Última atualização: 30/04/2020

Capítulo Único

– Você já esteve aqui em outros anos, não é? Parece que já conhece tudo. – perguntava animado para Luka.
– Já. Faz alguns anos que não apareço. Talvez uns três ou quatro.
– Esse é o terceiro ano em que vem. No primeiro ano, ele veio arrastado.
Ficamos cada um em um quarto. Já era um progresso e tanto visto que, nos anos anteriores, eu dividia o quarto com . não era só mais um convidado e, então, ele daria a primeira palestra naquele ano. Visto que era a primeira vez e que estava tudo tão lotado quanto antes – tão lotado quanto quando nós estávamos sentados –, ele suava e tinha um lenço no bolso da calça. Eu e Luka nos sentamos na última fileira e fazíamos um sinal de que ele estava indo bem a cada cinco minutos, mesmo que ele quase não nos visse lá. Apenas força do hábito.

– Não parecia que era seu primeiro ano de palestra, cara.
Luka disse e eu concordei. Era sincero e não apenas um apoio.
Eu ainda preferia ajudar o pessoal a se localizar por ali. Luka nunca tinha ajudado em nada, então o colocaram junto comigo. O pessoal já me conhecia dos anos anteriores e me cumprimentavam de minuto em minuto, eu era quase tão popular quanto . Luka era popular mesmo sem ser. Cumprimentava o pessoal com beijinhos, abraços e aperto de mãos. Nós ficamos na parte para a compra de livros, mostrando onde se localizava o livro procurado e dando informações básicas sobre os próximos horários das palestras.

– A garota de cabelo meio laranja está olhando para você.
Luka dizia sorrindo sem mexer os lábios, e eu procurei por ela. Não sorri, minha feição não mudou em nada. Ela acenou para mim enquanto segurava um livro sobre astrologia nas mãos. Eu quis saber se nós éramos compatíveis. A garota atrás dela a empurrou para que andasse conforme a fila. Eu li nos lábios dela, mandava a garota parar de olhar para mocinho de óculos. chegou a tempo de ver a cena e de me encher a paciência junto a Luka depois.
– Eu vou perguntar o número dela pra você, .
Nós estávamos no jantar que o dono proporcionava a quem contribuira em algo.
– Não tente a sorte em fazer isso, Luka.
– Talvez ela quisesse seu corpo nu mais tarde. E você vai perder a chance.
Dei de ombros e continuei comendo. estava quieto, disse que precisava ir ao banheiro e voltou uns minutos depois. Luka ainda tinha a ideia de ir pedir o número dela, que estava sentada nove mesas à nossa esquerda.

Sábado.
15 de março.
Quase onze da noite quando ela subiu no palco.
Ela era aspirante a cantora nas horas vagas e secretária na maior parte do tempo.
.
– Ela já te viu aqui. – murmurou enquanto nós prestávamos atenção no palco.
O que aconteceu na semana de conferência da editora do ano anterior foi que, quando disse que ia ao banheiro, ele entregou meu número de telefone ao garçom e pediu para entregar a ela, junto com o número do meu quarto. E ela foi.
Bateu na porta do meu quarto. Naquele momento, eu estava dormindo, mas acordei. Sorridente igual a uma criança.
– Seu amigo me deu o número do seu celular e o número do seu quarto também.
Ela cheirava a bebida doce e parecia exausta. Muito álcool, talvez. Sem dizer mais nada, ela deitou na minha cama, virou e dormiu.
Eu dormi na poltrona enquanto a observava. Por mais que a cama fosse grande, ela poderia não se sentir confortável ao acordar pela manhã. Eu não sabia as intenções dela, talvez só estivesse ali pelo álcool mesmo e, quando acordei, ela estava me mirando, com a cabeça apoiada nos braços e rindo.
– Bom dia.
– Bom dia.
Depois dali, nós almoçamos juntos, no meu quarto, e conversamos durante toda a tarde e noite. Ela me contou sobre seus serviços, eu contei sobre minha profissão, ela me falou sobre o ex-namorado, eu falei sobre a minha e sobre ela ter escrito um livro sobre nós. Por dois dias, nós ficamos conversando sobre nós mesmo. Eu a chamei para sair com e Luka, e ela foi. Cumprimentou Luka, sorrindo, e disse ‘obrigada’ a quando o cumprimentou. Ele perguntou a ela quanto por cento eu tinha de chances, e a resposta foi o que eu precisava: “ele tem todas as chances que quiser”.
Nós estávamos deitados na minha cama no hotel, era o último dia de conferência.
E em uma rodada perguntas, entre nós dois, eu poderia ter desistido de qualquer sentimento que já estivesse pronto para vir. Aquele poderia ter sido o auge para que aquele sentimento sumisse e que eu seguisse sozinho outra vez.
– Eu tenho um filho. De cinco anos.
Ela murchou o sorriso que esteve presente desde a primeira manhã em que ela acenou para mim, e eu não queria ter perguntado o porquê daquela atitude, mas curiosidade sempre fora meu forte.
– Você é casada?
– Longe disso.
– Qual o problema em um filho então?
– De onde você é?
– Londres.
– De onde eu venho, é muito errado ter um filho e estar sozinha, a não ser que seja viúva e muito velha.
– Você acha isso um problema?
– É diferente escutar de um homem isso.
– Minha mãe me criou sozinha. E meu pai não está morto. Ele só não me quis.
– E eu tenho certeza de que ela foi julgada e ele, não.
Ela acariciou meu rosto por longos minutos, e eu quis poder ficar ali por todo o tempo que pudéssemos querer.
– Vai embora amanhã também?
– Não. Vou ficar mais uma semana.
– Quantos anos você tem?
– Vinte e quatro.
– Como seu filho é?
– Nós podemos conversar sobre isso em Londres?
– Você vai querer conversar comigo em Londres?
– Tenho motivos para não querer conversar com você em Londres?
– Eu espero que não.
Eu a beijei outra vez e ficamos por algumas horas naquilo.
Desde julho, eu não sentia a exata coisa dentro de mim falar um oi, vai em frente logo. Naquele momento, eu senti.
– Você não é comprometido, é?
– Depende.
– Como assim, ?
Ela fechou o sorriso e empurrou-me um pouco.
– Você quer se comprometer comigo?
– Falamos sobre isso em Londres.
– Ótimo.
– Você superou sua ex-namorada?
– Falta pouco. Eu prometo.
– Eu deixei meu número e endereço no seu bloco de notas no celular.
– Vai me deixar?
Ela negou e sorriu enquanto eu a olhava bem de perto com os cotovelos ao lado de cada ombro dela.
– Em Londres, quando você a superar de verdade, me procura.
– Eu posso mandar mensagens enquanto não supero? Porque eu vou.
– Pode. Vai ter que aturar mensagens de madrugada quando eu estiver acordada cuidando do meu filho também.
– Posso sobreviver com isso.

Desde a semana de conferência, nós conversávamos por mensagens, e eu fiz com que ela escutasse bubble wrap em algumas ligações de madrugada.
Talvez a raiva e angústia que eu guardava eram por não poder perguntar sobre o livro, onde eu era taxado como o cara que traiu a namorada em uma viagem quando, na verdade, eu tinha sido traído por longos meses. Depois de poder falar o que eu queria, acabou qualquer tipo de sentimento, bom ou ruim. Apenas desceram pelo esgoto.
Naquela mesma noite, depois de cantar bubble wrap pela última vez com raiva e angústia, eu liguei para ela. estava acordada e disse que cantaria no pub onde eu havia falado que sempre ia.
E ali eu estava.
e Luka se olhavam e me olhavam. Eu olhava para o palco, mas era impossível não notar os dois me olhando.
não era a cantora principal, ela tocava ukulele e cantava a segunda voz de cada música. Mesmo assim, era ela quem atraía a atenção de todos ali presentes.
Como era de se esperar, George foi o primeiro a ir embora perto de dar uma da manhã. Depois Samuel, Peter, Colby e Joplin. Luka e esperaram ela descer do palco ao meu lado, e nenhum de nós tinha bebido nada alcoólico. Ela desceu sorridente olhando para nós. Talvez eu estivesse com febre naquele momento.
– Eu achei que você viria sozinho.
Ela disse ao chegar mais perto e me abraçar e dar dois beijinhos no meu pescoço. Depois, cumprimentou os outros dois com um abraço e voltou ao meu lado, passando a mão nas minhas costas e deixando-a por ali mesmo.
– Vamos, , nós sobramos. De novo.

– Sobre o que vamos falar primeiro? Prometemos falar sobre muitas coisas em Londres.
– Vai me deixar escolher? Tem certeza?
– Não. Vamos falar sobre você andar em grupinho para um encontro.
– Eu trabalho com eles. Menos .
– Quantos anos você tem?
– Vinte e nove.
– Você tem certeza disso?
– De ter superado ela? Eu não teria te mandado mensagem naquela noite se fosse o contrário.
Estávamos nós dois, o dono do pub e a amiga dela. Já estava fechado o pub, mas a amiga dela tinha um caso com o dono e, então, ela pediu para que eu esperasse a amiga com ela.
– Sobre o que você quer falar?
– Quando eu vou conhecer seu filho?
– O quão importante isso é pra você?
– Tem a mesma importância que tinha para você que eu só te procurasse depois de superar Joanna. E então?
Ela pareceu pensar enquanto me olhava nos olhos, bebeu o suco pelo canudo e colocou na mesa.
– Amanhã.
– Vai levá-lo à minha casa?
– Isso foi um convite?
– Se você disser que vai, sim. Se não...
– Nós vamos.
– Talvez minha irmã esteja lá. E .
– Você os convidou também?
– Maria mora um pouco comigo e um pouco no apartamento dela, e vai onde minha irmã vai.
– Quão estranho vai ser eu chegar com meu filho para conhecer sua irmã?
– Nada de estranho nisso. Posso pedir pra ela ficar no apartamento dela amanhã. E de qualquer modo, ela sabe sobre você.
Eu dei de ombros mas, na verdade, eu me importava muito se ela realmente iria, e se levaria o filho.
– É a primeira vez em cinco anos que eu tenho um encontro, . É estranho.
– Quer ir apenas você e depois, outro dia, me apresenta ele?
– O pai do Nick morreu em um acidente, e ele não tem um modelo masculino presente, só o avô paterno. Será estranho, talvez.
– Certo. Eu não estou sendo insensível, ok? Minha mãe me criou sozinha, sem avô ou avó, de qualquer um dos lados. Eu só a tinha. Meu pai está vivo, e eu o conheci. Só fui ter contato há três ou quatro anos. Minha mãe foi meu modelo para qualquer coisa que eu quisesse ou pudesse ser. Você não é diferente para ele.
– Eu tive mãe e pai presentes até os vinte e um. É estranho que eles não querem ter contato comigo e Nick porque não foi planejado.
Era um assunto complicado de conversar. Tanto para ela quanto para mim. Eu sabia como ela se sentia, porque minha mãe me falou milhares de vezes sobre como ela teve os pais presentes até o momento em que contou que estava grávida, e aquele não era o plano.
– Nós temos tempo.

Depois de sairmos do pub, eu disse que a levaria até a casa dela, e ela deixou.
Ela morava numa casa pequena, numa rua pouco movimentada. Nick dormia na casa da vizinha quando ela trabalhava à noite e ela o buscava de manhã. Ela me chamou para entrar. Por vontade e ansiedade, eu aceitei.
– Talvez tenha alguns brinquedos jogados.
Ela avisou enquanto abria a porta para que pudéssemos entrar e, quando ela abriu, eu vi poucos legos espalhados na sala e um copo de plástico do Batman. Ela acendeu a luz e eu pude ver as fotos dele no rack, ao lado da televisão, e uma dos dois juntos na mesa de centro.
– Ele se parece com você.
– Quando você o conhecer, vai ter certeza disso.
Nós fomos para a cozinha, ela me deu um pote de sorvete para segurar e pegou duas colheres. Empurramos alguns dos legos e nos sentamos no chão da sala com o sorvete.
– Ainda dá tempo de fugir dessa enrascada.
– E se eu quiser me enrascar junto?
– Depois que você o conhecer, não tem mais volta.
– Por mim, estará tudo bem.
– O que seus amigos sabem sobre... Nós?
– Luka e sabem sobre eu querer investir em você. Tudo bem, não é?
– Depende. Você está investindo de verdade ou está capengando?
– De verdade. Se eu não quisesse muita coisa, eu não estaria com esperanças de que você está investindo de volta.
– Não era pra você ter percebido que eu estou investindo, !
– Tarde demais, honey.
– Se você ficar até amanhecer, você pode conhecer ele.
– Eu vou ficar.
Depois de eu ter a certeza de que ela investiria na mesma intensidade que eu, agradeci mentalmente por ter paciência, por não ter me precipitado e dito da boca para fora que já tinha superado mesmo sem superar. Paciência é uma das virtudes mais preciosas.
Não tínhamos uma relação específica e, naquele momento, aquele ato era o necessário para nós dois. Sem precipitações ditas. O que nós fizéssemos por impulso, nós consertaríamos depois. As sensações e os sentimentos não tinham mais que ficar guardados, escondidos. A vontade e o desejo, talvez uma grande necessidade daquele ato tão conhecido, eram um fato.


Fim.



Nota da autora: Sem nota.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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