07. Try

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Fanfic Finalizada: 22/02/2021

Capítulo único

— O ser humano tem em média 86 bilhões de neurônios.
“Aproximadamente 86 bilhões de neurônios → ser humano”; escrevi no caderno.
— Cerca de 700 novos neurônios nascem a cada dia em cada hipocampo, e um terço dos neurônios são renováveis e repostos regularmente.
“700 novos a cada dia, pra cada hipocampo. Reposição/renovação regular.”
— Os que foram criados na fase fetal, assim que morrem, não são substituídos.
“Adeus neurônios da barriga da mamãe”, registrei, adicionando uma careta triste ao final da frase.
O professor de biologia estava com a boca aberta, pronto para continuar a sua fala, quando a porta bateu estrondosamente na parede, interrompendo a aula e assustando a turma.
Meus olhos acompanharam o ser que adentrou a sala de forma despojada. Aquele sorriso sacana e a cara de quem não está nem aí por chegar atrasado e atrapalhar a aula alheia; essa era a marca registrada de .
— Bom dia, mestre! — cumprimentou o professor, que apenas limpava as lentes do óculos de forma cansada.
— Terceira fileira, quarta carteira, . Agora. E sem mais interrupções, ou vai voltar por onde entrou. — A voz grave indicava tom sério e o aluno ergueu as mãos em rendição.
— Sem problemas! Você quem manda, chefe! — E seguiu para o local indicado.
— Ainda bem que você sabe... — O professor respondeu com a feição tediosa, e retornou à sua fala.
Decidi me concentrar no caderno, tentando empurrar a sensação de incômodo que senti ao vê-lo.
Mas eu deveria imaginar que “paz” e “” eram termos que jamais se encontrariam. Pelo contrário, se repeliam e, naquele momento, apenas testavam a paciência da pobre e meiga jovem que eu era.
— Bom dia, Grems... O que está aprontando de bom?
Para a minha completa sorte, o local destinado pelo professor era simplesmente a carteira atrás de mim. Significava que o maldito do estava naquele instante, apoiando os dois cotovelos em cima da mesa e direcionando seu tronco para perto de minhas costas, falando num tom que somente eu era capaz de ouvir.
E é claro, tinha seus próprios meios de prazer.
Pelo visto, infernizar minha vida era um deles. Desde que me viu no primeiro ano do ensino médio, o troglodita me apelidou de Gremlin Gizmo. E desde então, o apelido não só pegou, como sofreu mutações.
Por exemplo: em dias em que há apenas o deboche e a vontade de tirar minha paciênca, ele utiliza Grems. Chega a ser carinhoso até, diante do “Gizmo de orelhas gigantes” que ele lançou uma vez, quando prendi meus cabelos num coque alto. E assim seguimos por longos e torturosos dias.
Até que há duas semanas, tudo pareceu dar uma leve mudada. Com o projeto de biologia, tive a enorme sorte de fazer dupla com o dito cujo, mas para minha total surpresa, não foi o inferno que pensei; pareceu ser mais educado, afetuoso e até demonstrou bons conhecimentos de biologia.
Entretanto, eu deveria ter desconfiado que toda aquela esmola não era de graça; estava aprontando.
Como eu sabia? Senta que lá vem história...
Experimente, à convite do babaca, assistir ao treino de vôlei dele no ginásio da escola. Parece até palhaçada, eu sei. Mas lá estava eu, sentada igual uma otária, depois de termos passado duas horas finalizando o projeto de biologia e, incrivelmente, não estávamos em pé de guerra.
Então, ele me convidou para assistir o treino, porque depois do mesmo, comemoraríamos a finalização daquele exaustivo trabalho.
Eu, que não tinha nada melhor para fazer, aceitei de bom grado a possibilidade de comer de graça; já que deixou bem pontuado que seria por sua conta.
Não fazia mais do que obrigação por ter sido um belo belzebu desgraçado durante todos aqueles anos escolares.
Lá estava eu, sentada como uma bela estudante que era, rabiscando algo ali e aqui no meu caderno de desenho enquanto marcava mais um ponto para seu time. Ele jogava muito bem e isso não era novidade... Só não esperava que ele ficasse tão bem no novo uniforme dos jogadores. Afinal de contas, estava malhando?
E aquela bundinha redondinha marcada pelo short de lycra que vinha por baixo do calção? Quando ele pulava, dava para perceber o tom escuro do tecido apertado se destacar nos músculos da coxa.
Uma gota de suor desceu pela nuca e eu involuntariamente me arrepiei. Até que constatei uma verdade: era um inferno, mas era proporcionalmente um gostoso inferno.
De toda forma, era só entrar naquele modo belzebu que toda e qualquer atração que eu sentia ia por água abaixo. Entretanto, não estava falando nada de ruim naquele momento; apenas berrava comandos para seus parceiros de equipe e se concentrava na bola no ar.
E lá estava novamente, o salto fenomenal de quem bloqueia com graça todas as bolas do time adversário... Olá, bundinha rendonda!
Talvez eu estivesse mais interessada em vôlei agora do que em toda minha vida, mas nada demais.
Olhei para o meu caderno, fazendo os contornos necessários. Era um rosto bem desenhado, de traços fortes, e o cabelo todo para trás com a ajuda de uma faixa presa à cabeça, espantando os fios da visão.
O sorriso de era de desgraçar meia cidade, eu sabia. Entretanto, não era motivo para manter esse detalhe fora do meu desenho; até porque estava retratando a felicidade do rapaz quando tudo ia conforme seus planos esportivos. Seu time estava ganhando e aquilo fazia a alegria brotar nas feições de .
Não tão odioso ...
Para a surpresa de um total de zero pessoas, a partida terminou com a vitória de seu time. Ainda que fosse apenas um treino, aquilo visivelmente o motivava, deixando-o satisfeito com o resultado. Era um dos poucos momentos em que sua concentração estava apenas na quadra e, pensando por esse lado, ele até poderia ser uma pessoa convivível.
Conforme prometido, vinte minutos depois, estávamos saindo do colégio a passos lentos rumo à lanchonete que todos os alunos costumavam ir depois das atividades escolares.
Ao contrário do que muitos pensavam, eu não tinha vergonha de entrar lá apenas com Bem, na verdade estava pouco me lixando para o que estavam pensando disso ou daquilo. Ainda que fosse estranho uma total nerd e um total popular habitarem a mesma mesa e dividir uma pizza, eu realmente não me importava com o que poderiam falar daquilo; além de estar em contagem regressiva para sair daquela escola, ninguém tinha nada a ver com a minha vida.
Todavia, era de se concordar: muito curioso e totalmente surpreendente dividir um lanche com sem que estivesse sendo obrigada a isso ou que trocássemos insultos e piadinhas raivosas.
— Então você gosta de pizza de marguerita? Isso é tão a sua cara...
— Como assim? — Perguntei com a sobrancelha arqueada. Ele riu e deu de ombros, cortando um pedaço de sua pizza.
— Ela não é a mais pomposa dos sabores. Mas o manjericão faz toda diferença, o que a torna... especial.
Eu estava mastigando quando ele disse isso. Forcei o bolo alimentar goela abaixo e pisquei algumas vezes até pigarrear e decidir respondê-lo.
— Está me chamando de especial através de uma alusão ao sabor da pizza, ?
Ele olhou para a massa espetada no seu garfo, ergueu-o no ar e me encarou com um sorriso ameno.
— Talvez. — E mordeu o pedaço, ainda me encarando.
Dei de ombros, acenando com a cabeça e voltando para meu prato.
— Nada mal. Você poderia ser legal assim mais vezes — Comentei com sinceridade enquanto preparava um novo pedaço e me respondeu na lata.
— Ah, bem. Que tal dizer que a marguerita também é gostosa?
O barulho da faca arranhando no meu prato chamou a atenção de nós dois e vi a careta de dor do pela minha visão periférica. “Também”? Ele estava descaradamente me chamando de gostosa?
Eu estava prendendo meus lábios dentro da boca, tentando pensar no que responder. Então, ergui a cabeça e o olhei.
— Acho que se você fosse uma pizza, seria a de aliche.
— Por que? — Ele sorriu com genuína curiosidade.
— Tem todos os ingredientes bons, mas a obra final é uma merda.
A gargalhada dele soou no ar e eu apenas continuei comendo.
Maldita gargalhada boa de ouvir.
— Tenho que admitir que essa foi boa, Grems. Nota 10.
Eu sorri sarcasticamente enquanto mastigava – de boca fechada, é claro – e não o respondi.
— Você realmente me odeia, não é?
Eu estava cortando um novo pedaço quando ergui a cabeça e o encarei sem saber o que dizer.
Bem, eu definitivamente não era amiga dele. E não gostava quando ele entrava no modo zoeiro sem fim. Mas odiar odiaaaar, era algo pesado, talvez.
Dei de ombros e larguei os talheres.
— Você se acha uma boa pessoa, ? Seja sincero.
E era bom que ele fosse mesmo, já que eu tinha deixado a faca e o garfo de lado.
Pela primeira vez na vida, pude notar a feição séria de . Ele ficou em silêncio, engoliu a seco e coçou a nuca, extremamente pensativo. Sorriu sem graça e começou a brincar com o manjericão de sua pizza.
— Bom, eu sei que não sou a melhor pessoa do mundo...
— Não mesmo — completei, com as mãos embaixo do meu queixo, o observando. Ele deu uma risada sem humor e coçou a têmpora esquerda.
— Eu acho que sua pergunta é bem difícil, Grems. De verdade.
— O que torna a sua igualmente difícil, .
Nos encaramos por um bom tempo e ele parecia me olhar como se quisesse ler meus pensamentos. Eu gostaria de fazer o mesmo com ele, mas apenas voltei para o meu pedaço de pizza, apesar de ter perdido parte da fome.
Ficamos num silêncio constrangedor, apenas dos talheres trabalhando na comida. Até que quebrou o clima tenso, com uma proposta no mínimo, inusitada.
— Se eu descobrir a resposta da sua pergunta, você responde a minha?
Eu levantei a cabeça e o encarei incerta. Observei sua feição; ele parecia falar sério. Entretanto, expectativas não deveriam ser muito alimentadas quando se tratava daquele sujeito. Então apenas acenei com a cabeça a fim de que aquele assunto cabuloso findasse entre nós, e voltei para a pizza.
Alguns minutos depois, um amigo de chegou invadindo a atmosfera com sua animação em brasa.
! Que jogada foi aquela, hein? De perder o fôlego! — Ele dizia entusiasmado, dando tapinhas no ombro de , que sorria sem graça para o amigo.
— Ah, que isso cara. Estava só fazendo minha parte.
— Foi incrível, mano! Sério, até o treinador ficou de cara!
Estava mastigando o último pedaço de pizza, completamente alheia à conversa – não que isso me atingisse, mas enfim – e me encarou com um sorriso educado.
— Er, Yosef? Essa é . , este é Yosef.
Eu sabia quem ele era. O rapaz com traços árabes que facilmente me faria dançar até a cobra subir. Mas Yosef sofria do mesmo mal de ; abriu a boca, o tesão ia embora. O que havia de errado com esses garotos?
— Gremlin! É claro, a pessoa favorita do na escola. Tudo bem?
— Oi, Yosef. Tudo ótimo. Se me dão licença, preciso ir ao banheiro, vocês sabem. Sabotar algo antes que me alimentem depois da meia-noite! — Falei me levantando, e apenas Yosef riu.
— Você é hilária, Gremlin! Gostei de você!
Eu apenas sorri ironicamente, sem mostrar os dentes, e apenas me olhava receoso. Dei uma leve olhada para ele e, sem emoção alguma, fui ao banheiro fazer xixi, rezando para ser tempo o suficiente do cara ir embora e eu comer mais um pedaço de pizza em paz.
Após dar a descarga, lavei as mãos enquanto me olhava no espelho do banheiro.
Eu era uma marguerita então? Especial e gostosa?
Poderia me acostumar com esses apelidos.
Gizmo estava muito ultrapassado.
Ri comigo mesma, agradecendo aos céus que logo não precisaria lidar com isso – apesar de estar levemente encucada desde a última fala de na mesa.
O que diabos ele gostaria de provar?
Eu estava com a cabeça nas nuvens quando estava me aproximando da mesa, no exato momento em que ouvi meu nome na conversa – ou a referência feita à mim.
— E aí, já conseguiu fisgar o Gremlin?
— O nome dela é , e não, não exatamente, Yosef... Sei lá, não to achando mais graça nesse plano.
— Ah, qual é cara! Vai desistir agora? Depois de tanto investir? Passar horas ao lado daquela garota chata sem receber nem um beijinho em troca?
Minha respiração prendeu e eu automaticamente parei no lugar. Olhei em volta e me escondi atrás de um recuo de parede, perto o suficiente para ouvi-los conversando.
— Ela não é chata... — ouvi a voz de e algo dentro de mim se aqueceu. Ele estava me defendendo?
— Ela é sim. E super sem graça, cara. Fala sério! Onde está o que apostou com todos do time de vôlei que pegaria a garota mais porre da escola?
Uma pontada bem na altura do estômago foi tudo o que senti naquele momento. Minha cabeça trabalhava rápido e a minha respiração ficou falha.
Então aquilo tudo era um teatro? A boa convivência, os gostos de séries e filmes semelhantes... céus, até deixei ele jogar com o meu controle quando disputamos uma boa partida de Marvel vs. Capcom!
Que filho da mãe! Que babaca! Que ser desnaturado, insensível, desgraçado!
Pelo menos eu havia vencido com a Morgan. O Gambit nunca seria páreo para os meus combos.
E feito aquela partida de luta de videogame, eu deveria meter o cacete naquele ser asqueroso!
Voltei para o banheiro, lavei o rosto, me recompus. Estava visivelmente alterada, a fim de quebrar tudo e qualquer coisa que via pela frente.
Gostosa e especial como a marguerita... Eu era muito idiota mesmo.
Respirei fundo, ajeitei o cabelo num coque alto, alguns fios crespos caídos finalizavam o penteado.
Eu não ia dar esse gostinho de pirar ali, na frente de todos. Só afirmaria que o plano dele estava dando certo e aquilo era uma baita de uma mentira!
Eu não estava fisgada! Só passava muito tempo pensando em como seria apertar aquela bundinha enquanto mordiscava os lábios de .
Apenas isso!
Mas que se dane! Tem outros mil caras por aí com quem eu poderia fazer isso.
Pensando dessa forma, saí do banheiro e caminhei para a mesa.
— Você tem certeza? A galera vai exigir que você pague pela promessa não cumprida.
— Eu não tô a fim de...
— Oi meninos! — Cumprimentei, interrompendo a conversa. Eles me olharam alarmados e eu sorri abertamente. — , acho que já vou indo. Lembrei que preciso imprimir a capa do trabalho de biologia e de toda forma, estou cansada de comer tanta pizza!
— Você já vai? Eu posso ir com você, sem prob-
— Ah, claro que não, bobinho! Fique com seu amigo. Aliás, sirva-se de pizza, Yosef! disse que a marguerita é gostosa e especial. E eu não poderia concordar mais! — Respondi com um sorriso cínico e peguei minhas coisas com uma rapidez invejável. — Vejo vocês na escola!
— Mas...
— Até mais, ! — Sorri falsamente, dando tchauzinho e metendo o pé dali. Enraivecida com a situação, mas acima de tudo, frustrada comigo por acreditar que estava sendo legal comigo porque realmente queria; e não por uma aposta escrota feita por pessoas escrotas.

[...]


O flashback daquela cena foi rompido quando o professor seguiu a explicação.
— Em um estudo da Universidade da Califórnia, foram revelados que os neurônios não são todos iguais; temos 16 tipos diferentes apenas no córtex!
não possui variedades de neurônios conforme seres humanos normais, com 16 tipos diferentes no córtex”; escrevi ignorando a respiração do troglodita em minha nuca.
— Hey Grems, vai me ignorar? — Suspirei alto ao ouvir a segunda provocação.
“Vou!” pensei comigo mesma. Haviam se passado três dias desde que descobri de seu plano ridículo e, desde então, tenho ignorado suas mensagens e até uma ligação que ele fez, tarde da noite – e eu realmente estava dormindo. Era domingo, no dia seguinte acordaríamos cedo, o que tanto ele queria para me atazanar? Se já tinha passado sexta, sábado e domingo sem respostas, não poderia ser assim pro resto da vida e me deixar em paz?
— Entretanto, ainda não foi determinado exatamente quais as funções de cada um desses tipos de neurônios. — O professor continuou a ditar.
pode até ter 16 tipos diferentes mas todos estão desviados de função, batendo a cabeça na parede sendo idiotas, igualmente como seu dono”.
— Com uma orelha desse tamanho, é difícil dizer que não está me ouvindo. — A tentativa falha de esconder o desespero por atenção me enojava. Aquilo só me fazia odiá-lo ainda mais.
— E as sinapses são importantes para distribuir as comunicações entre os neurônios. — O professor desenhava no quadro o esquema. Respirei fundo e fiz a última anotação antes de copiar o conteúdo.
“Encontrada a verdadeira questão: não tem sinapses e simplesmente sofre de um terrível erro de comunicação mental”.
Ouvi uma risadinha no meu ombro direito e deduzi que, se possível, ele estava mais próximo do que antes. Olhei de soslaio e vi que ele lia meu caderno.
— Seu deboche que mescla conhecimento biológico e difamação da minha pessoa me emociona. Ainda que siga me ignorando... — E sussurrou mais perto de meu ouvido, sendo quase impossível deter um arrepio ao sentir o ar escapando de sua boca e atingindo minha pele.
Ignorei de novo e me endireitei na carteira, me afastando dele e começando a desenhar a tal da sinapse.
Pobres neurônios do .
— Será que você vai continuar fingindo que eu não existo se eu fizer isso?
E, sem mais nem menos, eu senti algo dentro do meu ouvido e me remexi toda com aquela agonia, dando um grito fino ao me levantar audivelmente da carteira. A sala toda me encarou em choque por dois segundos e depois todos riram do meu ataque. Me virei para trás, encarando o autor daquela estupidez.
segurava a porra de uma pena nas mãos e sorria cinicamente, enquanto eu prendia meia dúzia de palavrão nos lábios apertados em meus dentes.
Filho da mãe.
— Algum problema, srta. ?
Não consegui girar meu corpo e encarar o professor. Tamanha era minha indignação com a atitude infantil de . Por que ele insistia em ser uma pedra no meio do caminho?
Como se salvasse o gongo, o sinal bateu e todos começaram a arrumar suas coisas, se apressando para saírem da sala.
— Continuamos na próxima semana, turma! Estudem sobre as sinapses! — Ouvi o professor falar, e meu olhar seguia preso no de .
Odioso .
— Agora você me notou? — Ele perguntou sério.
— Impossível ignorar sua presença asquerosa! — Retruquei enraivecida, juntando meu material com certa violência. Ele franziu a testa e riu de nervoso.
— Você anda tão estranha, me ignorando. Não tínhamos dado uma trégua nisso?
Coloquei a mochila nas costas e me retirei às pressas, sem olhar pra trás e nem me despedir de ninguém. Mas o professor me parou no meio do caminho.
, ? Por favor, um minuto da atenção de vocês.
Eu suspirei de olhos fechados e voltei três passos para trás, inevitavelmente parando ao lado de , que me encarava pelo canto dos olhos. Eu apenas olhava para frente, com a cara fechada.
— Devo dizer que o projeto de vocês me surpreendeu muito e gostaria de parabenizá-los pessoalmente por isso. Formam uma dupla e tanto! Já pensaram em publicar esse trabalho? Há várias possibilidades, além de...
— Obrigada, professor, mas é a primeira e última vez que trabalhamos juntos. Se quiser publicar, tem toda minha anuência, mas jamais quero partilhar do meu precioso tempo com alguém como ele. — Me virei para olhá-lo nos olhos, realmente chateada com tudo que ouvi na lanchonete. — Faça o que quiser com esse trabalho, e uma boa dica é enfiar onde o sol não bate.
Antes que qualquer um pudesse retrucar, saí dali a passos apressados e sem me importar com o que o professor pensaria de mim. Estava tão irada que poderia derreter qualquer obstáculo com visão de raio-laser, se tivesse aquele poder, é claro.
Infelizmente ouvi passos pesados atrás de mim e, pelo jeito, eu estava sendo seguida pelo meu próprio algoz.
— Qual é, , o que tá pegando? Vai me deixar no escuro por mais quanto tempo? Para de me ignorar! É só isso que sabe fazer!?
Eu nem pensei duas vezes; virei em meus calcanhares e agarrei o tecido de sua blusa até jogá-lo contra a parede mais próxima, sem sequer ligar para a pequena plateia que nos observava.
A princípio, o olhar dele era de surpresa, mas logo a feição ladina tomou conta e um sorriso de canto surgiu nos lábios. Os olhos me observavam com urgência.
— Ok, você sabe fazer mais do que ignorar... Confesso que tenho uma queda por garotas assim.
Eu respirei fundo e encarei bem dentro dos olhos dele, aproximando nossos rostos, sem largar a camisa. Olhei para seus lábios e pensei “que se foda!”.
E lá estava eu, agarrando firme sua camisa em minhas mãos, enquanto investia furiosamente meus lábios nos dele.
O beijo era violento, cheio de energia e me surpreendi com a rapidez que me retribuiu. Avancei com a língua na sua e senti ele reprimir um gemido quando isso aconteceu.
Estávamos nos movimentando com firmeza um no outro e, quando senti suas mãos querendo apertar minha cintura, me afastei alguns passos de si.
Ele me olhou com a cara confusa e os lábios estavam levemente inchados com nosso beijo. Mordi o meu lábio inferior com raiva e ri sem nenhum humor na voz.
ainda me encarava sem entender nada.
, o que...
— Por que você não vai à merda e me deixa em paz? — Ele me olhou assustado, com os olhos arregalados. Estava prestes a abrir a boca, quando eu o interrompi novamente — Não fale nada! Fica quieto e me escuta pelo menos uma vez na vida! Pare com essa coisa de encher meu saco! Deixa de ser um garotinho mimado que precisa infernizar os outros para que a própria vida tenha sentido, ! Você é tão vazio que chega a me dar pena, entendeu? Pena! O que é que te faltou? Amor dos seus pais? Reconhecimento por algo que você fez? Terapia?
Tomei um tempo para respirar e ele me olhava sem reação, sem conseguir expressar nada. Continuei minha fala após lembrar da aposta que ele fez.
— Novidades quentes, : todos tem problemas! E nem por isso ficamos descontando nos outros para nos sentirmos menos piores! Então cresça, ! Cresça e apareça, tenha um pingo de dignidade consigo mesmo e mude por quem ainda acredita em você! De toda forma, se queria a resposta da sua pergunta, aqui está: eu não te odeio, eu tenho pena de você! De mim, você não tem nada além de pena e desprezo. — Abri a mochila com prontidão e de lá puxei o caderno, do qual arranquei o desenho que tinha feito dele, dias atrás. Afundei o papel em seu peitoral e olhei nos seus olhos, a centímetros de distância. — Parabéns pela belíssima atuação, seu prêmio é esse beijo nojento e baixo, como você. Aqui está a vitória da sua aposta.
Apesar de tantas pessoas habitarem o corredor, o silêncio foi geral. Todos olhavam abestados para a cena e eu respirava ofegante diante do rapaz. Retirei minha mão dele e me afastei novamente.
Nos olhamos por um bom tempo. Aliás, foi tanto tempo que eu nunca tinha reparado em como poderia ter um olhar intenso quando queria, o que me causou certo estranhamento.
Ele estava me olhando sério, como nunca antes... Como se estivesse realmente prestando atenção no que lhe disse e absorvendo minhas palavras.
Ficamos naquele impasse de olhares, até que ele engoliu a seco e umedeceu os lábios e eu desviei o olhar.
Ainda estava com as mãos cerradas em punho, paralelas ao meu corpo, quando decidi que era tempo demais atraindo a atenção de todos – inclusive a dele.
Me afastei, ajeitando a mochila nas costas e a passos pesados, saí andando pelo corredor, percebendo que as pessoas desviavam do meu caminho e nitidamente me encaravam como se eu fosse um tipo de ameaça ou até mesmo louca.
Talvez fosse, já que ninguém havia dito aquelas coisas, daquele jeito, para antes.
Mas certas coisas precisavam mudar; nem que fosse na base da dor.

[...]


Duas semanas se passaram desde o incidente.
Duas semanas que a paz reinava no meu cotidiano.
Duas semanas e nenhum sinal de .
Nos primeiros dias após o ocorrido, eu simplesmente estava com raiva demais para perceber. Apenas espantava pessoas do meu caminho, nem minha irmã Joanne estava me aguentando.
— Sério, que bicho te mordeu? — Ela perguntou parando na porta do meu quarto. Eu estava terminando uma revisão de geografia quando ela decidiu me interrogar depois de, acidentalmente, bater a porta com mais força do que costume. Já era a terceira vez que ela me perguntava aquilo no dia e a paciência era quase inexistente.
— Por que você não ignora minha existência e vai fazer algo de útil, hein? — perguntei retoricamente e voltei a encarar meus estudos. Ouvi o alto suspiro de minha irmã e rolei os olhos.
— Você. Está. Intragável. E eu. Estou. Tentando. Te. Ajudar. — Ela disse lentamente enquanto me segurava pelos ombros. Eu a olhei nos olhos, vendo meu reflexo emburrado e bufei.
— Tensões das provas finais, Joanne. Vou ficar bem.
— Meu receio é que ninguém nessa casa sobreviva até o final! Sério, , você tá terrível! Mamãe já desistiu de te dar um oi sem receber patada, papai adiou por duas semanas o evento da pesca ao perceber que você não estava bem... Eu sou a única tentando aqui.
Respirei fundo, sabendo que ela dizia a verdade, e dei de ombros.
— Não ando numa fase muito boa, foi mal. Mas vai passar.
— Vai, é claro. Eu só quero saber se tudo isso tem a ver com um tal de ?
Ergui meu olhar do chão, alarmada.
— O quê? Não! Você viajou! Nada a ver.
— Como eu pensei... Tudo a ver. O que foi que ele fez agora? — Minha irmã ignorou completamente minhas palavras, sentando ao meu lado e cruzando os braços. Eu a encarei chocada e depois respirei fundo. Não adiantava esconder as coisas de Joanne mesmo. Irmãos mais velhos podem ser bem assustadores de vez em quando.
— Ele foi um babaca, como sempre.
— Pelo visto, mais babaca do que de costume. O que rolou?
Eu a olhei receosa e dei de ombros. Contei resumidamente a história, até o beijo dado e a cena que fiz na escola. Joanne me olhou com olhos arregalados.
— Você é minha heroína! Aquele garoto merecia muito pior, irmã!
— É, eu sei!
— Nossa, você foi tão foda! Que orgulho! — Ela me abraçou de lado e eu respirei sufocada.
— Joanne, me solta porra.
— Mas... Por que você está assim? Não deveria estar aliviada? — Ela me soltou, me segurando pelos ombros. Eu encarei o chão, sem saber o que responder.
— Eu deveria estar comemorando, não é? Afinal de contas, finalmente teve o que mereceu e quem lançou a real na cara dele, fui eu. Deveria estar satisfeita, não é?
— Mas você não está... E isso é preocupante. — Joanne segurou meu queixo, me fazendo encará-la. — Significa o que eu penso que é?
Dei de ombros, sentindo um frio na barriga.
— Uma parte de mim gostou de quando ele foi um cara legal, sabe? Sem ficar me empentelhando, sem me rebaixar. Me tratando como uma pessoa normal, e até mesmo como uma... mulher.
— Sério? Ele tentou algo com você?
— Sim, mas foi tudo por causa da maldita aposta. Entretanto, ainda me pego rindo sozinha da comparação entre a pizza de marguerita e eu. Ainda que ele não acreditasse nisso de verdade...
Minha irmã fez cara de dor e fez um carinho no meu rosto.
— Olha , sinceramente? Esse cara é um babaca, mas nem todos são. Sim, eu sei, parece um absurdo o que estou dizendo, mas vai por mim; existem pessoas legais no mundo. Que vão não só te fazer de prato principal, como o de entrada e de sobremesa, e você vai ser a pessoa mais desejada do mundo!
Eu ri levemente daquele comentário infame, entretanto engraçado, de Joanne.
— É, bem. Vida que segue. Essa chateação vai passar. Deixa pra lá...
— É, mana, esquece isso. Foca nas suas provas, já tá tudo acabando e em breve você vai para a faculdade, igual sua irmã maravilhosa aqui.
— Que de vez em quando volta para casa enchendo meu saco...
— Vai dizer que não estava com saudades? Eu sei que você ama meus papos, .
— Eu não posso negar que amo quando você pede lanche pra gente dividir.
— Como você é interesseira, puxou a quem da família???
Rimos bastante e Joanne esperou que eu terminasse de estudar para assistirmos um filme juntas.
Aquele foi o primeiro dia que dormi mais tranquila desde que tudo aconteceu, e eu não estava mais sentindo pena de mim por ter acreditado no maldito do .
Acordei na manhã seguinte pronta para finalizar as provas e mal esperava para fazê-lo; eu e Joanne combinamos de ir patinar no gelo logo após minha saída da escola, na parte da tarde, e eu queria muito fazê-lo, tanto para distrair a mente, quanto para patinar de fato – adorava aquela época do ano por causa disso.
“Ainda que visivelmente tenha inúmeros aspectos que o coloquem num bom patamar, chamar os habitantes dos EUA de americanos fortalece a ideia de que o país é dono de tudo, o que não é verdade. Portanto, é algo minimamente equivocado chamarmos os estadunidenses de americanos, uma vez que América é um continente e não apenas um país na parte norte do hemisfério; não ignoremos a riqueza da América Latina e toda a história que a mesma possui, que, indubitavelmente, traz grandes impactos ao redor do mundo.”
Terminei de escrever a última questão de geografia e dei uma revisada na prova, sem exatamente ter a máxima paciência sobre aquilo. Entreguei para a professora, que me cumprimentou com um aceno e saí da sala, aliviada.
Enfim, estava livre daquela escola!
Eram quase 15 horas quando liguei para minha irmã.
— Joanne? Estou saindo daqui. Você me encontra lá no parque?
— Eita, terminou rápido hein? Beleza, te encontro lá em meia hora.
— Certo, até mais.
— Beijo!
E a ligação foi encerrada. Caminhei tranquilamente até o parque, respirando o ar gelado da estação do ano. Ajeitei o gorro na cabeça e em vinte minutos estava no local combinado. Como esperava, Joanne ainda não tinha chegado, então eu decidi sentar e calçar os patins com calma.
Enquanto amarrava os cadarços, pensava em como na verdade eu me sentia estranha. Quer dizer, finalmente tinha terminado o ensino médio e agora seria uma nova vida! Sem escola, sem precisar olhar na cara de certas pessoas e, definitivamente, não ser perturbada por .
Abracei meu corpo ao pensar naquilo. Quer dizer, eu realmente sentia aquilo ou estava mais tentando me convencer de que seria livre? Por que diabos eu não me sentia bem, com aquela sensação de liberdade e vitória que pensei que sentiria?
Eu estava real e intimamente torcendo para encontrar com enquanto ainda morava naquela cidade?
É verdade que não tive mais notícias suas, e estava um tanto pensativa nos últimos dias, tentando adivinhar qual era seu paradeiro, mas logo me forçava a pensar em outra coisa, principalmente focar nas provas. Agora que elas estavam terminadas, eu pensava no que mais poderia focar e fingir que não estava pensando em mais do que eu gostaria.
Ouvi passos perto de mim e quando levantei a cabeça, vi minha irmã sorridente chegando.
— Te fiz esperar muito?
Neguei com a cabeça, olhando o relógio de pulso.
— No máximo uns quinze minutos. Vamos?
— Sim, deixa eu só calçar os patins.
Eu acenei com a cabeça e fui me posicionando para dentro do parque. Quando Joanne estava ao meu lado, demos as mãos e entramos juntas, como costumávamos fazer quando éramos crianças. Rimos muito ao patinar no gelo; ela tinha desaprendido muita coisa e mais caía do que conseguia se mover. Eu, por minha vez, consegui facilmente aproveitar o local, às vezes arriscando umas manobras que há tempos não tentava.
Patinar era algo tão incrível! Eu sempre sentia a sensação de ter asas e, felizmente, aquela energia me habitava enquanto avançava na pista de gelo. Era um sentimento único quando o vento se debatia contra meu rosto e o sorriso jamais abandonava minha boca.
Passamos um bom tempo ali, até que começou a escurecer.
— O que acha de tomarmos um chocolate quente na confeitaria de sempre?
— Sério? Mas lá ficou bem caro desde a última vez que fomos... — Comentei sem graça. Estava sem dinheiro para ostentar um lanche daqueles, mas pela risada de Joanne, aquilo não seria um problema.
— Relaxa, . Depois você me paga. Só vamos!
E assim fomos em direção ao local. Joanne estava avoada digitando sem parar no celular e eu arqueei uma sobrancelha, dando uma ombrada em si.
— Tá de caso com quem? Algum veterano ou veterana?
Ela riu sem graça e deu de ombros.
— Nah, nada de novo sob o sol. Apenas mais do mesmo.
— Hm, sei. E esse sorrisinho aí? — Apertei sua bochecha e ela riu, se encolhendo.
— Para, garota. Me deixa, vai? — E continuou digitando ferozmente no celular. Eu dei de ombros e segui com as mãos no bolso do casaco, fui a primeira a abrir a porta da confeitaria.
Já era um lugar costumeiramente elegante, mas em épocas natalinas, eu precisava tirar o chapéu; as luzes eram incríveis naquele lugar! Decorações de todas as formas possíveis, detalhes mínimos que faziam toda diferença. Era aconchegante só de respirar ali.
Estava prestes a sentar numa mesa quando Joanne me interrompeu.
— Ah não, não, não!
— Não o que? — Perguntei com a sobrancelha arqueada.
— Essa mesa não, ! — Ela exclamou com uma careta.
— O que há de errado com ela? — Indaguei erguendo as mãos e Joanne olhou ao redor.
— Ela está próxima do banheiro. Vai misturar cheiros e sabores e isso não é legal! Vamos naquela ali! — E me puxou, rumando para uma mesa de canto, que dava vista para todo o lounge.
Sentamos de maneira confortável e eu achei graça de toda aquela cena de Joanne. A mesa nem ficava tão perto do banheiro assim! Mas estávamos ali e eu não levantaria outra vez por causa de caprichos.
Recebemos os cardápios do garçom e agradeci gentilmente.
— Já sabe o que vai querer? — Perguntei analisando o menu.
— Um chocolate quente com canela, por favor. — Ela fez o pedido com um sorriso e olhou em volta, como se procurasse algo.
— O mesmo para mim. — Olhei para o garçom e o mesmo fez as anotações, recolhendo-se.
Encarei minha irmã, que parecia levemente ansiosa, o que era algo estranho, já que não havia motivos aparentes para tal.
— Joanne? O que foi?
— Hã?
— Tá esperando alguém?
— Que!? Eu!? Não! — Ela negou com tanta veemência que eu suspirei; era claro que estava esperando alguém. Joanne não sabia mentir.
— Ah, é sério, Jo? Você tá marcando um date do tinder e me bota de vela? Putaquepariu, hein! — Soltei um sonoro palavrão, me livrando da toca enquanto ela gesticulava diante dos meus olhos.
— Para de falar merda! Não marquei date com ninguém, sua desmiolada!
— Então o que é? — Questionei com o cenho franzido, mas logo fomos interrompidas por um som ambiente de teclado, que atraiu nossa atenção.
— Alô, alô? Som! Testando, 1, 2, 3. Som!
Meus olhos se arregalaram ao reconhecer a voz da pessoa que falava ao microfone. Meu pescoço rodou até encontrar o pequeno palco de fundo, todo ornamentado para receber o artista da noite.
O pedestal do microfone possuía luzes amarelas de natal, tais como pisca-pisca, e o teclado começava a soar com notas leves e harmônicas. A pessoa em si vestia um gorro de natal e sorria com nítido nervosismo.
Havia um banner enfeitado com uma guirlanda grande, e nele, os seguintes dizeres:
“Pocket show de Natal com , hoje, às 18h. Não perca!”

E foi assim que eu senti o mundo escapar dos meus pés.
Sorte a minha que estava sentada.
Entretanto, o queixo quase caiu e bateu na mesa.
— Er, hm hm. Boa noite! Como vão todos? É uma honra recebê-los esta noite, é meu primeiro show na casa e gostaria de agradecer a presença de todos vocês. Espero que minha música possa tornar o dia de hoje especial. Como uma pizza de marguerita. — Algumas risadas foram ouvidas, mas eu não reparava mais em nada, a não ser os olhos de me encarando com ansiedade e um semblante até saudoso.
Eu deveria estar ficando maluca por pensar isso, é claro.
Até que juntei lé com cré e encarei minha irmã, que tinha a cara mais lavada do mundo.
— Joanne...
— Eu posso explicar! Mas não agora. O show vai começar! — Ela exclamou e se virou para o palco, me ignorando completamente.
Estava pensando em gastar meu réu primário na minha irmã, quando os chocolates quentes chegaram. Seria muito desperdício de chocolate? O quão profundamente poderia feri-la com água quase fervente?
Meus pensamentos foram interrompidos pelos primeiros acordes que denunciaram uma das minhas músicas preferidas. Céus, eu amava aquela canção!

“The long and winding road That leads to your door Will never disappear I've seen that road before It always leads me here Lead me to you door”

Eu tentava disfarçar que estava cantando junto, entretanto se tornava cada vez mais difícil não acompanhar aquele hino que tanto idolatrava. E precisava ser honesta: na voz de , a música que já era incrível, alcançava um nível que eu jamais poderia imaginar.
E lá estava eu, me dando por vencida e cantarolando enquanto via a performance de , afinadíssimo e concentrado em seu próprio mundo musical.

“The wild and windy night That the rain washed away Has left a pool of tears Crying for the day Why leave me standing here? Let me know the way”
Many times I've been alone And many times I've cried Anyway, you'll never know The many ways I've tried”


Nesse momento, abriu os olhos e me encarou enquanto tocava a música. Qualquer um que tivesse um mínimo de sensibilidade saberia que aquele homem cantava com a alma, e não é porque eu estava magoada com suas atitudes que negaria isso.
Apenas não admitiria em voz alta, hehe.

“And still they lead me back To the long winding road You left me standing here A long, long time ago Don't leave me waiting here Lead me to your door
But still they lead me back To the long winding road You left me standing here A long, long time ago Don't keep me waiting here Lead me to your door
Yeah, yeah, yeah, yeah”


A primeira música finalizou perfeitamente e os aplausos preencheram o ambiente. Me dei por vencida e aplaudi timidamente a performance. Não sabia que tocava, sequer que cantava. Mas lá estava ele; me surpreendendo e trazendo novas sensações para meu interior – como se as das últimas semanas já não fossem o bastante.
— Obrigado a todos. Gostaria de dizer algo que acabei esquecendo, devido ao nervosismo. Caso não tenha ficado nítido, esse show todo é para você, Grems. Ou melhor, . Espero que goste. — E sorriu genuinamente esperançoso, antes de começar os acordes de “You give me something” do James Morrison.
Eu estava chocada que com todas as letras e ações, ele endereçou o show para mim! Estava literalmente com a boca aberta quando percebi minha irmã sorrindo toda engraçadinha, batendo palminhas.
— Você sabia disso tudo? — Perguntei, emburrada. Ela suspirou, com a cara cansada.
— Olha, não me leva a mal, mas o garoto estava num estado deplorável! Ele foi lá em casa hoje de manhã enquanto você estava na escola. Estava tão desnorteado que não lembrava que as avaliações finais eram hoje. Apenas me explicou que havia sido um tremendo de um idiota com você. Pediu que conseguisse te trazer aqui às 18h pois queria se redimir e bom, o resto você está vendo! Estou tão surpresa quanto você, .
Soltei o ar dos pulmões que nem sabia que prendia. preparou um pocket show para mim? cantava e tocava? queria meu perdão? queria... a mim?
— Se era só perdão, ele não precisava fazer isso tudo... — Comentei envergonhada, coçando a cabeça enquanto minha irmã negava com firmeza.
— Você tá de sacanagem com a minha cara, né? Precisava sim! Foi bem feito também, porque agora ele vai precisar fazer segunda chamada das avaliações... , você mexeu com a cabeça desse homem de algum jeito que nem ele tá entendendo! Não é óbvio? E além do mais, parece que ele não quer só se redimir, maninha... Prestou atenção nas letras? — Joanne cantarolou o refrão da música, sorridente. Eu a encarei incerta e olhei para , que cantava de olhos fechados, sentindo a energia musical. Fiquei absorvendo seu jeito de cantar, até que ele ergueu as pálpebras, voltando a observar ao seu redor e, quando percebeu que eu o observava, sorriu abertamente.
Desviei o olhar e encarei minhas mãos, sem saber o que fazer.
— Por acaso eu fiz merda, ? — Minha irmã perguntou ao colocar sua mão na minha e eu dei de ombros, sem olhá-la.
— Eu só não sei exatamente o que estou sentindo.
...
— Sei lá, Jo! Que situação difícil! Era muito mais fácil odiá-lo! Ele fazia merda e eu o odiava! Jogava umas verdades na cara dele e pronto, vida que segue! Esse era o plano! Mas agora... — Minha voz saiu mais baixa, e eu suspirei, voltando a olhá-lo. Ele estava concentrado nas teclas do instrumento e não me encarava de volta. Agradeci internamente, pois não queria que visse o quanto mexia comigo.
— Agora? — Joanne deu a brecha para continuar. Suspirei e dei de ombros.
— Agora tudo mudou. E eu não sei o que estou sentindo nem o que devo fazer diante de tanta coisa. Quer dizer, eu não esperava que fizesse tudo isso, ou... fosse tudo isso. É intimidador, não acha? — Apontei para o rapaz, que com os olhos cerrados, fazia caras e bocas, acompanhando a melodia cantada com a tocada, tirando assovios da plateia. Ele era incrível.
Joanne voltou a me olhar com um sorriso ameno.
— Você não está se diminuindo diante dele, né? Porque a real é bem o contrário: você é muita areia pro caminhãozinho que ele demonstrou ser até então e pelo visto o cara tá comprando uma caçamba pra ver se dá conta!
Foi impossível não gargalhar com aquele comentário, o que amenizou o clima. Joanne me olhou com carinho e seguiu sua fala.
— E por que está com pressa de descobrir o que sente ou o que fazer? Apenas viva, garota! Se tá a fim de beijar a boca do , só vai! Se tá a fim de ir embora e cagar e andar para toda essa merda, só vai! A escolha é sua e nada é definitivo! Só achei que seria importante te trazer aqui para você tomar sua decisão ciente de que talvez ele não seja tão estupidamente babaca. Só babaca, quem sabe?
Eu sorri levemente com aquele comentário. Joanne tinha a facilidade de enxergar a vida daquele jeito mais simples, mas algo me dizia que os quase seis anos de diferença entre nós poderiam ser responsáveis por ela já saber algumas coisas que ainda “me faltavam”; mas que a vida ensinaria, com toda certeza.
Passamos o resto do show sem dizer mais nada e eu ficava digladiando com meus pensamentos internamente, sem exatamente chegar a uma conclusão. Até que a voz falada de chamou minha atenção.
— Bom pessoal, agradeço muito a presença de todos e espero vê-los numa próxima oportunidade. Até breve!
E então, era aquilo. Eu deveria fazer alguma coisa? Eu queria fazer alguma coisa?
A movimentação de minha irmã me chamou a atenção.
— Ei, aonde vai?
— Eu vou chamar um táxi e ir para casa. Se precisar de alguma coisa, me ligue.
— Mas...
— Você quer ir comigo? Ou quer conversar com ele? — Joanne perguntou enquanto colocava o cachecol no pescoço.
— Eu... acho que vou conversar.
— Ótimo, então eu vou indo. Nos vemos mais tarde. — E retirou uma nota de cinquenta da carteira. — Para emergências, mas não precisa me devolver, sim? Se quiser usar num hotel ou num mot-
— Céus, Joanne! Não precisa... Você sabe. Estou bem... — Eu disse negando a quantia, mas ela insistiu, colocando na minha bolsa.
— Você realmente não sabe do que imprevistos são capazes, né? Bem, a conta já tá paga, dinheiro na bolsa, e celular ligado. Qualquer coisa, já sabe. 0800-Joanne, ok?
— Ok... — respondi sem graça e ela sorriu, jogando um beijo no ar e partindo.
Suspirei, olhando para a mesa. Ainda estava na metade do meu chocolate quente, e aquilo era um recorde, já que eu costumava detonar tudo em segundos!
Olhei para frente e vi que arrumava as coisas com pressa, me olhando de tempos em tempos. Suspirei alto e chamei o garçom.
— Você pode trazer um capuccino, por gentileza?
Ele concordou com um aceno e se retirou, indo fazer meu pedido.
Fiquei observando a neve cair do lado de fora, bem sutil. Apesar do nervosismo, ela trazia um aspecto de calma, e as luzes espalhadas pela cidade me aqueciam por dentro, trazendo uma sensação diferente de acolhimento, como se tudo fosse ficar bem.
Foi então que percebi a aproximação dele.
Ele mexia nos cabelos, receoso, e apontou para a poltrona vaga na minha frente.
— Tem alguém aqui?
Eu apenas neguei com a cabeça e indiquei que se sentasse, com a mão direita. Ele fez e agradeceu com um aceno, sorrindo nervoso.
Caceta, não sabia dizer quem estava pior; eu ou ele para começar aquele diálogo estranho. Decidi começar, já que estava querendo resolver logo aquela situação.
— Então... — me olhou atento e eu suspirei. Precisava soltar tudo que estava dentro de mim. Mas como começar? Pisquei algumas vezes antes de perguntar a única coisa que vinha a minha mente — Beatles, uh?
me olhou com uma cara engraçada e confirmou sem jeito.
— Um clássico é um clássico, né?
— Com certeza... — Comentei com um sorriso amarelo e deixei a conversa morrer.
O garçom trouxe o capuccino e eu agradeci, empurrando a caneca para ele.
— Para mim?
— É.
— Obrigado! — Ele agradeceu feliz e eu senti minhas bochechas queimarem.
— Não me agradeça, você quem vai pagar. Eu só adiantei o pedido. Esse lugar é o olho da cara.
Ele riu levemente e deu de ombros.
— Tudo bem, o gerente é meu amigo, consigo uns descontos. Quer alguma coisa? Um donut de avelã com chocolate, talvez?
Eu o encarei estupefata. Ele estava tentando me comprar com doces? Justamente com o sabor que eu amava?
— Se não for incômodo... — comentei, tentando parecer indiferente, e ele apenas sorriu, dando uma corridinha até o balcão e falando com o gerente, que prontamente lhe ofereceu o donut. Ele trouxe com um pratinho de porcelana muito lindo e quase deu pena de comer aquela delícia.
— Saindo um donut no capricho! — Ele anunciou e eu sorri de lado, partindo o doce em dois e oferecendo a metade para ele.
— Está dividindo comida comigo, ? — Ele perguntou retoricamente e eu rolei os olhos.
— Eu estou sendo educada. Coisa que você certamente deve estranhar.
Ele fez um bico com os lábios e acenou com a cabeça.
— Ok... Mas pelo visto você não esqueceu que eu amo capuccino, né?
— E que eu amo donut de chocolate com avelã? São apenas informações básicas da boa convivência, . Outra coisa que você também não deve fazer ideia do que seja.
— Certo, duas patadas em tempo recorde e definitivamente temos uma vencedora, senhoras e senhores! — Ele disse, batendo palmas num tom baixo e eu deixei escapar uma risadinha, mas logo ocupei a boca com o donut e voltei para a cara fechada.
me encarava ansioso, eu desisti de fingir que não percebia seu olhar sobre mim e o encarei de volta. Ele se ajeitou na poltrona e uniu as mãos ao redor da caneca de capuccino.
— Você... gostou? — Sua voz saiu mais baixa e o semblante era de quem estava atento. Bem atento. Eu acenei com a cabeça após dar um gole no meu chocolate quente, não tão mais quente assim.
— Achei bem surpreendente. Você é um bom artista, apesar das últimas artimanhas.
Ele riu, dando de ombros.
— Acho que minhas outras artes não são lá muito boas, mas espero que as musicais amenizem o quadro geral... — E me olhou nos olhos, com seu sorriso murchando. Sua feição tornou-se mais séria e eu senti que o assunto estava por vir. Virei minha bebida num último gole e limpei minha boca com guardanapo antes de começarmos.
— Eu... sinto muito, . — Era tão estranho quando ele me chamava pelo meu nome... Mas entendi como uma tentativa de mudança, e suspirei ao encará-lo.
— É “”. E você deveria sentir muito mesmo, fez inúmeras merdas que eu sequer posso voltar a pensar. Dá vontade de bater sua cabeça repetidas vezes na quina desta mesa — comentei ao passar a mão no local e ele sorriu de lado.
— É uma quina boa pra isso, pontuda e...
— Não teste minha paciência, — o interrompi com cara de poucos amigos e ele se apressou em desculpar-se.
— Ok! Cedo demais para piadas?
— Eu diria que você sequer deveria retomá-las — respondi com um sorriso cínico e ele concordou, tensionando o maxilar.
— Entendido. Sem piadas por tempo indeterminado.
— É.
Ficamos num silêncio pesado, e eu suspirei, cansada.
— O que eu vim fazer aqui, ? Sério... O que você quer dizer com tudo isso? Músicas, teclado, guirlandas, donuts! Você não faz sentido algum pra mim. — Fui sincera ao encarar seus olhos e ele me devolveu um olhar triste e compreensivo.
— Eu sei... E é por isso que está aqui. Porque quero explicar todos os fatos, e... tudo que sinto.
O brilho em seu olhar ao me observar me fez sentir totalmente nua, como se não tivesse vestindo nenhuma das roupas de inverno. Então apenas acenei com a cabeça e ele pigarreou antes de começar.
— Bom... Eu não quero me eximir de nenhuma responsabilidade. Eu passei os últimos três anos tirando sarro da sua imagem e de quem você é sem nenhum motivo específico. Eu só sentia que precisava mexer com você. Mas nunca obtinha respostas suas, e aquilo me incomodava... — Eu o encarei com cara de tédio e ele percebeu, rindo nervoso. — Eu sei, isso é muito egoísta e idiota, mas a verdade é que eu queria que você me respondesse de alguma forma. Mas você é tão foda que sequer deu bola para um ser tão babaca quanto eu... E apoiado pela mentalidade ridícula do time de vôlei, passei a te perseguir. E sim, pratiquei bullying, não me orgulho disso nem um pouco. Na verdade, tenho vergonha, se parar para pensar. Mas é exatamente isso que gosto em você, você me faz pensar.
Eu o olhei confusa e ele suspirou, dando um gole no capuccino. Decidi morder mais um pedaço do donut, estranhamente sem vontade de prová-lo.
— Eu sei que isso não faz sentido algum, mas se quer saber, passei os últimos dias refletindo sobre como minha vida e minhas ações tem muito mais a ver com você do que eu pensava. , eu... eu gosto de você. Gosto mesmo, assim, real, sabe? Eu achava que te conhecia há três anos, mas você consegue me surpreender toda vez que estou quase perto de te compreender. Você é muito mais do que eu pensava. E isso só me instigava a estar mais próximo, ainda que numa abordagem completamente idiota... E eu me arrependo muito disso.
Minha boca estava levemente aberta e eu não sabia o que responder. não olhava para mim, apenas encarava o próprio café, como se não pudesse parar para dizer tudo que estava em sua mente.
E assim, eu não o interrompi.
— Os caras do time começaram a perceber que eu estava muito interessado em mexer com você, e tudo exponenciou quando nos tornamos dupla de biologia. Por medo ou pressão da galera, acabei prometendo algo horrível... Aceitando uma aposta tão infantil que nem sei como realmente fui fazer aquilo. Era absurdo até pros meus próprios princípios, que não eram tão altos na época. E então, com o passar do tempo, eu percebi que... — Ele respirou fundo e fechou os olhos por um momento, voltando a abri-los e encarando a caneca fumegante diante de si – que me apaixonei por você. Totalmente.
— Quê!? — Deixei escapar e minha cara deveria ser bem esquisita, porque apenas ergueu a cabeça e me olhou assustado, voltando a encarar seu café de forma apreensiva.
— Pois é. Eu me apaixonei pela nerd mais gata da escola. Esse sou eu. — Ele riu sem graça e eu não o acompanhei. Estava tentando processar a mensagem.
apaixonado por mim.
fucking , apaixonado por .
apaixonado por um Gremlin!
Espera, ele disse nerd mais gata? Eu nem era nerd!
— Eu queria ter conversado sobre o que estava sentindo naquele dia da pizza, mas Yosef apareceu e...
— E disse toda a verdade que eu precisava ouvir, e que não sabia até então — eu o interrompi, dizendo as palavras com mágoa. ergueu a cabeça e me encarou com o olhar doído.
— Eu sei. Você tem toda razão, . Eu... não posso voltar atrás e desfazer isso, mas juro que não queria continuar com aquilo desde que percebi o quanto nada fazia sentido. Nada a não ser o que eu sentia e sinto por você. — E ergueu as mãos para encontrar as minhas, que se aqueceram com o seu toque.
Senti um pequeno frio na barriga quando ele fez isso, e decidi devolver o contato visual. me olhava como se fosse uma única oportunidade de fazê-lo.
E talvez fosse mesmo.
— Eu sabia que havia algo errado desde que você foi embora da lanchonete. Eu tentei fingir que estava tudo bem quando nos reencontramos na aula de biologia. Tentei falar direito com você, mas a insegurança dá lugar a um lado meu que é podre e eu não... não gosto disso. Porque agir assim é completamente desnecessário e eu sinto que isso não me cabe mais.
— Autocrítica é um dom — retruquei, descendo o olhar para nossas mãos.
— Sim, e eu tenho aprendido cada vez mais disso com você, . Tudo saiu pela culatra quando vi o quanto você estava chateada, e também, o quão certa... Suas palavras eram tudo que precisava ouvir, e nunca as recebi de ninguém. Mas fico feliz que tenha vindo de você, alguém que eu respeito e reconheço a grandeza agora...
Suas mãos se apertaram nas minhas e eu o olhei novamente. Estava ficando sem saída. E com uma vontade considerável de acreditar nele.
— E por último, mas não menos importante: eu não estou motivado a pedir seu perdão porque estou apaixonado por você. São duas coisas completamente diferentes. Mas... Eu sei que aquele beijo estava cheio de mágoa, de raiva, de ressentimento. E mesmo assim, me deu a certeza que eu não quis enxergar por muito tempo: de que eu tinha não uma queda, mas um penhasco gigantesco por você! — Aquela frase me fez rir desacreditada e ele aproximou o rosto do meu. — Eu tô falando sério! Eu sei que é difícil de acreditar, porque nos últimos tempos fui um belo de um babaca com você, e eu mereço todo o seu desprezo, todas as palavras que você disse, e toda patada que você queira me dar. Só que a realidade é que eu simplesmente não consegui ficar na minha e deixar você ir pra faculdade sem te dizer tudo isso. E o quanto eu estou a fim de repaginar a história desse beijo... Porque o que eu estou sentindo não pode ser apenas uma paixonite adolescente, na boa. — Ele riu nervoso, e gentilmente levou minhas mãos até sua boca, beijando-as respeitosamente.
Olhei em volta procurando as câmeras, os amigos do time de vôlei... Mas nada. Apenas pessoas normais, e diante de mim, completamente doado aos meus pés.
— Você tá me sacaneando de novo, ? Porque se for, eu juro que-
— Você faz o que quiser comigo, . Eu não ligo, eu só quero que acredite em mim e na minha proposta. Eu juro que tudo que mais quero é voltar no tempo e ser alguém à sua altura, mas... Não posso. Eu quero um recomeço. O que me diz?
Meus olhos estavam um pouco marejados com tudo aquilo que foi dito. Eu tinha construído uma barreira alta e fortalecida ao meu redor, para que meu inimigo jamais alcançasse. E lá estava eu, cedendo completamente aos seus encantos, porque a verdade era que eu não queria me defender de nada diante de suas palavras que soavam tão sinceras.
— Eu não sei, ... Tem muita mágoa...
— Eu sei, eu sei! Você não... não precisa me responder agora. Sério, tipo... talvez eu morra de ansiedade, mas não sou prioridade aqui. Eu quero que você esteja bem acima de qualquer coisa. Aceitando minha proposta... ou não. — Vi o pomo de adão de subir e descer, e percebi como ele estava apreensivo.
Respirei fundo, umedecendo os lábios. O som ambiente do lugar trolou totalmente aquele momento, lançando uma música que não ouvia há séculos, mas que encaixava totalmente com a situação.

“I've never been the best at honesty I've made more mistakes Than I can even count But things are gonna be so different now You make me wanna turn it all around”

me olhava, e entendendo que eu estava prestando atenção na música, começou a mexer a cabeça no ritmo, como se reparasse na letra e concordasse com ela.

“I think of all the games that I have played The unsuspecting people that I've hurt Deep inside I know that I don't deserve Another chance to finally make it work”

Voltei a olhar nos olhos e ele se aproximou sem deixar de me olhar. Uniu nossas testas e fechou os olhos, cantarolando o refrão.

But I'll try To never disappoint you I'll try Until I get it right I've always been so reckless All of my life But I'll try For you

...
— Eu juro, . Por favor. — Ele pediu e continuou cantarolando enquanto fazia carinho em minhas mãos.

I've been the best at letting people down I've never been the kind of person you can trust But if you can give me half a chance I'll show How much I can fix myself for you
And I'll try, to never disappoint you I'll try, until I get it right I've always been so reckless, all of my life But I'll try


Deixei-me levar pela letra e algumas lágrimas caíram pelo rosto.
— Você não tá mentindo?
— Eu nunca falei tão sério, . Sei que é difícil de acreditar, e não tenho nenhum direito de te pedir nada. Mas quero fazer diferente dessa vez, se você deixar.
Eu senti sua respiração tão próxima à minha e mandei tudo pelos ares, unindo nossos lábios de uma só vez.

This time I wont make up excuses (Cause I don't wanna lose you) Don't give up on me and I'll prove that I can do this
I'll try, to never disappoint you I'll try, until I get it right (till I get it right) I've always been so reckless, all of my life But I'll try For you


rompeu o nosso beijo com um sorriso de orelha a orelha e segurou meu rosto com precisão, cantando o resto da letra no pé do meu ouvido carinhosamente.

Never been the best at honesty You know that you can never count on me I'll try for you But if you give me half a chance I'll show There is nothing that I wouldn't do for you I'll try for you
I've always been so reckless All of my life But I'll try For you



— Você vai tentar ser o seu melhor? — Perguntei com um mínimo sorriso.
— Eu vou conseguir, . Eu juro!
— Sério?
— Sim... por você.

Eu sorri abertamente enquanto ele roubava um beijo meu. E céus, eu não sabia que estava tão certo sobre isso: se o primeiro beijo estava cheio de coisas ruins e ainda sim foi de tirar o fôlego, aquele que continha carinho, perdão, e todos os sentimentos de recomeço, simplesmente transportavam minha mente para um lugar calmo e acolhedor.
— Então, como começamos isso? — Questionei após separar os lábios, ainda com as testas unidas. Ele se levantou num impulso e ficou em cima da poltrona, chamando a atenção de todos, me assustando totalmente com sua ação inusitada.
— Atenção, pessoal! Eu, , estou ganhando uma chance de ouro desta jovem dama e diante de todos aqui presentes, me comprometo oficialmente a comprar todo e qualquer donut caso eu pise na bola. Você está filmando isso, cara? — E apontou pro amigo gerente, que erguia o celular com um sorriso no rosto.
— Fala de novo!
Todos os presentes riram e colocou a mão no peito, respirando fundo. Desceu da poltrona e se ajoelhou diante de mim, pegando em minha mão.
— Prometo tentar ao máximo não pisar na bola com você, prometo ir no seu tempo, prometo te alimentar com todos os donuts e chocolates quentes possíveis, e prometo não reduzir as pisadas de bolas à promessas com comidas.
Eu ri, achando graça de sua proposta.
— Tá, mas pizzas também estão inclusas?
— Promessa vitalícia nas de marguerita, gata.
E quando eu achava que ele não podia me surpreender mais, levantou num só movimento, me trazendo junto de si e me erguendo levemente no ar, tirando meus pés do chão.
— Oficialmente registrado, ! — O amigo berrou e ouvimos a gargalhada no estabelecimento.
Eu estava morrendo de vergonha, mas não mais do que felicidade, e escondi meu rosto em seu peito, sentindo seu aroma de perto e me sentindo embriagada.
— Recomeço, uh? — Olhei para ele, que sorriu sinceramente enquanto acariciava minha bochecha.
— Prazer, eu sou , mas pode me chamar de -não-tão-babaca-assim. — Eu gargalhei com sua sugestão e dei de ombros.
— Prazer, . Sou , mas pode me chamar de ex-Grems. — Ele negou com a cabeça, sorrindo.
— Não, esse apelido não vale mais. Vou te chamar de Maggie, de Marguerita. — Eu sorri abertamente e puxei seu rosto mais próximo do meu.
— Tá aí um apelido que eu finalmente aprovo!
O sorriso de era contagiante, mas seu beijo era o que eu mais buscava naquele momento.
Eu era um misto de receio, ansiedade, felicidade, medo de quebrar a cara. Sabia que tinha mil e um motivos para negar qualquer coisa que viesse de . Mas pela forma que as coisas foram acontecendo, tudo que foi dito e feito...
Senti me abraçar forte e sussurrar palavras em meu ouvido esquerdo.
I’ll try to never dissapoint you, I’ll try until I get it right. I’ve always been so reckless all of my life, but I’ll try...
E só de ouvir aquelas palavras, eu respirei mais tranquila.
For you!





Fim



Nota da autora: Olá pessoal! Essa foi minha one-shot da ficstape GYHO do Simple Plan. Queria antes de mais nada agradecer à Ana Ammon, que confiou em mim essa lindeza de música, à Kaah Jones que betou essa fic, e à Clara pela capa. Como sempre, nada nessa vida a gente faz totalmente só né? hehehe
Então, não tenho muito o que dizer, só sentir! Imaginei Ben Barnes do início ao fim, e fui só suspiros ao concluir essa fic. Espero que ela traga uma aquecida no coração de todos vocês, além de algumas gargalhadas e quem sabe até umas suspiradas? hahahahahahaha

Hora do merchan: sou autora de Ironic Lovers (long em andamento - Mcfly, entretanto não há fixos - sim, dá pra ler com One Direction kkkkk), Bring me Home (short-fic finalizada), Bendição (short finalizada), e as próximas que estão para entrar; 06. Crazy (Ficstapes Perdidos #4) e My stardust (Kpop Extreme). Fiquem de olho e no mais, me chama no twitter para gente trocar uma ideia! @lullymaniac
Beijos e até à próxima! ♥



O disqus está instavel, caso queiram deixar um comentário e a caixa de comentários não aparecer clique aqui
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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