio da igreja? — perguntou Yoongi. juntou as sobrancelhas, desentendida. Ele estalou a língua, entendendo tudo — Ah, é claro. Você não toca na igreja.
E lá vamos nós cair em mais uma manipulação de Bill, pensou Yoongi. Nada do que o amigo fazia era livre de motivações pessoais e, mesmo assim, ele sempre caía em seus discursos.
se colocou de pé, passando a caixa novamente pelos ombros e olhando tristemente para os papéis sem salvação que seriam abandonados pelos cantos.
— Não toco na igreja, quero ser jornalista — ela declarou, deixando a expressão firme do início reaparecer — Jornalista investigativa, por sinal. Acharia que eu fosse mais interessante se tocasse instrumentos cult e difíceis?
— Por que alguém seria mais interessante porque sabe tocar alguma coisa? — Eles trocaram um olhar rápido. limpou a garganta, encarando seus pés.
— Soube que você gosta de música clássica.
— Achei que todo mundo gostasse.
— Nem todo mundo.
O estômago dele se contorceu. Yoongi percebeu como a relação dele com aquele piano era tão intensa, por mais imperfeita que fosse, que fazia com que englobasse o resto do mundo nela, como se fosse impossível que o resto do mundo não compreendesse. Conexão. É só isso.
A saudade do instrumento o tocou de novo. Um toque chamando-o para outro.
— Yoongi — ele se apresentou, estendendo as mãos para a garota — Não que você não saiba disso.
. De Boston — com um sorriso fino, ela apertou sua mão.
— É um prazer conhecê-la, .
Ela assentiu com um sorriso fino e começou a dar passos lentos para a rua.
— Obrigada por… Tudo isso — inclinou a cabeça para a bagunça de papéis, e também para a camisa branca e suja do garoto, tão suja quanto a dela mesma.
— Você está pronta pra colocar teorias na cabeça das pessoas que vão nos ver assim?
deu de ombros.
— Tomara que pensem que eu bati em você.
Ele soltou uma risada baixa e caminhou junto com ela para fora. Quando se separaram na próxima avenida, Yoongi teve certeza de que e sua falsa impressão musical o fizeram querer retornar à sua convivência com o piano. E por isso, ela seria a garota que o decepcionaria ou por quem se apaixonaria.

🎹•🎹


Perder um sonho era como perder alguém.
Aos 12 anos, Min Yoongi perdeu ambas as coisas.
Não havia como estar pronto para aquilo. Havia apenas isto: Yoongi abrindo a porta e se deparando com a doce senhora Min jogada ao chão, vítima das pílulas coloridas que causaram uma explosão em seu estômago, sendo expelidas para fora no carpete, mas que já tinham feito o estrago que parou seus batimentos.
Havia três elementos chocantes no cômodo, conversando entre si para contar a cronologia dos acontecimentos: a garrafa de vinho vazia brilhando contra a luz do sol da tarde, o piano com marcas evidentes de vandalismo e destruição, atacado com não uma, mas várias taças de vidro, que afundaram o teclado junto com a base e a primeira perna; e o corpo de sua mãe, sereno e estático, facilmente passando uma imagem de paz, como uma pessoa que dorme tranquilamente, como costumava dormir há tantas semanas atrás.
Tantas semanas antes da descoberta da nova gravidez. E antes que esse sonho também se perdesse, morresse dentro de seu útero.
Aquilo não foi o pior de tudo. A porta estava trancada. A vizinhança estava tranquila, com os três pares de ombros de vizinhas regando jardins ou passeando com cachorros. Ninguém tinha arrombado o quadrado do cômodo, nenhum ser era musculoso o suficiente para quebrar as janelas e nenhum era magro e rijo o bastante para adentrar pela fresta da porta dos fundos.
Ela tinha feito aquilo. Sua mãe estava morta e ele não tinha a quem culpar porque a escolha tinha sido toda dela.
E ele estava atrasado. Como sempre. Atrasado para as aulas porque, desta vez, estava tomando um sorvete com na praça principal e decidiram que ir ver o novo filme de Star Wars era a prioridade máxima.
Uma prioridade que o impediu de dar um último adeus à sua mãe. E também para o piano.

— Desculpe o atraso — sussurrou ao sentar ao lado de Yoongi na beirada da cama. A visão da janela daquele ângulo era de um intenso verde do jardim de trás, que logo começaria a dar suas flores de cerejeira, que eram mais quadradas à medida que a primavera se aproximava.
O vestido preto da garota era rodado e com babados simples na base, enquanto Yoongi já tinha desafrouxado a gravata daquele estúpido terno de velório que nunca tinha usado. O aroma de hortelã habitual de entrou junto com ela, como naquele dia, no beco. Ele não moveu um único músculo, ainda com os olhos para a frente. viu as malas prontas ao lado do armário, dizendo toda a informação que ainda não estava pronta para encarar.
— Disseram que o nome é depressão pós-parto — a voz dele era seca, caída — Ela estava triste, fraca e se sentia insuficiente. Meu pai disse que é mais comum do que a gente imagina.
— Não queria que fosse comum filhos perderem mães — respondeu , aproximando seus joelhos do amigo. Ele assentiu, implicitamente agradecido.
— Eu só queria ter notado, sabe? — ele fungou, piscando os olhos várias vezes — Ela sempre dizia que estava bem e eu sempre acreditava nela. Acho que é natural que eu sempre acredite. Mas o meu pai, ele… Foram as últimas palavras dele para mim. “Depressão pós-parto. Acontece pra caramba.” — ele deu uma risada perplexa, inconformada — Tem algum problema em sentar e dividir a real situação com o filho?
— Somos crianças, Yoongi. Talvez ele pensou que fosse melhor, que você não entenderia…
— Não, se ele se importasse com isso teria dito que ela foi para o céu ou qualquer besteira dessas. Não foi assim. Ele simplesmente se levantou e saiu e não o vejo desde então — conhecia aquela voz. Ela era fria, apesar de turbulenta, e indicava sinais claros de raiva em seu melhor amigo — Minha avó me disse que vou ficar com eles por um tempo em Oakville. Já me arrumou uma escola e tudo isso. Meu pai, ele… — uma respiração intensa escapou de seus lábios abertos. Ele apertou os dedos no colchão nu, como se mantivesse o equilíbrio — Vai vender a casa e passar um tempo na Coreia. Aparentemente, ganhou uma promoção e estava se preparando pra contar pra gente. Alguma coisa a ver com gerente executivo de uma empresa de celulares. Eu não me importei muito. Parece que ele quer ficar sozinho, e queria odiá-lo por isso. Não consigo. Mas também não consigo olhar para ele agora.
Os olhos pesaram de tal forma que Yoongi precisou passar as costas das mãos neles antes que as lágrimas caíssem. Seria vergonhoso chorar na frente de , ainda mais quando ela nunca tinha feito isso, mesmo com todas as situações desagradáveis que ainda passava na escola. era forte e corajosa, agindo independentemente de outras pessoas, até mesmo de seu melhor amigo. Ela ficaria tão bem sem ele?
Mais ainda: ele ficaria bem sem ela?
— Yoongi… Quando eu estava vindo, eu vi… O piano, ele estava…
Ah, não. Ele não. Falar sobre aquilo era como terminar de puxar o curativo com força em cima da ferida ainda aberta. Doía. Era a parte do sonho que foi perdida junto com sua mãe naquele dia.
Era difícil admitir que Yoongi não conseguia mais visualizar aquele futuro, mesmo que existissem outros pianos por aí, muito maiores e melhores do que aquele. Mas quando se lembrava da sensação inicial e da conexão que nutria com aquele amontoado de madeira, sabia que tocar era um alimento sentimental, uma vontade que englobava seu ser e tudo que fazia parte dele. Sua mãe, quem lhe ensinou, fazia parte disso, além das sensações mágicas que sentia quando tocava os dedos no teclado.
Todo aquele tempo ele estivera se perguntando como aquele sonho morreria, e no fim das contas, ele o perderia para sua maior colaboradora.
— Acabou, . Eu caí na real — disse em tom firme, engolindo o choro e angústia que a ideia causava — O piano virou a pilha de lixo mais cara do ferro velho do Nino’s. E outra pessoa será um músico famoso aos 21 anos. Eu acreditava um pouco, mas ela acreditava por nós dois. E agora nada disso faz sentido.
Não fazia mais sentido. Não faria mais por um tempo.
Yoongi sentiu a mão de sobre a sua e a apertou forte, sem olhá-la. De todas as coisas ruins, aquela era a única lembrança boa que levaria de Toronto: entre tantas despedidas perdidas, o adeus à estava garantido.

🎹•🎹


Toronto era a mesma três anos depois.
Quando saiu do táxi na West Rock 119, viu que a nova casa era literalmente nova; a pintura ainda secava na lateral, o jardim era ligeiramente maior que o da casa da infância — o que deixava claro as intenções de seu pai com sua nova família — e, agora, o quarto de Yoongi era um cômodo maior e adequado para um adolescente, com paredes lisas e brancas esperando para tomarem forma de acordo com sua vontade.
A nova sala era grande e espaçosa. Katy, a madrasta, era uma mulher extremamente minimalista, consultora de feng-shui e batia ponto nos projetos de doação da igreja. Olhando de perto, parecia um pouco com sua falecida mãe com suas raízes asiáticas e aquele sorriso aberto, mas Yoongi não tentaria analisar a forma como seu pai lidava com seu próprio luto.
— Então, Yoongi. O que achou? — ela apontou para o vaso verde de alguma dinastia antiga pousado em cima da lareira com sua voz simpática de sempre. Outra característica parecida.
— É muito bonito, senhora… Katy — ele se corrigiu, vendo-a dar um outro sorriso compreensível.
— Fico feliz. Seu pai disse que pretende fazer Arqueologia agora, não é? Já tem planos de universidade?
— Na verdade…
— Yoongi! — o senhor Min surgiu da cozinha com um avental ridículo estampado, secando as mãos no mesmo enquanto o cheiro do almoço tomava toda a casa — Acho que você tem uma visita.
Ele disse com um sorriso sugestivo, inclinando a cabeça para fora. Mesmo sem vê-lo por três anos, Yoongi sabia o que significava. Sem se despedir, ele correu para fora, enxergando a garota parada de costas enquanto andava de um lado para o outro, vestida com uma jardineira e tênis all-star, no mesmo estilo simples e despojado de sempre, mas agora com mais curvas e uma altura relativamente maior.
! — ele gritou em suas costas. Ela se virou automaticamente.
— Yoongi! — seus braços voaram para o pescoço dele, assim como suas pernas em sua cintura, tamanha a empolgação. O ruído da música que vinha de uma janela vizinha abafava os pontos mais refinados de sua voz e o cheiro de alho que vinha de sua própria casa havia se sobrepujado ao aroma habitual de hortelã, mas ele ainda estava ali. Aquela era totalmente .
— Uau, você cresceu — ele riu quando ela se soltou — Tem o que agora? 1,95?
— Engraçado. Tenho quase o seu tamanho. Então talvez você não tenha crescido — ela deu de ombros e ele pescou meias palavras, porque era impossível desviar a atenção de seu rosto.
Agora, somando dois mais dois, a questão era óbvia: estava linda. De um jeito adorável e novo, mas que ainda era tão , a mesma de 5 anos atrás.
— E então, o que anda fazendo? Como estão os outros na escola? Você conseguiu…
— Yoongi. Tenho um presente pra você — ela o interrompeu com a voz baixa, dando uma rápida olhada para a janela da cozinha aberta — Pode vir comigo rapidinho?
Ele juntou as sobrancelhas e pareceu confuso, mas concordou com a cabeça. Em um movimento, pegou em sua mão e o puxou pela calçada em uma pequena corrida, traçando as quadras exatas que os levariam até a Allen Road.
O portão batido de ferro da loja de móveis tinha mudado de um cinza enferrujado para um azul marinho. A casa de continuava a mesma, talvez com melhorias pequenas aos olhos comuns, como um ou outro parafuso trocado e uma limpeza brusca nas janelas. Quando entrou, os móveis à venda continuavam lustrosos e atrativos, feitos especialmente pelas mãos do pai da garota, que parecia ligeiramente menos presidencial e tinha até deixado o cabelo crescer.
— Min Yoongi! — ele se apressou em retirar as luvas grossas de trabalho e apertar a mão do garoto — Há quanto tempo, como você cresceu. Mesmo que tenha crescido mais — Yoongi riu, pensando com tranquilidade em como certas coisas não mudavam. — Soube que voltou para ficar.
— É, nos mudamos há três quadras daqui. Parece ser uma boa vizinhança, pelo menos é mais perto da escola.
— Entendo, entendo… — ele se empertigou, olhando sugestivamente para a filha. Agora ele parecia menos um cara de negócios, mas apenas porque o calor tinha feito com que arregaçasse as mangas e suor fazia sua testa parecer um outdoor brilhante. O cabelo castanho desgrenhado estava empoeirado também — , querida. Já mostrou a ele?
— Vou fazer isso agora mesmo — ela deu um gritinho, puxando Yoongi pelos cotovelos em direção aos fundos da loja — Vamos, não me faça ter que forçar os punhos, o calor desse lugar anda pior a cada ano.
Yoongi se deixou ser arrastado para um cômodo mais escuro e fechado nos fundos. O cheiro de madeira velha e guardada era tudo que ele sentia, e uma pequena fresta de luz escapava da cortina feita de panos. se aproximou de um grande toldo empoeirado branco, agora quase cinza, guardando alguma coisa grande e muito espaçosa.
— O que é isso? — perguntou ele, confuso. Ele reconheceu o mesmo relógio de parede que passava por gerações na família de , agora finalmente com defeito permanente, mas era a única coisa familiar ali dentro.
Ela sorriu antes de responder:
— Algo que estava esperando por você.
Quando retirou a lona, Yoongi fechou os olhos pelo nocaute da nuvem de poeira, dando leves tossidas até se virar novamente e dar de cara com seu velho piano quebrado daquele fatídico dia.
Ele ainda trazia aquele brilho de beleza, aquela coisa estonteante e magnífica que o puxou totalmente da primeira vez. Min Yoongi agora tinha 3 anos de novo e seu coração batia tão rápido que esmagava seu peito. O brilho não significava apenas o valor monetário da peça, mas que a qualidade dela estava ali desde sua mãe, seu avô e também seu bisavô. Uma joia de família, restaurada por seus princípios, renascida das cinzas como um sinal.
Ele sentiu os olhos molhados, mas não se importou. Devagar, Yoongi se aproximou do piano, estendendo as mãos para ele com estranheza, com medo de ser agora um apetrecho rico e desconhecido, embelezado para as vitrines, mas aquele era o seu piano. Era a primeira coisa inanimada pela qual sentiu algo perto de amor. Era o pacote de todos os seus sonhos antigos e encaixotados.
Talvez, amor e sonho fossem a mesma coisa.
Yoongi. Aquele era o verdadeiro Yoongi.
— O que você acha? — A voz de o tirou do torpor. Ele quase tinha esquecido que ela estava ali. Com um fungar, ele se afastou um pouco do objeto, mas seus olhos permaneciam irredutíveis.
— Eu… Não sei o que dizer — sussurrou, querendo abrir os braços e envolver o piano, mesmo que fosse uma atitude ridícula e infantil — Ele pertence a mim?
deu um sorriso doce, se colocando ao lado do amigo.
— Ele sempre pertenceu a você. E sabe disso. Jamais deixaria que ele apodrecesse no Nino’s.
— Bom — murmurou ele, sem outras palavras mais inteligentes ou eufóricas. Uma explosão de sentimentos vibravam dentro de si. Era algo tão enérgico, tão maluco. Ele se aproximou novamente, levantando a tampa do teclado e deslizando um dos dedos pelas teclas. O barulho reverberou por todas as células de seu corpo, uma adrenalina viva e presente.
Os dedos de escorregaram por cima dos seus, e ele sentiu outro tipo de vibração. Um que tinha sido esquecido, ou ignorado, porque Min Yoongi odiava interromper coisas, e aquilo certamente interromperia sua amizade com , mas o garoto apenas engoliu em seco e a deixou ali, enquanto acariciavam o velho piano novo. Estava claro que sua curiosidade suplantava todas as regras sobre horários e toques com . Eles não eram mais crianças, mas também não eram adultos.
— Não é tarde demais, Yoongi — ela sibilou bem perto de seu rosto — Por que não volta de verdade pra casa e pega tudo de novo? Seus sonhos?
Yoongi fez uma leitura daqueles olhos. estava falando com intenção, com verdade. Tudo tinha sido calculado, mas não era de forma ruim. Ela o conhecia além do que pensava, e nenhum tempo separados tinha mudado isso.
Ainda assim, ele deu uma risada fraca, limpando a garganta.
— Posso saber o nome desse sonho? — perguntou, falsamente desentendido, e revirou os olhos.
— O nome é exames de admissão para a Juilliard. É recitais na Broadway, ou na Europa, composições novas que vão te transformar no novo Sinatra. E ainda têm 6 anos para os 21 — ela baixou o tom de voz, chamando a atenção de Yoongi — Sei que você não se desprendeu da ideia totalmente, e não se preocupe com o tempo. Sua mãe não se importava realmente com o número 21 ou qualquer um deles, mas com o meio do caminho. Com a sua realização. Sei que ela vai se orgulhar de você de qualquer jeito.
É claro que levaria a maior com seu pelotão de palavras sentimentais que mexiam propositalmente com o interior de Yoongi. Ela sabia disso, e ele não se importou em tomá-la em um abraço apertado, sentindo o cheiro de lar que vinha de seu cabelo, mas que também vinha da poeira suja do piano, aquele piano, aquele que despertou todos os sentimentos e lembranças que formaram sua vida. Aquele a quem ele se aliaria novamente para finalmente seguir em frente.

🎹•🎹


As luzes fluorescentes ocupavam todo o espaço do teto, mesmo que ele não soubesse se aquilo era um teto. Tudo estava em movimento, o claro e o escuro se revezavam com gritos acontecendo ao longe enquanto seu corpo era arrastado por rostos entrando e saindo de sua panorâmica, três no total, nenhum deles conhecido, nenhum deles em silêncio. Tudo emitia barulho, e eles soavam como algo fora da caixa, bem longe, enquanto Yoongi ficava debaixo d’água.
Tudo ficou escuro por tempo demais. Ele jamais saberia dizer o quanto. Dor, desespero, sangue e mais dor. Essas coisas eram desconfortáveis, atenuantes. Ele tinha um compromisso. O que estava fazendo ali, sentindo aquelas coisas?
Yoongi tinha uma audição importante no Royal Alexandra Theatre. Devia estar estacionado o carro agora na frente dele. Era um horário exclusivo com dezenas de olheiros estrangeiros, uma matilha de animais elegantes que comandavam as maiores escolas de música espalhadas pelo mundo, entre elas a Universidade de Música de Viena. Era sua segunda opção depois da Juilliard, da qual também tinha recebido uma ligação gloriosa de uma instrutora que estaria muito contente em recebê-lo para uma entrevista.
Ele devia estar lá agora, no palco, blindado com seu relógio e mocassins e o corte caro de seu paletó, dado de presente por com seu primeiro salário no Jornal Municipal, onde relatava os perigos das fake news e expunha a verdade para a população.
. Ela esperaria no teatro. E devia estar usando um vestido roxo como prometeu que estaria, com a tatuagem ríspida que lhe cortava a junta do pescoço acima do colarinho, algo amedrontador no início, mas que a deixava com uma aura infinitamente poderosa. Era uma arma que, de algum modo, penetrava as pessoas, fazendo-as falar a verdade.
Era para essa garota que tinha se declarado há dois dias. Era para sua melhor amiga que correu quando recebeu a ligação de New York e estava tão empolgado que a tomou nos braços em desespero, uma atitude há muito querendo ser realizada, e algo que causou medo de primeiro, mas ele esperaria pela resposta. Hoje ela daria sua resposta.
Onde estava ?
Ele sabia que tudo certamente estava um inferno quando acordou de verdade e se viu na sala branca e pálida do hospital. E também quando sentiu as dores no ombro e mais ainda quando recebeu a visita do presidente daquele grande edifício.
— Min Yoongi — disse ele, com uma voz pomposa e autoritária. Yoongi não respondeu; não achou que fosse necessário. Ele virou a cabeça para os lados, procurando algum rosto conhecido, o rosto de seu pai e de Katy, e de sua nova irmãzinha de 10 meses, e de , principalmente … — Você consegue me ouvir?
Uma enfermeira apontou uma forte luz em suas pupilas, fazendo-o ficar ainda mais tonto.
— Min Yoongi? — perguntou o médico novamente — Consegue falar? Sabe onde está?
Yoongi olhou para os lados, ainda grogue, fazendo uma leve careta de dor.
— O que houve? — perguntou, fechando os olhos, como se a luz ainda o machucasse.
O homem suspirou, falando sem enrolação:
— Infelizmente, o pior.

Eles chamaram de luxação do ombro, mas parecia mais grave do que isso. Yoongi não podia fazer nenhum movimento brusco, ou pior: parecia não poder fazer movimento nenhum. Ele não se lembrava de quando perdeu o controle do carro. Não se lembrava da batida. Não se lembrava nem da dor. Só lembrava da audição, do entusiasmo e de chegar cada vez mais perto de seus sonhos.
Tudo isso arrancado dele por causa de alguém que não respeitou o sinal vermelho.
Aquela caixa branca de hospital era o pior pesadelo. Ele não queria mãos tocando-o para examiná-lo, não queria aqueles olhares de pena da família, que também receberam a triste notícia de que seu filho não poderia mais tocar piano. Pelo menos por um tempo. Por bastante tempo. Talvez nunca mais conseguisse. E , principalmente … Suas lágrimas eram insuportáveis. Ele estenderia a palma aberta com milhões de dólares se isso fosse o suficiente para que ela parasse.
Ele já tinha 21 anos. A hora era aquela. E ela passaria por causa de um acidente de tráfego, um acidente comum que mal tinha lhe quebrado a perna, mas quebrou algo muito mais importante do que isso.
Sentir aquela dor física pelo resto da vida não seria nada comparada à dor de ver seu sonho indo embora.
A vida lá fora depois não parecia mais a mesma. Ele não tinha planos B, não tinha se especializado em alguma técnica administrativa para trabalhos públicos e normais. Min Yoongi estava em busca de fazer seu nome. E não é que não tinha conseguido esse feito. O rapaz era o jovem promissor canadense, pianista em ascensão e uma promessa para as próximas gerações. Uma promessa concordada por toda uma população, impossível de se ignorar.
Hoje, depois de dois meses, ninguém mais se lembrava de seu nome.
Quando a porta do apartamento foi aberta naquele fim de tarde, Yoongi não reparou. Estava ocupado demais rabiscando o papel, ainda fazendo traços grossos e pesados pelo aborrecimento de um desenho errado, ou um trecho que achara horrível demais para ser lido. Era daquele jeito que tentava se distrair: com palavras. Toda a raiva acumulada que não cessava nunca, deixando-o ainda mais doente.
— Você não foi à fisioterapia de novo — a voz de veio da entrada. Yoongi não se deu ao trabalho de se virar — Aliás, esta é a terceira semana seguida que você faz isso. Não acha que está insultando minha inteligência pensando que eu não fosse descobrir?
— Nunca me importei se você descobrisse ou não — respondeu rispidamente, sem desviar os olhos. bufou e caminhou até Yoongi, retirando aquele caderno bagunçado de suas mãos, tão bagunçado quanto sua cabeça — O que ‘tá fazendo?
— Acha que eu vou presenciar isso por mais quanto tempo? — Ela trincou os dentes, olhando de soslaio para as palavras — É legal que esteja encontrando um novo hobby, mas compor músicas de ódio não é muito a sua cara.
O que é a minha cara, ? — ele voltou a puxar o caderno, colocando-se de pé, se aproximando da garota com os lábios entreabertos — Me diz o que eu sou hoje em dia, se você não se importar! Me diz o que mais eu posso fazer nesse estado patético.
— Não tem nada de patético em você, foi um acidente…
— Um acidente que acabou com todo o resto, ! Acabou. Só você ainda não entendeu isso, mas eu já aceitei, então por favor, não venha agir como se tudo fosse voltar ao normal.
— Acabou tudo? Inclusive o que me disse antes disso tudo?
Os olhos de Yoongi encontraram os de . Garras musculosas pareciam lhe apertar o peito. O olhar dela era firme, triste e esperançoso. Enxergava todas as coisas boas que sempre enxergou nele, mas agora isso não significava muito, já que ele mesmo não conseguia fazer isso. E odiava o quanto ela nutria expectativas que não passariam de irreais.
Yoongi estava quebrado. E não queria fazer o mesmo com ela.
— Eu não tenho pra onde ir, — sussurrou, sem sorrir educadamente. Fazia tempo que Yoongi não sorria — Estou completamente fodido e não quero você no meio disso. Não quero ninguém com mensagens motivadoras me dizendo que posso continuar porque não posso. E nem você vai me convencer disso.
A boca de se abriu em um choque congelado, mostrando o quanto jamais se acostumaria com aquele estado inerte de autopiedade de Yoongi, e em como isso a machucava mais do que as outras pessoas.
— Yoongi… Você não pode dizer uma coisa dessas. Não pode acreditar nisso. Eu, Yoongi! Eu te a…
— Sai daqui — ele se afastou com a voz fraca, virando-se de volta para a janela. Se ela terminasse a frase, coisas ruins aconteceriam, como a ruína de toda a sua armadura de orgulho e o fogo que descongelaria seu coração, mas aquilo não poderia acontecer agora. Ele ainda não queria voltar à superfície e encarar a realidade tenebrosa — Por favor.
— Yoongi, não faz isso…
— Por favor, . Vai embora.
encarou as costas do amigo estático, sem reação, até que engolisse em seco e respeitasse seu pedido, saindo do apartamento a passos largos e deixando para chorar de frustração quando chegasse ao térreo.
Yoongi voltou a se sentar na poltrona, agora agarrando de novo a garrafa de whiskey quase vazia, derramando o líquido goela abaixo. No começo, a sensação de queimação era estranha, o borbulhar no estômago também, mas já se foi o tempo em que Yoongi era adolescente e bom moço, que dizia não a bebidas e cigarro em prol de uma saúde impecável para garantir toda a sua concentração nos palcos.
Não existiria mais palcos. Não existiria mais nada disso. O show dele havia acabado antes de começar.
E beber causava raiva. Indignação. Descontentamento. Algo que o fazia quebrar louças e vidrarias daquele lugar alugado, que era presente de Katy e seu pai, presente para o futuro pianista clássico que tocaria para milhões de pessoas. Um futuro que ele alimentava, o futuro que honraria sua mãe, o topo que ele sempre quis.
As coisas não poderiam se perder assim. Era injusto, era ridículo. Sua vida sempre apontou para as melhores direções, cheia de júbilo tanto nas tentativas quanto nos erros, desde que tomara a decisão de sua carreira. Era arbitrário. O destino estava rindo de sua cara nesse momento.
O garoto lançou um olhar venenoso e bêbado para a sala ao lado, onde a porta estava trancada desde o maldito acidente. A sala onde a poeira e as sombras se acumulavam, escondendo demônios de tristeza e arrependimento, junto com todo o ódio que ele carregava dentro de si, sendo entulhado em um único lugar.
Quando abriu a porta, o piano olhou para ele com surpresa. Também estou surpreso em te ver, ele sussurrou, largando a garrafa em cima da tampa, acariciando sua madeira esteticamente linda e densamente suja. As cortinas fechadas não deixavam nenhuma luz entrar e a noite se aproximava, tornando tudo ainda mais escuro. Mas o piano ainda brilhava, reluzente, magnífico, sobrenatural.
Ele o queria. Ele o queria tanto que não se sentia mais injustamente perseguido pelos azares do destino.
Ao se sentar em frente ao teclado, Yoongi levantou sua tampa devagar, deslizando os dedos pela poeira novamente, voltando a ser jovem, voltando a ser adolescente, voltando aos anos passados em seus piores e melhores momentos. Todo o filme de sua vida se desenrolou pelo chão daquele cômodo.
Sua mão direita tocou a primeira nota. . Ele puxou uma percussão leve e rápida com esses dedos, formando uma melodia curta e dextrógira. Quando notou, os dedos esquerdos já respondiam ao seu vizinho e tentavam de novo, mas, como sempre, não continuavam. A dor era intensa, altiva, mesmo que ele lutasse para aguentar. Parecia descer por toda a extensão do braço, e movê-lo daquela forma era torturante. Ele fechou os olhos com força e pediu: por favor, por favor, só mais uma vez, só mais uma vez…
Era impossível. A dor não permitia que continuasse. Ele largou o objeto aos chutes, desequilibrando-se com um grito, levando cadeira e corpo ao chão, chutando-o mais uma vez.
O fundo do poço. Desespero. Ele agora olhava para o piano com outros olhos. Ele, seu amigo mais antigo, a joia de sua vida agora dizia que ele deveria seguir em frente. Que ele sempre estaria ali, de alguma forma, mas que aquele relacionamento precisava mudar. Que existiam profissões alternativas e que Yoongi tinha mais talentos do que pensava. Aquela coisa estava dizendo-o pra desistir, assim como todos os outros. Aquilo fedia como a mais terrível das decepções.
Yoongi não sabia que esse dia chegaria.
Se continuasse ali, a superação nunca viria. Nada mais teria validade. Ele lançou um olhar quase tão venenoso quando o outro e se levantou aos tropeços, a face dura e chapada com a ira.
Abrindo bem os olhos, Yoongi andou até o outro lado do cômodo, procurando a gaveta onde escondia os cigarros de e de seu pai. Puxou a caixa de fósforos que os acompanhava, agarrando a garrafa de whiskey em cima do tampo e derrubando o resto do líquido em toda a extensão do piano, molhando-o com raiva, com determinação.
Antes de acender a faísca, ele sentiu as lágrimas invadirem seu rosto e lembrou-se das palavras de sua mãe.
“Desistir é sempre uma opção. Mas desistir dos sonhos não significa desistir da vida. Viva para contar cada uma de suas derrotas.”
Ele era o único que contabilizaria mais derrotas do que vitórias.
E então, Yoongi jogou o fósforo naquele que tinha sido alvo de várias desistências com o passar da vida, no objeto que regeu seus sonhos e seu bem-estar, um amigo inanimado mas, quando estava sob a projeção de seus dedos, tornava-se tão vivo quanto o vento, quanto o sol, quanto a chuva.
Agora ele estava queimando.
E queimava com força, com ódio. Todo o ódio que ele despejou durante aqueles últimos meses. O ódio de Yoongi ia se dissipando junto com as chamas.
Ele não viu o fogo se alastrando. Estava hipnotizado pela pirotecnia, e sua mão estava aberta sobre o peito, como se algo nele estivesse sendo lavado, purificado. Seus dedos não podiam impedir as lágrimas de saírem com facilidade, mas os ombros puídos também se livraram do peso, o deixando cada vez mais leve.
— Yoongi! — A voz alarmada puxou seus ombros para a frente em um susto. Ele não sabia quem era de imediato. Também não sabia desde que horas tanta fumaça havia se acumulado em torno deles, ou desde quando o cômodo havia ficado tão quente. Estava desnorteado, bêbado, depressivo. Ele sentiu o empurrão para o outro cômodo, e inalou o que não deveria, tossindo como louco pela fumaça preta e densa, e os passos da outra pessoa ficaram mais rápidos, com botas pesadas batendo no piso e um grande jato branco invadindo sua panorâmica antes que ele achasse a base sólida de seu sofá e deixasse o corpo cair no mesmo, sentindo o peito apertar e a respiração falhar. Fumaça, só havia fumaça…
— Yoongi! Yoongi, por favor… — a voz de era reconhecida até pelos seus ossos. Se ele soubesse que ela voltaria, teria feito aquela loucura uma outra hora. Ou nunca mais faria e se perderia a cada dia.
Ele teve o corpo balançado, e sentiu a dor incômoda no ombro, mas não reclamou. Só queria enxergar aquele rosto, o rosto que o trazia paz, mesmo que não admitisse isso.
— Yoongi, o que você fez? O que estava fazendo…
Ela estava chorando. E aquele soluço foi um pontapé para que agarrasse as mãos dela e as apertasse como uma forma de mostrar que estava acordado, mas não por muito tempo. Seus olhos estavam embaçados e ele tinha plena certeza de não estar respirando direito. Era algo que partia e não voltava. Mas aquela era . Ele tinha certeza.
E agora, com todos aqueles sentimentos queimados ali dentro, ele se sentiu imensamente feliz por vê-la, e não mais culpado por ser um covarde.
… — a voz saiu em meio às tosses violentas. — Obrigado…
A fumaça o engoliu. E ele não ouviu o que ela tinha a dizer.



Epílogo

Ele conseguia ouvir a pequena plateia batendo palmas discretas.
Yoongi se olhou no espelho do camarim, encarando seu reflexo em autoanálise. Estava totalmente acordado, sóbrio e decidido. Mas uma ponta de insegurança ainda imperava em seu peito. Você está olhando, não é, mãe? Eu vou mesmo fazer isso. Com 22 anos, estou mesmo fazendo isso.
— Min Yoongi, cinco minutos! — gritou uma mulher com vários apetrechos eletrônicos nos ouvidos, entregando-lhe um microfone simples antes de sair para o outro lado. Ele se levantou, balançando os braços e sentindo o ombro esquerdo melhor do que na semana passada. Ele melhorou a cada dia depois da cirurgia, mas as fisioterapias ainda eram de extrema importância. Com sorte, estaria novo em folha antes dos 30.
— Ainda tem cinco minutos? — surgiu em suas costas com um pequeno toque nos braços, fazendo-o se virar com um sorriso. O rosto dela brilhava de admiração e felicidade. Ela vestia uma blusa azul-bebê com penas costuradas na gola, que tinha sido obra das mãozinhas sapecas de Yoona com seus quase dois anos de idade. Foi o bastante para apaziguar qualquer nervosismo do rapaz.
— Achei que me esperaria lá fora.
— Não podia deixar meu namorado entrar sem um beijo de boa sorte — deu de ombros.
Yoongi ergueu uma sobrancelha, divertido. Olhou fixamente para a roupa dela e imaginou como estariam seu pai e Katy batendo os pés de antecipação em uma das poltronas na sala de espera.
— Desde quando você é adepta a esse tipo de breguice romântica? Mal aceitou as flores que eu te dei da primeira vez.
— Flores são um desperdício de dinheiro, achei que soubesse, sr. Min. Agora… — ela se inclinou para a frente, beijando-o com ternura — Tenho um presente pra você.
— Tenho um pouco de receio dos seus presentes.
— Também é pra te dar sorte.
Ela piscou um dos olhos e puxou da bolsa um lápis. Ele era maior do que um lápis comum e certamente mais torto, mas parecia diferente e firme. Sua superfície era feita de uma madeira escura, clareando em algumas partes, como se tivesse sido queimada.
Queimada.
Yoongi pegou o objeto devagar, franzindo o cenho.
— Foi tudo que conseguimos recuperar do incêndio. Desta vez, as mãos do meu pai não puderam fazer muita coisa — com um suspiro, ela acariciou seus ombros novamente — Mas deu pra fazer isso. O seu novo instrumento para o seu novo trabalho. Escrever suas músicas naquele caderno — apontou para o diário encouraçado cheio de tiras repousado em cima da mesa — E cantá-las, como está indo fazer agora.
Yoongi jurava que deveria ter uma reação mais aberta, mas só conseguia encarar o objeto com reconhecimento, nostalgia e todo espanto que podia conter em um presente como aqueles. Não sabia se o silêncio era certo, mas sabia que imaginava as sensações que o tomavam naquele momento.
— Uau. Você sempre me deixa sem saber o que dizer. — Falou, passando uma mão pelo rosto e expirando longamente para se recuperar.
— Espero que tenha coisas boas a dizer.
— Eu tenho. Muito obrigado, — Yoongi a beijou rapidamente, tomando sua nuca para que ela se aproximasse mais — E não estou indo exatamente cantar. É quase impossível que essa gravadora aceite um garoto sem nome que canta rap raivoso sem nenhum pudor.
— É um garoto que canta com verdade. Você tem que se acostumar com essa colocação. Não existe ninguém mais verdadeiro do que você, Min Yoongi — ela sorriu, também sendo sincera. — Agora vá mostrar sua verdade para o mundo.
Ele assentiu, sem necessidade de mais perguntas, deixando que ela o beijasse mais uma vez, por mais tempo antes que ouvissem a mesma voz de antes alertando que faltava apenas um minuto.
Yoongi deu de ombros pesarosamente e acenou com as mãos para se despedir. partiu, e ele virou-se para a cortina. Com uma última olhada no presente, ele o apertou entre os dedos e sentiu cheiro de oficina. Um sorriso despontou em seus lábios. Ele o guardou no bolso de trás, sem se importar se a ponta torta escapava para fora e disse, com uma voz nova, totalmente ausente da autodepreciação de antes:
“Até o fim.”
A verdade era que aquele piano sempre estaria com ele. No seu nascimento e no fim de sua vida. E estava ali, agora, em um novo sonho, mais presente do que nunca. Seu primeiro amor.
Yoongi suspirou e ajeitou a postura. E então, abriu as cortinas e entrou em seu novo palco.


Fim!



Nota da autora: Olá, meu bem! Se você chegou até aqui, te agradeço imensamente por ter cedido tempo e lido a história até o final. Não se esqueça de deixar um comentário com o feedback completo pra que eu possa saber ♥
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