Finalizada em: 17/12/2019

Capítulo Único

sentia seu dedinho latejando contra a lateral afinada de seu sapato. Não havia curativo ou algodão bem posicionado que fosse capaz de minimizar aquele aperto. Mas aquela definitivamente não era a hora de se preocupar com algo tão mínimo quanto um dedo dolorido. Não enquanto seu cérebro parecia estar entrando em curto circuito completo a cada vez que alguém surgia com um novo problema para a empresa.
Stephan era provavelmente o sexto homem branco de meia idade a se levantar naquela reunião e tentar expor sua superioridade a qualquer outro ali presente. Era incrível como cada um ali sempre dizia ter as melhores ideias, as mais incríveis soluções, mas, mesmo assim, estavam novamente reunidos para discutir problemas. Cath riu sozinha da ironia da situação: se eles eram assim tão bons, por que não agiam simplesmente e paravam de falar sem parar só para afagar o próprio ego? Era simplesmente ridículo.
— O que você acha, ? - Stephan perguntou, propositalmente na tentativa de provar que a mulher estava distraída e era incompetente para o cargo. Não era a primeira vez e, possivelmente, não seria a última em que ele forçava tentativas de passar o pé para que ela tropeçasse.
— Já disse o que acho umas três vezes ao longo da reunião, Stephan. Não estava prestando atenção? - Sua pergunta fora feita com o tom de voz mais doce de todo o universo, mas cortante como um diamante. Se tinha uma coisa para a qual ela definitivamente não tinha paciência era para aqueles homens tentando se provar superiores a ela, enquanto seu currículo, formação e a quantidade de sugestões e problemas resolvidos que trazia em sua bagagem denotavam claramente o imediato oposto.
Depois de seu posicionamento certeiro, a reunião pouco progrediu. Ficou decidido que logo retomariam aquele assunto, sob a solicitação de que todos tentassem pensar em soluções mais efetivas e simples.
praticamente voou até sua sala, fechando a porta atrás de si e se dirigindo imediatamente para sua mesa, a fim de chutar os sapatos e permitir que os seus pés aproveitassem alguns instantes merecidos de liberdade. Sacudiu o mouse, retomando o trabalho que estava fazendo em seu computador, analisando as últimas planilhas de transações monetárias com alguns dos clientes da empresa.
Seus olhos pareciam ter entrado no looping de uma montanha-russa, praticamente rodando nas próprias órbitas, exaustos de ver aqueles números sem fim. Foi obrigada a apelar para a xícara de café extra forte que pairava sobre sua mesa. Aliás, quanto tempo fazia desde a última vez em que ela não tinha precisado de café para suportar um dia de trabalho? Que droga, ela sequer gostava realmente daquela bebida amarga e esquisita. Sim, ela continuava achando-a estranha, mesmo que tivesse sido praticamente obrigada a se acostumar com aquilo.
Puxou sua agenda, analisando se teria outras reuniões pelo resto do dia. Além do fato de que, com certeza, tudo o que ela menos queria era encontrar aqueles homens presunçosos novamente, também tinha ciência de que precisaria de um bom tempo de relativa paz para estudar toda aquela planilha de forma adequada.
Ao perceber a tarde “livre”, soltou um suspiro do mais profundo alívio. Uma pequena demonstração de uma pequena alegria, que não durou muito tempo. Fora interrompida pelo som de seu celular vibrando contra o tampo da mesa, parecendo prestes a pular pela borda da mesma e desistir daquela vida.

Mensagem de Sean

respirou fundo, já absorvendo o mau pressentimento de que a mensagem do noivo a irritaria profundamente assim que aberta. Afinal, essa também já tinha se tornado mais uma parte quase constante de sua rotina cotidiana.

“Não vou poder ir ao jantar da sua família. Estou embarcando agora para uma reunião com os investidores em Tóquio.”

Simples assim. Sem um ‘sinto muito’ sequer ou qualquer pedido esfarrapado de desculpas. Era esse o padrão: toda vez em que decidia admitir que precisava da presença de seu noivo ao seu lado em alguma ocasião, uma viagem de negócios parecia surgir em um passe de mágica. Em vez de coelhos, Sean conseguia tirar passagens internacionais da cartola com maestria.

“É claro que não pode. Você nunca pode fazer nada por mim, não é mesmo?”

“Eu tenho obrigações no serviço, . Nem todo mundo tem a sua vida fácil.”

A mulher respirou fundo, sentindo o ódio subir com tanta vontade, que teve medo de que sua cabeça explodisse por não aguentar tanta raiva acumulada ao mesmo tempo.

“Eu jamais reclamaria de ‘obrigações de serviço’ se elas fossem reais, Sean. Mas depois de um ano inteiro furando compromissos comigo e inventando outros de última hora, eu não acredito mais em você. Muito menos quando desisti do happy hour da empresa mês passado e te encontrei jogado no sofá do meu apartamento, cochilando mesmo que tivesse dito que só poderia me ver no fim da noite.”
“Eu só estava cansado.”
“Sempre está, não é? E eu também cansei. Faça boa viagem, Sean. Vou pedir que alguém entregue suas coisas no seu apartamento.”

Ela podia ver o aviso “Sean está digitando…” surgindo e sumindo repetidamente. Sua respiração havia se tornado acelerada sem que ela percebesse.

“Você está terminando comigo? Quantos anos você pensa que tem para fazer isso? Treze?”
“Não. Se eu ainda tivesse a determinação que tinha aos treze anos, teria feito isso muito antes. Esse relacionamento terminou há muito tempo.”
“E o que você acha que vai conseguir sem mim? Louca desse jeito? Ninguém nunca vai te querer.”
“Bom, acho que isso eu terei que descobrir. Sozinha. Mas uma coisa eu te garanto: construí tudo o que tenho sem você. Não preciso de um status de relacionamento vazio para ser alguém.”
“Você vai se arrepender. Está cometendo um grande erro.”
“Tchau, Sean.”

Clicou no nome dele no topo da tela, abrindo as informações de contato. Deslizou o dedo até o fim e clicou em ‘Bloquear contato’. Era isso. Não precisava ler mais desaforos. Ela realmente sabia que merecia coisa melhor. Só queria ter tido a coragem de fazer algo sobre isso antes.
Foi quando a obviedade lhe acertou como um soco bem dado. Ela mesma usou todas as palavras: “Se eu ainda tivesse a determinação que tinha aos treze anos, teria feito isso muito antes.” Onde raios ela tinha se perdido?
Afastou o pensamento, tentando dissipá-lo como a brisa faz com uma nuvem que paira. Aquelas preocupações precisavam encontrar outro lugar, outro momento. Afinal, ela precisava mesmo terminar aquela planilha.


♥♥♥



precisaria de um equipamento hiper tecnológico de criofrequência para manter aquele sorriso falso congelado em seu rosto por mais tempo. O dia, que tinha entrado para a lista dos piores de sua vida, tornara-se ainda mais massacrante com a obrigação de parecer feliz e simpática para aquelas pessoas com as quais mal tinha contato.
— Onde está Sean? - Sua mãe perguntou, entre os dentes, não se preocupando em disfarçar seu descontentamento com a própria filha.
— Provavelmente no apartamento dos pais dele, fingindo que tinha alguma obrigação inadiável que o impedisse de estar aqui - respondeu, simplesmente, dando de ombros.
— Não acredito nisso. Ele é um homem ocupado, mas tenho certeza de que viria se pudesse.
revirou os olhos. Que tipo de lavagem aquele homem havia conseguido aplicar na mente de sua família para que eles se tornassem tão cegos a ponto de não enxergar o quão mentiroso e oportunista Sean era.
— Sim, é claro. Apesar de ele já ter feito isso várias vezes, ele é um coitado incompreendido.
— Ou você que como sempre é uma chata que afasta todos os homens. Vai ficar para titia mesmo.
— Queria, mas, infelizmente, não me deram irmãos para dividir o fardo de aturar uma mãe detestável, que desconhece as palavras apoio, consideração e carinho. Na verdade, até que é bom, porque eu não ia querer mais um sofrendo nas suas mãos.
A mais velha respirou fundo e soube que aquela noite jamais poderia acabar bem. Não que qualquer coisa tenha realmente dado certo entre elas. No entanto, mesmo com o histórico problemático, ela sempre nutria esperanças, mesmo que não as admitisse. Havia como culpar uma filha que ainda preferia acreditar que, em algum momento, talvez pudesse ter uma conversa normal com a própria mãe?
— Bom, vocês claramente não precisam de mim - cuspiu por fim. — Estou indo.
— Nada disso. Você vai esperar o brinde que o seu pai fazer.
ajeitou a bolsa sobre o ombro, forçando aquele maldito sorriso carregado de falsidade pela última vez.
— Não, eu vou embora. E você não vai mais me impedir de fazer nada.
, não dê as costas para mim.
A jovem tinha uma extensa lista de palavras rudes entaladas em sua garganta, ávidas por encontrar o seu caminho para fora. Mas ela era melhor que isso. E não desperdiçaria mais um segundo sequer de seu tempo naquele lugar.


♥♥♥



Por sorte, seu pijama era tão confortável que quase a fazia pensar que poderia esquecer toda a merda acumulada das malditas últimas quinze horas. Quase. Seu rosto marcado pelo cansaço demonstrava nitidamente o peso de todas as suas decisões. Olhar para aquela saia lápis e os malditos saltos altos a fazia bufar com toda a força expiratória de seus pulmões. Por que se submetia a isso?
Abriu o seu armário a fim de pegar um pequeno massageador que guardava para os dias em que o torcicolo parecia ganhar a batalha que travavam ao longo de todo o dia. O aparelho estava posicionado despretensiosamente em cima de uma caixa azul clara da qual ela se lembrava perfeitamente bem. Sentiu o coração apertar enquanto tomava-a para si e se dirigia até a cama, sentando-se com as pernas cruzadas antes de afastar a tampa que tinha seu nome escrito com a caligrafia impecável da qual ela se orgulhara durante todo o seu Ensino Médio.
Dentro da caixa, estavam todas as suas medalhas da época em que nadava e também as acadêmicas, de cada uma das olimpíadas de biologia na qual ela se enfiara ao longo dos anos de escola. Embaixo dos prêmios brilhantes, estava aquele que provavelmente era o seu trabalho preferido de toda a vida. Um livro de capa bordada, cujas folhas totalmente recicladas recebiam as anotações, as imagens e as recordações de todo o seu esforço. Um atlas de todas as árvores de sua cidade; cada espécie com sua descrição, uma foto e uma folha seca representativa. Sorriu ternamente, recordando a sensação boa que lhe tomava toda vez que ela conseguia terminar uma das páginas de seu caderno. Era tão enormemente gratificante que lhe trazia lágrimas aos olhos.
Passou seus dedos delicadamente sobre cada um dos detalhes desenhados à mão com todo o cuidado do mundo. Flores, borboletas, joaninhas, flores e esboços de grandes árvores decoravam as bordas de cada uma daquelas páginas. Aquele havia sido o seu refúgio e o foco de todo o seu esforço durante os seus anos de Ensino Médio. A época em que ainda tinha a alegria da adolescência belamente selada com a esperança de quem mal tinha abandonado o histórico da própria infância. O tempo em que se permitia sonhar e imaginar um futuro no qual pudesse ser feliz com aquilo que realmente a fazia feliz.
nunca, em toda a sua vida, havia realmente cogitado a ideia de se tornar uma executiva séria como algo que a satisfizesse, por mais que seu pai tentasse promover uma lavagem cerebral para que essa fosse a sua decisão ao ingressar em uma universidade. Mas não era aquilo que ela queria de verdade. Seu sonho era estudar para se tornar uma bióloga, seguindo com a carreira que havia começado a desenhar já na escola. As plantas e os animais eram a sua verdadeira paixão e os números e as finanças, sua repulsa. A brutal ironia na guinada que sua vida tomara quase a fazia querer se deitar em posição fetal e chorar até que o sono decidisse gritar mais alto. Por que tinha feito aquilo afinal? Para agradar o pai que jamais havia se preocupado verdadeiramente com ela? Por comodidade ou por medo de ser feliz? Quando exatamente tinha permitido que o mundo a sugasse para um buraco negro que esmagava seus sonhos e não a deixava sair? Quando havia desistido de si mesma?
Os olhos inchados e as olheiras profundas que visualizava no espelho a respondiam: “há muito tempo”. Havia sido suprimida pelos desejos e moldes impostos pelos pais, pelos noivos e por todas as pessoas que a disseram, ao longo da vida, que ela tinha potencial demais para se contentar com a biologia e morrer de fome dando aula. Revirou os olhos só por se lembrar daquilo e odiou a si mesma por ter deixado que aqueles comentários ridículos falassem mais alto que suas próprias vontades e sua individualidade. Tinha permitido que a tomassem como uma boneca e a transformassem em alguém que ela sequer conhecia.
— O que foi que eu fiz com você? - Murmurou entre um soluço, levando as mãos ao próprio rosto. — Me perdoa.
Permitiu que as lágrimas pesadas escorressem pelo seu rosto. Mal podia acreditar que levara tanto tempo para atingir conclusões que eram tão óbvias, mas que ela se recusava a admitir. Por que se escondera por tanto termpo? Doía perceber que havia negado a si mesma a oportunidade de ser alguém capaz de ser amada - não pelos outros, mas por si mesma. No fim do dia, era aquele o amor que realmente importava.
Num ímpeto, uma fagulha de coragem a fez esticar a mão para encontrar o celular sobre o travesseiro. Era a ideia mais louca dos últimos anos, mas também era a mais necessária. Ela devia aquilo a si mesma.
Digitou uma mensagem rápida ao seu chefe avisando que estava se demitindo e acertaria as contas depois, em especial porque ele também lhe devia vários acertos de salários atrasados e horas extras cuja remuneração ela nunca tinha visto. Sabia bem que o homem acabaria preferindo um acordo no qual concordavam em anular suas respectivas dívidas e seguir seus caminhos. Era basicamente o que fazia com todos os funcionários. Por sorte, tinha economias e parte da herança da avó, a qual havia decidido que a neta era uma pessoa muito melhor do que o filho que nunca fez questão alguma de visitá-la. Tinha uma poupança que lhe garantia a segurança financeira necessária para poder dar atenção a si sem precisar recorrer aos pais - que, com certeza, teriam um longo e insuportável sermão a fazer.
Puxou o laptop e o abriu, usando sua habilidade de digitação ágil para fechar a compra o mais rápido possível, antes que aqueles minutos de coragem insana se esvaíssem.
A mensagem ‘Sua compra foi efetuada com sucesso.’ a fez inspirar fundo e expirar com ainda mais força, sentindo seu coração palpitando em expectativa. Em dois dias, embarcaria em direção aos seus planos que, mesmo que dessem brutalmente errado, ainda permitiriam a ela algum aprendizado sobre si mesma. Daquele instante em diante, se permitiria errar. E se perdoaria por isso.


♥♥♥



Tudo o que sempre ouvira sobre o tempo na Austrália era verdade. Era mesmo quente - muito mais do que ela estava acostumada nos países em que já tinha vivido ou passado - e vacilava entre regiões secas e outras com tanta chuva, que as catástrofes acabavam surgindo. Aquele dia, no entanto, estava mais fresco do que a maioria daqueles que o sucederiam. Havia chovido bem nos últimos dias e a umidade estava colaborando para tornar toda a situação mais amena. Mesmo assim, ela sentia suas coxas levemente úmidas abaixo dos shorts jeans que usava.
Sorriu sozinha, enquanto mexia as pernas de uma forma engraçada, aproveitando a recente sensação de liberdade que a ausência das roupas sociais lhe conferia. Era um alívio que soava tão bobo, mas ao mesmo tempo tinha uma carga emocional tão grande atrelada.
Retirou do bolso de trás um papel colorido levemente amarrotado com as anotações e as indicações que havia selecionado para aquela que seria sua primeira visita após se recuperar dos efeitos do jetlag . O mapa em tons majoritariamente verdes e azuis do Sea Life Sydney Aquarium pareceria mais simples se não fosse tão geometrizado, ela tinha de admitir. Mas sua animação era tanta que, por alguns instantes, ela não se importou. Como poderia ser diferente sabendo que, ali dentro, poderia ver mais de doze mil animais de mais de seiscentas e cinquenta espécies diferentes? Parecia bom demais para ser verdade.
Pegou a caneta hidrocor vermelha de ponta grossa que trazia na bolsa de mão e circulou as duas primeiras atrações que lhe chamaram a atenção perto da entrada: ‘Mares Jurássicos’ e o ‘Cais de Conservação’.
A atração jurássica estava longe de ser uma das mais reais e sabia disso antes de entrar. Apesar dos tubarões, tartarugas e nautilus antigos, o projeto era um gancho para que o parque aproveitasse o hype dos dinossauros, principalmente entre as crianças. Vê-las animadas ao receber informações dos guias e poder tirar fotos - sem flashes, obrigada - dos animais era satisfatório o suficiente. Todo o cunho infantil era exatamente o que tinha agarrado a sua atenção. Ver aquelas crianças dizendo que seriam paleontólogos, arqueólogos ou biólogos marinhos fazia seu coração ficar quentinho e torcer para que ninguém jamais destruísse aqueles sonhos tão puros.
Seguiu para o projeto ambiental do aquário, assistindo a algumas palestras rápidas sobre conscientização ecológica e conservação dos oceanos, bem como o impacto da mesma na vida abaixo e acima da água. Foram demonstradas algumas técnicas novas e perspectivas de avanço, além de vídeos e imagens do ‘Santuário das Belugas’ na Islândia. Era mais ou menos assim que funcionavam ações e palestras sobre conscientização ambiental: primeiro, o problema era apresentado, tão duro e complicado como realmente era; depois, vinha o tom de esperança, avisando que há tempo. Tempo para mudar nossos hábitos de consumo e estilo de vida. Tempo para mudar os motivos pelos quais aceitamos que nossa fauna e flora sejam tão brutalmente atacadas. Tempo para nos adequar ao planeta em que vivemos. Tempo para tentar evitar o que já quase começa a parecer inevitável.
circulou as próximas atrações e apertou o passo em busca delas. Queria ver o máximo de coisas possíveis antes de ceder e decidir dar atenção ao seu estômago gritando por almoço fora de hora. Aparentemente, era mais difícil regular a fome do que o sono ao novo fuso-horário. O fato de a praça de alimentação ser literalmente no extremo oposto do aquário, próxima à saída, apenas reforçava suas intenções de postergar sua refeição.
No porto de Sydney, ela pôde apreciar algumas espécies novas para ela: peixes pargos, tubarões de ‘Port Jackson’ (que ela achou um tanto estranhos, deveria admitir), o peixe zebra-de-armadura e lindos dragões-marinhos. Agora, ela definitivamente queria poder ter licença ambiental para criar um dragão marinho. E talvez um mar para ele.
Às 11:30, sentou-se para ouvir os guias contarem a história do dugongo, o menor mamífero marinho da ordem do peixe-boi. Algumas lendas antigas diziam que os dugongos foram a causa da crença de que existiam sereias, por terem sido confundidos com tais criaturas por marinheiros europeus que chegavam à Austrália. O nome dugongo, inclusive, é derivado da palavra malaia ‘duyung’, que significa sereia. Outras espécies marinhas também podiam ser observadas, dividindo com o dugongo o seu santuário.
Aproveitou o caminho e as rampas auxiliadoras e se dirigiu para o ‘Vale dos Tubarões’, uma das principais atrações do “Sea Life Sydney Aquarium” . O túnel de mais de cem metros era isolado por vidro, separando os visitantes curiosos dos mais de um milhão e meio de litros de água preparada para oferecer aos tubarões um pequeno oceano particular. estava simplesmente encantada, por mais que uma vozinha chata estivesse em sua cabeça, lembrando-a de uma pontinha de medo de que aquele vidro decidisse trincar, por mais espesso que fosse. Os tubarões-tigre-da-areia, pontas-brancas e pontas-negras do recife eram lindos, mas ela tinha se interessado bem mais pelos Wobbegongs, também chamado de tubarão-tapete por conta dos prolongamentos próximos à boca - que mais parecia uma barba acidental - e por preferirem nadar próximos ao fundo, aproveitando-se de seus hábitos e potencial de camuflagem.
Deixando os tubarões - com um pouco de pesar -, seguiu para aquele que seria seu último ponto de visita antes de um merecido almoço: a ‘Expedição dos Pinguins’. Sendo quase intrusa no meio de uma família de cinco pessoas, subiu a bordo do barco que os levaria para o passeio por entre a neve, os ventos, as luzes e os pequenos pinguins-rei e pinguins-gentoo. Sorriu sozinha ao pensar em como Sam, protagonista de sua série favorita Atypical, adoraria um passeio como aquele.
Steven, George, Nog, Magic, Sphen e Genie eram ainda mais fofos e encantadores ao vivo do que nas dezenas de fotos que ela já tinha visto na internet - mais um saldo derivado das horas que passava no sofá revendo a série todas as vezes em que se sentia mal por conta de Sean - e eram muitas vezes. Sorriu sozinha, meneando a cabeça fracamente ao se dar conta de tudo o que tinha passado e, por sua ótica preferida dos últimos tempos: tudo o que ela havia superado para conseguir ter a força para dar as costas ao que lhe fazia mal e buscar algum tipo de felicidade, mesmo que do outro lado do mundo.
— Ok, pessoal - o guia chamou. — Espero que tenham apreciado a vista e os nossos pequenos. Vou deixar que o meu colega assuma daqui para frente, dando a vocês detalhes melhores sobre cada uma das espécies.
se ajeitou em seu assento, aproveitando para se levantar minimamente a fim de puxar as barras de seus shorts um pouco para baixo. Aqueles malditos simplesmente não conseguiam se contentar em simplesmente se manter em seu lugar e deixá-la em paz de uma vez por todas.
— Que tal começarmos com os pinguins-rei? É o segundo maior, perdendo apenas para a espécie imperador. Ele é memorável por essa grande mancha ouro-alaranjada que vem desde as regiões auriculares até a porção superior do peito. Os filhotes, por outro lado, às vezes sequer parecem ser da mesma espécie. Parecem uma bolinha de pelos marrons. Mas sem a parte dos pelos.
A risada que veio na sequência fez com que voltasse sua atenção imediatamente para o novo porta-voz do passeio. O choque lhe acertou como uma marretada na cabeça. Estava tão atenta aos pinguins que tinha ignorado totalmente a pessoa falando sem parar ali na frente. Até vê-lo.
O cabelo estava exatamente igual à última vez em que o tinha visto; meio bagunçado no alto, apesar de claramente demonstrar que ele tinha ao menos tentado organizar a parte da frente. Os mesmos olhos escuros daquele que, um dia, tinha sido o seu maior companheiro na dura empreitada adolescente de colecionar folhas. Sempre concordou quase involuntariamente com quem dizia que o mundo era pequeno, mas não imaginava ser pequeno o suficiente para encontrar seu antigo melhor amigo trabalhando em um aquário em outro continente para o qual ela tinha decidido ir por uma ocasião que ela mesma mal esperava.
Não sabia ao certo definir o que tudo aquilo causava nela. Estava feliz, surpresa, ansiosa, nervosa e até mesmo um pouco assustada. Decidira por abordá-lo ao fim do passeio, mas agora não tinha mais tanta certeza se era uma boa ideia. Talvez ele nem se lembrasse mais dela. Se ela mesma mal se reconhecia em alguns momentos, quem diria ele que não a via há anos.
Sua cabeça estava tão cheia com o turbilhão de pensamentos que a assolava que levou alguns segundos para perceber que a pequena expedição havia chegado ao fim. Esperou que o casal sentado ao seu lado se levantasse e ajudasse as crianças a descerem do barco e desceu em seguida, ainda incerta acerca de qual postura adotar a seguir.
Tomou cuidado extra com onde colocava os pés, preocupada com a possibilidade de que sua tendência a ser desastrosa fizesse com que ela tomasse um tombo memorável entre as tábuas da ponte. Ao erguer novamente o rosto, pôde ver claramente o sorriso dirigido a si.
— Só existe uma pessoa no mundo com tanto medo assim de enroscar o pé. - Sua voz era tão suave quanto ela se lembrava. — , eu pensei que nunca mais a veria.
A mulher sorriu, controlando-se para não soltar um suspiro alto e despreocupado de alívio.
— Faz mesmo muito tempo, .
A boca do rapaz se curvou alegremente ao ouvir o apelido, que continuava soando tão bem para si.
— Tanto tempo que eu quase tinha me esquecido de como adoro quando você me chama assim. - Suas bochechas coraram levemente. Apesar da personalidade despojada e do ar despreocupado, o rapaz sempre ficava vermelho fácil demais. — Mas eu não posso fingir que não estou curioso. O que você está fazendo aqui?
— Uma expedição para ver pinguins. - apontou para o barco atrás deles. — Gosto deles.
— Eu quis dizer aqui na Austrália. Pensei que você estivesse trabalhando naquela empresa chique.
A mulher contraiu o rosto em uma careta.
— Como você sabe disso?
— Facebook. É uma tecnologia incrível para saber exatamente onde seus velhos amigos estão sem jamais falar com eles de novo. Apesar de eu sempre ter torcido para que essa história de nunca mais não se realizar com a gente.
— Você poderia ter me chamado, sabia?
— Sabia. Mas algo me dizia que você precisava de um tempo. Quer dizer, quem sou eu para falar alguma coisa, não é? Mas, depois que você trancou a matrícula na Biologia comigo para fazer o que seu pai queria, eu decidi dar uns passos para trás. Deixar você entender do que estava abrindo mão e se era mesmo isso que queria.
engoliu em seco. Sua garganta parecia uma lixa de parede.
— Acho que levei alguns anos para chegar a essas conclusões sozinha.
hyung) sorriu, esticando o próprio braço para afagar carinhosamente o ombro da amiga.
— Mas chegou, não é? Nunca é tarde demais.
— Eu sei, eu sei. “Não é uma corrida, cada um de nós vive no seu próprio tempo”. Lembro claramente que você adorava dizer isso.
O rapaz balançou a cabeça concordando. Com um gesto, apontou para o lado de fora, convidando-a a caminhar com ele. Não era tão confortável ficar conversando no meio da saída da expedição, com tantas pessoas passando por eles o tempo todo. Sem contar as crianças desesperadas, quase atropelando suas pernas em meio à sua correria.
— Então, você veio à Austrália por perceber que estava no caminho errado?
— É, acho que sim. Não estava contente no serviço, nem no noivado e a minha família com certeza não estava fazendo muito para colaborar. Acabei encontrando meu livro botânico, lembra? Tem sua assinatura em várias páginas, perto dos desenhos que você fez.
Ele sorriu largamente com a lembrança. Como poderia se esquecer da coisa que ele mais havia amado fazer durante o colégio?
— Aquele livro é incrível. Você fez um trabalho excelente com ele.
— Nós fizemos - ela enfatizou. — Foi ele que me despertou, sabe? Fez com que eu me lembrasse de tudo o que queria ser e tudo o que estava perdendo de mim mesma ao me contentar com o que não me fazia feliz. Pedi demissão, peguei a herança da vovó e comprei as passagens. Como sempre comentamos sobre a Austrália ser o paraíso da biologia, pensei em vir para cá para tentar me reencontrar. Daí reencontrei você também.
— Espero não ter sido uma surpresa ruim no meio do seu caminho.
deu uma cotovelada de leve no amigo.
— É claro que não, seu bobo. Mas me conta! Desde quando você trabalha aqui?
— Acho que estou quase beirando os quatro anos. Tenho uma pesquisa na área marinha, então trabalhar no aquário foi basicamente reunir o útil ao agradável. Consigo conciliar todas as coisas e conseguir algumas coisas para o meu projeto e de quebra ainda tenho uma renda extra ao fim do mês. A vida acaba ficando mais confortável do que se eu decidisse depender só da minha bolsa de pesquisa.
— E você está pesquisando pinguins?
— Estou participando das tentativas de compreender melhor os impactos do aquecimento global sobre os pinguins-rei. Eles estão completamente ameaçados, coitados. Cada descoberta é uma facada no meu coração. Mas precisamos dos dados para tentar planejar intervenções mais efetivas e convencer a população de que precisamos urgentemente de ajuda. É tão desgastante termos que bater nessa tecla da conscientização ambiental o tempo todo, sabe? Mas se não o fizermos, quem fará? Alguém precisa continuar falando sobre isso, mesmo que frequentemente pareça que estamos dizendo tudo isso para as paredes. No fim das contas, sempre tem algumas poucas pessoas que ouvem e levam isso para si. Se elas começarem a fazer algo, já sinto que meu papel está sendo cumprido. Qualquer pequena ação já vale.
— Isso é bem legal, . Fico feliz por você.
— Obrigado. Aliás, quer conhecer o laboratório depois do almoço? Eu posso te levar lá. Quer dizer, se não for atrapalhar a sua programação. Não sei o que você tinha planejado para hoje, talvez você já tenha o que fazer e…
riu antes de decidir interrompê-lo. Pelo visto, ele tinha mudado ainda menos do que ela pensava.
— Sim, eu adoraria. Mas, agora, podemos almoçar? Meu estômago vai entrar em processo de autofagia se eu não colocar comida para dentro logo.
hyung) assentiu e tomou a liberdade de assumir a dianteira, apertando o passo para, mais uma vez, ser seu guia naquele dia.
— Se eu fosse você, fugiria do frango frito. Ele é meio encharcado demais com o óleo. Tem alguma coisa que você tenha em mente?
— Um lanche.
— Tem um ótimo aqui!
Ele a levou até a lanchonete. Cumprimentou o atendente com uma familiaridade e intimidade extremas e fofas. Pediu o seu lanche e permitiu que pedisse o dela. Pagou por ambos, apesar dos protestos da mulher. Alegou que seria um anfitrião horrível se não fizesse pelo menos isso. Ela teria de considerar o lanche como um pequeno presente de boas-vindas ao país. E também um em nome dos velhos tempos.
Comeram entre conversas, sem se importar muito com o que as regras de etiqueta diziam sobre não falar de boca cheia sob hipótese alguma. Qual é? Tinham assuntos demais para pôr em dia. Era só usar a mão para tampar um pouco a boca e poderiam continuar falando coisas rápidas. E era desse tipo de atitude que ela sentira tanta falta nos últimos anos. Uma amizade leve de verdade, com a qual não precisasse ficar se podando ou tomando cuidado com sua conduta a cada mísero segundo por pensar demais no que os outros poderiam dizer sobre ela. Fazia um tempo desde a última vez em que tinha se permitido passar um tempo agradável como aquele sem ligar para as pessoas ao redor ou para o que elas pensavam.
Saindo do aquário, pegaram um ônibus até o tal laboratório. O lugar era simples, claro e estava simplesmente fascinada. Lembrava-se perfeitamente de todas as vezes em que tinha sonhado que estaria em um local exatamente como aquele. Talvez a diferença estivesse no fato de que queria seu laboratório um pouco mais verde, com suas plantas - que provavelmente acabariam sendo o seu objeto de estudo, afinal.
hyung) mostrou algumas lâminas de microscopia da pesquisa e como funcionavam alguns dos equipamentos mais modernos que havia recebido recentemente. A mulher estava encantada com cada dado, cada botão, cada químico e cada vidraria. Estava reagindo quase tão infantilmente quanto uma criança visitando uma loja de brinquedos pela primeira vez. Mas o que ela poderia fazer? Tudo era mesmo fantástico e, apesar de parecer quase mágico, também era real demais.
O rapaz ficava ainda mais bonito enquanto falava com os olhos brilhando de animação. Aquela alegria toda quase fazia com que se lembrasse dos velhos tempos. Era como se um assunto de interesse em comum fosse o suficiente para que fossem arrastados para aquela época, anos antes, em que compartilhavam seus sonhos e seus planos para o futuro. De repente, ela sentiu que estaria ainda mais próxima de encontrar a si mesma após encontrar aquele que trazia à tona o melhor dela.
— Eu só consigo me sentir uma idiota por termos perdido contato - ela admitiu.
hyung) deu de ombros, ainda com aquele sorriso típico gravado em seu rosto.
— Fico feliz por nossos caminhos terem se cruzado de novo. Se linhas tortas nos fizeram chegar ao mesmo destino, então já estou contente e grato por elas.
A conversa se prolongou pelas próximas horas. Tinham perdido por completo a noção do tempo e o Sol já começava a dar indícios de que pretendia se pôr no horizonte.
— Posso te levar para jantar? - perguntou, percebendo de imediato a feição surpresa da amiga e se envergonhando de sua escolha lexical pouco precisa. — Não como em um encontro, só, tipo, você está aqui há pouco tempo. Pensei que talvez pudesse te mostrar algum lugar e te fazer companhia. Mas tudo bem se você não quiser. Eu entendo perfeitamente e…
— Tudo bem, . - ria. — Podemos, sim. Eu adoraria, na verdade. Posso só passar no hotel antes para tomar um banho e colocar uma outra roupa? Acho que a brisa noturna não terá piedade dos meus braços descobertos.
O rapaz assentiu, completamente de acordo. Também estava ávido por um bom banho depois do dia de trabalho. Já havia se acostumado, mas recebia constantes comentários sobre como havia algum residual de cheiro de pinguins e peixes nele e essa definitivamente não estava na lista de coisas mais agradáveis para se ouvir sobre si mesmo. Não queria que se afastasse ou se sentisse incomodada pelo possível aroma. Faria questão de esfregar a barra de sabonete com bastante cuidado em cada mísero milímetro de seu corpo.



permitiu que a água fresca corresse pelo seu corpo, levando todas as últimas preocupações que pudesse ter para que houvesse mais espaço em si para abraçar as novas oportunidades. Tinha marcado um horário com folga de propósito, apesar de não ter contado para hyung) sobre seus planos intermediários. Não queria mais colocar outras pessoas no caminho e permitir que elas criassem expectativas sobre suas perspectivas futuras. Dessa vez, seria ela a arragar a própria mão e incentivar o primeiro passo. Quando seu caminho já estivesse suficientemente trilhado para ser mais do que uma esperança e virar uma possibilidade concreta, aí, sim, compartilharia suas intenções.
Encontrou com o amigo em um restaurante próximo à praia. Estava animada com a escolha um tanto peculiar de hyung), que havia sugerido um menu um tanto diferenciado com a desculpa de que experimentar e conhecer coisas novas também era crucial em seu processo de redescobrimento. deu de ombros. Não era como se ela fosse mesmo recusar comida ou a possibilidade de se apaixonar por pratos desconhecidos. Fora isso que a fizera comprar imediatamente a ideia de provar as especialidades sul americanas perdidas em plena Austrália.
O jantar tinha se tornado praticamente um rodízio de arepas, com os dois gulosos decididos a passar por todos os tipos de recheio que o restaurante tinha a oferecer. Eram tantas carnes diferentes e acompanhamentos que jamais teria imaginado para elas: feijões, bananas, guacamole, berinjelas grelhadas e molhos chimichurri.
— Caramba. - A mulher estava encostada com certa força contra as costas da cadeira que ocupava. — Eu provavelmente vou morrer, mas eu definitivamente poderia comer isso para o resto da minha vida.
— Eu não disse que era maravilhoso? Eu amo!
Começaram a conversar sobre banalidades e tudo o que haviam perdido da vida do outro nos anos distantes. A conversa acabou rumando para Sean, como se ele fosse algum tipo de ímã para coisas ruins.
— Sempre achei esse cara um babaca, mas, claramente, não cabia a mim dizer isso. Muito menos quando eu estava de longe.
— Bom, minha família estava bem perto e decidiu ficar do lado dele até o final. Aparentemente, eu era a culpada por ele me tratar feito merda e deveria aceitar a rara consideração que ele me oferecia porque essa era a melhor coisa que eu conseguiria na vida. document.write(hyung) meneou a cabeça, sem graça. Mal sabia o que dizer. Só conseguia pensar em como queria ter estado ao lado dela para apoiá-la. Mas jamais o culparia. Estava feliz enfim e era ele que dividia uma mesa com ela após muitas arepas e uma conversa gostosa.
— Se eu fizer uma pergunta você promete não entender errado e me levar a mal? Porque claramente não é a conotação que eu quero passar aqui.
A mulher concordou, com um gesto.
— Até quando você vai ficar aqui?
— Credo! Já quer se ver livre de mim?
— Viu só! Era disso que eu estava falando. Você concordou que não faria isso!
acabou rindo, incapaz de manter a seriedade pretendida para brincar com ele.
— A verdade é que nem eu sei - respondeu. — Eu tenho algumas coisas para resolver por aqui. Pode ser uma semana, um mês, alguns anos… Ainda não me decidi. Preciso mesmo dessas respostas.
Ele parecia verdadeiramente confuso com a imprecisão das informações recebidas.
— Alguns anos? - Sua voz estava mais baixa do que o normal, tentando conciliar o som da mesma com o de seus pensamentos incansáveis, correndo de um lado para o outro como crianças brincando de pega-pega.
— Agora você realmente parece que está querendo me enxotar do seu país.
— Não! Claro que não. Eu só… Não sei. Talvez eu esteja com medo de me acostumar com a sua presença só para ver você indo embora de novo.
Aquelas palavras acertaram o peito de como golpes de um punhal. Não era a intenção de hyung), mas sua fala havia a atingido de jeito.
— Mesmo que eu vá embora agora, no próximo ano ou nunca, eu não tenho intenção alguma de me tornar uma estranha na sua vida. Não vamos nos afastar de novo. Eu prometo.
O rapaz soltou mais um de seus sorrisos fáceis e ergueu a mão, em um gesto que, novamente, transportou a mulher diretamente para os dias felizes de sua adolescência. Enroscou o seu dedinho ao dele, confirmando que, sim, aquele era um juramento sério e ela não tinha intenção alguma de quebrá-lo.


♥♥♥



Já havia se passado uma semana desde o reencontro de e hyung). Nesse meio tempo, tinham se visto todos os dias com um rigor quase religioso. Sempre que se viam livres simultaneamente, arranjavam algum motivo para conhecer um lugar novo ou simplesmente aproveitar a companhia um do outro. Queriam estar juntos e era simples assim. Às vezes, era exatamente disso que a vida carecia: um pouco de simplicidade; um sorriso fácil, um ombro amigo. Por que temos que estar vivendo sempre a duzentos quilômetros por hora se isso não nos permite apreciar a beleza das pequenas coisas?
Apesar disso, ela não poderia negar que, junto de sua felicidade, havia uma ansiedade imensa. Estava esperando um retorno da visita que fizera sem hyung) no primeiro dia e finalmente o prazo para receber uma resposta oficial havia chegado.
Suas mãos suavam frio e seus pés batiam descontroladamente contra o chão sem que ela sequer tomasse consciência completa disso. Tudo dependia de um ‘sim’ ou ‘não’ que viria a seguir.
Quando seu telefone tocou, fez questão de respirar fundo e expirar calmamente algumas vezes antes de atendê-lo, tentando passar uma imagem que não escancarasse o fato de que ela provavelmente nunca estivera tão nervosa em toda a sua vida.
— Alô?
— Aqui é da Universidade de Sydney, gostaríamos de falar com .
— Sou eu mesma.
A mulher ouviu tudo o que a secretária administrativa da universidade tinha a dizer com atenção redobrada e o coração palpitando quase em suas orelhas.
Por fim, agradeceu solicitamente e desligou. Agora, tinha uma notícia concreta para começar a colocar os tijolos no caminho que escolhera para a sua vida dali para frente.
Levantou-se da cama, com lágrimas nos olhos e se observou atentamente no espelho que permitia que ela visse seu corpo inteiro. Estava mais bronzeada pelos passeios no sol e não era só a tonalidade de sua pele que atestavam aquela luz ao seu rosto. Viu seu sorriso sincero, as lágrimas de felicidade, as roupas informais e soube naquele momento que estava finalmente olhando para si mesma. Com todos os defeitos, com todas as virtudes, mas, principalmente, com os olhos persistentes de quem escolhera se dar mais uma chance. Uma chance para viver a vida que ela sempre quis. De repente, sentia-se mais leve, mais bonita até! Com certeza muito mais feliz e realizada.
Havia saído, um passo por vez, da escuridão na qual se afundara por anos. Ao encarar seu próprios olhos, reconheceu-os. Ao tocar seu peito, teve a certeza de que aquele batimento era familiar e, acima de tudo, só seu. Passou os braços pelo próprio corpo, permitindo que aquele momento se eternizasse em um abraço sincero; um carinho tão puro que havia se esquecido de ter consigo mesma há muito tempo. Seu reflexo no espelho não era mais de uma completa desconhecida. Ela finalmente se enxergava e mal podia acreditar em como passara tanto tempo cega.
Então era isso. Era esse o sentimento de amar a si mesma. A sensação de estar em paz e se encontrar. Não havia coisa melhor.



hyung) havia dito que tiraria a tarde daquele dia de folga e isso rapidamente fez com que decidisse ir até o apartamento do rapaz. Precisava contar a notícia pessoalmente.
— A senhorita parece especialmente feliz hoje. — Ele comentou, sorrindo com ela. — Qual é a grande notícia?
— Lembra aquele dia no aquário, que fomos cada um para o seu lado antes de nos encontrarmos para comer aquelas arepas maravilhosas?
Ele concordou.
— Então, eu acabei passando pela Universidade de Sydney, só por curiosidade, sabe? Para ver os cursos, as formas de ingresso… Bom, no fim das contas, eu acabei dando um jeito com o pessoal de lá. Diga oi à mais nova caloura de biologia.
explodiu em comemoração, abraçando com força e a girando nos braços. Ambos riam como crianças, ainda extasiados pelas boas novas. Quando ele a colocou no chão, recusou-se a soltá-la, aproveitando as sensações causadas por aquele abraço. Ela sorriu, concordando silenciosamente em ficar ali um pouco mais.
— Então, eu posso mesmo me acostumar em ter você aqui, não é? Assim, perto de mim.
sorriu, apertando-o um pouco mais.
— Pode. Eu não vou a lugar algum.




FIM



Nota da autora: Mais um dos meus milhões de ficstapes. Nem tento me defender mais.
Para mais informações sobre minhas histórias e atualizações, entrem no grupo





Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Blow Me (One Last Kiss)
02. Stitches
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. Consequences
06. If I Could Fly
06. Love Maze
08. No Goodbyes
10. Is it Me
10. Simple Song
11. Robot
11. Nós
11. Under Pressure
12. Be Alright
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
15. Overboard
A Million Dreams
Daydream
MV: Miracle
Not Over
Señorita
Wallflower


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