Capítulo Único
Era humilhante, quase cômico, ver as meninas da fraternidade Delta Pi ao redor de , como se ele fosse o Adônis desse milênio. A festa havia acabado de começar, mas elas se empoleiravam já bêbadas, pisando em copos vermelhos descartáveis pelo chão, que meu senso moral estava controlando muito para não sair juntando todos. Não passava das oito da noite, e já que ficaria nesse buraco por algum tempo, decidi ceder à tentação e observar de verdade o que tinha a oferecer para a humanidade.
Do alto da sacada da casa onde a irmandade Delta Pi estava instalada, ele exibia o troféu que o time de beisebol ganhara aquela tarde – o motivo da festa, aliás – como se todos os outros jogadores não existissem. Eu sou bastante observadora, sei bem que ele só jogou os trinta minutos finais. Além disso, exalava orgulho e vaidade ao ainda estar sujo e suado após o jogo e, deliberadamente, ter tirado a camiseta do time para expor o peitoral absolutamente trincado. O sorriso prepotente, o cabelo suavemente desarrumado e mesmo da distância que me encontrava sabia que estava sendo mesquinho e detestável. Mesmo que não no sentido literal, conseguia ver o dinheiro cercando aquele homem e tudo que nos competia saber sobre isso era que era filho do reitor de Harvard. Não era o suficiente ser popular, bonito e arrogante, tinha todo um passado misterioso e ausência paterna compensada em dinheiro; o suficiente para não prestar atenção em nenhuma aula porque estava bancado para sempre.
A conclusão era: não tinha absolutamente nada a oferecer para a humanidade, nem a ninguém. Fazia o curso de literatura com ele, e suas opiniões em classe seriam extremamente extravagantes se não fossem tão perigosas.
As meninas deixaram o Adônis moderno em paz, mas ele continuava em cima da sacada, parecia que procurava algo ou alguém. Não fiquei encarando também, poderia interpretar errado e eu não queria precisar falar com ele de novo.
Por ser muito cedo, muitas pessoas ainda estavam chegando na casa grande e ligeiramente bagunçada. Empenhei-me em não ficar no caminho de ninguém, escolhi a parte mais afastada do jardim, de onde ainda era possível ver a fachada da casa e fiquei encostada na mureta e embaixo de um guarda sol que havíamos esquecido de guardar. Quando a mureta me deu dores, sentei-me na grama, com as costas apoiadas no varão do guarda sol. Do canto do jardim de onde observava sentada, notei que alguns engraçadinhos já se permitiram ir para o segundo andar da casa. Suspirei de alivio, sabendo que guardei todos os meus pertences no guarda roupa, tranquei meu quarto e a chave estava muito bem segura em uma corda ao redor do meu pescoço. E era bom saber que além de não ser furtada, ninguém espalharia DST’s na minha cama.
E eu estava lá, cruzando os braços ao redor da cintura e torcendo para essa festa acabar logo, quando percebi que não estava mais no alto de seu pedestal. Na verdade, ele se encontrava bem ao meu lado, suspirando também, como se ali fosse o último lugar onde queria estar.
- Você já está chegando? – o ouvi sussurrando no telefone. – Disse que estaria aqui as sete e meia. – houve uma pausa. – Não, não sei. – ele parecia um pouco bravo, o que me incomodou. Porém o que me incomodou mais foi notar que mesmo sujo de grama e lama, continuava com o cheiro masculino habitual: sabonete e colônia masculina.
Escutei se despedir de quem quer que fosse e bater o celular na grama umas três vezes, com uma violência bem desnecessária.
- Deve ser legal ter dinheiro para comprar celulares sempre que quebrar. – Me ouvi falando depois de um tempo. virou-se em minha direção, como se eu não tivesse medido o tamanho da minha ousadia ao falar com ele daquela maneira. Para não brigar, talvez, dei um sorriso não merecido a ele.
- Você não precisa falar comigo só porque coincidentemente sentei ao seu lado, .
Sorri mais, dessa vez irônica.
- Coincidência então. Claro.
Ficamos sem falar nada por alguns momentos. Não era agradável lembrar de como nos conhecemos, principalmente levando em consideração as coisas que fiz e o quanto ele era um babaca.
- Olha, eu já me desculpei por aquele dia, sabia? Várias vezes. – Falou, uns minutos mais tarde.
Revirei os olhos, mesmo que ele não pudesse ver. – Eu nunca disse que iríamos engatar um relacionamento depois, . A culpa não é minha se presumiu que sim.
- , esquece, ok? Não estou sofrendo por você nem nada do tipo. Já faz um mês.
Foi a última coisa que manifestei antes de me levantar e sair do único lugar legal que achei naquela casa. Em termos de festas, a única regra de Rachel era: proibido ficar no quarto.
Era uma regra idiota, sei disso. E na verdade eu não odiava festas tanto assim, mas essa em particular não me apetecia por ser em homenagem a : o fazedor de vários nadas.
Mesmo deixando bem clara minha intenção de sair de perto dele, me seguiu.
- Eu não gosto disso. – Manifestou-se ao meu lado.
Estávamos nos fundos, onde, juntando uma grana, havíamos colocado um pula-pula inflável gigante o suficiente para dez pessoas adultas. Tinha até um escorregador do lado, o que me animou totalmente. A infantil que habitava em mim queria que a festa acabasse logo para escorregar ali sem que ninguém pudesse julgar.
- Não gosta de que? De ser odiado?
sorriu.
- Se me odeia, , significa que não superou.
foi a primeira pessoa de quem tive conhecimento quando cheguei a Harvard. Sabia tudo que deveria saber sobre ele para manter-me tão afastada quanto possível: mulherengo, rico e idiota. Não imaginei que ele estaria na minha turma de literatura, mas lá estava ele. Só me olhou da primeira aula, sentou-se ao meu lado na segunda e me acompanhou até essa residência na terceira e, achando bom demais para falar a verdade, me chamou para sair naquele mesmo dia.
Eu estava bem consciente do tipo de pessoa que ele era, Rachel e Karen me alertaram várias vezes sobre isso, mas mesmo assim achei que ter saído com ele pelo menos um mês inteiro antes de ele sequer tocar no assunto sobre me levar para a cama significasse que talvez elas estivessem erradas, e que no final das contas ele realmente queria um relacionamento sério.
Foi por isso que eu cedi. E sim, a ideia partiu totalmente de mim, o que torna tudo mais idiota ainda.
Obviamente Rachel e Karen estavam corretas e então, no dia seguinte, quando acordei plena para provar o contrário, não estava no quarto.
E nunca mais me procurou.
Para não ser injusta admito que ele me procurou vez ou outra para me pedir desculpas, como ele mesmo disse, só não parecia tão a fim de se desculpar de verdade.
Eu não odeio por não ter me ligado no dia seguinte, sinceramente. Eu odeio a situação em si, o fato de eu ter acreditado cegamente que ele era uma pessoa diferente da que as pessoas falavam.
Virei-me de frente para ele.
- Não te odeio, . Sabe o que vem acompanhado de ódio? Sentimento. Sabe qual é o contrário de sentimento? – Dei uma pausa, vendo que o sorriso em seu rosto estava vacilando – Indiferença. – Terminei, subindo as escadas do quintal dos fundos que levava até a cozinha. Segui até a bancada, onde peguei um copo de água direto da torneira e me apoiei na pia, desviando os olhos de dois jovens que se beijavam meio bêbados em frente a despensa. Pela janela, observei Rachel dançando junto com Maddie e Karen, mas não fui até elas, porque surgiu na minha frente. De novo.
- Olha, , me desculpa. Sou sujo, faz parte da minha vida. Estou acostumado a ser o rei do pedaço, mesquinho e idiota. Não sei ser diferente. Não sou um cara especial e romântico, e s...
- Engraçado, te achava extremamente romântico antes de abaixar minha calcinha.
Alguém chamou e ele olhou para trás sob os ombros ao som de sua voz. Talvez fosse a pessoa que ele tinha procurado a noite toda. Ele se virou para mim, com os olhos carregados de soberba.
- , o que estou querendo dizer é: sinto muito ter usado você. Só queria te dizer que existem muitos caras legais no campus, mas não sou um deles. Não sei no que acreditou, mas não sou e nunca tive a pretensão de ser um príncipe encantado. Eu queria te levar para cama e usei a abordagem que provavelmente funcionaria. Sou idiota a esse ponto. – Finalizou, indo ao encontro de quem quer que fosse, me deixando de boca aberta.
Ele tinha razão, é claro. Pessoas não faltaram avisando que aquilo era uma grande furada. E no que mais importa, realmente deveriam ter caras legais no campus, no fim das contas. Observei passando no corredor que levava para sala onde várias pessoas o cumprimentavam e entendi o que ele me disse: nunca deixaria de ser um babaca.
Suspirei, mandando a regra da Rachel para o espaço e subindo para meu quarto. Ainda tinha prova na segunda e minha vida tinha que continuar.
E com tão longe dela quanto fosse possível.
Do alto da sacada da casa onde a irmandade Delta Pi estava instalada, ele exibia o troféu que o time de beisebol ganhara aquela tarde – o motivo da festa, aliás – como se todos os outros jogadores não existissem. Eu sou bastante observadora, sei bem que ele só jogou os trinta minutos finais. Além disso, exalava orgulho e vaidade ao ainda estar sujo e suado após o jogo e, deliberadamente, ter tirado a camiseta do time para expor o peitoral absolutamente trincado. O sorriso prepotente, o cabelo suavemente desarrumado e mesmo da distância que me encontrava sabia que estava sendo mesquinho e detestável. Mesmo que não no sentido literal, conseguia ver o dinheiro cercando aquele homem e tudo que nos competia saber sobre isso era que era filho do reitor de Harvard. Não era o suficiente ser popular, bonito e arrogante, tinha todo um passado misterioso e ausência paterna compensada em dinheiro; o suficiente para não prestar atenção em nenhuma aula porque estava bancado para sempre.
A conclusão era: não tinha absolutamente nada a oferecer para a humanidade, nem a ninguém. Fazia o curso de literatura com ele, e suas opiniões em classe seriam extremamente extravagantes se não fossem tão perigosas.
As meninas deixaram o Adônis moderno em paz, mas ele continuava em cima da sacada, parecia que procurava algo ou alguém. Não fiquei encarando também, poderia interpretar errado e eu não queria precisar falar com ele de novo.
Por ser muito cedo, muitas pessoas ainda estavam chegando na casa grande e ligeiramente bagunçada. Empenhei-me em não ficar no caminho de ninguém, escolhi a parte mais afastada do jardim, de onde ainda era possível ver a fachada da casa e fiquei encostada na mureta e embaixo de um guarda sol que havíamos esquecido de guardar. Quando a mureta me deu dores, sentei-me na grama, com as costas apoiadas no varão do guarda sol. Do canto do jardim de onde observava sentada, notei que alguns engraçadinhos já se permitiram ir para o segundo andar da casa. Suspirei de alivio, sabendo que guardei todos os meus pertences no guarda roupa, tranquei meu quarto e a chave estava muito bem segura em uma corda ao redor do meu pescoço. E era bom saber que além de não ser furtada, ninguém espalharia DST’s na minha cama.
E eu estava lá, cruzando os braços ao redor da cintura e torcendo para essa festa acabar logo, quando percebi que não estava mais no alto de seu pedestal. Na verdade, ele se encontrava bem ao meu lado, suspirando também, como se ali fosse o último lugar onde queria estar.
- Você já está chegando? – o ouvi sussurrando no telefone. – Disse que estaria aqui as sete e meia. – houve uma pausa. – Não, não sei. – ele parecia um pouco bravo, o que me incomodou. Porém o que me incomodou mais foi notar que mesmo sujo de grama e lama, continuava com o cheiro masculino habitual: sabonete e colônia masculina.
Escutei se despedir de quem quer que fosse e bater o celular na grama umas três vezes, com uma violência bem desnecessária.
- Deve ser legal ter dinheiro para comprar celulares sempre que quebrar. – Me ouvi falando depois de um tempo. virou-se em minha direção, como se eu não tivesse medido o tamanho da minha ousadia ao falar com ele daquela maneira. Para não brigar, talvez, dei um sorriso não merecido a ele.
- Você não precisa falar comigo só porque coincidentemente sentei ao seu lado, .
Sorri mais, dessa vez irônica.
- Coincidência então. Claro.
Ficamos sem falar nada por alguns momentos. Não era agradável lembrar de como nos conhecemos, principalmente levando em consideração as coisas que fiz e o quanto ele era um babaca.
- Olha, eu já me desculpei por aquele dia, sabia? Várias vezes. – Falou, uns minutos mais tarde.
Revirei os olhos, mesmo que ele não pudesse ver. – Eu nunca disse que iríamos engatar um relacionamento depois, . A culpa não é minha se presumiu que sim.
- , esquece, ok? Não estou sofrendo por você nem nada do tipo. Já faz um mês.
Foi a última coisa que manifestei antes de me levantar e sair do único lugar legal que achei naquela casa. Em termos de festas, a única regra de Rachel era: proibido ficar no quarto.
Era uma regra idiota, sei disso. E na verdade eu não odiava festas tanto assim, mas essa em particular não me apetecia por ser em homenagem a : o fazedor de vários nadas.
Mesmo deixando bem clara minha intenção de sair de perto dele, me seguiu.
- Eu não gosto disso. – Manifestou-se ao meu lado.
Estávamos nos fundos, onde, juntando uma grana, havíamos colocado um pula-pula inflável gigante o suficiente para dez pessoas adultas. Tinha até um escorregador do lado, o que me animou totalmente. A infantil que habitava em mim queria que a festa acabasse logo para escorregar ali sem que ninguém pudesse julgar.
- Não gosta de que? De ser odiado?
sorriu.
- Se me odeia, , significa que não superou.
foi a primeira pessoa de quem tive conhecimento quando cheguei a Harvard. Sabia tudo que deveria saber sobre ele para manter-me tão afastada quanto possível: mulherengo, rico e idiota. Não imaginei que ele estaria na minha turma de literatura, mas lá estava ele. Só me olhou da primeira aula, sentou-se ao meu lado na segunda e me acompanhou até essa residência na terceira e, achando bom demais para falar a verdade, me chamou para sair naquele mesmo dia.
Eu estava bem consciente do tipo de pessoa que ele era, Rachel e Karen me alertaram várias vezes sobre isso, mas mesmo assim achei que ter saído com ele pelo menos um mês inteiro antes de ele sequer tocar no assunto sobre me levar para a cama significasse que talvez elas estivessem erradas, e que no final das contas ele realmente queria um relacionamento sério.
Foi por isso que eu cedi. E sim, a ideia partiu totalmente de mim, o que torna tudo mais idiota ainda.
Obviamente Rachel e Karen estavam corretas e então, no dia seguinte, quando acordei plena para provar o contrário, não estava no quarto.
E nunca mais me procurou.
Para não ser injusta admito que ele me procurou vez ou outra para me pedir desculpas, como ele mesmo disse, só não parecia tão a fim de se desculpar de verdade.
Eu não odeio por não ter me ligado no dia seguinte, sinceramente. Eu odeio a situação em si, o fato de eu ter acreditado cegamente que ele era uma pessoa diferente da que as pessoas falavam.
Virei-me de frente para ele.
- Não te odeio, . Sabe o que vem acompanhado de ódio? Sentimento. Sabe qual é o contrário de sentimento? – Dei uma pausa, vendo que o sorriso em seu rosto estava vacilando – Indiferença. – Terminei, subindo as escadas do quintal dos fundos que levava até a cozinha. Segui até a bancada, onde peguei um copo de água direto da torneira e me apoiei na pia, desviando os olhos de dois jovens que se beijavam meio bêbados em frente a despensa. Pela janela, observei Rachel dançando junto com Maddie e Karen, mas não fui até elas, porque surgiu na minha frente. De novo.
- Olha, , me desculpa. Sou sujo, faz parte da minha vida. Estou acostumado a ser o rei do pedaço, mesquinho e idiota. Não sei ser diferente. Não sou um cara especial e romântico, e s...
- Engraçado, te achava extremamente romântico antes de abaixar minha calcinha.
Alguém chamou e ele olhou para trás sob os ombros ao som de sua voz. Talvez fosse a pessoa que ele tinha procurado a noite toda. Ele se virou para mim, com os olhos carregados de soberba.
- , o que estou querendo dizer é: sinto muito ter usado você. Só queria te dizer que existem muitos caras legais no campus, mas não sou um deles. Não sei no que acreditou, mas não sou e nunca tive a pretensão de ser um príncipe encantado. Eu queria te levar para cama e usei a abordagem que provavelmente funcionaria. Sou idiota a esse ponto. – Finalizou, indo ao encontro de quem quer que fosse, me deixando de boca aberta.
Ele tinha razão, é claro. Pessoas não faltaram avisando que aquilo era uma grande furada. E no que mais importa, realmente deveriam ter caras legais no campus, no fim das contas. Observei passando no corredor que levava para sala onde várias pessoas o cumprimentavam e entendi o que ele me disse: nunca deixaria de ser um babaca.
Suspirei, mandando a regra da Rachel para o espaço e subindo para meu quarto. Ainda tinha prova na segunda e minha vida tinha que continuar.
E com tão longe dela quanto fosse possível.