Capítulo Único
POV’S OFF
Aquele era o seu céu. O paraíso particular dela.
O braço daquele estranho, do seu estranho, ao redor da sua cintura. Fazia muito tempo que não o sentia, meses com certeza. A experiência dependia de uma combinação especial de entorpecentes que nunca soube dosar muito bem. Mas naquela noite, ela acertou por acaso.
E o melhor de tudo era que ela não esperava por nada daquilo. Foi como receber um presente sem data comemorativa, a cereja do bolo para completar uma noite incrível. O seu estranho cruzar seu caminho para levá-la diretamente ao céu bem quando ela teve uma recaída. Só podia ser um sinal. Tinha certeza de que nunca iriam separar-se novamente.
sentia-se perdida naquele dia. Não conseguia dizer há quantos minutos olhava para o móvel verde da cozinha, só sabia que seu coração estava prestes a estourar no seu peito, por mais que estivesse parada.
Eram momentos como aquele que a fazia querer aproveitar as chances mais impulsivas que apareciam na sua frente e mergulhar de cabeça nos caminhos errados que já conhecia. Por pior que fossem, pelo menos eram caminhos, e ela estava perdida procurando uma direção a seguir há muito tempo.
Estava difícil manter-se limpa. Apesar de sua única overdose ter a mostrado que não importa o tamanho do alívio que uma droga provoca, é tudo uma mentira, a falácia é tão bem contada, que faz você duvidar que a sobriedade é realmente uma boa opção.
Ela tentava manter em mente que era preciso apenas viver um dia de cada vez, respirar fundo no momento que seu coração acelerar e contar até cem quando a agonia de não poder anestesiar-se transbordava pelos olhos. Ela tinha plena noção que a dor no seu peito estava diferente, mas não conseguia fazer nada para diminuir isso. Se antes se entorpecia pela saudade das pessoas que se foram na sua vida, agora ela sentia falta de si mesma, como se o vício tivesse lhe roubado pedaços.
No entanto, essa é a sobriedade. Você só percebe o quanto se perdeu se passar por essa fase por tempo o suficiente. Demora para se limpar por inteiro, para tirar todo o veneno de dentro do seu corpo. Leva tempo até conseguir enxergar além da abstinência, do sofrimento físico e psicológico que isso causa. Os enjoos, as dores, as tremedeiras… Você para de ligar tanto assim para a insônia, começa a ler um livro ao invés de mergulhar na agonia. Você retorna aos poucos a viver, e eventualmente volta a encontrar os pedaços que te faltam.
Mas não havia alcançado essa fase ainda. Por isso, quando seu irmão viajou pela primeira vez em uma missão desde seu primeiro dia sóbria, ela ficou tensa. A ansiedade coçava sua pele, embrulhava seu estômago.
E se ela não fosse forte, afinal de contas? Todos aqueles dias que precisaria passar sozinha…
Seu pai não retornava suas ligações, seu avô já era muito idoso, não merecia passar por esse tipo de perturbação, e sua mãe… Bem, ela estava em coma no hospital.
Sentia-se medíocre, queria conseguir atravessar aquilo sozinha.
Precisava relaxar.
Apenas espairecer.
Era só isso, nada mais.
Por isso, prometeu a si mesma que só sairia para tomar um drink. O que apenas um drink pode fazer, não é mesmo?
Foi até um pub movimentado que ficava perto da sua faculdade, sentou no canto do balcão e pediu um dry martini. Observava todos à sua volta com muita atenção, tentando imaginar pelo que cada um passava, como o dia deles havia começado, como iria terminar, ou se tinham alguém importante esperando-os em casa.
E então, sempre que seus pensamentos ameaçavam voar em sua direção, ela entornava um gole generoso do drink, exprimindo uma careta ao sentir o líquido queimando a garganta. Bebeu todo o conteúdo da taça muito rápido, e logo sentiu-se zonza. A bebida era forte, e ela gostava por isso. Na terceira taça, sentiu os olhos enchendo de lágrimas e resolveu ir ao banheiro passar água no rosto; precisava animar-se um pouco, espantar tudo aquilo que desejava engoli-la.
Pelo caminho, precisou apoiar-se aleatoriamente em algumas pessoas; sentia como se andasse na proa de um barco em meio a uma tempestade. Sua visão e seus pés não possuíam o mesmo ritmo. Um verdadeiro caos.
Foi assim que esbarrou em duas moças que alegaram conhecê-la das festas de “calourada” que participou. Foi assim que aceitou a ajuda para ir ao banheiro, onde observou as duas cheirando pó em cima de um espelho de bolso e sorrindo uma para a outra depois, com um brilho no olhar característico.
olhava tudo nostálgica. Queria experienciar aquilo de novo, queria sentir seus olhos cintilarem daquele jeito, queria ter a leveza em seus músculos, a confiança em viver, a ausência do peso no peito ao respirar. Por que tudo tinha que ser tão volúvel? Uma decisão, inúmeras consequências.
Para que estava tomando tanta coragem naqueles poucos segundos? Para resistir à sua vontade ou para ter atitude e pedir logo um pouco da droga?
Nem precisou tanto tempo assim para delegar. Uma das mulheres virou para ela e a ofereceu, alegando ser bom para cortar um pouco o efeito do álcool e ainda lhe dar animação para dançar.
Dançar?
Sim, teria uma festa com um DJ irlandês no centro.
Uma festa?
É. Vem com a gente.
Tudo bem.
No segundo seguinte, seu nariz estava grudado na superfície empoeirada, aspirando todo o tóxico que podia para dentro de si.
E em mais um segundo, estava em um carro com as duas, a caminho dessa festa. Não se lembrava do momento que saiu do bar, ou até mesmo de ter pago a conta, mas tudo parecia certo. E seu corpo formigava, pedindo para mexer-se, por isso não havia lugar melhor que aquela tal festa para isso. As duas garotas dentro do carro eram divertidas, riam tanto, e a faziam rir também. Sim, estava alegre, feliz de novo.
Oh, há quanto tempo não se sentia feliz.
A mulher que dirigia olhou para com a língua de fora, onde duas pílulas brancas repousavam. A garota sorriu zonza e foi de encontro a ela, beijando sua boca e capturando as duas pílulas com sua língua.
O carro fez um zigue-zague.
— Ei, meu fentanil! — a motorista reclamou. — Sua doida…
apenas sorriu, engolindo logo em seguida os remédios com a ajuda da sua cerveja morna.
— Eu amo fentanil. Me apaixonei desde a primeira vez que usei — ela confessou com a voz mole, olhando idiotamente para as mãos. — Some com toda a minha dor.
A motorista trocou um olhar apreensivo com a outra amiga pelo retrovisor e respirou fundo.
— É, mas, tipo, você já é acostumada, né? — perguntou, receosa. — A gente ouviu falar que você… — ela pigarreou. — Que você já é acostumada a tomar essas coisas e tipo…
— Tô sóbria há cinco semanas e meia — falou, abrindo a janela do carro para apoiar sua cabeça pesada no batente. — Nunca fiquem sóbrias, é a pior coisa do mundo.
Ela sentiu o vento em seu rosto como um afago e seu cabelo voou longe. A noite estava linda, as luzes brilhavam forte, a vida estava leve e colorida mais uma vez.
Na câmera lenta da pista de dança, ia e vinha conforme a multidão. Seu corpo escorregava na música, suas mãos agarravam-se às bebidas alheias, e sua boca cedia espaço para o mergulho de outros lábios.
Nada importava mais que aquele momento.
Seu coração não era mais ansioso, ele batia no ritmo do ambiente.
Sua pele estava sensível e ficava extasiada com os toques que arrepiavam seu corpo.
Sua mente ficou vazia de problemas, como se fosse um buraco.
Um buraco escuro, onde adentrava cada vez mais, sem perceber o quanto o vácuo a engolia para poder sufocá-la de uma vez.
E então, o estranho a encontrou.
Entre toda a luz neon e as silhuetas desconhecidas, ele vislumbrou o rosto de satisfação dela. Estava com as pálpebras fechadas, os braços para o alto e um sorriso brilhante no rosto. Sentiu seu corpo desfalecer ao vê-la mais de perto; não porque estava bonita, ou porque era a mulher que despertava todos os tipos de sentimentos dentro dele. Mas porque realmente acreditou e defendeu a sobriedade dela.
Aproximou-se devagar, desviando dos corpos que se amontoavam, e abriu espaço até encaixar suas mãos de leve na cintura da garota. O toque teve uma reação imediata.
suspirou e agarrou-se nele, enlaçando o pescoço do homem sem demora.
— Não acredito que você veio — ela disse, encostando seus narizes, tentando buscar os lábios do seu estranho. Nunca conseguiu beijá-lo.
Ele sempre desviava, por mais que seu coração acelerasse ao sentir o hálito quente dela no seu rosto.
— Eu sempre venho — ele falou triste, erguendo até que ela pudesse colocar a ponta dos pés em cima dos seus. Já era um ato automático entre os dois.
Assim, ele conseguia caminhar para fora de qualquer lugar funesto com mais tranquilidade, e ela acharia que eles estariam tendo a melhor dança do universo.
— Tem vezes que você não vem — ela disse, próxima ao ouvido dele.
— Você me enxerga de diversas formas, mas eu sempre estou aqui.
sorriu e se aconchegou mais perto do pescoço do homem. Ela inspirou seu cheiro forte e picante, parecido com canela defumada, e roçou seu nariz na pele dele.
— Você tem o cheiro do meu doce preferido — ela falou, sorrindo, dando um leve chupão na jugular do homem.
— Não faz isso, . — Sua reação em se afastar foi imediata. Um reflexo desesperado pelo o que não podia ocorrer.
Ele parou no final da pista e a encarou sério, porém, os olhos da garota ainda estavam fechados quando ela inclinou a cabeça para trás e riu.
Ele respirou fundo, de forma áspera, e a desgrudou com calma de seu corpo. Precisava afastar-se. Seu organismo inteiro ardia.
Estavam quase na saída, então poderia conduzi-la apenas com um braço pela cintura até seu carro.
Pelo o que se via no relógio de parede do celular, haviam passado nove horas. O homem monitorava os batimentos cardíacos da garota, fumava um de seus cigarros na janela e voltava a esperar pacientemente em uma poltrona do quarto até o momento em que ela despertaria. A casa dos Dawson parecia uma biblioteca; pegou “Tristão e Isolda” para ler e conseguiu distrair-se pelo decorrer das horas.
Como sempre, tirou apenas a jaqueta e os sapatos de antes de cobrir suas pernas com uma manta. No entanto, diferente das outras vezes, deitou-a na cama de sua mãe; não queria entrar no quarto da garota de forma alguma, lá encontraria pairando no ar as memórias do dia em que ela sofrera a overdose.
Tinha plena noção de que ficaria enfurecida por ele invadir aquele espaço sagrado, e que tudo pioraria ainda mais depois da garota perceber que eles estavam trancados ali. No entanto, foi a forma mais branda que encontrou de se fazer ouvir por ela.
Os olhos tremeram e abriram devagar. piscou, vendo tudo muito embaçado, e sentiu uma dor aguda pulsar por toda sua cabeça. Ela fechou os olhos com força mais uma vez e virou a cabeça no travesseiro. Antes que pudesse estranhar o cheiro diferente da fronha, a enxurrada de memórias a atropelou sem dó, fazendo-a apoiar-se nos cotovelos de supetão, assustada.
Não…
Não queria acreditar que realmente recaiu.
Como pôde ser tão fraca?
Como deixou-se levar tão facilmente?
Cedeu como se estivesse com sede há dias e oferecessem um copo d’água gelado a ela.
O enjoo tomou conta de seu corpo assim que seu olhar fixou na manta esticada em suas pernas.
— Bom dia, — disse, levantando-se da poltrona no canto esquerdo do quarto.
Ouvir aquela voz foi como entrar em um banho gelado no inverno, foi a tortura física que faltava para completar seu ciclo de punição, a chegada do carrasco para finalizar o seu julgamento. Todos os seus músculos tensionaram.
— O que você está fazendo aqui? — ela perguntou, sentindo seu nariz arder.
— Acho que já está bem óbvio o que aconteceu ontem à noite e…
— No quarto da minha mãe, seu merda — ela o interrompeu, elevando um olhar furiosamente inconformado, assim que parou em frente ao pé da cama.
Ele suspirou e cruzou os braços em frente ao peito, alargando sua figura. Ignoraria por hora os xingamentos.
— Nós precisamos conversar.
franziu a testa e soltou uma única risada de escárnio. Antes mesmo de pensar em qualquer outra coisa, sua ira a fez levantar-se em um pulo da cama. Foi até porta, ignorando o enjoo absurdo que sentia, e ordenou:
— Sai daqui agora. — Assim que tentou virar a maçaneta e puxar a porta, nada moveu-se além de seu corpo débil.
A incredulidade lambeu sua espinha como um cubo de gelo deslizando em sua pele. Tentou abrir a porta mais algumas vezes, forçando a fechadura com as duas mãos, até sentir sua visão escurecer pelo esforço. Precisou apoiar-se no batente, ou cairia de joelhos.
observou a cena apreensivo; não a deixaria cair, mas também precisava dar espaço para ela assimilar tudo.
— Como eu disse, nós precisamos conversar — ele repetiu, apoiando o quadril no móvel atrás de si.
Ela virou-se devagar, grudando as costas na porta. Respirava com uma dificuldade absurda àquela altura.
— O que faz você pensar que eu tenho algo para falar com você? — ela pronunciou baixo pelo enjoo, mas em sua voz o nojo era explicitamente direcionado a ele.
— Você não precisa falar nada, só precisa escutar — ele disse, calmo.
estreitou os olhos para o homem, e não conseguiu conter mais uma risada. Naquele momento, esqueceu que estava prestes a vomitar todo seu intestino e apenas gargalhou.
— Você é engraçado, . Eu tenho que admitir. Escutar você… — ela debochou.
O homem permaneceu impassível.
— A chave do quarto está no bolso da frente da minha calça. Eu duvido muito que você meterá a mão aqui para pegar. Então, sim, você vai me escutar.
Um calor cretino percorreu o esôfago de , fazendo-a apressar-se para o banheiro do quarto. Enquanto seu corpo envergava em cima da louça, só conseguia pensar em sua mãe e no quanto ela ficaria devastada caso soubesse dos caminhos que a sua caçula escolheu percorrer.
Sentiu-se repugnante por tudo que viveu no último ano.
Assim que se arrastou para a pia, não conseguiu olhar-se no espelho em momento algum; bochechou uma mistura de água e enxaguante bucal, molhou sua nuca e saiu do banheiro sentindo-se mais apta a ficar em pé.
— Destranca o quarto, eu preciso beber água — sua voz saiu trêmula.
— Tem na mesinha de cabeceira — ele disse, apontando para o móvel.
Ela olhou para o local e viu a garrafa fresca transpirando na madeira. Seu peito subiu e desceu com uma respiração raivosa, enquanto encarava o objeto com incredulidade. Marchou até lá, abriu a garrafa com uma força desnecessária, sorveu metade do conteúdo e secou a boca úmida no braço. Não sentiu sua sede diminuir, apenas sua ira aumentar.
— Sabe, quando meu irmão chegar, ele vai adorar saber que o melhor amigo dele trancou sua irmã caçula no quarto da mãe deles e se recusou a abrir a porta. Você não tem direito de fazer isso. — Ela olhou para ele. — Isso é cárcere privado.
Rapidamente, avançou até . Por reflexo, ela derrubou a água e grudou suas costas na parede, em uma tentativa de afastar-se, mas ele aproximou-se até cercá-la.
apoiou um braço esticado ao lado da cabeça de e abaixou o rosto até o seu; com a outra mão, pegou o celular e mostrou um número na tela.
— Por que não diz isso agora a ele, hein? — ele perguntou grave, o olhar sério atravessava a íris da garota como uma navalha, mostrando-a que não estava brincando. — Inclusive, aproveita e fala o que você fez ontem à noite, onde esteve, as drogas que usou. Isso se você lembrar de tudo, não é mesmo? Essa é a discagem direta para a cabine do navio em que ele está, quem sabe ele mesmo atenda. Tenho certeza de que de lá mesmo consegue te mandar para uma clínica. — deu de ombros e pôs o celular na orelha.
o encarou horrorizada. Ele dizia coisas assustadoras demais em uma distância pequena demais. Seu cheiro estava sufocante e tudo o que ela queria era chorar por sentir falta de coisas que não sabia dizer ao certo o que eram.
Assim que ouviu o primeiro bip da ligação, a garota apressou as mãos para a orelha do homem para tentar pegar o celular. Porém, ele elevou o braço e aproximou mais seu rosto do dela, intimidando-a a virar a cabeça para o lado.
— Você vai me ouvir na boa ou vai continuar a dificultar algo que pode ser fácil? — ele perguntou, baixo.
empurrou-o pelos ombros, odiando sentir o hálito quente dele em seu ouvido. A sensação fazia seu estômago embrulhar, ao mesmo tempo que inúmeros arrepios subiam por suas pernas.
— Diz logo o que tem para dizer, seu bosta — ela falou, sentindo seus olhos umedecerem.
afastou-se alguns passos, olhou para o aparelho, e desligou a chamada. Apoiou mais uma vez o quadril no móvel em frente à cama e sentiu o fôlego descompassado. Precisou esfregar as mãos no rosto com força para mudar o foco dos pensamentos.
Respirou fundo e fixou o olhar na colcha branca à sua frente. O que iria contar não era fácil de reviver.
— Então. A começar pelo começo — ele falou, cruzando os braços e olhando-a. — Você compreende muito bem como é a questão da rivalidade das nossas famílias na Marinha. E deve saber, assim como eu, de todas as histórias que já aconteceram entre nossos familiares ao decorrer do tempo. — Ele engoliu em seco, esperando uma resposta.
— Aonde você quer chegar com isso tudo? — ela perguntou, sentindo como se o ar à sua volta arranhasse sua pele.
— Tem histórias que não entram no acervo da Marinha, pois acontecem apenas dentro de casa. Sem envolver sua família na minha, sem ter acontecido nas Forças Armadas. — Ele respirou fundo e continuou. — E eu quero te contar uma dessas histórias. Algo que aconteceu comigo, com a minha família, que provavelmente você não sabe. Mas que tem tudo a ver com essa situação.
trancou a respiração. Pensou em todas as possibilidades, e em nenhuma realmente. Não conseguia confabular além dos absurdos que já ocorreram em relação aos sobrenomes.
— Eu… não sei nem por onde começar direito, para falar a verdade — admitiu, passando a mão mais uma vez no rosto, dessa vez de forma mais rude. Odiava sentir as lágrimas queimarem sua córnea, e isso o deixavam hostil consigo mesmo. — Quando eu tinha uns quinze anos, bem moleque, meu pai começou a sair da asa do meu avô na Marinha, sabe? É inevitável, por um tempo a gente fica refém do sobrenome e… Você sabe como é. Vai sentir na pele quando entrar para a Armada — ele afirmou, suspirando. — Mas enfim. Meu avô, assim como o seu, era gigante no Poder Naval, então, quando eu tinha essa idade, meu pai começou a ganhar respeito próprio, foi escalado para missões mais longas, ficava mais tempo fora de casa — fungou e esfregou a palma das mãos nas coxas, nervoso. A falta que seu pai fez naquela época o atingiu em cheio, como ele não esperava. Foram os últimos tempos em que tudo estava normal dentro de casa. Se soubesse, teria aproveitado como nunca.
franziu a testa e o espiou rapidamente. Estranhou a súbita pausa quase como se estivesse interessada em ouvi-lo.
— Bom… logo, meu pai subiu de cargo. Passava dois meses em alto mar e um mês em casa. Você pode só imaginar. Minha mãe, que só sabia desempenhar o papel de ser mulher de alguém, se sentiu perdida — soltou as últimas palavras com um peso, murchando toda a sua postura. Como era horrível verbalizar aquilo, ter tão pouco para falar da mulher que o criou, possuir apenas aquilo e o resto daquela história trágica para contar.
Ele olhou para seus dedos grossos e calejados, e os viu embaçando aos poucos.
— Eu não quero me prolongar, apesar da história ter discorrido por alguns anos — ele pigarreou, por sua voz ter saído um sussurro. — Então, o negócio é que minha mãe se sentiu solitária e arranjou um amante. Eu mesmo contei para o meu pai quando descobri. Quando ele foi confrontá-la, tudo o que aconteceu foi uma briga onde meu pai ouviu como era um péssimo marido e um pai ausente. E ele acreditou nisso, se culpou por tudo. — balançou a cabeça e olhou para , que se mantinha presa à parede, atônita. — A solução que ele encontrou para tentar reverter o problema foi desistir de sua carreira em alto mar para ser um oficial em solo. E era tudo o que ele não queria. Mas ele sentia que precisava fazer as coisas darem certo com a minha mãe, sabe? Ficar por perto, estar presente — ele falou, sendo pego por um sentimento intruso de solidão.
A história de seus pais circundava muito o casamento deles. sempre foi um “assunto” deixado de lado, como se não importasse muito. Como se não fizesse diferença.
Precisou respirar algumas vezes, em um ritmo conciso, antes de continuar; era ali que a história ficava feia. Era ali que tudo desandava.
— O que… aconteceu? — perguntou baixo, quando o olhar fixo do homem não vibrava a mais nada.
— Tudo piorou — ele falou, sem emoção. — Minha mãe não queria meu pai de volta. Ela só queria que ele sumisse de vez para poder ficar com tal do amante. E que a mesma coisa ocorresse com a família dele. — sentiu sua respiração devanear à medida que cedia espaço em sua memória para sua história voltar; olhou para o lado e viu uma cerâmica pequena de anjo na cômoda onde estava apoiado. — Obviamente, o caso da minha mãe não deu certo, o cara a dispensou quando ela ficou insistente. Ela se revoltou, apareceu na casa dele, surtou na frente da mulher do sujeito… Teve crises de raiva dentro de casa, culpou meu pai por tudo inúmeras vezes, até que… O tempo passou e ela ficou inerte. — Ele pausou, sem vontade alguma para continuar; pescou o anjo da cômoda com calma, em uma tentativa de apegar-se a algo sólido que pudesse trazê-lo de volta ao presente caso precisasse. — Então, minha mãe começou a tomar remédios pesados. Muitos deles. Você deve conhecer alguns — ele falou, levantando as sobrancelhas; a garota apenas estreitou os olhos. — Calmantes para passar pela noite, anfetaminas para ter vontade de fazer algo durante o dia. A maioria das vezes era uma quantidade e uma mistura desnecessária. Ela chegava ao absurdo de tomar as pílulas com álcool. Não importava muito, o único objetivo era passar o máximo de horas por dia chapada.
sentiu a semelhança entre ela sufocar sua garganta como um punho apertando o local. Fechou os olhos com força, sentindo-os umedecerem. Já imaginava onde aquela história terminaria. Não queria ouvir esse tipo de sermão apelativo. só poderia estar inventando aquilo tudo para assustá-la, não era possível.
Ele apertou o adorno de anjo com força em sua mão, sentindo os detalhes pontudos da peça querendo rasgar sua pele.
— Ela sumiu no dia do meu aniversário de dezoito anos. — Os olhares de ambos se encontram como um ímã. — Meu pai já havia dado inúmeros ultimatos para que ela parasse de usar e…
— Está mentindo — falou por impulso, interrompendo-o. Não queria mais ouvi-lo.
largou o anjo de qualquer jeito na hora, em um gesto incrédulo.
— O que foi que disse? — a expressão no rosto do homem fez as pernas de vacilarem, e seu tom de voz foi capaz de gelar o ar do quarto.
— Está inventando toda essa história triste só para eu me compadecer e… — A garota não conseguiu continuar, como se percebesse o absurdo que dizia.
— E o que, ? Magicamente faria você tomar consciência? — ele hostilizou, soltando um riso de desprezo. — A única mentirosa aqui é você, que prometeu ao seu irmão nunca mais usar porra nenhuma e ontem se entupiu tanto que nem lembra como chegou em casa — ele cuspiu, enquanto projetava seu corpo para longe do móvel. prendeu sua respiração. — Eu não preciso que você sinta pena de mim. Posso te afirmar que esse sentimento não leva a lugar algum — ele finalizou.
Não queria falar daquele jeito com , principalmente por tratar-se de um assunto pessoal e delicado, porém a acusação de mentira dissolveu seu esforço de tentar ser polido. Queria confrontá-la como nunca.
— Garota petulante… — ele falou, olhando-a de cima a baixo. — O ponto importante aqui não é falar de como o vício destruiu minha mãe, e sim falar de como isso afetou todo mundo em volta. Ela sumiu sem se importar com ninguém, e meu pai precisou ficar para aguentar as pontas. Isso te lembra alguém? — perguntou, enquanto aproximava-se lentamente de . — Tudo desmoronou para ele, como se nada mais existisse, inclusive eu. Nos cinco anos seguintes, ficou tão doente que precisou ser dispensado da Marinha. Foi aposentado por invalidez aos 49 anos. — respirou fundo e travou sua mandíbula. — Você sabe há quanto tempo meu pai não sai da cama, ? — perguntou, sentindo seu sangue bombear de raiva. — Você não sabe, porque só eu guardo essa informação. Só eu sei o que eu vivi e com o que eu preciso lidar todos os dias. Você não tem direito nenhum de falar o que é mentira ou não. — Ele parou e ficou a poucos passos de distância da garota, eliminando-a com o olhar. — Nem tudo se resume à sua existência. Não é só você que tem problemas na sua vida. E nessa sua tentativa frustrada de tapar o sol com a peneira, você vai levar seu irmão junto. Meu melhor amigo vai acabar que nem meu pai. Se culpará para sempre pela bela merda que a sua vida vai se tornar. E eu nunca vou te perdoar por isso.
— Eu nunca faria isso com o meu irmão! — ela gritou, tentando empurrá-lo.
agarrou os pulsos da garota e imobilizou seus braços, até ela cessar seus movimentos.
— Você já está fazendo, — ele contestou. — Você já é destrutiva o suficiente para isso.
A acusação a atingiu como um soco no estômago. Sem forças para manter uma respiração concisa, ela caiu de joelhos no chão. Começou a chorar como se vivesse todas as suas dores de uma vez só, como se fosse a primeira vez.
afastou-se assustado pelo efeito que causara. Teve a certeza ali de que foi muito longe com suas palavras. Sim, ultrapassou a linha tênue da retaliação. Sempre foi muito impulsivo, e estava tentando controlar esse defeito desde que o identificou. Não queria ter recaído ali, daquela forma inescrupulosa.
Como pôde dizer aquilo a ela?
Nunca foi muito bom em odiá-la, de qualquer forma.
— Eu não… — deveria ter falado aquilo?
Era fácil pensar tal coisa depois de descarregar tudo.
Que tal desculpar-se?
Oh, é mesmo.
Se fizesse isso, teria que começar a pedir perdão pelo estado de saúde da mãe de .
Culpar-se para desculpar-se. Assumir a responsabilidade.
E ele não estava pronto para verbalizar os seus erros no acidente ainda.
Atordoado, observou a garota encolhida no chão e percebeu que era sua hora de ir embora. Piscou rapidamente, buscou a chave no bolso esquerdo de sua calça e foi até a porta. Olhou uma última vez para , e falou:
— Eu prometo que eu vou… Sumir da sua vida.
Assim que saiu para o corredor, sentiu uma corrente de ar gelado arrepiar a sua pele e guiar sua cabeça diretamente para as escadas.
Levaria anos até vê-la novamente, e mais tempo ainda até ambos trocarem uma palavra mais uma vez.
No quarto, fungou seu choro e sentiu uma repentina raiva a dominar; derrubou a mesinha de cabeceira ao seu lado, empurrando-a para longe com seus pés e mãos. Tudo foi ao chão. Ela chutou os objetos, gritou, sentiu as lágrimas de raiva esquentarem seu rosto. Enterrou os dedos nos cabelos e continuou a soluçar.
Como poderia tirar tudo aquilo de sua cabeça agora?
Entorpecendo-se.
Odiava a conexão inegável que sentia com a realidade de .
Anestesie-se para esquecer.
Seu irmão… Ela arruinaria o que havia restado de sua família.
E que diferença teria?
Não podia ficar sozinha com sua própria mente.
Em uma ironia cretina, o silêncio que a ausência de fez a desesperou.
Começou a pensar na mãe dele. Sabia bem como ela devia sentir-se antes de decidir entorpecer seu corpo, antes de trancar-se em um quarto escuro na própria cabeça e dar boas-vindas a uma pessoa totalmente chafurdada; o vazio interno pode causar dores físicas quando ele fica maior que o próprio corpo. É comum querer anestesiar-se.
respirou fundo, trêmula, e olhou para o lado. Esticou o braço para pegar um travesseiro na cama e deitou no chão, agarrada a ele. Tinha um pouco do cheiro de sua mãe nele ainda. Dava para renovar com o perfume dela, que tinha no banheiro, mas não era a mesma coisa que o cheiro da pele dela. Esse ficava muito mais ao fundo de sua mente, guardado em uma gaveta emperrada que só dava para experienciar quando fechava os olhos e pensava em uma memória boa das duas juntas.
Com isso, vinha um som fraco de sua voz, a sensação que tinha quando recebia seu abraço e o amor puro que a acolhia por inteiro. E quando as lágrimas molharam o travesseiro, ela sabia que não aguentava mais ficar sem sua mãe. Mas também tinha noção de que não morreria daquilo, porque sempre acabava dormindo de cansaço pelo peso que a tristeza produzia em seus olhos.
Aquele era o seu céu. O paraíso particular dela.
O braço daquele estranho, do seu estranho, ao redor da sua cintura. Fazia muito tempo que não o sentia, meses com certeza. A experiência dependia de uma combinação especial de entorpecentes que nunca soube dosar muito bem. Mas naquela noite, ela acertou por acaso.
E o melhor de tudo era que ela não esperava por nada daquilo. Foi como receber um presente sem data comemorativa, a cereja do bolo para completar uma noite incrível. O seu estranho cruzar seu caminho para levá-la diretamente ao céu bem quando ela teve uma recaída. Só podia ser um sinal. Tinha certeza de que nunca iriam separar-se novamente.
sentia-se perdida naquele dia. Não conseguia dizer há quantos minutos olhava para o móvel verde da cozinha, só sabia que seu coração estava prestes a estourar no seu peito, por mais que estivesse parada.
Eram momentos como aquele que a fazia querer aproveitar as chances mais impulsivas que apareciam na sua frente e mergulhar de cabeça nos caminhos errados que já conhecia. Por pior que fossem, pelo menos eram caminhos, e ela estava perdida procurando uma direção a seguir há muito tempo.
Estava difícil manter-se limpa. Apesar de sua única overdose ter a mostrado que não importa o tamanho do alívio que uma droga provoca, é tudo uma mentira, a falácia é tão bem contada, que faz você duvidar que a sobriedade é realmente uma boa opção.
Ela tentava manter em mente que era preciso apenas viver um dia de cada vez, respirar fundo no momento que seu coração acelerar e contar até cem quando a agonia de não poder anestesiar-se transbordava pelos olhos. Ela tinha plena noção que a dor no seu peito estava diferente, mas não conseguia fazer nada para diminuir isso. Se antes se entorpecia pela saudade das pessoas que se foram na sua vida, agora ela sentia falta de si mesma, como se o vício tivesse lhe roubado pedaços.
No entanto, essa é a sobriedade. Você só percebe o quanto se perdeu se passar por essa fase por tempo o suficiente. Demora para se limpar por inteiro, para tirar todo o veneno de dentro do seu corpo. Leva tempo até conseguir enxergar além da abstinência, do sofrimento físico e psicológico que isso causa. Os enjoos, as dores, as tremedeiras… Você para de ligar tanto assim para a insônia, começa a ler um livro ao invés de mergulhar na agonia. Você retorna aos poucos a viver, e eventualmente volta a encontrar os pedaços que te faltam.
Mas não havia alcançado essa fase ainda. Por isso, quando seu irmão viajou pela primeira vez em uma missão desde seu primeiro dia sóbria, ela ficou tensa. A ansiedade coçava sua pele, embrulhava seu estômago.
E se ela não fosse forte, afinal de contas? Todos aqueles dias que precisaria passar sozinha…
Seu pai não retornava suas ligações, seu avô já era muito idoso, não merecia passar por esse tipo de perturbação, e sua mãe… Bem, ela estava em coma no hospital.
Sentia-se medíocre, queria conseguir atravessar aquilo sozinha.
Precisava relaxar.
Apenas espairecer.
Era só isso, nada mais.
Por isso, prometeu a si mesma que só sairia para tomar um drink. O que apenas um drink pode fazer, não é mesmo?
Foi até um pub movimentado que ficava perto da sua faculdade, sentou no canto do balcão e pediu um dry martini. Observava todos à sua volta com muita atenção, tentando imaginar pelo que cada um passava, como o dia deles havia começado, como iria terminar, ou se tinham alguém importante esperando-os em casa.
E então, sempre que seus pensamentos ameaçavam voar em sua direção, ela entornava um gole generoso do drink, exprimindo uma careta ao sentir o líquido queimando a garganta. Bebeu todo o conteúdo da taça muito rápido, e logo sentiu-se zonza. A bebida era forte, e ela gostava por isso. Na terceira taça, sentiu os olhos enchendo de lágrimas e resolveu ir ao banheiro passar água no rosto; precisava animar-se um pouco, espantar tudo aquilo que desejava engoli-la.
Pelo caminho, precisou apoiar-se aleatoriamente em algumas pessoas; sentia como se andasse na proa de um barco em meio a uma tempestade. Sua visão e seus pés não possuíam o mesmo ritmo. Um verdadeiro caos.
Foi assim que esbarrou em duas moças que alegaram conhecê-la das festas de “calourada” que participou. Foi assim que aceitou a ajuda para ir ao banheiro, onde observou as duas cheirando pó em cima de um espelho de bolso e sorrindo uma para a outra depois, com um brilho no olhar característico.
olhava tudo nostálgica. Queria experienciar aquilo de novo, queria sentir seus olhos cintilarem daquele jeito, queria ter a leveza em seus músculos, a confiança em viver, a ausência do peso no peito ao respirar. Por que tudo tinha que ser tão volúvel? Uma decisão, inúmeras consequências.
Para que estava tomando tanta coragem naqueles poucos segundos? Para resistir à sua vontade ou para ter atitude e pedir logo um pouco da droga?
Nem precisou tanto tempo assim para delegar. Uma das mulheres virou para ela e a ofereceu, alegando ser bom para cortar um pouco o efeito do álcool e ainda lhe dar animação para dançar.
Dançar?
Sim, teria uma festa com um DJ irlandês no centro.
Uma festa?
É. Vem com a gente.
Tudo bem.
No segundo seguinte, seu nariz estava grudado na superfície empoeirada, aspirando todo o tóxico que podia para dentro de si.
E em mais um segundo, estava em um carro com as duas, a caminho dessa festa. Não se lembrava do momento que saiu do bar, ou até mesmo de ter pago a conta, mas tudo parecia certo. E seu corpo formigava, pedindo para mexer-se, por isso não havia lugar melhor que aquela tal festa para isso. As duas garotas dentro do carro eram divertidas, riam tanto, e a faziam rir também. Sim, estava alegre, feliz de novo.
Oh, há quanto tempo não se sentia feliz.
A mulher que dirigia olhou para com a língua de fora, onde duas pílulas brancas repousavam. A garota sorriu zonza e foi de encontro a ela, beijando sua boca e capturando as duas pílulas com sua língua.
O carro fez um zigue-zague.
— Ei, meu fentanil! — a motorista reclamou. — Sua doida…
apenas sorriu, engolindo logo em seguida os remédios com a ajuda da sua cerveja morna.
— Eu amo fentanil. Me apaixonei desde a primeira vez que usei — ela confessou com a voz mole, olhando idiotamente para as mãos. — Some com toda a minha dor.
A motorista trocou um olhar apreensivo com a outra amiga pelo retrovisor e respirou fundo.
— É, mas, tipo, você já é acostumada, né? — perguntou, receosa. — A gente ouviu falar que você… — ela pigarreou. — Que você já é acostumada a tomar essas coisas e tipo…
— Tô sóbria há cinco semanas e meia — falou, abrindo a janela do carro para apoiar sua cabeça pesada no batente. — Nunca fiquem sóbrias, é a pior coisa do mundo.
Ela sentiu o vento em seu rosto como um afago e seu cabelo voou longe. A noite estava linda, as luzes brilhavam forte, a vida estava leve e colorida mais uma vez.
Na câmera lenta da pista de dança, ia e vinha conforme a multidão. Seu corpo escorregava na música, suas mãos agarravam-se às bebidas alheias, e sua boca cedia espaço para o mergulho de outros lábios.
Nada importava mais que aquele momento.
Seu coração não era mais ansioso, ele batia no ritmo do ambiente.
Sua pele estava sensível e ficava extasiada com os toques que arrepiavam seu corpo.
Sua mente ficou vazia de problemas, como se fosse um buraco.
Um buraco escuro, onde adentrava cada vez mais, sem perceber o quanto o vácuo a engolia para poder sufocá-la de uma vez.
E então, o estranho a encontrou.
Entre toda a luz neon e as silhuetas desconhecidas, ele vislumbrou o rosto de satisfação dela. Estava com as pálpebras fechadas, os braços para o alto e um sorriso brilhante no rosto. Sentiu seu corpo desfalecer ao vê-la mais de perto; não porque estava bonita, ou porque era a mulher que despertava todos os tipos de sentimentos dentro dele. Mas porque realmente acreditou e defendeu a sobriedade dela.
Aproximou-se devagar, desviando dos corpos que se amontoavam, e abriu espaço até encaixar suas mãos de leve na cintura da garota. O toque teve uma reação imediata.
suspirou e agarrou-se nele, enlaçando o pescoço do homem sem demora.
— Não acredito que você veio — ela disse, encostando seus narizes, tentando buscar os lábios do seu estranho. Nunca conseguiu beijá-lo.
Ele sempre desviava, por mais que seu coração acelerasse ao sentir o hálito quente dela no seu rosto.
— Eu sempre venho — ele falou triste, erguendo até que ela pudesse colocar a ponta dos pés em cima dos seus. Já era um ato automático entre os dois.
Assim, ele conseguia caminhar para fora de qualquer lugar funesto com mais tranquilidade, e ela acharia que eles estariam tendo a melhor dança do universo.
— Tem vezes que você não vem — ela disse, próxima ao ouvido dele.
— Você me enxerga de diversas formas, mas eu sempre estou aqui.
sorriu e se aconchegou mais perto do pescoço do homem. Ela inspirou seu cheiro forte e picante, parecido com canela defumada, e roçou seu nariz na pele dele.
— Você tem o cheiro do meu doce preferido — ela falou, sorrindo, dando um leve chupão na jugular do homem.
— Não faz isso, . — Sua reação em se afastar foi imediata. Um reflexo desesperado pelo o que não podia ocorrer.
Ele parou no final da pista e a encarou sério, porém, os olhos da garota ainda estavam fechados quando ela inclinou a cabeça para trás e riu.
Ele respirou fundo, de forma áspera, e a desgrudou com calma de seu corpo. Precisava afastar-se. Seu organismo inteiro ardia.
Estavam quase na saída, então poderia conduzi-la apenas com um braço pela cintura até seu carro.
Pelo o que se via no relógio de parede do celular, haviam passado nove horas. O homem monitorava os batimentos cardíacos da garota, fumava um de seus cigarros na janela e voltava a esperar pacientemente em uma poltrona do quarto até o momento em que ela despertaria. A casa dos Dawson parecia uma biblioteca; pegou “Tristão e Isolda” para ler e conseguiu distrair-se pelo decorrer das horas.
Como sempre, tirou apenas a jaqueta e os sapatos de antes de cobrir suas pernas com uma manta. No entanto, diferente das outras vezes, deitou-a na cama de sua mãe; não queria entrar no quarto da garota de forma alguma, lá encontraria pairando no ar as memórias do dia em que ela sofrera a overdose.
Tinha plena noção de que ficaria enfurecida por ele invadir aquele espaço sagrado, e que tudo pioraria ainda mais depois da garota perceber que eles estavam trancados ali. No entanto, foi a forma mais branda que encontrou de se fazer ouvir por ela.
Os olhos tremeram e abriram devagar. piscou, vendo tudo muito embaçado, e sentiu uma dor aguda pulsar por toda sua cabeça. Ela fechou os olhos com força mais uma vez e virou a cabeça no travesseiro. Antes que pudesse estranhar o cheiro diferente da fronha, a enxurrada de memórias a atropelou sem dó, fazendo-a apoiar-se nos cotovelos de supetão, assustada.
Não…
Não queria acreditar que realmente recaiu.
Como pôde ser tão fraca?
Como deixou-se levar tão facilmente?
Cedeu como se estivesse com sede há dias e oferecessem um copo d’água gelado a ela.
O enjoo tomou conta de seu corpo assim que seu olhar fixou na manta esticada em suas pernas.
— Bom dia, — disse, levantando-se da poltrona no canto esquerdo do quarto.
Ouvir aquela voz foi como entrar em um banho gelado no inverno, foi a tortura física que faltava para completar seu ciclo de punição, a chegada do carrasco para finalizar o seu julgamento. Todos os seus músculos tensionaram.
— O que você está fazendo aqui? — ela perguntou, sentindo seu nariz arder.
— Acho que já está bem óbvio o que aconteceu ontem à noite e…
— No quarto da minha mãe, seu merda — ela o interrompeu, elevando um olhar furiosamente inconformado, assim que parou em frente ao pé da cama.
Ele suspirou e cruzou os braços em frente ao peito, alargando sua figura. Ignoraria por hora os xingamentos.
— Nós precisamos conversar.
franziu a testa e soltou uma única risada de escárnio. Antes mesmo de pensar em qualquer outra coisa, sua ira a fez levantar-se em um pulo da cama. Foi até porta, ignorando o enjoo absurdo que sentia, e ordenou:
— Sai daqui agora. — Assim que tentou virar a maçaneta e puxar a porta, nada moveu-se além de seu corpo débil.
A incredulidade lambeu sua espinha como um cubo de gelo deslizando em sua pele. Tentou abrir a porta mais algumas vezes, forçando a fechadura com as duas mãos, até sentir sua visão escurecer pelo esforço. Precisou apoiar-se no batente, ou cairia de joelhos.
observou a cena apreensivo; não a deixaria cair, mas também precisava dar espaço para ela assimilar tudo.
— Como eu disse, nós precisamos conversar — ele repetiu, apoiando o quadril no móvel atrás de si.
Ela virou-se devagar, grudando as costas na porta. Respirava com uma dificuldade absurda àquela altura.
— O que faz você pensar que eu tenho algo para falar com você? — ela pronunciou baixo pelo enjoo, mas em sua voz o nojo era explicitamente direcionado a ele.
— Você não precisa falar nada, só precisa escutar — ele disse, calmo.
estreitou os olhos para o homem, e não conseguiu conter mais uma risada. Naquele momento, esqueceu que estava prestes a vomitar todo seu intestino e apenas gargalhou.
— Você é engraçado, . Eu tenho que admitir. Escutar você… — ela debochou.
O homem permaneceu impassível.
— A chave do quarto está no bolso da frente da minha calça. Eu duvido muito que você meterá a mão aqui para pegar. Então, sim, você vai me escutar.
Um calor cretino percorreu o esôfago de , fazendo-a apressar-se para o banheiro do quarto. Enquanto seu corpo envergava em cima da louça, só conseguia pensar em sua mãe e no quanto ela ficaria devastada caso soubesse dos caminhos que a sua caçula escolheu percorrer.
Sentiu-se repugnante por tudo que viveu no último ano.
Assim que se arrastou para a pia, não conseguiu olhar-se no espelho em momento algum; bochechou uma mistura de água e enxaguante bucal, molhou sua nuca e saiu do banheiro sentindo-se mais apta a ficar em pé.
— Destranca o quarto, eu preciso beber água — sua voz saiu trêmula.
— Tem na mesinha de cabeceira — ele disse, apontando para o móvel.
Ela olhou para o local e viu a garrafa fresca transpirando na madeira. Seu peito subiu e desceu com uma respiração raivosa, enquanto encarava o objeto com incredulidade. Marchou até lá, abriu a garrafa com uma força desnecessária, sorveu metade do conteúdo e secou a boca úmida no braço. Não sentiu sua sede diminuir, apenas sua ira aumentar.
— Sabe, quando meu irmão chegar, ele vai adorar saber que o melhor amigo dele trancou sua irmã caçula no quarto da mãe deles e se recusou a abrir a porta. Você não tem direito de fazer isso. — Ela olhou para ele. — Isso é cárcere privado.
Rapidamente, avançou até . Por reflexo, ela derrubou a água e grudou suas costas na parede, em uma tentativa de afastar-se, mas ele aproximou-se até cercá-la.
apoiou um braço esticado ao lado da cabeça de e abaixou o rosto até o seu; com a outra mão, pegou o celular e mostrou um número na tela.
— Por que não diz isso agora a ele, hein? — ele perguntou grave, o olhar sério atravessava a íris da garota como uma navalha, mostrando-a que não estava brincando. — Inclusive, aproveita e fala o que você fez ontem à noite, onde esteve, as drogas que usou. Isso se você lembrar de tudo, não é mesmo? Essa é a discagem direta para a cabine do navio em que ele está, quem sabe ele mesmo atenda. Tenho certeza de que de lá mesmo consegue te mandar para uma clínica. — deu de ombros e pôs o celular na orelha.
o encarou horrorizada. Ele dizia coisas assustadoras demais em uma distância pequena demais. Seu cheiro estava sufocante e tudo o que ela queria era chorar por sentir falta de coisas que não sabia dizer ao certo o que eram.
Assim que ouviu o primeiro bip da ligação, a garota apressou as mãos para a orelha do homem para tentar pegar o celular. Porém, ele elevou o braço e aproximou mais seu rosto do dela, intimidando-a a virar a cabeça para o lado.
— Você vai me ouvir na boa ou vai continuar a dificultar algo que pode ser fácil? — ele perguntou, baixo.
empurrou-o pelos ombros, odiando sentir o hálito quente dele em seu ouvido. A sensação fazia seu estômago embrulhar, ao mesmo tempo que inúmeros arrepios subiam por suas pernas.
— Diz logo o que tem para dizer, seu bosta — ela falou, sentindo seus olhos umedecerem.
afastou-se alguns passos, olhou para o aparelho, e desligou a chamada. Apoiou mais uma vez o quadril no móvel em frente à cama e sentiu o fôlego descompassado. Precisou esfregar as mãos no rosto com força para mudar o foco dos pensamentos.
Respirou fundo e fixou o olhar na colcha branca à sua frente. O que iria contar não era fácil de reviver.
— Então. A começar pelo começo — ele falou, cruzando os braços e olhando-a. — Você compreende muito bem como é a questão da rivalidade das nossas famílias na Marinha. E deve saber, assim como eu, de todas as histórias que já aconteceram entre nossos familiares ao decorrer do tempo. — Ele engoliu em seco, esperando uma resposta.
— Aonde você quer chegar com isso tudo? — ela perguntou, sentindo como se o ar à sua volta arranhasse sua pele.
— Tem histórias que não entram no acervo da Marinha, pois acontecem apenas dentro de casa. Sem envolver sua família na minha, sem ter acontecido nas Forças Armadas. — Ele respirou fundo e continuou. — E eu quero te contar uma dessas histórias. Algo que aconteceu comigo, com a minha família, que provavelmente você não sabe. Mas que tem tudo a ver com essa situação.
trancou a respiração. Pensou em todas as possibilidades, e em nenhuma realmente. Não conseguia confabular além dos absurdos que já ocorreram em relação aos sobrenomes.
— Eu… não sei nem por onde começar direito, para falar a verdade — admitiu, passando a mão mais uma vez no rosto, dessa vez de forma mais rude. Odiava sentir as lágrimas queimarem sua córnea, e isso o deixavam hostil consigo mesmo. — Quando eu tinha uns quinze anos, bem moleque, meu pai começou a sair da asa do meu avô na Marinha, sabe? É inevitável, por um tempo a gente fica refém do sobrenome e… Você sabe como é. Vai sentir na pele quando entrar para a Armada — ele afirmou, suspirando. — Mas enfim. Meu avô, assim como o seu, era gigante no Poder Naval, então, quando eu tinha essa idade, meu pai começou a ganhar respeito próprio, foi escalado para missões mais longas, ficava mais tempo fora de casa — fungou e esfregou a palma das mãos nas coxas, nervoso. A falta que seu pai fez naquela época o atingiu em cheio, como ele não esperava. Foram os últimos tempos em que tudo estava normal dentro de casa. Se soubesse, teria aproveitado como nunca.
franziu a testa e o espiou rapidamente. Estranhou a súbita pausa quase como se estivesse interessada em ouvi-lo.
— Bom… logo, meu pai subiu de cargo. Passava dois meses em alto mar e um mês em casa. Você pode só imaginar. Minha mãe, que só sabia desempenhar o papel de ser mulher de alguém, se sentiu perdida — soltou as últimas palavras com um peso, murchando toda a sua postura. Como era horrível verbalizar aquilo, ter tão pouco para falar da mulher que o criou, possuir apenas aquilo e o resto daquela história trágica para contar.
Ele olhou para seus dedos grossos e calejados, e os viu embaçando aos poucos.
— Eu não quero me prolongar, apesar da história ter discorrido por alguns anos — ele pigarreou, por sua voz ter saído um sussurro. — Então, o negócio é que minha mãe se sentiu solitária e arranjou um amante. Eu mesmo contei para o meu pai quando descobri. Quando ele foi confrontá-la, tudo o que aconteceu foi uma briga onde meu pai ouviu como era um péssimo marido e um pai ausente. E ele acreditou nisso, se culpou por tudo. — balançou a cabeça e olhou para , que se mantinha presa à parede, atônita. — A solução que ele encontrou para tentar reverter o problema foi desistir de sua carreira em alto mar para ser um oficial em solo. E era tudo o que ele não queria. Mas ele sentia que precisava fazer as coisas darem certo com a minha mãe, sabe? Ficar por perto, estar presente — ele falou, sendo pego por um sentimento intruso de solidão.
A história de seus pais circundava muito o casamento deles. sempre foi um “assunto” deixado de lado, como se não importasse muito. Como se não fizesse diferença.
Precisou respirar algumas vezes, em um ritmo conciso, antes de continuar; era ali que a história ficava feia. Era ali que tudo desandava.
— O que… aconteceu? — perguntou baixo, quando o olhar fixo do homem não vibrava a mais nada.
— Tudo piorou — ele falou, sem emoção. — Minha mãe não queria meu pai de volta. Ela só queria que ele sumisse de vez para poder ficar com tal do amante. E que a mesma coisa ocorresse com a família dele. — sentiu sua respiração devanear à medida que cedia espaço em sua memória para sua história voltar; olhou para o lado e viu uma cerâmica pequena de anjo na cômoda onde estava apoiado. — Obviamente, o caso da minha mãe não deu certo, o cara a dispensou quando ela ficou insistente. Ela se revoltou, apareceu na casa dele, surtou na frente da mulher do sujeito… Teve crises de raiva dentro de casa, culpou meu pai por tudo inúmeras vezes, até que… O tempo passou e ela ficou inerte. — Ele pausou, sem vontade alguma para continuar; pescou o anjo da cômoda com calma, em uma tentativa de apegar-se a algo sólido que pudesse trazê-lo de volta ao presente caso precisasse. — Então, minha mãe começou a tomar remédios pesados. Muitos deles. Você deve conhecer alguns — ele falou, levantando as sobrancelhas; a garota apenas estreitou os olhos. — Calmantes para passar pela noite, anfetaminas para ter vontade de fazer algo durante o dia. A maioria das vezes era uma quantidade e uma mistura desnecessária. Ela chegava ao absurdo de tomar as pílulas com álcool. Não importava muito, o único objetivo era passar o máximo de horas por dia chapada.
sentiu a semelhança entre ela sufocar sua garganta como um punho apertando o local. Fechou os olhos com força, sentindo-os umedecerem. Já imaginava onde aquela história terminaria. Não queria ouvir esse tipo de sermão apelativo. só poderia estar inventando aquilo tudo para assustá-la, não era possível.
Ele apertou o adorno de anjo com força em sua mão, sentindo os detalhes pontudos da peça querendo rasgar sua pele.
— Ela sumiu no dia do meu aniversário de dezoito anos. — Os olhares de ambos se encontram como um ímã. — Meu pai já havia dado inúmeros ultimatos para que ela parasse de usar e…
— Está mentindo — falou por impulso, interrompendo-o. Não queria mais ouvi-lo.
largou o anjo de qualquer jeito na hora, em um gesto incrédulo.
— O que foi que disse? — a expressão no rosto do homem fez as pernas de vacilarem, e seu tom de voz foi capaz de gelar o ar do quarto.
— Está inventando toda essa história triste só para eu me compadecer e… — A garota não conseguiu continuar, como se percebesse o absurdo que dizia.
— E o que, ? Magicamente faria você tomar consciência? — ele hostilizou, soltando um riso de desprezo. — A única mentirosa aqui é você, que prometeu ao seu irmão nunca mais usar porra nenhuma e ontem se entupiu tanto que nem lembra como chegou em casa — ele cuspiu, enquanto projetava seu corpo para longe do móvel. prendeu sua respiração. — Eu não preciso que você sinta pena de mim. Posso te afirmar que esse sentimento não leva a lugar algum — ele finalizou.
Não queria falar daquele jeito com , principalmente por tratar-se de um assunto pessoal e delicado, porém a acusação de mentira dissolveu seu esforço de tentar ser polido. Queria confrontá-la como nunca.
— Garota petulante… — ele falou, olhando-a de cima a baixo. — O ponto importante aqui não é falar de como o vício destruiu minha mãe, e sim falar de como isso afetou todo mundo em volta. Ela sumiu sem se importar com ninguém, e meu pai precisou ficar para aguentar as pontas. Isso te lembra alguém? — perguntou, enquanto aproximava-se lentamente de . — Tudo desmoronou para ele, como se nada mais existisse, inclusive eu. Nos cinco anos seguintes, ficou tão doente que precisou ser dispensado da Marinha. Foi aposentado por invalidez aos 49 anos. — respirou fundo e travou sua mandíbula. — Você sabe há quanto tempo meu pai não sai da cama, ? — perguntou, sentindo seu sangue bombear de raiva. — Você não sabe, porque só eu guardo essa informação. Só eu sei o que eu vivi e com o que eu preciso lidar todos os dias. Você não tem direito nenhum de falar o que é mentira ou não. — Ele parou e ficou a poucos passos de distância da garota, eliminando-a com o olhar. — Nem tudo se resume à sua existência. Não é só você que tem problemas na sua vida. E nessa sua tentativa frustrada de tapar o sol com a peneira, você vai levar seu irmão junto. Meu melhor amigo vai acabar que nem meu pai. Se culpará para sempre pela bela merda que a sua vida vai se tornar. E eu nunca vou te perdoar por isso.
— Eu nunca faria isso com o meu irmão! — ela gritou, tentando empurrá-lo.
agarrou os pulsos da garota e imobilizou seus braços, até ela cessar seus movimentos.
— Você já está fazendo, — ele contestou. — Você já é destrutiva o suficiente para isso.
A acusação a atingiu como um soco no estômago. Sem forças para manter uma respiração concisa, ela caiu de joelhos no chão. Começou a chorar como se vivesse todas as suas dores de uma vez só, como se fosse a primeira vez.
afastou-se assustado pelo efeito que causara. Teve a certeza ali de que foi muito longe com suas palavras. Sim, ultrapassou a linha tênue da retaliação. Sempre foi muito impulsivo, e estava tentando controlar esse defeito desde que o identificou. Não queria ter recaído ali, daquela forma inescrupulosa.
Como pôde dizer aquilo a ela?
Nunca foi muito bom em odiá-la, de qualquer forma.
— Eu não… — deveria ter falado aquilo?
Era fácil pensar tal coisa depois de descarregar tudo.
Que tal desculpar-se?
Oh, é mesmo.
Se fizesse isso, teria que começar a pedir perdão pelo estado de saúde da mãe de .
Culpar-se para desculpar-se. Assumir a responsabilidade.
E ele não estava pronto para verbalizar os seus erros no acidente ainda.
Atordoado, observou a garota encolhida no chão e percebeu que era sua hora de ir embora. Piscou rapidamente, buscou a chave no bolso esquerdo de sua calça e foi até a porta. Olhou uma última vez para , e falou:
— Eu prometo que eu vou… Sumir da sua vida.
Assim que saiu para o corredor, sentiu uma corrente de ar gelado arrepiar a sua pele e guiar sua cabeça diretamente para as escadas.
Levaria anos até vê-la novamente, e mais tempo ainda até ambos trocarem uma palavra mais uma vez.
No quarto, fungou seu choro e sentiu uma repentina raiva a dominar; derrubou a mesinha de cabeceira ao seu lado, empurrando-a para longe com seus pés e mãos. Tudo foi ao chão. Ela chutou os objetos, gritou, sentiu as lágrimas de raiva esquentarem seu rosto. Enterrou os dedos nos cabelos e continuou a soluçar.
Como poderia tirar tudo aquilo de sua cabeça agora?
Entorpecendo-se.
Odiava a conexão inegável que sentia com a realidade de .
Anestesie-se para esquecer.
Seu irmão… Ela arruinaria o que havia restado de sua família.
E que diferença teria?
Não podia ficar sozinha com sua própria mente.
Em uma ironia cretina, o silêncio que a ausência de fez a desesperou.
Começou a pensar na mãe dele. Sabia bem como ela devia sentir-se antes de decidir entorpecer seu corpo, antes de trancar-se em um quarto escuro na própria cabeça e dar boas-vindas a uma pessoa totalmente chafurdada; o vazio interno pode causar dores físicas quando ele fica maior que o próprio corpo. É comum querer anestesiar-se.
respirou fundo, trêmula, e olhou para o lado. Esticou o braço para pegar um travesseiro na cama e deitou no chão, agarrada a ele. Tinha um pouco do cheiro de sua mãe nele ainda. Dava para renovar com o perfume dela, que tinha no banheiro, mas não era a mesma coisa que o cheiro da pele dela. Esse ficava muito mais ao fundo de sua mente, guardado em uma gaveta emperrada que só dava para experienciar quando fechava os olhos e pensava em uma memória boa das duas juntas.
Com isso, vinha um som fraco de sua voz, a sensação que tinha quando recebia seu abraço e o amor puro que a acolhia por inteiro. E quando as lágrimas molharam o travesseiro, ela sabia que não aguentava mais ficar sem sua mãe. Mas também tinha noção de que não morreria daquilo, porque sempre acabava dormindo de cansaço pelo peso que a tristeza produzia em seus olhos.
FIM
Nota da autora: Olá, leitoras queridas, tudo bem com vocês? Minha primeira ficstape 🥺❤️
E não tinha como não ser de ETO, já que eu tô afundada nessa história de um jeito que não consigo tirar da cabeça. Logo que vi a oportunidade que a Kelly ofereceu no grupo, pensei um pouco e essa fase do passado da pp de ETO veio na minha cabeça.
Tem informações adicionais da história dos personagens principais, coisas que eu colocaria mais para frente na longfic, porém adiantei aqui. Achei interessante abordar dessa forma, nessa cena, inspirada nessa música que eu amo 🥺.
Ah, e perdão pelo sempre tom dramático do passado da pp, essa parte eu acabo linkando com a minha própria vivência e trago esses assuntos mais infelizes. Mas prometo que o presente da pp vai ficar cada vez melhor, eu devo isso a ela hehehe.
E então, o que acharam? Sintam-se livres para comentar tudo, não escondam nada!! Hehehe. ❤️
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
E não tinha como não ser de ETO, já que eu tô afundada nessa história de um jeito que não consigo tirar da cabeça. Logo que vi a oportunidade que a Kelly ofereceu no grupo, pensei um pouco e essa fase do passado da pp de ETO veio na minha cabeça.
Tem informações adicionais da história dos personagens principais, coisas que eu colocaria mais para frente na longfic, porém adiantei aqui. Achei interessante abordar dessa forma, nessa cena, inspirada nessa música que eu amo 🥺.
Ah, e perdão pelo sempre tom dramático do passado da pp, essa parte eu acabo linkando com a minha própria vivência e trago esses assuntos mais infelizes. Mas prometo que o presente da pp vai ficar cada vez melhor, eu devo isso a ela hehehe.
E então, o que acharam? Sintam-se livres para comentar tudo, não escondam nada!! Hehehe. ❤️
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