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Fanfic Finalizada

Capítulo Único

Don’t panic
No, not yet
I know I’m the one you want to forget
Cue all the love to leave my heart
It’s time for me to fall apart


O meu apartamento nunca parecera tão vazio, nem meus pensamentos tão confusos. Naquele exato momento, o silêncio estava em último lugar na minha lista de necessidades. E, por mais irônico que pareça, era o que eu mais tinha naquele apartamento vazio. Todas as luzes estavam apagadas e a sala era iluminada apenas pela luz da lua, que atravessava as enormes janelas de vidro e invadiam o espaço. Tirei minhas botas, minha jaqueta de couro e peguei uma garrafa de conhaque, que estava esquecida no armário da cozinha. Um presente de casamento. Mais uma vez, a ironia bateu à porta. Uma garrafa de conhaque velho para afogar sentimentos mais velhos ainda. Destampei a garrafa e bastou apenas um gole para que minha garganta ardesse, reclamando da quantidade de álcool ingerida. Acreditem ou não, eu odeio bebidas alcóolicas. Odeio mais ainda a ideia de ser controlado por elas. Mas, diante daquela situação, parecia ser a solução perfeita. Dizem que cada um tem sua válvula de escape. Aquela garrafa de conhaque era a minha. Uma forma de fugir da realidade drástica que me rondava. Meu coração não estava apenas partido, estava estilhaçado em milhões de pedaços.
Levantei a garrafa e fiz um pequeno brinde com o nada.
— Esta é pra você, , por, mesmo depois de tanto tempo, ainda conseguir dominar minha vida — discursei para o silêncio. Eu podia ouvir o eco da minha voz bater contra as paredes. — Eu amo você.

Now you’re gone
But I’ll be okay
Your hot whiskey eyes
Have fanned the flames
Maybe I’ll burn a little brighter tonight
Let the fire breathe me back to life


I

Demorou alguns segundos para que sua voz rouca preenchesse meus ouvidos; antes disso, tudo que eu podia ouvir era o tintilar de uma garrafa de vidro. estava bebendo. Fato que jamais pensei que poderia vivenciar. Aumentei o volume, para conseguir ouvir a voz dele claramente, e fechei meus olhos. No primeiro momento, já fui inundada de recordações.

“Acredite ou não, mas eu ainda lembro da primeira que te vi. Aliás, como eu poderia esquecer? Você estava vestindo aquela blusa dos Rolling Stones, a branca com o desenho da boca. Já te disse que é a minha blusa preferida de todos os tempos? Espero que sim. E, se eu não tiver feito, isso pode entrar na lista de “coisas que me arrependo de não ter dito”. Ah! E por falar em arrependimento, também me arrependo de não ter pedido o seu número na primeira oportunidade. Por que eu tive que bancar o idiota e deixar aquele babaca do Mark chegar em você? Eu deveria ter sido o primeiro a saber seu nome. Deveria ser o primeiro a ouvir sua voz, sua risada tímida. Deveria ser o primeiro a chamar sua atenção, só pra poder me vangloriar disso depois. Pra dizer a todos aqueles babacas, que ficaram babando por você, que eu ganhei alguns minutos da sua atenção. Dizer que algo seu foi meu, mesmo que por pouco tempo. Mas quem disse que eu faço as coisas do jeito certo, não é mesmo? Eu tive que te fazer me odiar. Tive que bancar o machão e comentar da sua bunda com os caras. Ainda me lembro da sua expressão raivosa — aquela discreta ruga que aparece em sua testa. Lembro-me, também, de ter caído na gargalhada, a pior decisão que já tomei em minha vida. O preço que paguei foi te ver abandonar a festa com lágrimas nos olhos. E o que eu poderia fazer? Correr atrás de você, dizer que eu sentia muito por ser um idiota em tempo integral. Mas meu ego, meu maldito ego, amarrou minhas pernas e me impediu de mover um passo sequer. Acho que o tanto de desculpas que pedi nos dias futuros não foram o suficiente, afinal, você não está aqui.”

Uma risada seca e baixa serviu de pausa para suas palavras. Só então percebi que meu coração estava batendo em uma velocidade surpreendente e que algumas lágrimas escapavam dos meus olhos. Odiei-me por isso.

“Eu não acho que vai mudar alguma coisa, mas não posso mais ter isso na minha lista de arrependimentos. Sinto muito, . Não só por ter feito você me odiar por meses. Mas, também, por ter conquistado seu amor e por não ser bom o suficiente para mantê-lo. Sinto muito por ter quebrado seu coração. Hoje, eu sei o quão amarga essa dor pode ser. Eu sinto mui...”

Então, eu ouvi apenas os soluços de choro no fundo da gravação. Deixei passar por mais alguns segundos, esperando ouvir algo mais. Porém, os malditos soluços ainda estavam ali. Parei a gravação, impossibilitada de continuar, e chorei. Não só pela minha dor, mas pela dele também.

II

Baby, you were my picket fence
I miss missing you now and then
Chlorine kissed summer skin
I miss missing you now and then
Sometimes before it gets better
The darkness gets bigger
The person that you’d take a bullet for is behind the trigger
Oh
We’re fading fast
I miss missing you now and then


“Eu não acredito que fiquei chorando por quase três minutos. Não sabia que tinha lágrimas para tanto. Na verdade, eu nem sabia que elas existiam. Como minha mãe costumava dizer? Ah, sim! “, você não tem sentimentos”. E eu não discordava dela. Nunca fui um poço de sentimentalismo, nem serei. Ser durão é a minha essência, a parte dominante em mim. Juro, , por você, eu tentei mudar. Tentei me abrir mais, ser o cara que você merecia ter ao lado. E eu estava mesmo me esforçando quando te chamei para sair pela primeira vez. Ainda lembra daquele dia? Final do semestre, pendências em duas matérias e sua presença para dar sentido ao meu dia. Confesso que ficava te olhando na educação física quando você fazia aquele discurso de sempre sobre como caminhar também é uma atividade física tão relevante quanto basquetebol. E eu até ria, em segredo, da sua convicção durante a explicação. Confesso que te observava passar no corredor perto das salas de aulas específicas e, todas as vezes que eu fingi esbarrar em você, eram só uma desculpa para estar perto. A cara que eu fazia de desgoto quando te olhava era uma fachada para esconder que, a cada dia que passava, você era a única que conseguia minha atenção. Eu juro, , era só você. E quando eu fiz aquele discurso idiota, antes de te chamar para a festa na casa do Mark, não deixei claro o que queria dizer. Eu não queria apenas te ver na festa. Eu queria ser o cara que te pega em casa, que te chama de linda, sem nem ao menos prestar atenção na roupa que você está vestindo, que abre a porta do carro para você entrar e que tem orgulho de te ter ao lado. Era tudo que eu estava tentando dizer nas palavras confusas e sem emoção que saíram da minha boca. Acho que este é o meu problema: sentir demais e demonstrar de menos.
Se eu demonstrasse mais, talvez eu não tivesse que esperar até o fim da festa para ter um pouco da sua atenção, já que todos os caras da festa resolveram tentar a chance com você. Tenho que confessar outra coisa: a sensação de vê-los receber um “não” era tão boa e, ao mesmo tempo, tão aterrorizante. Eu não era melhor que nenhum deles. Mais bonito, talvez, sim. Mas tão idiota quanto. Eu não mereci aquele “sim” que você disse quando eu perguntei se você queria dar uma volta. E, hoje, me arrependo de não ter perguntado por que você o disse. Talvez, se eu soubesse o porquê, poderia fazer de novo. Poderia tentar receber um “sim” seu, outra vez.”


Senti alguém tocar meu ombro. Parei a gravação, tirei os fones e encarei a pessoa ao meu lado. A Sra. estava ali. Levei um choque ao encarar seus olhos , eles eram tão idênticos aos de que, às vezes, me assustavam. A única diferença, naquele momento, era que os dela estavam vermelhos devido ao choro recente.
— A enfermeira me disse que a namorada do estava por aqui — ela falou, com um sorriso amigável no rosto —, e eu já estava me convencendo do quão terrível sou como mãe por não saber nem ao menos que meu filho tinha uma namorada nova...
Ela caiu no choro e, pela milésima vez no dia, fiquei sem reação. Deixei o celular na poltrona ao lado e me levantei. Envolvi-a em meus braços e a deixei chorar por longos minutos. Ela precisava mais do que eu.
— Mas é você — ela disse, depois que afastou-se um pouco de mim.
— Sou eu — confirmei, em um fio de voz.
— Não podia ser ninguém melhor. — Ela segurou minha mão. — Você sabe o que significa para ele, certo?
Apenas assenti; um discreto “sim” com um acenar de cabeça. Antigamente, eu tinha certeza do que significava para ele. Hoje, especificamente, sinto que estou reaprendendo.

Assim que a Sra. disse que ia voltar ao quarto do , senti um alívio tomar meu corpo. Não por que eu não gostasse dela, mas porque a ansiedade me consumia. Eu queria ouvir mais da gravação; aquela que eu descobri que existia quando recebi uma ligação confusa às quatro da manhã. Não precisei de muitos segundos para perceber que ele estava bêbado, sua voz arrastada era quase inaudível.
“Eu gravei pra você.”, “Você precisa ouvir, .”, eram as únicas frases que ele repetia incessantemente. A ligação não demorou para ser encerrada e nem tive a oportunidade de responder. desligou pouco depois de dizer que estava a caminho da minha casa.
Quando meu celular tocou outra vez, meia hora depois, achei que fosse ele. Mas estava enganada. Era o hospital avisando que sofrera um acidente e que, pouco antes de desmaiar, ele gritava meu nome.

III

Making eyes at this husk around my heart
I see through you when we’re sitting in the dark
So give me your filth
Make it rough
Let me, let me trash your love


“Eu estou olhando para uma foto da nossa formatura. Aquela que você odiou porque acha que suas bochechas ficaram gordas demais. Eu já disse o quanto você está linda nela? Aposto que não. Então, vou aproveitar que estou alcoolizado demais para me arrepender depois e vou te dizer que esta é a minha foto preferida. E não é só porque você estava incrivelmente sexy naquele vestido vermelho longo. Mas, também, porque você estava olhando para mim enquanto sorria. Eu era o motivo do seu sorriso, . Tem noção do quanto isso é gratificante para mim? Saber que você estava feliz ao meu lado e que, no meio de tantos caras, eu era o único que importava. E o pior disso tudo é que eu estava cego demais para perceber. Perder você me fez enxergar tudo isso.”

Ele parou alguns segundos. Escutei apenas sua respiração pesada. Ou, talvez, fosse a minha.

“Se eu tivesse enxergado isso antes, talvez teria valorizado mais a nossa primeira noite juntos. Acredite ou não, mas eu ainda lembro de tudo, nos pequenos detalhes. Está impregnado na minha memória e tem me assombrado desde a sua partida. Eu sinto falta de te ter por inteira como minha mulher. Sinto falta do seu corpo no meu. Quando nada mais no mundo importa, a não ser te ouvir sussurrar meu nome e dizer que me ama. E pensar que eu consegui as duas coisas mais importantes da minha vida em uma só noite, e que não valorizei o suficiente para te fazer ficar, me faz questionar se posso ser ainda mais estúpido. Eu devia ter feito sua primeira noite ser a mais especial. Devia ter aberto mão da minha masculinidade excessiva e comprado flores. Devia ter, ao menos, arrumado a droga do meu quarto, colocado algumas velas, te amado com mais calma, te beijado mais vezes e dito que te amava também quando você deixou escapar aquele “eu te amo”. Porque, no meu peito, eu sentia o amor, mas eu era idiota demais para deixar sair. Achei que bastava um olhar para que você pudesse decifrar o que eu estava sentindo. Mas parece que mais uma vez eu estava errado, não é mesmo?”

Quando a minha visão ficou embaçada demais para que eu pudesse enxergar o 'play' na tela, percebi que, talvez, eu precisasse de uma pausa. Não só para organizar as ideias confusas na minha mente, mas, também, para acalmar os sentimentos no meu coração. Eu queria confrontar , perguntar por que ele estava fazendo aquilo, depois de tanto tempo. Questionar o motivo de ele estar reabrindo as feridas que gastei tanto tempo para esconder. Era mais fácil esquecer que tínhamos uma história. Era mais fácil apagar os momentos bons que vivemos, para não dar oportunidade para que os sentimentos revivessem. É como manter um pavio sufocado, longe do oxigênio, para que o fogo não reascenda. Mas aquela gravação abaixou todas as minhas guardas. Retirou todos os malditos band-aids das feridas e deixou que elas sangrassem, lembrando-me de sua presença.
Tarde demais para tentar fugir.

IV

“Tive a certeza que você era a mulher da minha vida quando te contei da minha banda. Quando eu disse que, ao invés de ir para a faculdade, ia tentar carreira na música, e você não riu. O brilho em seus olhos ao me escutar contar dos meus sonhos. O incentivo que você me dava. Tudo era único, apenas seu. E foi o que me manteve por tanto tempo nesse caminho. É do meu feitio desistir fácil das coisas. Quando fica difícil, prefiro recuar que seguir em frente. Você sabe disso mais que ninguém. E, se não fosse por suas palavras, ou pelas vezes que você sonhou por nós dois, eu teria desistido. Talvez, até aceitado o dinheiro do meu pai e cursado Direito, como ele tanto queria. Minha vida teria sido um saco, se não fosse por você, . E eu nem disse o quanto te amo por ter acreditado em mim quando ninguém o fez. Você não era apenas a minha fã número 1, ou o único público fixo nos shows, ou a primeira a aplaudir quando terminávamos uma música. Você tornou-se a minha inspiração. Eu cantava para você, apenas para você. Quando eu estava no palco, a minha única segurança eram seus olhos. Por isso, doeu tanto quando você deixou de ir aos shows. Eu deveria, ao menos, ter tentando entender. Você tinha seus estudos, seus sonhos para seguir. Mas eu era um maldito egoísta, me colocava em primeiro lugar e esquecia do quanto você tinha lutado por mim.
É tão fácil perder alguém, tão fácil deixar sua felicidade escapar pelos dedos. E, claro, não podia ser diferente para mim. Aos poucos, eu te deixei ir. Primeiro foram as pequenas turnês nos estados vizinhos. Turnês que custavam semanas longe de você e que, aos poucos, tornaram-se tão irrelevantes quanto estar ou não ao seu lado. As ligações diárias tornaram-se semanais. E não demorou muito para que eu desse um fim em tudo. Ainda lembra-se do dia em que eu bati na sua porta e disse que não dava mais? O dia que eu te machuquei para colocar meu bem-estar em primeiro lugar. Ah, droga! Como pude chegar a esse ponto?”


Sua pergunta foi respondida com silêncio de ambas as partes.

“O pior de tudo, , é que, no final das contas, eu te perdi em parcelas. Aos poucos, te deixei escapar, entre uma indecisão e outra. Precisei estar em outros braços para perceber que os seus eram os únicos que importavam. Foi uma reação em cadeia. E quando eu dei por mim, você já estava saindo pela porta do nosso apartamento, com suas malas feitas e decidida a nunca mais voltar.”

V

Não sei ao certo como cheguei ao hospital. No calor do momento, calcei apenas os primeiros sapatos que encontrei e saí às pressas de casa. Eu não me importava mais com a separação, não me importava com o fato de não falar com há meses. Naquele instante, saber que ele estava bem era minha única preocupação. Eu o amava demais para não me importar. não foi apenas parte da minha vida, ele foi a melhor dela. E não só porque ele foi o primeiro, mas porque ele era o único. Ele me transmitia paz, mesmo quando seu mundo estava em caos. E quando ele cantava para mim era como se nada fizesse mais sentido do que passar o resto da minha vida ao seu lado.
E era o que eu planejava.
Eu queria ser dele inteiramente. E tê-lo para mim na mesma intensidade. Mas o tal 'querer' não foi o suficiente para nós. afastou-se aos poucos. A cada pequena discussão, desaprendíamos algo sobre o outro. Ele não cantava mais para mim. Esquecia-se das datas importantes — aquelas que costumava ser o primeiro a lembrar. Não me chamava mais para dormir em seus braços. Não me beijava com tanta frequência. E, com o passar dos dias, a falta não doía mais. Deixei de me importar, deixei de querer sua presença ao meu lado. E quando isso acontece, talvez, já é tarde demais para voltar atrás.

A Sra. voltou à sala de espera, quase duas horas depois, sentou-se ao meu lado e deu a notícia que eu mais temia:
— Ele está em coma induzido. — As lágrimas desciam por seu rosto. — As feridas foram graves demais, e ele mal suportou a cirurgia.
Antes, se a ideia de perdê-lo já machucava, a possibilidade diante da realidade era mil vezes pior.
— Eu posso vê-lo? — perguntei. Eu precisava daquilo. Precisava, ao menos, tocá-lo para ter certeza de que não se foi.
— É claro — a mãe dele disse. Levantei-me da poltrona, coloquei o celular e os fones no bolso do meu moletom largo, e caminhei até a porta do quarto dele. Meus dedos trêmulos giraram a maçanete, com dificuldade.
Eu sabia que não estava pronta e tive a certeza disso quando o vi deitado na cama, ligado a inúmeros aparelhos. Ele tinha diversos machucados espalhados por seu corpo, e eu mal pude reconhecer seu rosto devido ao inchaço do mesmo. Senti as lágrimas correrem por meu rosto e tive que tampar minha boca para conter o grito de desespero que brotava em mim. Eu não estava pronta para perdê-lo outra vez.

VI

I will sing to you every day
If it will take away the pain
Oh and I’ve heard you got it, got it so bad
Cause I am the best you’ll never have


“Acabei de achar seu anel de noivado. Por que você deixou seu anel no estojo do meu violão?”

Um breve segundo de silêncio.

Argh! Que idiota! É claro que você não vai responder. Então, vou me contentar com as malditas suposições. Eu sou péssimo nisso. Principalmente, quando o assunto é decifrar você. , você é a mulher mais confusa que já cruzou meu caminho. E o único enigma que eu fico feliz em decifrar. Era angustiante, confesso, não saber ao certo o que você estava sentindo. Como naquele dia... O dia em que eu criei coragem para te propor casamento. Eu já tinha certeza que queria te ter ao meu lado durante todos os dias da minha vida e, até mesmo, depois dela, se fosse possível. Mas não achava necessário um pedido formal, afinal, já morávamos juntos. Para mim, tudo não passava de besteira, até o dia em que te vi chorar no casamento daquela sua amiga de infância. Você até tentou me enganar, , dizendo que eram lágrimas de felicidade. Mas seu olhar triste não me convenceu. Você queria aquilo também. E foi por isso, por você, que eu aceitei sair da minha zona de conforto e te propor casamento. Você sabe bem como relacionamentos me assustam, principalmente, pela enorme capacidade que eu tenho de estragar tudo. Eu não queria colocar o que tínhamos em risco e, ao mesmo tempo, sabia que, se não fizesse o pedido, você jamais seria completamente feliz ao meu lado. E foi pensando em sua felicidade que fui até a joalheria. Foi pensando em você que pedi ajuda às suas amigas e enfeitei nosso apartamento com rosas vermelhas, as suas preferidas. Eu tinha tudo programado. Gravei cada palavra do pedido, para não correr o risco de fazer burrada. Mas quem disse que algo já me impediu de fazer tudo errado, não é mesmo? Quando você chegou em casa, a comida ainda não tinha chegado e, ao contrário dos meus planos, eu não estava vestindo um terno. Acredite ou não, mas, para fazer sua noite perfeita, eu faria tudo e mais um pouco. No final das contas, tive que improvisar um pedido na sala de estar mesmo. Apenas as flores estavam no lugar certo. Porém, você nem ao menos se importou com isso.
Quando você começou a chorar, achei que fosse um mau sinal. Achei que estava fazendo tudo errado, por isso, fiquei ajoelhado à sua frente feito um idiota e totalmente sem fala. Foi o momento mais difícil da minha vida. O discurso que eu gravei pareceu tão pouco perto do que você merecia. Você não merecia palavras vazias, palavras sem emoção. Você merecia um momento real, com sentimentos e palavras reais. E era isso que eu estava tentando fazer quando me enrolei para dizer o quanto você é especial para mim.”


Sua voz estava tão baixa e rouca que eu tive que aumentar o volume para escutar:

“Não sei se já te disse, mas te amei um pouco mais — como se isso fosse possível — quando você ajoelhou-se ao meu lado, segurou minhas mãos e disse “sim” baixinho. Você entendia o que eu queria dizer, até mesmo quando eu não conseguia usar palavras para me expressar. E é com isso que estou contando agora. Espero que você consiga entender o que estou tentando dizer desde o começo desta gravação.”

Uma pausa de longos segundos.

“Eu sinto sua falta, . Sinto mais do que posso suportar. Se eu te disser que passei a te amar em dobro, depois que te vi sair por aquela porta, você acredita? E se eu te disser que estaria disposto a mudar quem sou, a me reescrever, a reaprender a ser o homem que você precisa, você me daria outra chance?”

I miss missing you now and then


VII

Acordei com uma dor insuportável na coluna. Ajeitei meu corpo na poltrona, numa tentativa de fazer a dor parar. De nada adiantou. Encarei e me certifiquei de que ele ainda estava respirando. O medo de fechar os olhos por um segundo e, ao abri-los, não encontrar do mesmo jeito me acompanhou durante toda a madrugada. Avisei a Sra. que ficaria com ele e quase tive que obrigá-la a ir para casa tomar, ao menos, um banho. Ela mal aguentava-se em pé e nós éramos as únicas dispostas a dormir em uma poltrona nada confortável por . O pai estava em uma viagem de negócios, e os dois irmãos mais velhos nem ao menos se preocupavam se estava bem ou não. Ele nunca teve muitas pessoas para contar, por isso, eu sempre senti essa necessidade esquisita de cuidar dele. Eu precisava estar ao seu lado. Precisava ser a pessoa que seguraria seu mundo quando tudo estivesse desmoronando. E, por muito tempo, eu fiz isso, carreguei o peso por nós dois. Mas chegou o dia em que eu percebi que estava parada no meio da estrada, impossibilitada de caminhar devido ao peso em minhas costas. E a única forma de voltar ao meu caminho era me livrando das cargas adicionais. No meio desse desapego, foi junto.

“Eu tinha tudo que precisava. Que sorte a minha encontrar o amor tão jovem. Quantas pessoas passam a vida inteira tentando a sorte em um relacionamento e outro? Quantas perdem anos de suas vidas em ilusão? Enquanto eu tive algo tão real ao seu lado e não consegui cuidar. Achei que a aliança em seu dedo era o suficiente, que te faria ficar, independentemente das minhas burradas. Como no dia em que uma groupie me beijou, depois do show, e todas as revistas da cidade resolveram colocar aquela foto como capa. Eu devia ter te contado. Explicado o que realmente aconteceu. Mas, segundo minha concepção, não era necessário. Achei que era um fato irrelevante. Porém, hoje, me colocando em seu lugar, vejo que importava, sim. Se fosse você com outro cara naquela foto, eu ficaria louco. Eu te decepcionei, . Não só por achar que eu estava certo em não te explicar o que tinha acontecido. Mas, também, por quebrar a confiança que você tinha em mim.
E eu só percebi que estava ficando pior quando, pela primeira vez em anos de relacionamento, você disse que não aguentava mais. Lembra-se do dia em que você tirou seu anel de noivado e me perguntou se eu realmente sabia o significado dele? No momento, achei que sabia a resposta. Mas, hoje, jogado no nosso antigo quarto, encarando seu anel, entendo o que você queria dizer com aquela pergunta. O anel era a minha palavra, a promessa de que eu estava pronto para viver o resto da minha vida ao seu lado, sendo alguém digno da sua confiança. Mas eu quebrei minha promessa,, e foi por isso que tudo acabou. Hoje, entendo por que você teve que me deixar, dias antes do nosso casamento. Você não acreditava mais nas minhas palavras. Elas tornaram-se tão inconstantes quanto o vento.”


Uma pausa angustiante interrompeu o som de sua voz.

“Mas, se eu disser, agora, que eu me arrependo, as minhas palavras soariam verdadeiras para você?”

VIII

O médico passou duas vezes no quarto de , em um período de quatro horas. Preocupante? Com certeza. Ele estava totalmente sedado, em coma induzido, para que seu corpo se recuperasse dos traumas, mas a possibilidade de ele não acordar, assim que tirassem o sedativo, era enorme. Os danos causados pelo acidente eram desconhecidos aos olhos do médico, e ele deixou bem claro desde o primeiro momento. A verdade pode doer, mas ela é necessária. A Sra. voltou logo depois do almoço e pediu que eu fosse para casa descansar. No começo, até recusei, mas, pouco tempo depois, meu corpo demonstrou todos os sinais de cansaço que antes eu não estava sentindo. Peguei o celular de e coloquei no bolso do meu moletom. Despedi-me de sua mãe e segui para o estacionamento do hospital. Entrei no meu carro, dei partida no mesmo e me pus a caminho de casa.
Depois de um banho demorado, eu me joguei na cama de casal do meu novo quarto. Não demorou muitos segundos para que uma inquietação me tomasse. Parecia ser espaço demais para uma pessoa só. Levantei e caminhei até meu closet. Abri a última gaveta do canto e encontrei o que procurava: a blusa dele. A única que me permitir ficar e que veio por engano — ou, talvez, não tanto engano assim — no meio das minhas coisas. O perfume dele ainda estava impregnado nela. Vesti a peça e voltei à cama. Em poucos minutos, eu já estava dormindo.

“Eu sei que é difícil escolher um dia específico entre esses anos que passamos juntos, mas eu tenho o meu dia preferido ao seu lado: foi na nossa primeira viagem juntos. Poucos meses depois que terminamos o colegial, eu tinha acabado de ganhar meu primeiro carro e a gente decidimos viajar para o litoral. Só nós dois. Ou, pelo menos, era pra ser. Até eu comentar com alguns amigos e, então, a turma toda resolveu nos acompanhar. Um chalé de dois quartos para 15 pessoas. Ainda não consigo acreditar que eram tantas pessoas num espaço tão pequeno. Ou melhor, 13 pessoas. Já que na segunda noite nós dois nos mudamos para o carro. Você tinha todos os motivos para ficar brava ou para querer voltar para casa, mas em nenhum demonstrou irritação. Nós acampamos na areia da praia por cinco dias. Cinco dias dormindo no banco traseiro e apertado do meu carro. E foi numa dessas noites que, pela primeira vez, eu ouvi você sonhar comigo. Acho que essa história também pode entrar para lista de “coisas que não te falei e me arrependo de não ter feito”.
Você dormia, com a cabeça escorada em meu peito, e meus braços envolviam sua cintura. E eu estava quase pegando no sono quando você chamou meu nome. Tem noção do quão bom foi saber que eu fazia parte dos seus sonhos? Você repetia que me amava e, em cada um dos “eu te amo”, senti como se estivesse ouvindo pela primeira vez. Eu não sei ao certo o que mudou em mim, mas, depois daquela noite, é como se qualquer dúvida sobre nós desaparecesse. Eu nunca acreditei tanto no amor que sentia quanto naquela noite.
E foi nesse momento que a primeira canção sobre você surgiu. Você abriu uma fenda de inspiração no meu coração. Era como uma fonte incessante. Bastava um segundo ao seu lado, bastava um sorriso seu para que um novo verso surgisse. Antes, se o medo de perdê-la já era grande, depois dessa noite tornou-se ainda maior. Porque eu tinha certeza que, se deixasse você escapar, nenhuma outra poderia ocupar o seu lugar. Nenhuma outra vai conseguir despertar o que você despertou em mim, . É só você.”


IX

Contrariando toda a razão que me puxava para dentro, eu fechei a porta da minha casa e caminhei até meu carro, estacionado logo à frente. Eu não conseguiria passar mais uma hora sequer sem saber notícias dele. Por isso, entrei no carro, dei partida e segui rumo ao hospital.

“A garrafa está vazia. Dá pra acreditar que eu bebi tudo isso? Dá pra acreditar que estou gravando esta besteira sem saber se você vai ouvir? Não sei o que me fez começar, mas não consigo parar. Eu tenho tanta coisa guardada no meu peito; sentimentos, palavras, pensamentos que escondi por anos. Eu nunca disse que amo seu sorriso. Nunca disse que amo acordar ao seu lado. Nunca disse que seu toque é o único que me acalma. Nunca disse que você é a única que importa pra mim.
Eu posso consertar essa burrada,. Por favor, acredite em mim quando eu disser que vou tentar fazer diferente na próxima. Eu só preciso de uma segunda chance. Preciso que você acredite que eu posso ser um homem melhor. E, se for necessário, eu conquisto seu coração, outra vez. Eu conquisto seu amor, sua confiança, como fiz antes. A diferença é que, agora, eu sei a maneira perfeita de mantê-los pra sempre em minha vida.”


A primeira boa notícia veio pouco tempo depois que cheguei ao hospital. Eu estava na sala de espera, com o celular de ao meu lado e meus fiéis fones de ouvido. Faltava pouco menos de 7 minutos para o fim da gravação. Estava chegando o fim e, apesar de saber que eu não precisava daqueles sete minutos para tomar minha decisão, eu queria ouvir o que ele tinha a dizer. Naquele momento, a voz de era minha consolação. Era como se ele estivesse ao meu lado e não deitado em uma cama de hospital à beira da morte.
— Ele está respondendo muito bem aos remédios, tivemos um grande progresso — o médico disse, com um sorriso animado no rosto. — Vamos tirar os sedativos amanhã.
E foi a partir deste momento, que meu coração começou uma contagem regressiva para o tal momento. Eu queria estar ao lado dele quando ele acordasse. Queria ver seus olhos e acabar de vez com a angústia que me consumia. Eu precisava de ao meu lado. Precisava do homem da minha vida. O único que, em minha existência, não me imagino sem.

X

Eu não fui a primeira a vê-lo acordar. Quando aconteceu, eu estava na sala de espera, escutando a parte final da gravação pela milésima vez. Era tão bom ouvi-lo cantar para mim, depois de tanto tempo. É como se finalmente parte do vazio em mim estivesse completo.
é você? — uma enfermeira baixinha chamou minha atenção. Tirei os fones de ouvidos e respondi que sim. — A Sra. pediu que você fosse até o quarto.
Levantei rapidamente. Guardei o telefone no bolso da minha calça jeans e caminhei até o quarto de . Abri a porta, com cuidado, sentindo meu coração bater a mil.
! — a voz fraca de foi a primeira que ouvi. Fiquei sem reação ao encarar seus olhos. Eu estava esperando por aquele momento há tempos, mas, ainda assim, não estava preparada para ele.
Caminhei até a cama, ficando ao lado da Sra., que mal conseguia conter as lágrimas. Os machucados dele estavam melhores, e seu rosto, menos inchado, e, pela primeira vez desde o dia do acidente, realmente parecia estar vivo.
— Oi — falei, com lágrimas nos olhos. Ele estendeu a mão, com dificuldade, e eu, sem pensar duas vezes, a aceitei. Coloquei minha mão sobre a sua e senti parte das minhas angústias me deixarem.
, querida, pode ficar com ele por alguns minutos? — a Sra. perguntou. Apenas acenei um leve “sim”, impossibilitada de desviar minha atenção de .
Assim que a porta se fechou e nós dois estávamos oficialmente sozinhos, sorriu e me perguntou:
— Você ouviu?
— Sim — respondi. Senti seu olhar sob o meu, questionando-me silenciosamente o que eu tinha achado de tudo aquilo.
— Eu sinto muito, . — disse. Algumas lágrimas espertas desceram por meu rosto.
— Só fique bem logo, por favor, para que eu possa te levar pra nossa casa — pedi baixinho. Eu não precisava mais ouvir pedidos de desculpas. No meu coração, nunca foi culpado de nada.
— Nossa casa? — ele perguntou, com um sorriso no rosto.
— Sim, a nossa casa.

E por mais que a maldita razão gritasse dentro de mim, dizendo para não pular de cabeça naquele relacionamento outra vez, eu não lhe dei ouvidos. Deixei meu coração decidir por mim, porque, no final das contas, o amor sempre vale o risco.




Fim



Nota da autora: Sem nota.



Nota da Scripter: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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