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Postada em: 10/01/2021

Capítulo Único

O barulho da torneira mal fechada ressoava pelo pequeno apartamento. O copo que estava diretamente abaixo do bocal recebia as pequenas gotas. estava irritado com o ruído, mas não se levantaria do sofá. Pegou os fones de ouvido que estavam jogados no braço do móvel e os colocou nos ouvidos. Nenhuma música tocava, não estava no humor para músicas, mas ele podia fingir que não ouvia mais o som que vinha da pia da cozinha.
A sala estava mal iluminada, um abajur solitário era a fonte de luz. Ficar no escuro condizia com o estado que se forçava ficar dia após dia. Ele estava recém-saído de um relacionamento, tinha o direito de curtir a fossa da maneira deprimente que quisesse. pensou em abrir o Instagram e fazer uma live para seus fãs, mas não queria lidar com a enxurrada de perguntas que chegariam perguntando por que estava com o semblante abatido e olheiras profundas.
tinha ido embora há pouco mais de um mês, e, no apartamento dele, ainda era possível encontrar algumas coisas que ela deixou. Estava esperando que ela marcasse de pegar o que faltava, mas até aquele momento nenhum pedido havia sido feito. Ainda assim, ele recolheu tudo e colocou dentro da caixa, que agora repousava sobre a mesa de centro. estava encarando aquela caixa há horas, provavelmente já era noite do lado de fora. No entanto, não saberia dizer, porque há muito as janelas com cortinas corta-luz não eram abertas.
Ele não era esse tipo de homem sentimental, já tinha passado por términos antes... Aquela relação nem era tão espetacular assim, ele mais passava tempo trabalhando que com a namorada. Os encontros deles, nos últimos meses, se resumiam a manter a conversa no básico e em sexo desvairado. Talvez tenha sido isso que tenha colocado um fim do relacionamento, no final das contas. Eles mais agiam como dois estranhos que se encontravam para transar que realmente um casal de namorados.
Enquanto para ele estava tudo bem viver assim, claramente para ela não estava, ou ainda estaria ali. E, como se não bastasse, ela ainda pediu que os gatos dele fossem para a casa dela uma vez a cada vinte dias. De pronto negou o pedido, mas, depois de vinte dias após o término, vendo a condição miserável que os gatos ficaram, totalmente rebeldes e fazendo greve de fome – apenas para a comida dele, porque continuavam bem alimentados, então certamente alguém do prédio estava alimentando aqueles demônios da tasmânia –, ele ligou e arranjou o transporte para a casa dela. Aquela era a segunda vez que estava sem seus gatos e sentia falta até mesmo do olhar de puro julgamento que eles davam.
Já até podia imaginar o que se passava na cabeça dos felinos: “você é burro de ter jogado fora o seu relacionamento. E ainda fica aí jogado no nosso sofá o dia inteiro.” Em algum momento do dia, ele teria que se levantar e fechar devidamente a torneira, mas continuaria ali por mais um tempo, montando conversas imaginárias com os gatos e pensando em diversos cenários que poderiam ter ocorrido se ele tivesse prestado mais atenção aos sinais de que a relação com estava caminhando para o seu fim.

-x-


estava mais agitado que o normal. O pequeno felino estava arranhando a porta da sala há alguns minutos, queria que deixasse o caminho logo livre para poder brincar com o gato da vizinha, que arranhava a porta do outro lado. Rindo da atitude de , abriu a porta para segundos depois ver os dois gatos correndo para o apartamento em frente. Acenou sorridente para a simpática senhora que vivia do outro lado do hall, recebendo um igualmente sorridente aceno de volta. Agora ele se encontrava encarando a porta do outro lado fechada, estava passando a listagem de coisas para comprar para casa. Não dava mais para fugir, tinha que ir ao mercado comprar comida para ele e seus filhos de quatro patas.
Com na casa da vizinha e seus outros filhos enfiados em algum lugar do apartamento fazendo suas coisas de gatos, pegou as chaves do carro, a carteira, celular e estava quase saindo quando se lembrou da máscara preta. Não estava se sentindo muito bem. Era um leve resfriado, mas não queria contaminar ninguém.
Com o tecido preto devidamente em seu lugar, saiu de casa dando tchau para os felinos e avisando que voltaria logo. Não recebeu nenhum retorno, mas hábitos eram difíceis de morrer. Chamou o elevador, que não tardou muito a chegar. Entrou na caixa metálica, mexendo no celular. Pouco tempo depois, já se encontrava em seu carro. A viagem até o mercado era curta, ele poderia fazer o trajeto a pé, mas queria chegar logo em casa. Tinha marcado um jogo com seus amigos e, sempre que ele atrasava, ficava por horas os ouvindo reclamar da falta de compromisso com o horário, porque partidas de Fortnite eram sagradas.
Já de posse do carrinho de compras, começou a pegar o que precisava pela seção de cereais. Em pouco tempo, já estava na seção dos refrigerados debatendo qual sabor de iogurte levaria, quando ele prestou atenção na música que saía suavemente pelos alto-falantes. Era a música que dizia ser a do relacionamento deles, a música do casal. Já se passava oito meses da separação. Ele não tinha mais que sentir aquele aperto no peito ao ouvir uma simples música, mas sentia.
Forçou os pensamentos a ir em outra direção, não ficaria ali no meio do mercado com um iogurte em cada mão e pensando na ex-namorada. Ela já tinha seguido com a vida. Através de amigos em comum, descobriu que estava namorando de novo. Não sentia felicidade pelo casal, mas também não desejava o mal por eles. Respirou aliviado quando a música acabou. Já passara muito tempo ali. Decidiu pelo sabor de mirtilo e empurrou o carrinho em direção aos caixas, mas parou abruptamente ao olhar para a seção de padaria, que ficava quase que em linha reta ao que ele estava.
estava lendo a parte de trás de uma embalagem de pão. Ela tinha essa mania de saber o que estava em todo e qualquer alimento que levava para casa, dizia que gostava de saber o que consumiria em casa, já que na rua não podia ter esse controle. Isso levava à loucura, porque uma ida ao mercado que demoraria, no máximo, quarenta minutos, com ela demorava uma hora e meia, no mínimo. Por Deus, ela olhava rótulo de detergente... Quem fazia isso? Agora, vendo essa cena, ele sentiu saudade das esquisitices dela.
Debateu se iria cumprimentá-la ou não. Não se viam há pouco de cinco meses quando decidiu não mais compartilhar a guarda dos gatos. Vê-la todos os meses estava dificultando o processo de cura do pé na bunda que ele tomou. De todos os seus filhos, foi o que mais sentiu e transformou a vida dele num inferno, mas o rabugento já estava melhor agora... Já não fazia mais xixi no cesto de roupas, o que era uma benção, porque ele perdeu as contas de quantas vezes teve que colocar a roupa para lavar de novo, pois, por um descuido, não o viu entrar na lavanderia.
Finalmente decidiu que seria educado, não desesperado, da parte dele falar com . Estava há pouco mais de quatro metros quando um homem alto chegou por trás dela e a agarrou pela cintura, colando o corpo dos dois e arrancando risadas da mulher. continuou a rir enquanto o homem balançava o corpo deles ao som de September do Earth, Wing and Fire, que tocava pelo mercado. Algumas pessoas curiosas olhavam a cena e riam do casal, que estava claramente apaixonado. Eles estavam sendo totalmente idiotas dançando no meio da seção de pão e não estava ligando para quem olhasse... e isso fez dar meia volta e entrar na seção mais próxima.
sentia dificuldade para respirar com a máscara, mas não podia tirá-la. Tossiu duas vezes para afastar o bolo que se formou na garganta, respirou fundo e seguiu para os caixas. Queria sair dali o quanto antes e sem ser notado por . Ela enfim encontrou alguém que fazia coisas idiotas em público, como dançar no meio do mercado. nunca poderia fazer isso. Além de não gostar de demonstrações públicas de afeto, não podia ser visto com uma mulher. Seus fãs mais loucos fariam a vida de qualquer uma que fosse vista com ele um inferno. Quando namoravam, eles tinham que ir em carros separados e nunca passavam as compras no mesmo caixa.
Já com as compras devidamente pagas e a caminho do carro, deu mais uma olhada em direção ao setor onde estava antes. Não encontrou o casal mais lá, no entanto, ao correr os olhos pelo local, os viu se aproximando do caixa. Estavam esperando uma senhora terminar de pagar as compras dela. estava com os braços enlaçados no pescoço do homem e ele segurava a cintura dela, conversavam alguma coisa que trazia um sorriso aos lábios dos dois. Observou a cena por mais alguns segundos, mas virou as costas quando o homem se inclinou para beijar os lábios dela. Não queria ver aquela cena.
Se ela estava feliz com esse cara, bom para ela. queria que ela estivesse ao lado dele, mas, como ele não fez os ajustes necessários para que ela ficasse, tinha agora que conviver com o fato que seria outro a beijar a boca que antes era somente dele para beijar.


Fim



Nota da autora: Olá, meus amores! Essa fic saiu num pequeno surto, espero que tenham gostado!
E eu só tenho de agradecer à minha beta linda e maravilhosa Carol Cahill por ter aceitado betar essa fic aos 49 do segundo tempo. Muito obrigada, meu anjo. <3333
Bjs e até a próxima!





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