Última atualização: Fanfic finalizada.

Prólogo

Dentro da gráfica, acompanhava de perto suas últimas criações sendo testadas. Com o celular em mãos, tomava liberdade para registrar pedaços do processo para mais tarde repassar ao setor de marketing da Sinsix para que pudessem transformar o conteúdo em engajamento nas redes sociais. Longe de ser seu primeiro projeto, a satisfação ao assistir os protótipos nascendo ainda causava uma deliciosa sensação de formigar o peito. Ela gostava de ver as próprias ideias se materializando, mais que isso: amava saber que em breve eles estariam presentes nas principais e mais valorizadas perfumarias do país.
Foi em meio a uma das tentativas de gravar o processo de outro ângulo que uma chamada inesperada rompeu com o take.
, volta para a empresa agora. — Foi o que ela ouviu ao encostar o aparelho contra o ouvido.
— Mas eu...
— Não importa. Você precisa ver isso.


Parte 01

Tudo de novo.
tinha aprendido bem com as experiências que carregava nas costas a identificar expressões de julgamento e ela podia notá-los presentes nos atos dos colegas da empresa sobre si, seja nos olhares demorados, nas sobrancelhas franzidas, ou ainda no leve retorcer de lábios de alguns. Quando parava para analisar o que estava acontecendo, sozinha, a mente a transportava para divagar sobre acontecimentos no passado que estavam sendo trazidos à tona e no que isso poderia impactar na posição atual que ocupava dentro da Sinsix, um dos impérios de cosméticos que começava a ganhar espaço na selva de pedras e pós.
Caralho.
Tudo de novo.
Ela tinha se esforçado feito condenada para ser notada como alguém que podia ir muito além de uma estagiária. Ela tinha passado noites consecutivas em claro, vivido para o escritório quando ninguém se dispôs a doar um pouco mais. tinha dado o sangue para se tornar a grande gerente de projetos e diretora comercial de hoje, mas é claro que usariam o passado para ofuscar todo o brilho do suor.
Em um piscar de olhos, a campanha que ela havia liderado com a ajuda de mais de uma dezena de colaboradores da equipe, durante quatro meses que pareceram ser muitos mais, tinha sido vazada para os concorrentes. Pior que isso, o asco que causou o revirar de estômago foi a descoberta de que o acontecimento poderia não ter sido um simples acidente. Óbvio que não era. Bastava um passar de olhos nos anúncios dos concorrentes estampados em outdoors e nas vitrines das lojas. Todas as peças idealizadas por estavam ali, com uma marca que ela não representava. Além de terem as artes roubadas, Sinsix lidava com a rasteira que era voltar à estaca zero sob a pressão de lançar algo de qualidade superior, senão similar à anterior, em um tempo mais curto.
Uma canalhice sem igual.
Processos envolvendo ideias eram exaustivos. Mesmo com a entrada de uma ação legal na justiça, os resultados poderiam demorar muito a vir, isto é: se eles de fato viessem. Um processo de averiguação interno e secreto na empresa fora acionado para tentarem encontrar a origem do furo. Todo poço de merda que sempre pode ser mais fundo, conforme mais se cava. sentiu isso quando não só viu o trabalho ser roubado de si, como, em um pestanejar, também passou a ser acusada de vender informações para os inimigos.
Era sempre um tentando comer o outro naquele mundo. Ou você pisa, ou será pisado. Felizmente, ela tinha sapatos ótimos para solar qualquer um que resolvesse se meter consigo. Na sala de reunião principal, os diretores e principais acionistas estavam amontoados para discutir sobre os desdobramentos, sem ela. Para os aléns da porta dupla de madeira, o trabalho na Sinsix seguia, com todos os olhares, ainda que de soslaio, voltados para a gerente de projetos. As acusações sofridas eram de conhecimento público. Todo o julgamento vinha dali. estava sendo excluída, porque haviam disparado que ela era duas caras, sustentando relações e mantendo contato com um dos grandes nomes da Elyshir, os famosos — e desprezíveis — concorrentes.
Rumor descabido.
Custava para a mulher acreditar que, em meio a tantos colaboradores, alguma cabeça tenha pensado que seria de bom tom revirar o histórico inteiro dela na internet e reviver determinados acontecimentos que estavam no passado. Ela, de fato, mantivera relações com um membro do alto escalão da Elyshir. Aquilo era passado. Um dia, ela fez parte de lá. Antes de carregar a Sinsix na camisa, era uma Elyshir. Foi na antiga empresa que descobriu do jeito mais doloroso que relacionamentos às claras entre duas pessoas no mesmo local de trabalho eram perigosos, ainda mais quando o parceiro era de um cargo mais elevado. Não importava se duas partes queriam muito, a exposição em excesso fez a corda estourar para o lado mais fraco: ela. Não aguentando o desaforo de ter todos os esforços ignorados pelo simples fato de ter uma vagina, pediu as contas. Um lugar onde a enxergariam como uma golpista que usava da “chave de buceta” para toda glória que alcançasse não valia à pena.
A partir daí, bateu em várias portas, até chegar à Sinsix e desde o primeiro dia nunca dera motivos para que desconfiassem a quem sua lealdade pertencia, até aquele momento aparentemente.
Ninguém jogava o nome de alguém na barra de pesquisa para procurar por nada e sem motivação alguma. Não aceitaria o papel de elo fraco mais uma vez. O azar dela é que não sabiam ainda a identidade da pessoa que havia desencadeado o ciclo de fofocas, com isso as chances de tirar tudo a limpo estavam reduzidas. Contudo, não era a diretora comercial à toa. Ela era uma mulher de contatos e sabia fazer bom uso deles.
Enquanto girava na própria cadeira, encarando o teto, o cérebro continuava a formular os próximos passos. Esforços não seriam poupados. O senso de privacidade gritava que não, ela não devia nada a ninguém. Escolhas dela no passado não deveriam interferir no trabalho. Ela não tinha que se justificar. Tinha? No momento, tornavam fatos da vida pessoal dela à público, alguns pingos nos i’s deveriam ser colocados.




Ninguém da sala esboçava um sorriso. A empresa de estava sofrendo com interferências truculentas, mas como toda crise na Sinsix, a dor de cabeça seria passageira.
— Em uma conversa particular com os investidores externos, decidimos sugerir ao administrador geral, senhor , que opte pelo afastamento imediato de de suas funções atuais.
— Bobagem — o tom frio de soou cortante. A fala curta e direta que transpassava o que pensava não deixou os outros homens engravatados satisfeitos.
, quando passei o bastão para que pudesse comandar mais essa filial, tinha expectativas de que fizesse uma boa administração...
— Não só fiz, como continuarei fazendo, senhor Incanti. — Corajoso fosse ele a se atrever interromper o real dono de tudo aquilo. — Pode continuar confiando em mim e em todas as pessoas que trabalham dia e noite para elevar cada vez mais os padrões da Sinsix.
Injustiças não escorreriam pelas redes dele. Ainda mais com . Ele nunca permitiria. Havia muito em jogo ali e ele venceria enquanto o sangue não fervesse.
, comprovadamente, mantém relações com pessoas da Elyshir — Incanti proferiu o nome da marca com desgosto.
— As relações pessoais dos nossos colaboradores nunca foram pautas de nossas reuniões — rebateu, desacreditado no que aqueles homens fofoqueiros queriam insinuar. Se ao menos concordasse, ele queria contar ao mundo que era ele quem estava com ela agora e não qualquer trombadinha da Elyshir.
Em rodas de conversa, os amigos de fora insistiam em estranhar o comportamento da mulher. Não estaria ela realmente fazendo jogo duplo? A artimanha de pedir por discrição poderia ser algo que estava usando dos dois lados. Seria um golpe perfeito para que demorassem a descobri-la. No entanto, a resposta era não. não era desse tipo. Ela não merecia toda aquela desconfiança. se considerava um bom ouvinte e agradecia por não se levar pela opinião dos outros. Ele os considerava, mas a real questão é que tinha fornecido provas suficientes, pelo menos aos olhos dele, de que não os traiu. Era nos pequenos gestos dela de todos os dias pela empresa que carregava a certeza de que precisava a proteger.
— No instante que tais relações pessoais trazem prejuízos ao meu negócio, devemos discutir, . Não é só o seu nome na reta. Tem o meu dinheiro nisso, seu e mais o dos acionistas. Condutas suspeitas devem ser investigadas e possui uma. Até segunda ordem, ela não deve pisar nesse prédio.
— Não só não concordo, senhor Incanti, como também não apoio. Não foram apresentadas provas reais de que tenha sido desleal ao contrato que tem assinado conosco. Se formos investigar um por um daqui, mais pessoas precisarão ser encurraladas. É natural que mantenhamos contato com pessoas de outros lugares, é a famosa cordialidade que procuramos manter. Repito: a Sinsix não lida com o que cada um faz fora daqui.
trabalhou para a Elyshir. Tem certeza de que é seguro manter uma pessoa assim ao seu lado? Entendo que por ser uma contratação da qual você fez parte, às vezes, há uma consideração a parte. Precisa separar seus sentimentos da razão, .
A afirmação pareceu deixar algo a mais no ar. O olhar dos dois homens faiscou. Incanti não poderia saber... Poderia?
— Sem provas concretas, fica — insistiu. — É natural que as pessoas tenham passado por outros empregos, é dessa maneira que se constrói a experiência, não? Se começarmos a pedir por exclusividade e por profissionais sem referências, precisaremos investir em mais instrução. Temos tempo para isso?
A tensão elevada pela discussão que parecia um jogo de ping-pong deixou os demais presentes desconfortáveis. Ninguém mais falava ou ousava respirar com mais força. Inevitavelmente, relações seriam estremecidas assim que a reunião se desse por encerrada. Todos deveriam optar por um lado, a pergunta era em quem apostar.
— Ainda bem que trabalhamos em democracia. — Incanti exibiu um sorriso presunçoso. — A sua porcentagem nas ações é grande, , mas ainda menor que a soma dos demais. Nenhuma decisão é tomada individualmente dentro da minha empresa. Sendo assim, se ninguém mais se pronunciar em seu favor... Entenderei que a maioria concorda com o afastamento da senhorita .
O coração de Valentine Incanti bombardeava o sangue com tanta força contra o peito que ela sentia que poderia enfartar a qualquer instante. Ela estava passando mal, aprisionada naquela sala, com tanta aglomeração e ar pesado. Da mesma maneira que os demais acionistas, ela estava presente na reunião desde o início, calada, assistindo o desenrolar da discussão entre o pai e . Aquilo era um pesadelo. Como herdeira legítima de Emanuel Incanti, estava sendo introduzida aos poucos nos negócios da família. O progenitor achou que seria uma boa decisão permitir que carregasse uma porcentagem das ações para que pudesse opinar em alguns assuntos com liberdade. Chegaria, um dia, o momento em que Valentine precisaria responder por tudo aquilo. A herdeira nunca imaginou que as vantagens cedidas pelo mais velho um dia fariam tanta diferença como o que estava prestes a fazer.
Valentine suava frio. O incômodo dentro da garganta parecia subir cada vez mais, a ponto de fazê-la acreditar que passaria pelo vexame de vomitar no acionista careca com alguns fiapos ruivos diante de si, ou desmaiar sobre o outro parceiro negro e corpulento. Não havia motivos para que ela se sentisse insegura. O que estava prestes a fazer não era um erro, repetia internamente feito um mantra.
— Eu concordo com a opinião de . não deve ser afastada. — A boca trepidava tanto que imaginou que os dentes cairiam com tanto choque entre as arcadas. Os olhares atentos e surpresos da sala mudaram de foco instantaneamente. — É irracional afastar , quando o que mais precisamos nesse momento é do papel que ela exerce dentro da Sinsix para levantar outra campanha. Encontrar outro profissional para o posto custaria tempo e dinheiro. Até conhecer os sistemas da empresa e se adaptar, já teremos perdido os prazos para o lançamento da estação. Tenho certeza de que todos os senhores aqui presentes não desejam isso. Não precisamos aumentar ainda mais a desvantagem, quando a própria se dispôs a trabalhar para cobrir o desfalque ocasionado por algum erro interno.
Ao fim da fala, Valentine engoliu a saliva com força, sentindo as paredes da boca secarem em ansiedade. Era agora que ela colocava as entranhas para fora. O silêncio arrebatador e gritante fazia-a crer que as batidas descompassadas do coração podiam ser notadas. Ela não julgava ninguém pelas opiniões que divergiam das de e dela. Todos estavam votando com base nas próprias percepções dos fatos. O problema é que ela estava ciente de fatos que não haviam sido trazidos à luz.
— Valentine... — o pai sussurrou, perdendo nos olhos um pouco do brilho da determinação de antes.
Mesmo com as justificativas da Incanti, ninguém mais mudou de lado. Seria e Valentine contra todos. No momento, era o suficiente. Com os números da mulher ao seu favor, ficava com uma vantagem mínima que o dava o poder da decisão final: ficava.


Parte 02

Na cafeteria que ficava de frente para empreendimento da Sinsix, tinha os olhos presos no horário que o celular indicava. Os dedos frenéticos que insistiam em desbloquear para depois bloquear de novo a tela inicial denunciavam a inquietação. Na reunião de acionistas, e — surpreendentemente — a herdeira Incanti intercederam ao seu favor. Como ela reagia àquilo? O próprio fizera questão de relatar os acontecimentos. Tal ato desencadeou o sentimento de temor que estava instalado dentro de . era muito mais coração que ela, era difícil de identificar se ele estava separando a emoção da razão nas decisões que estava levando aos superiores. A gerente de projetos tinha muito medo de que o homem estivesse tomando sua dor por sentimentos que nutriam fora da área profissional.
e ela levavam um relacionamento às escuras, longe dos holofotes e julgamentos alheios, há pouco mais de um ano. Fugindo da sina do relacionamento anterior, estava fazendo diferente desta vez, mantendo os pés no chão, enquanto era a parte que desejava gritar aos quatro ventos sobre a relação que cultivavam.
... — distraída, ela ouviu o nome ser pronunciado em um teor familiar. — Quem é vivo sempre aparece. — O homem sorriu, estendendo os braços para um abraço, que ela ignorou. — Achei que tinha se esquecido de mim — emendou, demonstrando não estar nem um pouco desconsertado pela ausência de boas-vindas mais acaloradas.
— Sabe que é impossível — replicou séria, ao contrário do tom brincalhão que o outro carregava consigo, como se fosse crônica. — Oi, Dustin.
— Atravessei o bairro todo, em um trânsito maldito, o mínimo que poderia me fazer é cumprimentar direito.
— Pago um café — a diretora de comunicação negociou.
— Feito. — Ele se ajustou à mesa, sentando-se na banqueta do lado oposto ao dela na mesa. — Então, no que lhe posso ser útil?
— Preciso saber como vocês colocaram as mãos na nossa última campanha de lançamento.
Na mesma hora, a garçonete chegou com os pedidos, interrompendo a discussão.
— Obrigado.
— Obrigada.
Ambos agradeceram à atendente e aguardaram breves segundos até que a funcionária se afastasse e estivessem confortáveis outra vez. assistiu, com as veias pulsando impaciência, Dustin dar um gole na própria bebida com lentidão. Aquele não era um chá da tarde, se o ex-companheiro ainda não havia percebido.
— Minha responsabilidade é a parte da contabilidade desde os tempos que você ainda estava na Elyshir. Nada mudou, . Não tenho contato com as campanhas, mas isso não torna a sua alegação menos ofensiva. — A expressão do homem mudou imediatamente, adotando traços mais duros.
— Nunca faria tal acusação sem fundamentos. Deve saber de algo. É um dos chefões também — garantiu. — Por acaso, está sabendo de alguma coisa e não quer me contar? — cerrou os olhos.
— Claro que não, .
— Se eu descobrir que está se fazendo de sonso...
— Eu realmente não sei de nada. Quer explanar?
— Meus trabalhos foram roubados e estão sendo usado por vocês — relembrar todo o problema e verbalizá-lo fazia as paredes do estômago queimarem com tanto suco gástrico que sentia soltar pela raiva.
— E como é que nós faríamos isso? — Dustin cruzou os braços, inclinando-se mais sobre a banqueta, sentindo-se pessoalmente atacado. Elyshir e Sinsix não eram as melhores amigas, mas a acusação suja feria o ego dele. Pilantragem não era bem pelo o que ele trabalhava.
— É o que estou tentando descobrir. Como vocês tiveram acessos aos projetos?
— Tem certeza de que não é engano?
A gerente nem se deu ao trabalho de responder ao último questionamento. Encarou o antigo namorado e também ex-colega de trabalho entediada. A Elyshir não tinha se dado nem ao trabalho de fazer algumas mudanças para entregar uma cópia menos descarada.
— Não tinha nada correndo pelos corredores sobre fazerem isso com vocês — Dustin comentou, com o olhar distante, buscando por algo que pudesse fazê-los entender melhor a situação.
— Olha... Espero que esteja sendo honesto. No final, somos apenas peças pequenas do jogo e…
— Humildes trabalhadores. Os ricos poderosos e multimilionários são eles — Dustin interrompeu-a, completando o pensamento que compartilhavam desde tempos antigos. — Nós devemos lutar do mesmo lado, mesmo que estejamos em lugares diferentes.
— Fez a tarefa direitinho, Dustin. — deu um sorriso satisfeito pela primeira vez.
— O que está rolando do lado de vocês?
não se importou em compartilhar todo o drama das semanas recentes, omitindo a parte de que a história de amor deles poderia estar se repetindo. Saber do papel importante que exercia na vida dela agora não acrescentaria em nada para Dustin. De certa forma, eram aliados. O homem diante de si ainda devia alguns favores e ela não hesitaria de cobrá-los. Ao fim da narrativa de perseguição de , Dustin só soube sentir muito.
— Nos dicionários de todas as línguas, deveriam acrescentar que problema também pode ter como sinônimo — brincou um pouco. — Que ímã para puxar confusões no trabalho — concluiu, tirando a carteira do bolso. — Entro em contato assim que tiver alguma informação.
— Por favor! — Levantou-se, sendo imitada por ele, pronta para retornar à sede.
... Eu sinto muito — Dustin disparou. — Por isso que está acontecendo agora e por tudo no passado com a Elyshir. É uma bosta que só a mulher e sempre a mulher receba condenações pelas relações que mantém. Por mim, você nunca deveria ter saído da empresa.
— Não daria mais certo. — conteve a vontade de suspirar. — A situação atual é muito parecida e ao mesmo tempo totalmente diferente do passado. A Sinsix está colocando a confiança em mim à prova. Com a Elyshir, as minhas habilidades estavam sendo questionadas pelo simples fato de que fizemos sexo. Minha carreira não tinha mais futuro em um lugar que todo sucesso que trouxesse seria atribuído ao cargo do meu homem. Nunca conseguiria viver em um lugar que me enxergavam como mulher fácil tentando dar o golpe de buceta.
Dustin não conseguiu reprimir o riso, ainda que soubesse que não havia graça na experiência. Eles tentaram e não deu certo. Ficava ao menos satisfeito de nenhum deles guardar mágoas ou tentar fazer a vida do outro mais difícil. A forma que contava as coisas chegava a ser cômica, se não fosse trágica. Após pagarem as bebidas, os dois se dirigiram à saída, iniciando um ciclo de despedidas novamente, com o homem mantendo a promessa de que manteriam contato. Ao alcançarem a porta de vidro rotativa, no entanto, os dois conhecidos deram de cara com um grupo de mulheres que tentavam entrar no estabelecimento ao mesmo tempo em que eles saíam. Vários olhares atravessados foram trocados e a diretora de comunicação sentiu o sangue se esvair do rosto.


Parte 03

Tell me the truth
Baby girl, who else been with you
It's gon' come to my attention either way, yeah
And I understand
Baby girl, we all had a past
I'd much rather hear the truth come straight from you


— As estagiárias comentaram que te viram no café hoje com um homem — mencionou de repente, de cueca, desabotoando a camisa para poder se juntar à mulher na cama.
— Nada importante... — se ajeitou em uma posição confortável o suficiente para admirar o parceiro ainda de pé.
— De verdade? Está tudo bem de verdade, amor?
Ela se limitou a exibir um fino e sincero sorriso acompanhado de um balançar de cabeça.
Os dramas para bater de frente com os concorrentes com um novo conceito que gerasse tanto burburinho quanto eles conseguiram gerar entre a crítica ainda ferviam pelos corredores. Todos estavam fazendo o melhor. sentia que a companheira não estava no ponto alto dos dias. Ela compartilhara consigo algumas inseguranças e até detalhou a forma com que os jovens em treinamento na empresa pareciam encará-la, um tipo com menos admiração. Em casa, procuravam não conversar muito sobre a empresa, casais que transportavam muito do trabalho acabavam abrindo mão de um espaço da intimidade para lidar com coisas que poderiam ficar só no escritório. Ainda assim, se algum deles estivesse angustiado e precisando conversar, não haveria problema também. compreendia que era uma situação complicada de segurar. O que mais ouvia eram boatos que só cresciam conforme mais bocas repassavam. Ela se encontrava com outro homem na cafeteria da frente com frequência. Se não estava preparada para contar, ainda não era o momento de ele saber. Confiava nela. Quando chegasse a hora, ele teria todas as perguntas respondidas, como por que ela fora se encontrar com o ex-namorado.

What's done is done
Now that I'm the only one
If you tell me I'll accept what you've been through, oh yeah
And I don't believe all this inconsistency
I've been hearing different stories about you


continuava a se encontrar com Dustin em todas as oportunidades. O homem estava sendo eficiente em trazer informações do outro lado, ainda que nem todas tivessem utilidade.
— Seguinte: dei meus pulos e ninguém sabe muito bem como chegamos à campanha atual. Só sabem que um dos diretores chegou com o material e mandou os estagiários darem uma finalizada.
A mulher que ouvia atenta passou as mãos no rosto, estressada, sem importar que estivesse removendo todo o blush e o pó de finalização do rosto. Acabou que aquela investigação à parte serviria apenas para acalmar a ansiedade e trazer paz para dormir a noite. A busca por justiça estava sugando todas as suas energias. só queria continuar fazendo o que aprendeu desde sempre, receber novos desafios e desenvolvê-los com os colegas, sentir o prestígio de ouvir dos consumidores que a Sinsix fizera um bom trabalho.
— Ainda não consigo associar como meus arquivos foram parar diretamente na mão de vocês.
— Irei me esforçar mais para te ajudar.
— Obrigada mesmo, Dustin. — sentiu a emoção bater. — Você não precisava me ajudar com tudo isso. A gasolina está cara também... — reiterou, arrancando risadinhas cúmplices.
— Estou nesse mundo para servir às mulheres, baby. — Jogou uma piscada de olho.
— E é assim que todas caem na sua rede — ela suspirou, sem deixar de sorrir.
— A rede do amor é bem grande. Cabem todas.
— Idiota.
— Sem ressentimentos, , mas a fila andou.
Por estarem sempre marcando no café, era comum que os funcionários do escritório dela aparecessem em um momento ou outro para buscarem por pedidos. A cafeína movia o mundo. Dessa vez, quem a mulher viu cruzar a porta rotatória foi o próprio . O olhar incisivo dele parou diretamente no dela, como se estivessem amarrados por natureza. Sem perceber, prendeu um pouco da respiração, sem saber como prosseguir, mas quem tomou a dianteira sobre como a cena desenrolaria. Permaneceu estacado diante das vitrines de salgados, observando sem expressão o casal do fundo, então virou o rosto para frente, aguardando pela atendente que estava de costas, separando um pedaço de bolo para o cliente que chegou na frente.
Pensativo, deixou os olhos caírem para os próprios sapatos sociais bem lustrados. Os dedos enfiados dentro dos bolsos da calça pressionavam uns contra os outros com tamanha força que, mesmo a unha sendo curta, ficariam as marcas cravadas. Deveria se sentir inseguro? A confiança sobre continuava cem por cento, mas ele ainda era humano. A quantidade de sussurros que era obrigado a aturar dos funcionários definindo o futuro da mulher o deixava de mau humor. Os rumores eram tão afiados, que em seus piores momentos, a mente se deixava envenenar. Logo, vinha uma raiva descomunal que não tinha origem e nem destino exato. Ele só abominava a situação.
— Um expresso forte para mim, fazendo o favor.

So if I love you
It'd be just for you
So when I'm touching you
Can I trust in you
Can I trust in you, oh baby


— Só sobramos nós no prédio, amor. — surgiu, se escorando no batente da porta.
— Eu achei que esses dias tinham morrido com os meus dias de estagiária, mas acho que não volto pra casa hoje. — finalmente tirou os orbes da tela do computador para encará-lo. — Vamos entregar a campanha, mas se eu dar uma bobeira, não vai dar tempo.
— Não vou te deixar sozinha aqui — o homem revelou, entrando na sala para se jogar no sofá de dois lugares alinhado em um dos cantos da parede. — Não pode chamar sua saúde de bobeira, . Não acha que uma cochilada te faria render mais?
A resposta demorou a vir. O silêncio da sala só era cortado pelos cliques ágeis dela no mouse. É comprovado cientificamente que uma noite de sono bem regulada traz mais disposição, contudo ela estava nos ajustes finais, não queria perder o fluxo de trabalho, embora quase pudesse escutar as pálpebras implorarem para fechar.
— A questão é que eu não confio em mim. — Riu fraco. — Imagina a tragédia que seria se eu dormisse demais e não acordasse? Minha ansiedade não deixa. Prefiro passar as próximas 72 horas vivendo de cafeína e refrigerante para fechar esse bendito trabalho. Garanto que o sono que vier depois vai ser muito mais relaxante.
ouviu desacreditado. Aquele perfeccionismo e insistência por mostrar trabalho foram o que a destacou para os acionistas. não dava ponto sem nó em absolutamente nada. Mal deitara e resolveu se levantar para carregar uma cadeira até o lado dela.
— Como estão as coisas? — questionou, sentado com ela diante do monitor.
— A base e conceito estão montados. Estou trabalhando nos detalhes e fechando alternativas, caso a primeira não seja aprovada — conforme explicava, ia alternando as abas do navegador para ilustrar ao namorado.
Era sobre aquilo que estava falando. A Sinsix tinha acertado no baú do tesouro ao receber o currículo de no e-mail. Eles nunca poderiam cogitar em deixar aquela mulher escapar. A namorada era precavida. Além de entregar o necessário, ela sempre tinha cartas na manga e muito material de apoio para vender e defender as ideias com unhas e dentes. Ele apreciava isso nela, como colega e mulher.
— Vai se sair bem, como sempre. Tenho certeza. — Tomou liberdade para esticar o braço por trás das costas dela, até se encontrarem com um abraço de lado. , que permanecera elétrica o dia inteiro, se permitiu desfrutar um pouquinho daquele carinho e calor, deitando a cabeça no ombro do companheiro. Estava tudo bem. Eles estavam sozinhos. — Não acha melhor contratarmos algum profissional para entrar e te ajudar a finalizar o material? Temos vários contatos de pessoas fazendo free no banco de talentos e... — Ela rapidamente negou com a cabeça, ainda sem desencostar dele.
— Melhor não. — Mordeu o lábio inferior e buscou a compreensão dele pelas íris. — Eu fico meio nos nervos em ter que dividir o meu trabalho. Não sou a maior fã de gente mexendo nos meus arquivos ao mesmo tempo em que eu estou finalizando. — Um arrepio percorreu a espinha só de imaginar.
riu, aproveitando que ela tinha desencostado para levar as mãos para acariciar as bochechas levemente coradas pela maquiagem.
— Eu sei. A gente ainda treina em casa, lembra? A sua paciência para lidar com subordinados. — Soltou outro riso frouxo. — Já foi difícil te convencer de que não dá para carregar o mundo nas costas, não sozinha pelo menos. Entendo que é algo que precisaremos trabalhar, mas saiba que uma mãozinha te acrescentaria algumas horas de sono na conta.
Todavia, ela se encontrava irredutível.
— Vai ser trabalho demais. — Fez careta, levando as unhas de leve à nuca dele, sentindo a pele se arrepiar.
— Situações extraordinárias pedem por medidas extraordinárias. O Conselho não iria se opor...
aproximou o rosto selando a boca deles com lentidão. Arrastou os lábios para cima e para baixo, causando um roçar gostoso para finalmente trocarem carícias mais profundas com as línguas.
— Está tudo sob controle, querido — disse baixinho, de olhos fechados, com as bocas ainda se tocando.
— Como eu fico sem a minha mulher na cama para afastar os pesadelos nos próximos dias? — soprou de volta, abrindo as pálpebras, dedicando-se a admirar as linhas dela de perto.
— Vai ter que ficar o mesmo de sempre. — Finalmente abriu os olhos, deparando-se com uma expressão desgostosa dele. — O que foi?
— Você corta muito o clima. Não sabe ser nada romântica — zombou com um leve bico que a fez querer mordê-lo.
— Para! — O empurrou pelo ombro com o próprio ombro. — Vai para casa descansar. Se alguém de nós pode dormir, a oportunidade não deve ser desperdiçada.
— Já disse que não vou te deixar.
— Pois deveria. Não tenho hora para voltar hoje, .
— Sem pressa.
se obrigou a rolar os orbes com a insistência. Antes que continuassem com a discussão, o celular dela tocou. Uma ligação naquela hora da noite? Ambos ficaram sérios e inevitavelmente as atenções foram para o visor que mostrava “Dustin Elyshir” como contato. engoliu seco, com os olhos voando para a feição de instintivamente. Nenhuma palavra proferida. Rapidamente desbloqueou o aparelho para saber do que se tratava.
— Te consegui um nome. — Dustin não se deu ao trabalho de se introduzir ou cumprimentar.
— Sabe que horas são? — o repreendeu, pressionando o celular com mais força contra o ouvido sob olhar atento do namorado. — Ainda está no trabalho?
— Estou. Não tenho tempo para isso, preciso sair daqui antes que o vigia me flagre. Valentine Incanti. É tudo que tenho. A gente se fala!
Ligação encerrada.
Valentine Incanti. A filha do dono. O que ela poderia ter a ver com todo esse transtorno? Enquanto buscava por uma justificativa plausível, se lembrou de que devia explicações para uma pessoa. Ela sabia que ele tinha várias perguntas, mas nunca as fazia em respeito ao espaço dela.

Baby, show me you're a keeper
It's been hard for me to keep up
You've been tryna keep me in the dark
But baby girl, I see you
Baby, show me you're a keeper
It's been hard for me to keep up
You've been tryna keep me in the dark
But baby girl, I see you


… — suspirou, piscando repetidamente em nervosismo. — Eu sei que te devo muitas explicações. Dustin foi meu namorado quando ainda trabalhava na Elyshir. — Encolheu os ombros, reflexo do sentimento de inferioridade que sentia com a necessidade de recontar os passos de tempos atrás, no entanto ela não fazia ideia de que ele já sabia disso. — É o mesmo cara que você me viu acompanhando no café. — Ele também já tinha ciência do fato. — Eu te juro por tudo que quiser que não temos nada.
— Nos últimos dias... — iniciou sereno, desviando do olhar dela para encarar o monitor de forma vaga. — Vi coisas. Ouvi ainda mais coisas.
foi sentindo a própria presença se tornar cada vez menor na sala. O medo escancarado dele não a deixar se explicar, de não darem o tempo que ela precisava para fazer justiça... Dane-se a empresa. Seus dedos foram em direção à gola da blusa que vestia. Ela tinha esse tique de passar os dedos pela parte da peça quando se encontrava acuada.
No fim, não era sobre o trabalho. Era o temor de a interpretar errado. Era o terror do amor acabar. Assombrava , fazia todos os ossos reverberarem, a chance de começar a encará-la como uma mulher que carregava um padrão de vida se escorando em homens com quem cruzava no caminho. Involuntariamente, os olhos se fecharam com um ardor.
— Mas decidi que eu acreditaria no que você tem para me dizer — a fala dele a tirou dos devaneios outra vez. — No mesmo dia que te entreguei meus sentimentos mais sinceros, entreguei meu coração, . Estou esperando que conte. Sei que posso confiar, pois nunca me deu motivos para não fazê-lo. Serei paciente até o último dia.
Aquela compreensão toda a pegou desprevenida. Com os olhos mais brilhantes e úmidos que o normal, ela tremeu por inteira.
— Então, continua confiando em mim, por favor — a voz tremia e falhava na mesma frequência. — Eu ainda não tenho muito que te falar agora, mas pode continuar confiando... — A primeira lágrima escapou e ele não se segurou para limpá-la com o polegar, deixando a mão pousar ali, como se parassem no tempo. — Eu amo você — confessou embargada, posicionando as próprias mãos sobre a dele, pressionando-o contra o rosto e fechando os olhos mais uma vez para apreciar o toque. — Independente de tudo que o resto insista em contar.
— Eu sei — reiterou baixinho, colando suas testas. — Estou aqui com você e para você, não estou? Esperarei por você também.


Parte 04

Três toques foram dados antes dela empurrar a porta para enfiar metade do tronco para dentro da sala.
— Oi, Valentine. Será que poderíamos conversar?
— Parece que você chegou a mim antes que eu o fizesse, ! — A herdeira Incanti sorriu verdadeiramente, convidando-a com a mão para que entrasse. — Só não imaginava esse cenário para a conversa que precisamos ter.
— Então sabe por que estou aqui.
— Sim. Chegaria o momento que meus erros não poderiam ser mais cobertos. Nem mesmo pelo meu pai. Só estou surpresa de você ter me interceptado antes. — Mostrou-se ligeiramente curiosa pelo feito. — Pretendia encontrar um momento propício para me explicar, mas todos sabem que você mais do que qualquer um tem andado bem sobrecarregada. Foi só falta de timing.
— Eu só precisava entender: eu fiz alguma coisa errada? — indagou, corrigindo-se logo em seguida. — Eu te fiz alguma coisa? — Colocou o dedo em riste contra o próprio peito, mantenho o cenho franzido. — Porque a conta não fecha.
— Você é vítima nessa história, . Dessa parte, acredito que já passamos. E não... Nunca me fez nenhum mal — garantiu. — É uma vítima, um bode expiatório que meu pai arrumou.
— Como?
— Está com tempo mesmo, ? A história é chata e um pouco longa.

Girl, come show me your true colors
Paint me a picture with your true colors
These are the questions of a new lover
True colors, true colors
Girl, come show me your true colors
Paint me a picture with your true colors
These are confessions of a new lover
True colors, true colors


Sentada sobre as coxas de , tinha as pernas posicionadas uma para cada lado do corpo enquanto a cabeça estava apoiada no ombro e os dedos faziam desenhos de círculos imaginários no peito dele.
— Deveria ter me contado tudo no começo — o homem insistiu com a respiração baixa, afagando os cabelos da mulher. — Poderia ter te ajudado, .
— Se a filha do Incanti não tivesse revelado o jogo, estaríamos às cegas ainda. Nem eu tinha plena noção do que estava acontecendo. — Moveu o rosto minimamente para acariciar a mandíbula do homem com a ponta do nariz. — Felizmente, Valentine mostrou ter muito mais valores que o pai e vai encontrar um jeito de dar o troco naqueles vagabundos. — O insulto fez soltar um riso anasalado, sem sair da posição para não perder as carícias que recebia.
— Podemos conversar sobre eles em outro momento, o que acha? No momento, estou interessado em desvendar a minha garota.
— Pois saiba que minhas cores verdadeiras você já viu.
— Mostre-me mais uma vez.


FIM



Nota da autora: Oieeeee! Se você está lendo isso, obrigada por chegar até aqui. <3
Espero que estejam se cuidando e... Mais uma vez, obrigada por darem uma chance à fic!
Beijos,
Ale.



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