08. Ever Since New York

Finalizada em: 31/08/17

Capítulo Único

Tento esconder a ansiedade quando entramos no estúdio, minha agente apertando minha mão como se para me reconfortar.
- Você só está aqui para opinar. - Me garante, abrindo um sorriso carinhoso. - São eles quem tomam a decisão. Não precisa se preocupar em ter que escolher.
- Ótimo. Se me sentarem em um lugar onde ninguém pode me ver, estarei super confortável.
- Do que você está com tanto medo? Só são alguns atores iniciantes. Tenho certeza que estarão mais nervosos que você. - Riley ri da perspectiva, parando em frente à porta da sala onde seriam feitas as audições, a mão na maçaneta indicando que ela estava apenas me esperando relaxar.
- Isso é muito importante para mim. - A lembrei. - Acho que só estou um pouco deslumbrada.
- Vai ficar tudo bem. - Riley me garante, abrindo a porta para que eu possa passar. - Vou pedir alguém para arrumar um café pra você.
A diretora que cuidava de escolher o elenco se ergue quando entro na sala, sorrindo e se prontificando a vir me cumprimentar.
- Preparada para conhecer o Ethan? - Ethan era meu personagem. Meu protagonista, que há quatro meses vinha sendo o mais vendido de acordo com o The New York Times, e hoje iríamos as audições para escolher quem traria o Ethan à vida. Meu estômago se aperta só de pensar.
- Tão preparada quanto posso estar. - Respondo em um tom bem humorado, muito mais relaxado do que de fato me sinto.
- Ótimo. - A diretora, Jane, me apresenta um dos produtores do filme, que logo se apressa a me dizer quantas audições assistiremos hoje.
- São quinze atores. Eles irão encenar a parte em que o Ethan vai embora e se despede da Cassie. Queremos ver a gama de emoção que eles podem nos mostrar. Sei que você já comentou em entrevistas que adoraria ver o Jeremy Irvine no papel, mas só conseguimos marcar com ele para semana que vem. - Ele faz uma pausa para procurar por alguns papéis quando nos acomodamos na longa mesa e me passa a ficha de Jeremy. - No entanto, conseguimos agendar com o Harry Styles para hoje, no primeiro horário disponível, porque ele tem compromissos o resto da semana. Achamos a aparência bem condizente com as descrições do Ethan, então vamos ver se você gosta.
Meu coração quase para de bater.
- Quem? - Pergunto inconscientemente, esperançosa que estivesse ouvindo errado.
- Harry Styles. - O homem repete como se eu fosse burra, e puxa o papel com os dados de Harry. - Não é possível que não o conheça. - Tento ignorar a risada incrédula, olhando para a foto em preto e branco com um bolo na garganta. - Dunkirk, do Christopher Nolan.
- É, eu vi.
- Ele fez o Alex. Você se lembra?
- Sim. - O produtor continua mencionando outros nomes, mas só consigo prestar atenção na porta, até que ela se abra e uma assistente diga que o senhor Styles já estava ali.
- Acho que vai gostar desse, . - Riley fala do canto da sala, sem ter a menor ideia. Nenhum deles tinham a menor ideia.
A mesma garota de antes abre a porta outra vez, e Harry passa por ela, tão charmoso quanto cinco anos atrás, todo sorrisos para as pessoas na sala. Quero desviar os olhos dele, mas também não quero ser covarde. Styles não olha para mim, se prontifica a cumprimentar Riley e cada uma das pessoas na lateral da sala antes de se aproximar de onde estou sentada.
- Prazer. - Ele fala, a voz tão mais grossa do que eu me lembrava ao cumprimentar Jane, e estende os dedos para mim em seguida, sua postura mudando de confiante para surpresa, tão logo seus olhos encontram os meus.
- ?! – Exclama, como se eu não estivesse bem à sua frente, a altura e o cabelo talvez maiores do que quando nos vimos pela última vez.
Não deixo que meus olhos vacilem, e o encaro por um segundo longo demais, tentando decidir por qual lado seguiria: cumprimento-o polidamente, ou finjo que não o conheço? Solto um pigarro, tentando prolongar meu tempo de escolha, e decido pelo caminho mais fácil.
- Boa tarde. - falo, alcançando sua mão com a minha e apertando seus dedos com firmeza.
- Vocês se conhecem? - O produtor pergunta imediatamente, interrompendo qualquer momento que pudéssemos ter.
Ele abre a boca para responder, mas sou mais rápida - sempre fui.
- Não. - Minto, forçando um sorriso para o produtor e ignorando a expressão confusa de Styles à minha frente enquanto volto a me sentar e finjo organizar os papéis que me foram dados.
Sei que os olhos dele ainda estão sobre mim, e sei que a expressão em seu rosto demonstra que ele está chateado por eu ter fingido que não o conhecia. Não era fácil para mim tampouco, mas continuei repetindo em minha mente que eu realmente não o conhecia, porque afinal, apesar de ter passado parte da vida achando que sim, no fim, eu não sabia quem ele era.
- Neste caso... - Jane solta, de uma maneira simpática demais, fazendo com que eu me vire para ela e a transforme em minha válvula de escape daquela situação. - Muito prazer em conhecê-lo, Harry. Se pudermos começar, você pode se sentar de frente para a câmera e começar da página sessenta e sete.
Não parece de verdade. Algo em meu subconsciente insiste que a qualquer momento vou despertar do devaneio e encarar um desconhecido se posicionando de acordo com as instruções de Jane, mas é Harry quem está ali. O mesmo Harry que morava três casas abaixo na rua, chamava minha mãe de mãe, e se ofereceu para ser meu primeiro beijo quando eu estava envergonhada por ainda não ter beijado ninguém no ensino fundamental. E o mesmo cara que, anos mais tarde, estampou capas de revistas em um encontro romântico com uma cantora famosa no meio do Central Park, logo após eu ter me declarado.
- Eu sinto muito. Queria que as coisas fossem diferentes. - Espero que ele não possa me ver de onde está sentado. Inspiro rápido, pega de surpresa com a emoção em sua voz e a mudança repentina, e tento me lembrar que aquelas palavras não são dele - não são para mim. É Ethan falando.
- Você pode fazer com que sejam diferentes. - Jane lê ao meu lado, me fazendo desviar a atenção de onde Styles se encontra.
- Cassie… - A hesitação é perfeita. O imaginei dizendo aquelas palavras para mim tantas vezes que vê-lo interpretando-as parece surreal. - Eu nunca quis te machucar. Nunca foi minha intenção.
- Não muda o fato que me machucou. - A voz de Jane é tão fria perto da dele, a distinção das entonações é notável. Paro de prestar atenção na audição - não quero ouvir as palavras que escrevi na voz dele. Deixo que o som de sua voz e de Jane se tornem um ruído de fundo, e repito todos os nossos momentos em minha cabeça até que não saiba se os inventei também.
Quando acabam de encenar tudo que a diretora queria, sou obrigada a olhar para ele quando se aproxima e cumprimenta todos na mesa mais uma vez. Estendo a mão para ele, tentando mantê-la firme. Quando digo que ele foi muito bem eu falo sério. Quando o desejo sorte é uma mentira. E quando ele vai embora sinto que estou prestes a chorar, assim como fiz da última vez.
Todas as outras audições foram tempo perdido. Não só para mim, mas para toda a equipe.
Ninguém mais parecia convencê-los, as comparações com Styles eram desleais. Riley parecia preocupada com minha repentina falta de interesse pela causa, e em minha cabeça, a única voz entoando a de Ethan, não importa quantas vezes as cenas fossem repetidas, era a de Harry.
Sinto minha cabeça latejar conforme caminho até o estacionamento, as fichas de todos os atores amontoadas em uma pasta em meu braço. Paro um segundo para procurar pelas chaves dentro da bolsa, e antes que eu possa encontrá-las, alguém pigarreia alto, fazendo com que eu me vire para encarar quem quer que seja. A surpresa de ver Styles parado ali me faz largar a bolsa, que volta a balançar do meu lado. Ele caminha de forma despretensiosa, as mãos enfiadas nos bolsos de sua calça. Olho para os lados, sem saber como reagir em um primeiro momento.
- Posso te ajudar? - Pergunto quando ele demora a falar alguma coisa, tentando não surtar com sua presença ali. Estar com ele costumava ser reconfortante, algo pelo que eu ansiava, mas agora só quero sair dali.
- Você desenvolveu algum tipo de doença que compromete sua memória de longo prazo, ? - Indaga em um tom arrogante, os óculos escuros impedindo que eu possa ver a expressão em seus olhos. Não quero lutar essa briga. Desta forma, balanço a cabeça com impaciência e dou meia volta, tornando a caminhar em direção ao meu carro.
- Cinco anos, ! - ele insiste. - Cinco anos, e você finge que não me conhece? É esse o tempo que leva para apagar qualquer coisa para você?
Começo, assim que encontro as chaves, a apertar o alarme do carro insistentemente, como se aquele botão fosse fazer com Styles sumisse daquele estacionamento, mas não surte efeito nenhum. Ele agora anda ao meu lado, na mesma velocidade apressada que eu, e a minha impaciência só torna o caminho mais longo. Quando finalmente chego na porta, ele toma as chaves da minha mão, apoiando a outra no teto do veículo como se para me impedir de fugir.
- Devolve! - Tento soar firme quando falo, mas minha voz vacila em algum ponto, e tenho certeza que ele percebe.
Harry balança a cabeça, impaciente, e faz menção de soltar o chaveiro na palma que estendo em sua direção, mas muda de ideia no meio de seu gesto e estende o braço, apontando para o estúdio.
- Que... Que cena foi aquela? - Nunca ouvi ele gritar antes, mas parece prestes a fazer isso agora. Está tão nervoso que me sinto deslocada mais uma vez; o Harry com quem cresci nunca ficou nervoso a esse ponto, nunca ergueu a voz pra mim. Será que o magoei tanto assim? - Você não me conhece, ? - Tento fingir que aquela nota de mágoa em sua voz nunca existiu. Que eu não percebi quando suas narinas tremeram.
Sustento seu olhar por mais um segundo, e é minha vez de arrancar a chave de sua mão. Abro a porta traseira do carro, e jogo a pasta lá dentro sem qualquer cerimônia, empurrando com força na hora de fechar, o barulho alto ecoando no estacionamento quase vazio.
- Eu não conheço você. - Afirmo com uma risada fria. - Quando eu te olho tudo o que eu vejo é o cara que aparece na TV e em capas de revistas. Tudo que eu sei sobre você eu li em algum lugar que qualquer outra pessoa possa ter lido. Três anos e você nunca me procurou, e agora eu quem sou uma espécie de filha da puta sem coração? Como você tem coragem de se candidatar para fazer parte do meu filme, da minha vida?
Ele parece desconcertado pela primeira vez naquela conversa. Abre a boca como se procurasse por algo para me responder, mas não fala nada.
- Ah, meu Deus! - Eu exclamo, desacreditada. - Você nem sabia que eu era a autora! Você... Lógico. - Dou outra risada, mais debochada do que cheia de humor, e ele vira a cabeça, envergonhado. - Como eu poderia esperar qualquer coisa diferente?
- Do que você tá falando, ? - Retruca em um tom meio ofendido.
- Você sabia que o livro era meu, Styles?! - Pressiono, dando um passo à frente como se o desafiasse a responder.
- Eu... - Começa, mas logo desiste com um suspiro derrotado. - Eu não li o livro, tá legal?
Dou risada mais uma vez, sem saber como reagir. Não quero que ele perceba que estou magoada, não quero que ele pense que eu me importo tanto.
- Você definitivamente não vai interpretar o Ethan. - Declaro imperativamente, tentando abrir caminho entre seu corpo e o carro, mas ele continua imóvel à minha frente.
- Por que está agindo desse jeito? - Pergunta em tom de voz exasperado, como se realmente não me entendesse.
- Ah, Harry. Como se você não soubesse. - Passo por ele, esperando que segure meu braço, entre na minha frente, faça qualquer coisa para me impedir, mas ele não se manifesta. Entro no carro e fecho a porta, o coração doendo quando juro para mim mesma que não vou olhar no retrovisor.
- Eu vou ler cada pedaço desse livro, ! - Ele grita quando dou partida, a expressão decidida. - Vou ser o melhor Ethan que tem por aí.
Não olho pra ele, nem deixo suas palavras me atingirem. É claro que ele seria o melhor Ethan possível. - ele realmente era o Ethan, mas já não fazia diferença mais. Não havia nada mais o que falar. A única coisa pra se fazer era… ir.


Três semanas haviam se passado - vi tantas pessoas diferentes proferindo as palavras que eu escrevi que me lembrava de poucas delas, mas Jane me garantiu que isso era um bom sinal. Jeremy Irvine foi tudo que eu esperava e um pouco mais, o sorriso simpático me fazendo sorrir junto todas as vezes, mas toda a produção parecia insistir na única ideia que eu não gostaria nem de considerar.
A última reunião de casting é tranquila - a decisão de que Styles é a melhor opção para o papel é quase unânime, exceto por mim, mas sou obrigada a aceitar, tarde demais, que não tenho poder de decisão algum. Todos me escutam quando insisto no nome de Jeremy, e até levam em consideração, debatendo por mais tempo do que eu esperava, mas todos também insistem que ele não é a melhor opção.
- Pensei que ficaria feliz. - Jane comenta quando já estamos saindo, procurando por seu telefone na bolsa.
- Estou feliz. - Garanto, como se não entendesse do que ela estava falando.
- Com nossas escolhas também? - Kassi Smith ficou com o papel da Cassie. Assim como o nome quase igual ao da personagem, a aparência de Kassi é tão parecida com a minha que me deixava nervosa de que alguém pudesse suspeitar. Será que fui uma idiota em criar personagens tão parecidos conosco? Minha boca é um pouco menor que a dela, meu cabelo três tons mais escuro, mas as diferenças param por aí. Será que foi por isso que gostei tanto dela?
- Eu amei a audição da Kassi. E de todos os outros personagens também. - Menos Ethan, mas não vou contar isso pra ela.
- Então nos vemos quando as filmagens começarem. - Jane me dá um abraço antes de ligar para a agente de Styles e dar a boa notícia.
As filmagens começariam em alguns meses, meses que eu deveria usar para me acostumar com a idéia de ver Harry todos os dias mais uma vez, e vê-lo trazendo Ethan à vida. Quando o primeiro dia finalmente chega, não consigo me levantar da cama. Digo para mim mesma que faltar às filmagens do meu próprio livro era permitir que Styles roubasse mais um pedaço da minha vida, mas não consigo me obrigar a andar até o closet e me vestir. Quando ligo para Jane no primeiro dia inventando uma dor de cabeça, ela acredita em mim, como espero que faça no segundo, quando estou enjoada, e no terceiro, quando estou pensando em uma nova desculpa.
O interfone toca na sala, me fazendo descer as escadas do apartamento com pressa para atender o porteiro, que anuncia que Harry está ali. Parece que se eu não fosse para o estúdio por vontade própria, eles mandariam alguém para me buscar. Não troco de roupa para recebê-lo; amarro a camisola de seda com um laço e deixo a porta aberta antes de me direcionar para a cozinha de conceito aberto, de onde poderia vê-lo entrar e ao mesmo tempo me ocupar com algo para não encarar seu rosto.
- ? - Sua voz chama da entrada, e aceno para ele de onde estou. Estou com a cápsula da cafeteira em uma das mãos, mas não sei o que fazer. Fico parada no mesmo lugar enquanto ele fecha a porta, tentando me lembrar de como usar meus dedos, até que sua voz chame minha atenção mais uma vez. - Eu disse à sua agente que precisava discutir alguns pontos sobre Ethan com você.
- O quê?
- Ethan, seu personagem. - Seu tom de voz é estranho: ele age como se soubesse de algo que eu não sei. Como se tivesse me pegado em uma mentira, e não esperasse a hora de me desmascarar. - Tenho algumas perguntas sobre ele. Já que você não aparece no set, não vi outra saída a não ser vir até aqui.
- Intoxicação alimentar. - Minto descaradamente, voltando à mim e colocando a cápsula na cafeteira. Uma parte de mim me diz que é uma baita falta de educação não oferecer nada à ele, mas estou concentrada demais em parar de tremer para prestar atenção.
- Onde Ethan nasceu? - Harry pergunta como quem não quer nada, se aproximando da bancada de pedra.
- O quê? - Viro o rosto para ele, confusa. - Manchester. Por que isso importa?
- Manchester. - Ecoa, franzindo os lábios. - Qual a idade dele? Fica meio indefinido no livro.
- Vinte e três. - Respondo prontamente, querendo saber onde ele quer chegar. - Então você leu o livro?
- Sim.
- Teve que esperar até ganhar o papel. - Assumo com um sorriso tenso. - Você não sabe da vida de ninguém além da sua. Sequer procurou saber o que eu estava fazendo nesses cinco anos? Se lembrou de mim?
- O livro é sobre mim? - Pergunta como se eu não tivesse dito nada, as palavras como um soco no meu estômago. Abro a boca para respondê-lo, mas ela permanece assim, aberta, sem que eu consiga proferir qualquer coisa.
- O quê? - Entendi muito bem o que ele falou. Foi uma pergunta bem direta, feita em um tom de voz alto o suficiente para qualquer pessoa com a audição normal escutar, mas preciso ganhar tempo.
- O seu livro, , é sobre mim? - Ele nem pestaneja.
- Não me chame de .
- É ou não, ?
Encaro seus olhos, tentando manter a expressão firme.
- Claro que não. - Minto mais uma vez.
- Como você explica todas essas semelhanças? A história do primeiro beijo? A forma como… Como eles se despedem? - Ele dá a volta na bancada para ficar mais perto de mim. A única coisa que tinha entre nós para me dar uma falsa sensação de segurança se vai, e ele está tão próximo que posso ver perfeitamente a cor dos seus olhos.
- Algumas coisas podem ser semelhantes, Harry, mas são pessoas fictícias. - A frieza com que digo a frase surpreende até a mim. - Você não deveria ler além do que está escrito ali.
Ele continua me encarando, esperando que minha expressão vacile ou que eu deslize na mentira que acabo de dizer, a terceira do dia, mas sustento seu olhar.
- Posso acreditar em você?
- Não ligo se você acredita em mim.
Ele dá um passo para trás, desviando os olhos dos meus, e parece se dar conta de que está no meu apartamento, próximo de mim pela primeira vez em anos.
- Me desculpe por te incomodar. - Styles não olha para mim, o corpo muito tenso quando caminha em direção a porta. - Jane quer saber se está tudo bem. Se você pode aparecer qualquer dia essa semana.
- Assim que me sentir melhor. - O garanto, mas mesmo quando falo ele não me encara.
- Tchau, . - Não tenho tempo de responder antes que ele feche a porta.
No outro dia, quando o despertador toca mais uma vez, me levanto e tomo um banho, vestindo uma calça jeans pela primeira vez na semana. Termino de me arrumar e aperto o botão da garagem no elevador, dizendo para mim mesma que tudo bem ter perdido os primeiros dias - ninguém precisava de mim para nada. O set estava cheio de pessoas que sabiam muito bem o que estavam fazendo, e não é como se eu pudesse mudar qualquer coisa no roteiro.
Chegando lá, tantas pessoas perguntam se estou melhor que minha consciência fica pesada. Não sou uma mentirosa, mas estou me tornando uma.
- ! - Josh Boone me cumprimenta, se aproximando com as folhas do script na mão. Esperava que Jane estivesse aqui, mas ela é apenas a diretora de casting, enquanto Boone cuidará de dirigir o filme. Harry e Kassi estão do outro lado das câmeras, conversando com alguns produtores enquanto suas maquiagens são retocadas. - Pensei que não fosse aparecer para acompanhar as gravações.
Estão filmando uma cena no quarto da minha protagonista hoje, Styles e a garota vestidos em pijamas idênticos de Star Wars. São detalhes de intimidade que adicionei para que não fosse tão óbvio assim - para que não desse tão na cara que esse livro era uma versão de nossas vidas em que tudo acontecia como eu imaginava. Nunca pensei que as pessoas fossem gostar tanto, muito menos que haveria direitos de adaptação para serem vendidos. Mas agora estamos aqui, e Harry e Kassi à minha frente parecem uma afirmação de que é tudo real.
- Sinto muito, intoxicação alimentar. Mas é bom te ver de novo. - Aperto sua mão, entregando a bolsa e o casaco para a produtora que se oferece para guardá-los para mim. Bem ao lado da cadeira de Boone tem uma cadeira com meu nome.
- Gostou? - Ele sorri quando me vê encarando.
- É completamente incrível e surreal. - Sorrio, boba, e tiro uma foto com o celular para publicar no Instagram. Assim que termino de digitar “Está acontecendo!” na legenda, Josh me avisa que vão começar a gravar, me acompanhando quando me acomodo em meu assento.
É tão estranho vê-los trazer Cassie e Ethan à vida. As palavras são tão pessoais para mim que me sinto um pouco assustada em escutá-las em voz alta, sendo interpretadas na frente de tantas pessoas; a ideia de que muitas mais possivelmente verão o que estou vendo agora deixa meu estômago gelado.
Harry e Kassi gravam uma cena que me lembro muito bem da nossa infância, nada que Styles teria gravado em sua memória: quando discutimos sobre seu namoro com Hannah, que frequentava nossa escola. O sentimento de desespero que surgiu em minha garganta quando meu melhor amigo me disse que estava apaixonado está estampado no rosto de Smith em uma versão adulta daquele mesmo diálogo.
- Ela é ótima.
- Bom, eu não acho que ela seja tão ótima assim.
- Por que você a odeia?
- Eu não odeio ela. Só não acho que ela seja a melhor pessoa pra você.
- E por que é isso, Cassie? Você sabe de alguma coisa que eu não sei?
- Bem, você é sensível, e não quero que quebre seu coração por alguém que não liga pra você.

A risada é perfeita. O jeito que Harry a olha e garante que aquilo não iria acontecer é como um deja vu. As palavras não são as mesmas, mas o sentimento sim, e posso ver estampado no rosto de Kassi como me senti - sufocada com tudo o que eu sentia por ele e frustrada por não poder fazer nada a respeito.
- Você se preocupa demais comigo. Acho que é por isso que eu te amo, mas você não precisa se preocupar.
Claro que todo mundo o vê como o perfeito Ethan. Ninguém no mundo poderia falar de amor do jeito que ele fala sem soar romântico. Ninguém poderia demonstrar tanto amor com os olhos como ele demonstra, olhando para sua parceira de cena da mesma forma que olhou para mim quando tivemos a mesma conversa. Como sou idiota de pensar que ele não desconfiaria.
Só percebo que estou chorando quando Josh grita “Corta!” em alto e bom som ao meu lado, caminhando para elogiar a performance dos dois. Não seriam necessárias outras tomadas, comenta com uma risada satisfeita, mas os olhos de Harry estão em mim. Quando ergo a mão para limpar as lágrimas que ousaram cair, suas sobrancelhas se franzem, e ele só desvia o olhar porque Josh chama sua atenção. Gravariam as três falas iniciais mais uma vez, até que soasse natural o suficiente, mas não fico para ver.
Inspiro o ar do lado de fora do set, tentando clarear a cabeça. Não parecia uma boa ideia que eu acompanhasse as filmagens se fosse me emocionar desse jeito - não todos os dias, pelo menos. Se fosse Jeremy Irvine no papel, ou qualquer outra pessoa, talvez eu poderia me desconectar, mas é pessoal demais assim. Garota estúpida. O que eu tinha na cabeça de escrever esse livro? De publicá-lo? O mundo inteiro pode ler minha história, resumida em breves quatrocentas e poucas páginas.
- Por que você insiste em mentir para mim? - A voz de Styles me sobressalta.
- Do que você está falando?
- Eu te perguntei se o livro era sobre mim e você mentiu bem na minha cara. - Ele solta a porta do estúdio, deixando-a fechar atrás de si, e se aproxima de mim com a expressão irritada.
- Você acredita no que quiser acreditar.
- Sobre o que é seu livro, ? - Pressiona, dois passos mais próximo.
- Não me chame de .
- Ah, por favor, não me venha com essa merda. Eu te conheço desde que tínhamos oito anos e nunca te chamei de . - Ele cospe o nome na minha direção. - Sobre o que é o seu livro?
- É sobre dois melhores amigos que eventualmente se apaixonam. - Dou de ombros. - Não sei de onde tirou a semelhança.
Suas bochechas ficam avermelhadas quando ele desvia o olhar.
- Não fale comigo como se eu fosse idiota.
- Então não seja idiota.
- O que aconteceu com você?! - Ele exclama em exaspero, abrindo os braços limpos das tatuagens. - Você costumava ser uma pessoa completamente diferente.
- Você aconteceu comigo! As pessoas mudam! É o que geralmente acontece quando alguém te fode!
- Bem que você queria, não é? - Consigo ver que ele se arrepende tão logo diz as palavras, mas as escuto mesmo assim. Espero um momento, então outro, até que o silêncio se torne constrangedor entre nós, como se esperar fosse apagar qualquer coisa.
- Uau! - Exclamo em voz alta, cruzando os braços. - Uau!
- Eu sinto muito. Eu não quis…
- Está tudo bem. – Interrompo. - Típico chilique de estrela, não é?
-
- Isso é o meu sonho. - Aponto para o chão onde ambos pisamos. - Eu estou na lista de mais vendidos do The New York Times há mais de três meses. O orçamento desse filme é ridículo! - Exclamo com uma risada nervosa. - É o meu sonho, e você está arruinando tudo.
- Você não está sendo justa.
- Você não podia ter ficado longe da minha vida? Eu estava completamente bem sem você, pela primeira vez em anos. Tudo estava dando certo para mim. Por que você teve que aparecer?
- Eu não planejei nada disso.
- Oh, eu sei que não. Você me magoou e fugiu como um covarde. Você ficou cinco anos sem me procurar porque foi mais fácil assim, foi mais fácil imaginar qualquer situação que você quisesse na sua cabeça, mas adivinha só, Harry? Eu não vou aceitar que você seja um filho da puta comigo e depois apareça sorrindo como se não tivesse feito nada. Eu sei que foi difícil me amar e que você nunca me amou do jeito que eu queria, mas você…
- Você sempre foi uma pessoa difícil de entender, mas nunca foi difícil amar você. - Me interrompe.
- Não é sobre você, porque tem um final feliz. A Cassie e o Ethan ganham um final feliz, no fim das contas. Você era meu melhor amigo e você me magoou.
- Bem, você também me magoou, .
- Eu abandonei você?
- Você me deixou ir embora.
Balanço a cabeça, olhando para cima como se pudesse pegar as lágrimas em meus olhos de volta.
- Olha, não sei qual o problema com vocês dois… - A voz de Josh chama nossa atenção na porta do set, e me pergunto quanto da conversa ele ouviu, que pela sua expressão, é mais do que deveria. - Mas acho melhor vocês resolverem isso. Nós temos mais algumas cenas para filmar naquele cenário. - Ele foca seu olhar em Harry. - Não demore.
- Está tudo bem. Desculpa pela cena… Eu tenho que ir, de qualquer forma.
Passo por Harry e procuro pela garota que ficou com minha bolsa e meu casaco, indo embora assim que os tenho em mãos.


O trânsito de Los Angeles é infernal. Não que eu não esteja acostumada, tendo morado em Nova Iorque pelos últimos três anos, mas mesmo assim fico impressionada. Estou parada há tanto tempo na National Boulevard que sei que vou demorar quase duas horas para chegar em casa e automaticamente adiciono esse fato como um dos motivos para que eu não acompanhasse as filmagens. O telefone toca ao meu lado, chamando minha atenção para o trânsito paralisado mais uma vez, o nome de Josh aceso na tela.
- Oi, Josh.
- ! Finalmente consegui falar com você.
- Eu estava no trânsito, me desculpe. Na verdade, ainda estou no trânsito, mas você sabe bem como é…
- Escuta, , eu estava pensando que talvez pudéssemos sair para jantar mais tarde, o que você acha? - Olho para o painel do carro, procurando pelas horas. Eu teria tempo só para trocar de roupa se não fosse inventar uma desculpa. - Quero discutir algumas coisas do filme com você.
- Claro.
- Excelente. Eu estava pensando, talvez no Providence? Bem privado.
Olho para o trânsito parado à minha frente com desconfiança.
- Ok, parece bom. Encontro você lá às oito?
- Às oito está ótimo. Vejo você lá.

Abro o quebra-sol do carro, vendo se o batom não estava borrado, e aliso a blusa de seda com as mãos antes de fechá-lo. Eu normalmente não me importaria com um pequeno defeito na maquiagem ou a blusa amarrotada, mas a porta do restaurante está abarrotada de paparazzi. Calço os saltos antes de descer, tentando me concentrar em ficar equilibrada sobre eles, e faço uma oração silenciosa para todos os deuses lá em cima na esperança de que não tenha nenhum membro da família Kardashian ali. Tudo o que eu menos queria era esbarrar com uma das ex-namoradas de Harry.
Os fotógrafos não se importam muito com a minha presença - continuam fumando seus cigarros e conversando, como se esperassem alguém mais importante chegar. Quando o maître me cumprimenta, dou o nome de Josh e ele me encaminha para uma cabine mais afastada, os assentos em um tom muito escuro de azul, a textura aveludada contrastando com as toalhas brancas. O restaurante é lindo, desde a decoração nas paredes até os arranjos de mesa, e a comida superfaturada quase vale a pena.
Boone já está vinte minutos atrasado, o que me deixa ainda mais ansiosa depois de dispensar o garçom pela terceira vez. Não paro de olhar as horas no celular, ou checar na guia de notificações mesmo que ninguém tenha me enviado uma mensagem, e só me distraio disso quando há um burburinho do lado de fora, e todas as outras pessoas viram a cabeça para a entrada da sala. De onde estou sentada não posso ver o que está acontecendo, mas o motivo de toda movimentação logo se mostra: Harry caminha atrás do maître no salão onde estamos, acenando para algumas pessoas que o cumprimentam, e tento me encolher dentro da cabine para que ele não possa me ver.
Penso que as divindades estão pregando uma peça das boas em mim, interpretando completamente errado o motivo dele estar ali, e meu coração se acelera mais ainda quando eles se aproximam da onde estou sentada. O olhar em seu rosto é tão surpreso quanto o que está no meu, posso apostar, e ele se acomoda de frente para mim, a iluminação deixando-o mais bonito. Se é que é possível.
- Josh está atrasado? - Pergunta em uma voz tensa, os olhos fixos no arranjo de galhos retorcidos no meio da mesa, onde uma vela solitária bruxuleia entre nós.
- Não acho que Josh vai aparecer. - Comento a contragosto, já querendo me levantar e ir embora. O mesmo garçom volta, e seu sorriso nem vacila quando ele vê quem é minha companhia. Talvez ele não se importe.
- Boa noite. O jantar de hoje é cortesia do Sr. Boone, que já escolheu o menu para vocês. O vinho que vai ser servido é um Sauvignon Blanc… - Não consigo prestar atenção no que ele está falando. Vamos beber vinho branco e comer peixe, é tudo que entendo, e ele nos serve duas taças da bebida antes de se afastar.
- Isso é tão intrusivo… - Reclamo baixinho, com a consciência pesada, pois Josh pagou todo o jantar de antemão para que sentássemos para conversar.
- Você nem gosta de peixe. - Harry concorda, mas balanço a cabeça em negação.
- Aprendi a gostar. - Dou de ombros quando ele ergue as sobrancelhas, desviando os olhos para o salão.
- Você acha que ele teve que pagar muito caro por uma reserva de última hora? - Pergunto baixinho, não querendo fazer conversa fiada, mas fazendo mesmo assim.
- Acho que talvez ele tenha dado meu nome e não tenha pago por nada. - Olho para ele quando fala isso, buscando por qualquer sinal de arrogância, mas sua expressão está normal. É assim que funcionam as coisas em Los Angeles.
- Você ferrou com toda a filmagem depois que fui embora? Pra ele ficar desesperado ao ponto de enganar nós dois?
Harry abre um sorriso fraco.
- Algo do tipo.
- Eu sinto muito por mais cedo. - Falo bem baixo, quase sem ter certeza de que quero que ele escute. - Eu não quis dizer aquelas coisas.
- Eu quem deveria me desculpar… Eu não deveria ter…
- É, não deveria. - Concordo, entendendo que ele faz referência a parte de ter sugerido que eu ainda queria dormir com ele.
- Acho que deveríamos ser honestos um com o outro, para não interferirmos com o projeto. - Ele faz uma pausa, esperando pela minha reação, e quando aceno afirmativamente com a cabeça ele me acompanha. - Eu deveria ter te procurado nesses anos. Parece que joguei toda nossa amizade no lixo depois que…
- Depois que você me iludiu. - Interrompo antes que possa pensar melhor, e sua expressão é um misto de culpa e impaciência.
- Não foi assim. Não foi essa a minha intenção.
- Eu te disse que estava apaixonada por você. Que sempre estive. Desde que não aceitei aquela sua proposta, tudo o que eu conseguia pensar era que eu queria que você também gostasse de mim.
- Você nem me deu tempo para pensar naquilo tudo. Foi confuso pra mim. Nós fomos melhores amigos por tanto tempo que não parecia certo… Eu não queria machucar você.
- A melhor solução que você encontrou foi começar a sair com outra pessoa?
- Não foi assim que aconteceu, . Eu não posso falar disso aqui.
- Você deu a entender o tempo todo que quando nos encontrássemos… - Faço uma pausa, esperando que o garçom sirva nossos pratos e vá embora. - Você deu a entender que também se sentia assim. Que era recíproco.
- Então algo aconteceu, mas não posso te contar sobre isso em um restaurante.
- Você sumiu. - Acuso, sem tocar no peixe.
- Não, , você sumiu. - Seu tom de voz é baixo, mas isso não impede que seja agressivo. - Quando tentei te encontrar, te liguei todos os dias por meses, mas seu número foi desconectado. Você diz que nunca te procurei, mas você também nunca veio atrás de mim.
- Eu não… - Interrompo minha própria frase, sem saber o que dizer. Não era mentira. - Eu nunca vi a situação dessa forma.
- Foi dessa forma pra mim. Você decidiu por si mesma que eu abandonei você, mas… Eu não consegui te encontrar, . - Sua voz é triste agora, assim como os olhos, então não consigo olhar para ele. Viro o rosto na direção do salão mais uma vez, e pego um pedaço do peixe só para não ter que dizer alguma coisa.
- Então todas as coisas que você disse… Tudo aquilo foi pra não machucar meus sentimentos?
- Sim. - Suas bochechas ficam vermelhas e ele solta um suspiro resignado. - Sim e não. Eu estava confuso. Eu nunca tinha olhado você dessa forma, e depois… Fez sentido, então era só como eu conseguia te ver. Mas era estranho olhar para a minha melhor amiga e sentir todas aquelas coisas…
- Eu sei. - Tento reprimir um sorriso, revirando os olhos. - Eu nunca entendi porque odiava a Claire, aquela garota que você gostou na sétima série. Sempre que você falava dela eu queria arrancar meus próprios olhos, então eu entendi.
- Foi nessa época que você ficou super estranha? E parecia morta de vergonha sempre que dormíamos na casa um do outro?
- Sim. - Confesso a contragosto. - E não ajudava muito que você gostasse de ficar só de cueca até no inverno.
- Eu não era o epítome da forma física naquela época. - Comenta com os olhos semicerrados, meio incrédulo.
- Não é assim que meus olhos de treze anos viam. - Me defendo, dando de ombros, e continuo a comer enquanto ele ri.
- Sinto muito que você tenha passado por isso. - Se desculpa com a expressão bem humorada, mas o sorriso logo some do seu rosto. - Sinto muito pela forma como você interpretou o que aconteceu em Nova Iorque.
Ele não fala o nome dela. Não precisa - as fotos no Central Park, nos restaurantes, o vídeo na virada do ano novo, tudo ainda era muito recente na minha cabeça.
- Sinto muito por ter fugido. - Me desculpo também, e ele tira as mãos de debaixo da mesa para segurar a minha, a expressão carinhosa.
- Podemos começar de novo se você quiser. - É a vez de Styles dar de ombros, e seu polegar acaricia a pele dos meus dedos - Eu vou te contar tudo sobre Nova Iorque, mas não aqui.
Balanço a cabeça em concordância, separando nossas mãos, e continuo a comer. A comida é realmente muito boa.
- Nós podemos pelo menos terminar de jantar… - Sugiro, bebendo outro gole do vinho.
- Está bom?
- Tão bom…


Quando terminamos o menu e as duas garrafas de vinho que Josh escolheu, já estou alterada o suficiente para não achar uma idéia tão boa assim sair com Styles. Os fotógrafos estão do lado de fora, esperando, e começam a tirar fotos tão logo aparecemos na recepção do restaurante.
- Não estou na melhor forma para dirigir no momento. - Comento baixinho com Harry.
Ele se vira na minha direção e fica entre mim e a porta.
- Vamos pedir um Uber.
- Ok, pode pedir.
- Eu não tenho o aplicativo no meu celular. - Ele ri, então faz uma pausa, constrangido. - Eu não ando de Uber.
- Meu Deus. - Balanço a cabeça, procurando pelo celular na bolsa. Coloco o endereço que Styles diz e hesito antes de solicitar. - Não podemos sair separados se vamos entrar no mesmo carro.
- Por que está preocupada com isso?
- Porque vão tirar um milhão de fotos da gente.
- E daí? - Ele ri mais uma vez. - Você é a autora do meu filme, nós somos amigos de infância.
- É a sua cabeça. - Dou de ombros, pedindo pelo carro e esperando.
- As coisas não funcionam como você pensa. - Harry passa a mão direita pelos cabelos, chamando minha atenção para os anéis em seus dedos, e então para o celular que ele pega no bolso.
Desvio os olhos dele, constrangida, e cruzo os braços até que a notificação de que o carro está do lado de fora chegue. Saio atrás dele, incomodada com os flashes, o barulho das câmeras, e as perguntas invasivas. Não respondo nenhuma delas, sequer olho para eles, e quando estamos dentro do carro tento manter o olhar focado no banco do passageiro à minha frente.
- Sinto muito por isso. - Styles fala baixo ao meu lado.
- Como alguém gosta dessa atenção? - Pergunto em voz alta, mais para mim mesma do que para ele.
- Eu não sei.
São as últimas palavras que trocamos em todo o percurso até sua casa. O bairro é lindo: as casas são enormes e é extremamente arborizado. Não é o tipo de lugar que eu imaginaria Harry morando, mas é definitivamente o lugar que eu imaginaria uma estrela de Hollywood morando. Chris Evans mora por perto, sei disso pelo vídeo do seu cachorro que ele postou, e tenho certeza que a rua no fundo é a mesma pela qual passamos agora. É uma mulher que está dirigindo, e antes de descermos na casa de Styles ela comenta o quanto gostou da sua música nova.
Quando passamos pelo portão, tento não mostrar tanta surpresa quanto eu sinto. A casa era grande, definitivamente a casa de alguém com muito dinheiro, mas ainda era mais modesta do que algumas que vi no caminho. Tem um jardim enorme, e quando entramos, a primeira coisa que reparo é na vista de uma Los Angeles noturna.
- Uau! - Exclamo baixinho, e ele sorri quando acompanha para onde estou olhando.
- Quer algo para beber? - Desvio os olhos da vista, para os móveis escuros, e então para a cozinha onde ele entra.
- Hm… Claro.
- Alguma preferência?
- O que você tiver está ótimo. - Caminho pela sala, olhando o quadro pendurado em sua parede. É a Madonna? Não posso ter certeza.
Harry me estende uma taça, vinho mais uma vez, no entanto tinto.
- Quer se sentar lá fora?
Concordo, acompanhando-o até os sofás na varanda, ainda admirando a vista de Downtown LA.
- É incrível. - Elogio mais uma vez, sem olhar para ele.
- Vou colocar no mercado. - Comenta em um tom displicente.
- O quê? Por que você faria uma coisa dessas? Olha essa vista!
- Vou me mudar pra Nova Iorque. - Explica, observando minha reação com atenção enquanto bebe da própria taça.
- Ah. - É a única coisa que consigo dizer.
- Tenho passado muito mais tempo lá do que aqui…
- Onde em Nova Iorque? - Interrompo.
- Tribeca.
- Vamos ser vizinhos. - Abro um sorriso, que logo se desfaz. Ele e a ex também.
- Sim, nós e…
- Você não me contou a história de vocês dois. - Bebo mais um gole de vinho. Longo. - O que aconteceu? O que foi que eu interpretei tão errado assim?
- Nós não namoramos. - Ele explica com um sorriso tenso.
O encaro com as sobrancelhas franzidas.
- O que…
- Foi tudo meio que um acordo. - Ele se mexe desconfortavelmente. - Pelo menos foi assim que começou. Acho que começamos a gostar um do outro depois, mas quando as fotos no Central Park saíram… No começo não era pra valer.
- Nunca pensei em você como o tipo de cara que toparia uma coisa dessas. - Confesso, enciumada e confusa.
- Acho que foi uma válvula de escape pra mim. Com o que estava acontecendo com a gente, como eu estava lidando com todos aqueles sentimentos…
- Você não se sentiu como uma farsa? - Pergunto em um momento de honestidade bêbada. - Ter tantas pessoas acreditando em algo que não era real.
- O tempo todo. - Harry ri, mais relaxado agora. Deve ser a sexta taça de vinho que tomamos essa noite.
- Realmente partiu meu coração quando vi a notícia. - Bebo da minha taça mais uma vez, deixando-a quase no fim. - Ou algo do tipo.
- Eu sinto muito.
- É, você já disse isso. - Também rio, mas não soa tão verdadeiro quanto ele.
- Vou pegar um pouco mais. - Ele termina de beber o vinho, se inclinando para pegar a taça da minha mão. Quando volta, já traz a garrafa consigo, e não senta nas cadeiras de frente para mim, mas bem ao meu lado.
- Por que você fez? O namoro falso e tudo. Eles pagam bem? - Dessa vez minha risada é pra valer. - Existe um “eles” que comanda esse tipo de coisa?
- Nossas equipes de marketing. – Afirma. - Mas não é dinheiro. É só um jogo de soma não-zero: ambos se beneficiam no fim das contas. Ela escreve uma música, eu respondo, e as duas vendem.
- Entendi.
- O namoro não foi falso. - Ele meneia a cabeça, e dou as costas para a vista de Los Angeles. - Só no começo. Você não… Não passa tanto tempo com alguém fingindo ter um tipo de sentimento sem que nada aconteça.
- Não quero ouvir sobre isso. - Fecho os olhos, deitando a cabeça no encosto do sofá.
- Você ainda gosta de mim? - Sua voz é tão baixa que penso ter imaginado a frase, mas quando abro os olhos, os dele me encaram: verdes e decididos, tão carinhosos quanto quando olhava para Kassi nas gravações.
- Que tipo de pergunta é essa? - Tento rir para aliviar a tensão, mas ele continua sério.
- Não tenho coragem de perguntar sóbrio.
Eu quero dizer que não, mas eu já havia mentido tanto nos últimos dias que mais uma mentira parecia mais desconfortável do que dizer a verdade. E a verdade é que não sei como me sinto. Estou cansada de odiá-lo. Ressinto as pessoas com intensidade, mas não as ressinto por muito tempo, e gostei de Harry por tanto tempo que foi estranho não gostar. Uma hora eu teria que deixar de ressenti-lo, e seus olhos verdes me encaram, refletindo as luzes de Los Angeles, pedindo para que essa hora seja agora.
- Você não tem medo do que vou responder? - Provoco, e suas bochechas ficam vermelhas mais uma vez.
- Gosta? - Insiste, e bebe mais um pouco de vinho.
- Você gosta? - Devolvo a pergunta, sem coragem de afirmar nada, e não me movo quando ele se inclina para me beijar.
É como imaginei e um pouco mais. Sua boca tem gosto de vinho, e seus lábios são tão macios contra os meus… Ele toca meu rosto, os dedos me segurando com firmeza, enquanto a outra mão me puxa para mais perto pela cintura. Tenho a impressão que meu peito vai explodir. Correspondo o beijo, deixando que sua língua se enrole na minha, mas não consigo me concentrar em mais nada: meu coração bate tão rápido em meu peito que ele com certeza pode sentir.
Passo a mão pelas tatuagens em seus braços, sentindo o relevo suave de cada uma delas, e a sensação da pele quente por baixo. Os músculos estão tensos, como se ele estivesse com medo de me machucar, e sinto o arrepio na palma da minha mão quando separo nossas bocas para beijar sua mandíbula. Sei onde aquilo vai parar. E naquele momento é exatamente onde quero chegar.

Queria ter tempo para reparar na decoração do quarto, mas tudo que vejo é a imensa porta de vidro, agora aberta, com a mesma vista do andar de baixo. Quando Styles me deita na cama, se erguendo sobre mim para tirar a camisa, desejo que meus olhos pudessem tirar fotos. Olho com atenção cada músculo marcado em seus braços e seu abdômen, a luz acesa permitindo que eu absorva cada mínimo detalhe. Estico a mão para tocá-lo, e ele apenas me encara enquanto desabotoa a própria calça.
Tiro a blusa de seda, me sentindo idiota por em algum momento ter me preocupado se ela estaria amarrotada, e jogo no chão perto da cama. Todas as vezes que imaginei esse momento - e não me envergonho de dizer que foram muitas - estávamos rindo e falantes, mas agora que estamos aqui, o momento é mais silencioso do que eu esperava. Os sorrisos que imaginei são substituídos por expressões concentradas, e embora nos apressemos para ficar livres de tantas camadas de roupa, o olhar que ele passa pelo meu corpo é lento, da mesma forma que o olhei, e o toque do seus dedos parecem demorar uma eternidade para chegar até minha pele.
O puxo para baixo mais uma vez, e embora estejamos mais expostos do que nunca, é como eu sempre quis. Ele é ainda mais bonito agora do que quando tínhamos treze anos, e embora o tenha visto só de roupa íntima mais vezes do que possa contar, vê-lo agora, sem qualquer peça de roupa e tantos anos depois, é como ver uma pessoa nova. E pensar que minha eu de treze anos achava seu corpo o máximo. O beijo é molhado, desleixado e excitante como só um beijo com gosto de sexo poderia ser. Se meu coração estava acelerado quando nos beijamos no andar de baixo, agora que ele toca meu seio e escorrega a outra mão entre nós, na direção do meio das minhas coxas, estou à beira de um ataque cardíaco, mas não me impeço.
Abro as pernas para que ele tenha mais espaço, e a sensação da pele quente da ponta de seus dedos tocando meu clitóris constrata com o metal gelado dos seus anéis, tão próximos. Separo nosso beijo, a boca entreaberta, e deixo os olhos fechados porque sei que ele olha para mim. Sempre me pareceu estranho quando diziam ver desejo no olhar de outra pessoa, mas quando finalmente o olho, é tudo o que vejo - pupilas dilatadas e uma expressão que só pode significar desejo.
Coloco a mão sobre minha própria boca, voltando a fechar os olhos com força quando a sensação dos seus dedos começa a ser boa demais - ele os desliza até a entrada da minha vagina, como se para me provocar, e quando os coloca na posição anterior posso sentir quão molhada estou. Quero que coloque os dedos em mim, como ameaça fazer mais uma vez, mas não quero ter que dizê-lo o que fazer.
- Por que está tão quieta? - Pergunta próximo do meu ouvido, o sussurro rouco me fazendo fazer o que ele quer imediatamente, soltando um gemido baixo quando viro o rosto para beijá-lo. Se afasta mais uma vez, descendo o corpo até que a boca esteja na altura do meu umbigo, o frio em meu estômago aumentando com a expectativa.
Não é do seu feitio ser provocador - sem cerimônias, ele passa a língua por toda extensão da minha vulva, concentrando-se no meu clitóris em seguida. Tento relaxar, e digo para mim mesma que se apenas curtir o momento, e a sensação da sua língua se movendo, seria muito mais prazeroso, mas meus músculos continuam a se tencionar. A pergunta parece ter mais importância do que eu imaginava: Harry parece fazer sua missão não me deixar calada nem por um segundo, os suspiros e sons que saem da minha boca estando fora do meu controle.
Seguro seus cabelos, olhando para baixo, e é ainda melhor quando vejo que ele está olhando para mim, acompanhando cada uma das minhas reações. Deito a cabeça no travesseiro mais uma vez, respirando fundo, e toco meus próprios seios, imaginando suas mãos ali, mas elas estão ocupadas demais segurando meus quadris no lugar. Bato a mão na cama, com força, e puxo os lençóis brancos, a pressão se intensificando na parte mais baixa do meu ventre. Quando começo a arfar em um ritmo mais urgente, espero que ele vá começar a mover a língua mais rápido, como a maioria dos caras fazem quando vêem que a garota está prestes a gozar, mas seu ritmo é constante. Embora precise usar mais força para me manter quieta na cama, a língua se move com a mesma intensidade, a mesma velocidade, e o orgasmo é tão intenso que demoro um pouco mais do que o esperado para me recuperar.
Styles se aproxima mais uma vez, sem qualquer sorriso no rosto, qualquer indicação que ele esteja satisfeito com o que sua boca é capaz de fazer, e me beija. O gosto na sua boca é doce, mas quero descobrir o sabor que ele mesmo tem. Me afasto, fazendo menção de segurar seu membro com a mão direita, e ele se ajoelha na cama, os olhos nos meus quando me levanto, movendo a mão devagar, sentindo cada veia em seu comprimento. Posso sentir sua pulsação, e quando pressiono com um pouco mais de força, ele deixa um som escapar do fundo da garganta.
Tem alguma coisa em estar tão exposto em frente a outra pessoa. Nunca estamos tão vulneráveis quanto quando estamos despidos, dentro da boca de alguém, deixando qualquer som que seja passar por nossas cordas vocais, como Harry está agora. É mais molhado e bagunçado do que vemos em filmes eróticos, assim como a sensação de tê-lo na boca é melhor do que poderia ser mostrado na tela. Não demoro muito tempo - Styles toca meu rosto e me puxa pelo queixo, tornando a beijar minha boca.
Por um momento eu não conseguia identificar o que o tornava tão atraente, o que naquela noite era tão excitante, mas quando ele me beija, eu percebo: nenhum cara com quem estive antes faria aquilo. Nenhum cara com quem estive antes faria o que ele fez quando estava com a boca no meio das minhas pernas.
É a minha vez de deitá-lo nos travesseiros, hesitando por um momento antes de me posicionar sobre seus quadris.
- Onde…?
- Primeira gaveta do criado-mudo. - Deus, como eu queria que todas as outras vezes que transei com alguém não tivessem sido constrangedoras como essa não está sendo. Talvez porque eu tivesse pensado nisso tantas vezes, imaginado como seria por tanto tempo, não tenho tempo para sentir vergonha. Nem do meu corpo, no quarto bem iluminado, nem no pequeno contratempo constrangedor de correr para pegar o preservativo na gaveta do móvel.
- Eu te imaginei nua tantas vezes. - Harry comenta em voz baixa enquanto abro a embalagem, me observando com atenção.
Paro o que estou fazendo para abrir um sorriso.
- Me diga algo que eu não sei. - Há uma mudança na sua expressão, como se ele reconhecesse alguma coisa, mas logo se vai, e seus dedos pegam o preservativo das minhas mãos para que ele mesmo coloque. Observo com atenção, passando as pernas por ambos os lados de seu corpo quando ele termina de deslizar o látex, e me inclino para beijá-lo mais uma vez, porque sua boca tem gosto de sexo, e seu pescoço tem cheiro de sexo, e a sensação de quando ele me penetra enquanto nos beijamos é ainda melhor.
Não consigo me concentrar o suficiente para continuar o beijo: deixo minha boca aberta contra a sua, arfando conforme o movimento de seus quadris me faz fechar os olhos. Tento prestar atenção em suas mãos, que a cada momento me tocam em algum lugar diferente, ou nas palavras sujas que ele sussurra quando consegue recuperar um pouco de fôlego, mas a mistura de todas essas sensações é tão esmagadora que começo a me movimentar contra ele.
Quero beijá-lo mais uma vez, mas me afasto, me erguendo enquanto movo meus próprios quadris e segurando sua mão direita quando ele a ergue para me tocar. Deitado contra os travesseiros, os cabelos castanhos espalhados no tecido branco, ele é tão atraente que tenho que me esforçar para não fechar os olhos mais uma vez, apertando seus dedos em meu seio.
Harry se senta no colchão após um momento, esticando o pescoço para poder beijar o meu, as mãos tocando minhas costas vagarosamente. Paro de me mover, segurando sua cabeça ali e me esticando para que ele tenha espaço para explorar, tentando recuperar o fôlego. Estamos cobertos por uma fina camada de suor agora, que é surpreendentemente refrescante com a brisa fria que entra pela enorme janela aberta. Ainda tento regular a respiração quando ele desliza para fora de mim, invertendo nossas posições mais uma vez.
Sempre pensei nesse momento de tantas formas diferentes, mas não quero tentar nenhuma outra posição - quero olhar para o seu rosto enquanto ele estiver dentro de mim, quero ver seus olhos quando ele estiver perto do próprio clímax. Quero absorver tudo que puder desse momento.
- Você gosta de admirar? - Ele pergunta em um sussurro sem fôlego, o fantasma de um sorriso brincando nos lábios.
- Sempre gostei. - Não quero ficar de conversa fiada. Fecho os olhos, esticando os braços atrás da minha cabeça, e mais uma vez tento relaxar e apreciar como a sensação de preenchimento é boa.
A tatuagem em seu abdômen é ridícula, mas pelo menos é bem feita. Não é no que quero pensar no momento, mas seus músculos suados parecerem ressaltar os traços em sua pele. Meu Deus, como ele é bonito. Estico a mão para tocá-lo, para ter certeza que é real, como se o corpo movendo contra o meu não fosse prova o suficiente, e deixo os dedos caírem sobre minha barriga, escorregando-os para o ponto mais sensível entre minhas pernas e começando a me estimular.
Styles abre os olhos, observando com atenção, e o fantasma de sorriso está lá mais uma vez, erguendo o canto esquerdo de seus lábios. Me concentro pela primeira vez, me apegando à tensão que continua a crescer em meu ventre, atentando ao movimento dos meus próprios dedos e do corpo de Harry, mas uma mão segura a minha, e quando abro os olhos, a expressão em seu rosto é séria.
Ele coloca meu pulso para o lado enquanto o encaro, os dedos substituindo os meus. Ele sabe exatamente o que está fazendo. Tanta confiança não seria tão sensual em qualquer outra pessoa, mas sua expressão concentrada me excita ainda mais, os dedos que estimulam meu clitóris e o membro que me penetra em um movimento constante me deixando perto o suficiente de um segundo orgasmo que seguro seu pulso com força, mas ele não para.
Me envergonho por um momento quando seu nome escapa da minha boca, mas perco a voz logo em seguida, o corpo tremendo enquanto aperto seus quadris entre minhas pernas. Respiro tão rápido que me assusto, tentando voltar à mim com a sensação de eletricidade nas veias, mas ele logo me acompanha, os movimentos mais rápidos e intensos até que apoie uma das mãos ao lado da minha cabeça, os lábios abertos soltando sons desconexos como se me convidassem para tocá-los. Levanto o tronco para beijá-lo, me apoiando em um cotovelo e tocando seu rosto com a outra mão. Ele encosta a testa na minha, a respiração irregular, e um momento depois se ergue para se livrar do preservativo.
Quando os lábios de Harry gentilmente encostam em minha pele e ele se deita ao meu lado, é que tomo consciência de tudo que estava acontecendo. Encaro seu rosto perfeitamente iluminado pela luz acesa do quarto - que nem nos importamos em desligar, seus cabelos grudados na pele pelo suor e a respiração entrecortada.
Quero beijá-lo e recomeçar, e provavelmente viveria aquele momento por toda a minha vida se fosse possível. Não só por Harry ser incrível e por aquela ter sido uma das melhores experiências que já tive, mas principalmente pelo medo do que viria no momento seguinte, quando nos déssemos conta do que significava.
O quarto está silencioso agora, e quero ter algo para dizer - mas elogios sempre me pareceram fora de contexto e totalmente desnecessários em noites como essa. Demoro tanto pensando em alguma coisa que ele adormece mesmo que eu esteja deitada em seu braço, e quero que meus pensamentos acalmem também a ponto de eu conseguir fechar meus olhos e dormir, mas sei que é uma batalha perdida. Depois de finalmente poder estudar todos os detalhes do quarto, ao menos o que posso ver de onde estou, decido me levantar, me enrolando no lençol que acabou indo parar na beira da cama, fazendo a mínima movimentação possível para não acordar Harry. Ando até a estante onde inúmeros CDs estão guardados e analiso um por um, correndo os dedos entre os títulos conforme os passo.
Ele não mudou nada. A música que escuta é a mesma desde que nos vimos pela última vez e eu sei que essa é a melhor análise que posso fazer a seu respeito. Ele, que respira música de uma das maneiras mais bonitas que já vi. A maior influência não era o pop que o obrigavam a tocar na época da banda, mas os nomes do rock clássico aos quais crescemos juntos escutando. Estou deslumbrada passando por diversos momentos de nossa infância e adolescência conforme leio os nomes dos artistas. Só paro quando encontro o CD com a capa sem nome, mas com a mesma foto de Harry de costas que eu já havia visto estampar diversos lugares em Nova Iorque na época do lançamento. Meu coração vacila quando o encontro, e antes que eu possa analisar melhor, o corpo de Harry se movimenta na cama, me procurando pelo quarto grande, até se apoiar em um dos braços e proteger os olhos da luz para olhar em minha direção.
- Está tudo bem? - Ele pergunta, e sua expressão de sono faz com que eu sorria mais uma vez.
- Claro. Eu só estava te analisando. - Explico, apontando em direção aos CDs com o seu próprio, depois o ergo no ar. - Posso ficar com esse?
Ele primeiro concorda com a cabeça, e resmunga alguma afirmação incompreensível, depois, estende a mão em minha direção como um convite para que eu volte a me deitar, e sem abaixá-la, deita a cabeça no travesseiro com os olhos fechados.
Eu deixo o CD junto de minhas roupas para não esquecer no dia seguinte e desligo as luzes, para só então alcançar a mão de Harry. Sei que ele pretende dormir, mas quando passo uma das pernas sobre seu quadril e me curvo sobre ele para beijá-lo novamente, um risinho satisfeito escapa dos seus lábios, e recomeçamos como se fosse a primeira vez.


O celular de Harry grita na manhã seguinte, e nós dois acordamos atordoados, procurando pela origem do barulho, tateando pela cama toda, até que ele se levanta e pega o aparelho de cima do home do quarto. Me sento onde estou, tentando arrumar os cabelos enquanto escuto Harry, com a voz rouca de quem acabou de acordar, falar ao telefone.
- Harry Styles. - ele se apresenta, ao mesmo tempo em que pega a cueca do chão e a veste. - Vou, que horas são? - ele afasta o celular da orelha e xinga baixinho, um pouco mais acordado e definitivamente apressado quando anda até o banheiro. - Não, Josh. O despertador não tocou. - ouço barulhos na pia e armário do banheiro e finalmente me levanto, andando até minhas roupas e amarrando os cabelos em um rabo de cavalo. - Em uma hora eu chego no estúdio. Foi mal.
Harry fecha a porta do banheiro e ouço o chuveiro ligar. Quando checo meu próprio telefone, percebo que o modo silencioso também me fez perder duas chamadas de Josh, e que o relógio informa ser nove horas da manhã. O horário para se estar no estúdio é sempre às oito, o mais tardar, ainda mais Harry, cujas tatuagens demandam um alto tempo na maquiagem. Procuro por um outro banheiro onde possa tomar um banho também, e ainda assim termino antes de Harry, então o espero no quarto, sentada na cama.
- Aposto que ele está arrependido de ter oferecido os vinhos ontem. - Ele brinca quando sai do banheiro, secando os cabelos com a toalha branca.
- Ele estava bravo? - pergunto, me juntando ao seu bom humor.
- Não acho que ele consiga ficar bravo. Só estava preocupado. - ele atravessa o quarto e entra em outra porta, no quarto de vestir, gritando de onde está - Você está pronta?
- Sim. Vou pegar um uber.
Ele reaparece fechando o botão da calça jeans preta antes de pegar a camiseta vinho jogada sob o ombro para vesti-la rapidamente.
- É claro que não. Vai comigo. Estamos indo pro mesmo lugar.
Balanço a cabeça em negativa, desligando a tela do celular depois de chamar pelo carro e levantar a cabeça para encará-lo enquanto penteia o cabelo ainda molhado com os próprios dedos.
- Não vou para o estúdio. Vou para casa agora, e a tarde passo lá. Preciso buscar meu carro no Providence e trocar de roupa.
- Tem certeza?
Afirmo que sim, e ele pega o próprio celular e o carregador, parando por um segundo até se lembrar da carteira enquanto me direciono para a porta do quarto e o espero. Ele passa por mim, extremamente apressado e caminhando a minha frente.
- Um café? - Oferece.
Meu celular vibra no meu bolso e eu balanço a cabeça.
- Não vai dar tempo. Meu carro chegou.
Nós dois paramos na sala por um momento, e quero ficar o resto do dia e repetir o que fizemos durante a noite, mas nos encaramos à mais de um metro de distância um do outro, rindo no mesmo momento. Harry passa a língua pelos lábios e eu sorrio em resposta, sentindo meu rosto corar.
- Nos vemos a tarde, Harry.
Volto a caminhar e passo por ele assim que ele abre a porta, eu não sei de que forma seria mais apropriado me despedir, mas ele se despede encostando os lábios aos meus.
- Ah! - Exclamo, me virando em sua direção quando ele está caminhando para o carro. - Antes de irmos, tenho uma pergunta.
Ele fica parado no mesmo lugar, a porta do motorista aberta enquanto espera que eu pergunte. Não posso ver sua expressão por trás do óculos escuros, de forma que tento reprimir meu próprio sorriso.
- É como você imaginava? - Pergunto por fim, rindo e gesticulando para o meu próprio corpo.
A risada ecoa pelo jardim da casa, e quero que ele responda logo para que eu possa correr na direção do Uber que me espera, mas tampo o sol com o antebraço enquanto ele ri e me atrasa.
- Muito melhor. - Responde solenemente, sorrindo e entrando no próprio carro. Dou um sorriso satisfeito para mim mesma. O sentimento é recíproco.


É a terceira ligação de Riley que ignoro, tentando prestar atenção no trânsito. Não tive tempo de conectar o telefone no bluetooth, e tenho que me apressar se quiser trocar de roupa e voltar para o estúdio. O toque preenche o carro mais uma vez, e faço uma oração mental. Pelo amor de Deus, Riley, mais cinco minutos e estou em casa.
Ela desiste depois de ser ignorada uma quarta vez, me dando tempo de subir os quinze andares e abrir a porta antes de tentar novamente.
- O que é tão urgente? Eu estava dirigindo. - Sei que não é justo me estressar com ela, mas a frustração sai mesmo assim.
- Então você não recebeu nenhuma mensagem? Nenhum email? Nenhum Google Alert? - Pergunta com urgência, e a julgar pela sua respiração ela está andando com muita pressa.
- Se eu não atendi o telefone o que te faz pensar que eu estava navegando na internet? - Subo até o closet, passando por alguns vestidos sem realmente prestar atenção.
- Bem, da próxima vez que você for ser fotografada beijando um popstar, eu gostaria de qualquer tipo de aviso!
Seguro o cabide com o vestido longo nas mãos, encarando o chão do closet. Será que ouvi errado?
- O quê?
- Sinceramente, o que vocês pensaram que ia acontecer? Vocês iam ser fotografados saindo juntos de um restaurante, entrando no mesmo carro, e ninguém ia segui-los? Ninguém ia tentar descobrir quem você é? Pelo amor de Deus, !
- O que aconteceu? Nos seguiram pra onde?
Sei que ela fala de Harry, porque realmente fiquei preocupada em sermos vistos juntos saindo do restaurante, mas não pensei que seríamos seguidos ou fotografados no dia seguinte.
- Da próxima vez que forem se beijar, será que poderiam fazer isso antes de abrir a porta? Dificultar o trabalho dos fotógrafos um pouco, quem sabe! Estou recebendo todas essas ligações e nem trabalho com marketing! Sou só sua agente!
- Do que você está falando, Riley? Onde você está indo tão apressada?
- Te arrumar alguém que trabalhe com marketing!
- Vamos só… Ignorar tudo isso. - Sugiro, me sentindo burra. Tanto por ter ido para casa dele ontem quanto por ter sido tão inocente.
- Você sabe com quem dormiu? Não podemos simplesmente ignorar tudo isso.
- O que vamos fazer, então?
- Você não vai fazer nada. Só fique longe das teorias de conspiração circulando na internet.
Riley desliga na minha cara, e embora devesse fazer o que ela manda, a primeira coisa que faço é voltar para dentro do quarto e abrir o notebook. Bem como ela disse, meu email tem três novos alertas do Google, todos ligados ao meu nome. Clico na primeira notícia, sendo redirecionada para a página do E!, e apoio o rosto nas mãos quando vejo a foto de capa da matéria: do lado de dentro do portão de grades e em frente à porta de entrada da casa de Harry, é possível vê-lo se inclinando para me beijar antes de nos separarmos. Já sabendo que vou me arrepender, começo a ler o texto:

O que acontece quando o romance da vida real é melhor do que o retratado em telas de cinema? O ex-integrante da One Direction, Harry Styles (23), apesar de suas tentativas de se manter longe de polêmicas e de viver uma vida pessoal reclusa, mais uma vez nos presenteia com uma história surpreendente.
Após ser visto na noite passada deixando o Providence, em Los Angeles, com Hansen (23) - autora do livro em que Styles trabalha atualmente na adaptação para as telas, os dois seguiram juntos em direção à casa do cantor e ator, e nesta manhã, foram flagrados aos beijos.
As teorias sobre Hansen e Styles já perduram por um tempo - pelo menos desde o lançamento do livro, Nós, que está no topo dos mais vendidos do The New York Times há quase um mês. No livro, que a autora já admitiu ter sido levemente inspirado em experiências pessoais, o personagem principal, Ethan, papel de Styles, é como uma versão fictícia do cantor. Ambos dividem a mesma cidade, mesma idade, e até características físicas - detalhes impossíveis de ignorar para quem conhece Harry Styles como artista. Após as primeiras ligações, o passado dos dois foi exposto com uma foto antiga onde Hansen e Styles, ambos crianças na época, seguram as mãos e sorriem um para o outro, revelando que mesmo que a teoria criada pelas fãs esteja errada, e que o livro não tenha sido inspirado no artista, a relação entre os dois é antiga e verdadeira, mesmo que nos últimos anos não tenham sido flagrados juntos antes da noite de ontem, e que fontes próximas afirmem que, de fato, houveram atritos.
Para completar o nosso romance da vida real, há rumores de que a faixa Ever Since New York, lançada no álbum solo de Harry, é sobre ! O motivo: o bordão ‘me diga algo que eu não sei’ é repetido diversas vezes na música, assim como pela personagem principal do livro de Hansen, Cassie, interpretada pela novata Kassi Smith (21). Além disso, as informações são de que a morena se mudou para Nova Iorque alguns anos atrás, na mesma época em que Styles começara a participar do programa que viria a revelar a One Direction, época em que o garoto afirma em diversas entrevistas sentir falta da melhor amiga, mas que esperava revê-la em breve.
Independentemente do motivo que os levou a passarem todo esse tempo separados, os dois se reencontraram quando Styles apareceu para os testes de interpretação de Ethan, e desde então, parecem estar vivendo o amor de infância que todos nós sonhamos, e que gostamos de ver nas telas de cinema. É ou não é uma história digna de um filme de Hollywood?”


Eu releio a notícia e os parágrafos importantes diversas vezes, como se estivesse entendendo alguma coisa errada, mas está tudo muito bem exposto. Encaro o computador com as sobrancelhas franzidas, tentando absorver tudo que acabei de ler. Volto para a foto, eu conhecia bem aquela foto. Era uma das muitas da infância de Harry que estavam livres pela internet. Ele com os olhos azuis e o cabelo mal cortado, segurando minha mão com um parque de diversões ao fundo. Era impossível não reconhecer Styles com aquela foto, mesmo que agora seus traços fossem mais maduros, era o mesmo olhar e o mesmo sorriso. Eu, por minha vez, se não prestassem atenção no formato da boca e na cor dos olhos, pouco tinha em comum com a garota da foto. Respiro mais uma vez. Existiam teorias sobre nós? Por que nunca ouvi falar nisso? Por que nunca fui perguntada sobre isso? E que música era essa que eu nunca nem escutei?
Me levanto da cadeira, pegando o CD que trouxe comigo e colocando-o no CD Player do computador, como se não pudesse confiar nas versões da internet. Se era verdade, estaria ali, na forma física, que ele mesmo me deu. Clico na faixa oito, Ever Since New York, e espero com o coração em mãos.
A primeira coisa que noto, é como a introdução é longa. Talvez, se eu não estivesse tão ansiosa para ouvir o que a canção dizia, eu teria percebido de primeira o quanto até a batida encaixava perfeitamente na história. Calma. Leve. Intensa. Triste. É só questão de interpretação. A voz de Harry começa, e as primeiras linhas não fazem sentido nenhum na primeira vez que escuto, e por isso, antes que a música continue, eu volto no início. E na segunda vez, e graças a noite passada e todas as coisas que conversamos, o primeiro verso se encaixa. E no refrão repetido, uma, duas vezes, a compreensão é quase imediata. A música era sobre mim. Sobre nós. Me diga algo que eu não sei. E todas as vezes em que ele repete, é como se ele chamasse pelo meu nome. Talvez nem assim seria tão claro quanto aquela frase. Enquanto ouço a voz de Harry entoar as notas de forma tão calma, os flashbacks desses determinamos momentos caem sobre mim. Me diga algo que eu não sei é a minha frase. É a minha marca. É a minha resposta para absolutamente tudo.
Quando ele conta sobre o Brooklyn, a imagem é imediatamente criada em minha mente: Harry foi até o Brooklyn me procurar. Ele tentou me achar em Nova Iorque, e eu o impedi. O impedi por orgulho e por ego ferido, e por não suportar a ideia de que ele não correspondesse à forma como eu me sentia em relação a ele. Tentei me proteger, e feri a nós dois.
Por que você não disse nada, Harry?


Mal percebo o trânsito no meu caminho até o estúdio. A música toca no CD Player do carro, de novo e de novo, até que as palavras comecem a soar estranhas para mim. É tão estranho ouvi-lo daquele jeito - como se fosse um recado, uma mensagem. Me diga algo que eu não sei. É sobre você, . Escrevi sobre nós. Eu também - tenho vontade de dizer, mas só consigo ir tão mais rápido na direção onde vou encontrá-lo, onde posso confirmar que é mesmo verdade, e não minha mente acreditando em qualquer teoria de conspiração.
Quando finalmente chego, estão fazendo um intervalo. Boone me espera quando me vê atravessar o longo estacionamento, uma embalagem de plástico nas mãos enquanto mastiga sua salada.
- Assumo que você não esteja brava comigo. - Comenta com um quase sorriso, enfiando mais uma garfada de salada na boca.
- E por que assume isso? - Desafio, guardando as chaves do carro na bolsa.
- Eu sei. - Ele gesticula com o talher de plástico na direção do estúdio. - Todo mundo sabe.
- É o pior walk of shame da história da humanidade. Bom pra mim.
- Ninguém se importa. - Josh dá de ombros, caminhando comigo quando começo a ir na direção das mesas onde deviam estar todos. - Estão todos decepcionados de não suspeitar que a história fosse sobre o Harry, na verdade.
- Ótimo. - Penso se quero mentir mais uma vez. Ainda fazia sentido continuar negando?
- E está todo mundo de acordo que ele é a melhor pessoa para o papel. - Ele dá de ombros. - Pelo menos parece que sim.
- E o que você quer dizer com isso?
- Não quero te ofender. Só estava me perguntando se a sua decisão foi imparcial, mas não tenho nada a ver com isso.
- E eu não tenho nada a ver com quem decide o elenco. Eu não escolhi ninguém - de fato, eu nem queria que Harry pegasse o papel do Ethan.
- Não é da minha conta. - Josh tenta me acalmar, jogando o resto de sua salada no lixo. - Foi só um comentário.
- Bom, não comente de novo.
- Não está mais aqui quem falou. - E ele me dá as costas, caminhando com tranquilidade na direção dos trailers.
Balanço a cabeça mais irritada do que deveria me sentir, e assim que me viro para continuar meu caminho, é Styles que vem me encontrar, já há menos de cinco metros de distância.
- Tudo bem? - pergunta ele, e parece entender tudo quando aponta em direção a Josh. - Parecia uma conversa um pouco…
- Tensa. - completo por ele, respirando fundo. - Até o diretor do meu filme está me julgando por ter sido flagrada com você.
A expressão de Harry fica confusa e ele espera que eu explique. Solto uma risada sem graça.
- Só estava me perguntando se a sua decisão foi imparcial. - repito a frase de Josh, tentando uma voz mais grossa. - É claro que minha decisão não foi imparcial! Eu lutei pra te manter longe desse filme, mas meu voto foi anulado por uma comissão inteira de pessoas que entendem mais do assunto do que eu.
Quando termino de revirar os olhos, encontro os de Harry sobre mim. Ele me analisa, e não parece exatamente feliz com o que eu acabei de admitir.
- Ah, você sabia que eu não queria você. Não tente fazer com que eu me sinta mal por isso.
- Foi o papel mais difícil ao qual me candidatei. Tive que estudar o livro e tudo. Nem ensino médio foi tão complicado.
Eu o encaro, franzindo os olhos.
- Você nem terminou o ensino médio. Não sabe quão difícil é.
- Ouch. - nós dois rimos. - Deve ser mais fácil do que conseguir sua aprovação.
Balanço a cabeça com um sorriso, e suspiro dando mais um passo em sua direção, diminuindo a distância entre nós para apenas alguns centímetros. Harry passa a língua pelos lábios e sorri também.
- Isso é batom? - eu digo, passando a ponta do polegar pelo canto de sua boca, tentando tirar.
- Aham. Quer provar?
- Você está usando batom. - falo mais uma vez de forma definitiva, ignorando seu convite.
- Você quem descreveu o Ethan com lábios vermelhos.
- Você já tem lábios vermelhos.
- Aham. Quer provar?
Afasto a mão do seu rosto, olhando sua boca com atenção, e não consigo evitar o sorriso que começar a esticar meus lábios. Harry franze as sobrancelhas, confuso, e também coloca os dedos em mim.
- O que foi?
- Lembra da sétima série? - Pergunto distraída, finalmente deixando de encarar sua boca para ver a expressão divertida que toma seus olhos.
- Acho que sim.
- Todo mundo da nossa sala já tinha beijado alguém, menos eu. E eu estava tão incomodada com isso que tenho certeza que era a única coisa que eu conseguia pensar. Caramba!
- Era o único assunto que você tinha. Acho que foi um pouco antes de você começar a se importar se eu estava vestido ou não quando entrava no meu quarto. - Harry ri com a memória, e usa a mão que está em meu rosto para colocar uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
- Bom, você se ofereceu para ser meu primeiro beijo. Nunca vou esquecer da sua cara tentando me explicar que estava tentando me fazer um favor, e não que estava gostando de mim.
- Você não pensou que eu gostava de você? Nem por um segundo?
- Não! - Exclamo imediatamente. - Fiquei arrasada porque você era a única pessoa disposta a me beijar. E era sua obrigação como melhor amigo! Eu não queria ser beijada por obrigação.
- Não foi por obrigação. Eu só queria… - Ele se interrompe, constrangido, e revira os olhos quando vê que estou esperando que termine de falar.
- Só queria o quê? - Pressiono.
- Bem, só queria te fazer feliz. - Styles dá de ombros, parecendo mortificado, e vira o rosto quando começo a rir.
- E eu deveria ter aceito sua proposta. - Puxo seu braço para que possa olhá-lo direito. - Se lembra quem foi meu primeiro beijo?
- Gary Chorão? - Arrisca.
- Gary Chorão! - Confirmo, escondendo o rosto nas mãos.
- Ele chorou depois que te beijou, não chorou?
- Ele chorou enquanto me beijava! Esse é o preço que eu paguei por não ter deixado que você me beijasse.
- Eu realmente ofereci.
- Eu sei, eu lembro. - Sorrio quando ele me encara, tentando segurar a gargalhada.
- E depois que te beijou? Chorou também?
- Também.
A risada de Harry ecoa pelo estacionamento vazio do estúdio.
- Eu era uma opção muito melhor. - Conclui para si mesmo com um aceno convencido.
- Me diga algo que eu não sei. - Reviro os olhos, e tão logo termino de falar, percebo: os dentes somem de seu sorriso. É mais tímido agora, e ele me encara como quem sabe de uma piada interna que acabei de comentar sem ter conhecimento.
-
- Você ia me contar sobre a música? - Pergunto baixinho, encarando seus olhos, mas ele torna a desviá-los quando suas bochechas ficam avermelhadas.
- Um dia.
- Se nunca tivéssemos nos encontrado…
- Eu iria atrás de você. - Me garante, esticando a mão para tocar a minha. Ele entrelaça nossos dedos, olhando para eles como distração. - Você ia me contar sobre o livro?
- Um dia. - Repito sua resposta, arrancando-lhe uma risada anasalada.
- Você queria que nos encontrássemos?
- Sim. Não. - Também dou risada. - Para ser sincera, eu não sei. Depois de Nova Iorque convenci a mim mesma que era você quem não queria mais saber de mim. Fiquei com raiva por tanto tempo que nem sabia do que estava com raiva mais… Acho que não foi culpa de nenhum de nós dois.
Ele assente, prestando atenção, e solta um suspiro quando termino de falar.
- Acho que nós dois pisamos na bola. Acho que você deveria ter me dito que gostava de mim…
- Ia te impedir de namorar a Hannah alienígena?
- Não é um apelido legal. - Me censura, mas sua expressão é carinhosa. - Você gostou de mim esse tempo todo?
- Ela tem olhos grandes. - Dou de ombros. - Não é como se eu dissesse na cara dela…
- Você não respondeu.
- Eu não sabia que gostava de você nessa altura. Só achava que não gostava da Hannah, então começou a ser muito estranho te ver seminu todos os dias. E sempre que você dizia que me amava eu sentia alguma coisa, no fundo do peito, um calor gostoso de quem quer mais. Acho que foi quando percebi.
- Nós tínhamos catorze.
- Eu sei…
- Você foi apaixonada por mim por três anos e nunca me disse nada nesse meio tempo?
- Nove anos. - Corrijo baixinho, esperando que ele não escute, mas Harry toma aquela expressão concentrada de quem está fazendo as contas de cabeça, e me olha com carinho mais uma vez. - E eu te disse.
- Sinto muito. - Ele se aproxima para me beijar, mas é rápido, como se ele simplesmente não conseguisse manter distância depois de saber que ainda gosto dele tanto quanto nove anos atrás. - Sinto muito que quando o destino tenha sorrido para nós, o mundo inteiro ficou sabendo.
- Eu não ligo. - Garanto, abraçando sua cintura.
- Aposto que o livro vai vender mais essa semana. - Harry ri.
- Aposto que a música também.


18 meses depois

É difícil me concentrar com toda a barulheira no quarto de hotel - as diversas pessoas falando ao mesmo tempo não ajudam em nada minha missão de não me sentir ansiosa demais a ponto de não conseguir andar pelo tapete vermelho. Não que fosse tão grande coisa assim; eram mais ou menos vinte metros divididos entre tirar fotos e conversar sobre o filme com os repórteres. Conversar sobre Harry, penso meio à contragosto, mas tento não me estressar mais do que o necessário antes da hora.
Pares de mãos muito hábeis me vestem em um vestido preto simples, e cuidam para que meu cabelo e minha maquiagem estejam no lugar. Quando imaginei o momento, pensei que teria mais glamour hollywoodiano ao meu redor, mas essa parte era aparentemente reservada para quem estrela os filmes, não para quem meramente faz parte do processo criativo.
Minha mãe está sentada na cama do quarto, tentando parecer relaxada para não me estressar, mas a coluna empertigada e as perguntas insistentes dizem o contrário. Sua voz fica mais estridente à cada minuto que se passa e a outra mãe não chega para reconfortá-la, tarefa que estou muito longe de ser capaz de fazer.
- Você tem certeza que está bem? - Pergunta pelo que me parece ser a décima vez.
- Está falando comigo ou consigo mesma? - Devolvo com uma risadinha, fazendo-a se mexer desconfortavelmente onde posso vê-la no reflexo do espelho.
- Se você estiver muito nervosa pode acabar…
- Qual a pior coisa que pode acontecer? - Interrompo, me divertindo. - Entre ficar parada e responder perguntas não parece ter nada muito arriscado.
- Bom, nós duas sabemos que você não é exatamente exímia em coordenação motora e filtro entre o que pensa e o que fala. - Comenta displicentemente.
- Mãe! - Reclamo, mortificada quando a garota que retoca minha sobrancelha deixa escapar uma risadinha.
- Eu não sou a mãe que passa panos quentes, como você bem sabe. - Ela dá de ombros, meio distraída.
- Ninguém liga se eu aparecer ou não. Para falar a verdade, só se importam com o Harry e a Kassi. Tanto faz quem escreveu o livro.
- Não é completamente verdade. - Tenta me assegurar, me encarando pelo reflexo, e esboça um sorriso.
- É um pouco verdade? - Desafio, franzindo o cenho.
- Estou tentando te confortar.
- Eu percebi!
A mesma garota que me vestia me ajuda a calçar os saltos, se afastando para tirar uma foto quando estou, de fato, pronta. Dou mais uma volta para que a mãe número um possa ver, o que dá início à uma sessão de fotos pré tapete vermelho.
- Você está atrasando a , não está? - A mãe número dois coloca a cabeça por uma fresta da porta, a expressão suspeita quando me vê de frente para a câmera do celular.
- Está! - Confirmo imediatamente, caminhando para a saída.
- Harry já está aqui. - Me informa assim que passo pela porta, esticando o braço para arrumar qualquer coisa em meu cabelo. - Vocês vão juntos?
Tento não demonstrar reação alguma à menção do nome, mas meu estômago revira em expectativa mesmo assim. Depois que as gravações se encerraram, alguns meses atrás, imediatamente nos afastamos quando seus compromissos com a turnê começaram. Tivemos a oportunidade de nos ver em um show ou dois, mas não podíamos nos dar o luxo de mais do que um fim de semana. Agora ele estava de férias de novo, pelo menos da parte musical de sua vida, e poderíamos promover o filme juntos. Eu não sabia exatamente em que pé estávamos, mas estava ansiosa mesmo assim.
- Eu não sei. - Respondo quando me chama a atenção. - Acho que vamos juntos até um ponto, mas ele passa sozinho pelo tapete. Riley deve nos encontrar na Leicester Square e cuidar de tudo isso.
- Ótimo. - Minha mãe faz um aceno, analisando meu vestido uma vez, e abre um sorriso antes de chamar o elevador para mim. - Você está linda.
- Obrigada. - Agradeço, mesmo que saiba que é seu dever de mãe me fazer elogios. - Eu te agradeceria pelos genes se tivesse certeza que fossem seus.
Ela revira os olhos teatralmente.
- Já te disse mil vezes que não te roubamos da Madonna na maternidade.
- E como é que vou saber? - Desafio, já dentro do elevador, mas as portas se fecham antes que ela possa retrucar.
Me olho no espelho enquanto o compartimento desce em direção à garagem subterrânea, respirando fundo antes que as portas se abram e eu dê de cara com um Harry entretido no próprio celular. Ele está reclinado contra a mureta de concreto, as pernas longas cruzadas displicentemente na altura dos tornozelos, o torso tão atraente na roupa de tecido escuro que as portas quase se fecham novamente enquanto o admiro. Saio do elevador com pressa, atraindo sua atenção, e ele abre um sorriso preguiçoso depois de guardar o celular no bolso.
- Uau! - Exclama quando se vira na minha direção. - Como é que vou competir com isso tudo?
- Rá! - Rio ironicamente, revirando os olhos para seu galanteio barato. - Até parece.
Quero correr até ele para matar a saudade, mas não parece a melhor das ideias em cima desses saltos. Styles me faz o favor de encerrar a distância entre nós, me abraçando com carinho antes de me beijar.
- Você está incrível. - Fala baixinho, perto do meu ouvido, e a única reação que tenho é ficar vermelha.
- Me diga algo que eu não sei. - A frase arranca outro sorriso de seus lábios antes de entrarmos no carro.


É estranho passar pelo tapete vermelho - a ansiedade aperta meu estômago à cada passo desajeitado que dou, tentando sorrir e olhar na direção de todas as câmeras. Fico ainda mais nervosa ao ver Harry se aproximar, a pose descontraída de quem está acostumado com esse tipo de evento, um sorriso tímido toda vez que nossos olhares se encontram.
Me aproximo para posar com ele e Kassi, e consigo ouvir as exclamações sobre o quanto somos parecidas. Estou tremendo, sei disso pelo olhar que Styles me lança quando passo a mão por suas costas.
- São só fotos. - Fala baixinho, tentando não mover os lábios, e balanço a cabeça querendo que ele desvie a atenção de mim.
É mais rápido do que parece para mim; me distraio por um momento e já estamos dentro do teatro, esperando que todos os jornalistas cheguem para nos posicionarmos diante da tela. Há mais fotógrafos ali, mas desta vez estou acompanhada de mais pessoas do que meus protagonistas, Boone em um dos meus lados e Harry do outro, o resto do elenco se estendendo à minha esquerda.
- , você acha que seu relacionamento com Harry poderá influenciar na bilheteria do filme? - A pergunta vem do meio da platéia, de onde não posso identificar quem a fez, e sinto meu rosto esquentar antes de receber um microfone das mãos de Josh.
- Acho que um elenco tão incrível pode influenciar na bilheteria do filme. - Desconverso com uma risada, acompanhada por todos.
- A escolha de Harry Styles para o papel principal foi influenciada por isso? A possibilidade de uma maior atenção na direção da produção? - Outra pessoa pergunta, um rapaz jovem, na primeira fileira, usando um terno que lhe cai impressionantemente bem.
- Eu não sei se sou a pessoa certa para responder, porque não tive influência alguma no processo de casting, mas nas discussões que tivemos, o consenso foi que Harry… Bem, Harry é Ethan. Não seria justo com o personagem escolher qualquer outra pessoa.
- Harry, o que você tem a dizer sobre os rumores que o livro em que Nós foi baseado é na verdade sobre a sua história com ?
Ele não olha na minha direção, como espero que faça, e aceita o microfone que Riley vem correndo para lhe oferecer. Solta uma risada nervosa antes de começar a falar, trocando o pé onde apoia o peso do corpo.
- Acho que é inevitável não colocar um pouco de si quando se está escrevendo uma história, colocar um pouco das próprias experiências, e acho que isso reflete no trabalho da . Muitas das atitudes de Ethan, o que ele diz e o que ele faz, são atitudes em que pude me ver nelas, então de certa forma, as semelhanças com a vida real facilitaram o meu trabalho.
- Desculpa, parece que as perguntas são mais sobre o relacionamento de vocês do que sobre o filme. - O mesmo rapaz de terno fala na minha frente, sorrindo, e arranca mais algumas risadas da sala.
- Não tem importância. - Falo antes que Harry possa aproximar o microfone da boca. - São quase a mesma coisa.
Algumas pessoas se surpreendem com o comentário, incluindo Styles, ao meu lado, que ergue as sobrancelhas em uma surpresa educada. As próximas perguntas são direcionadas a Josh, e ninguém parece mais tão interessado em nós assim.


Viro para o lado na cama, esticando o braço para tocar o lugar vazio onde o corpo de Harry deveria estar. Abro os olhos, tentando clarear a visão para enxergá-lo no quarto escuro, mas somente quando acendo o abajur é que vejo que ele não está ali. Era para ser apenas um cochilo durante a tarde, mas quando me ergo para afastar as cortinas, vejo que já está escuro do lado de fora.
- Mãe! - Chamo com a voz sonolenta, descendo as escadas.
- Oi! - Escuto o grito de volta, soltando um suspiro.
- Não você! A outra!
- A outra saiu. - Responde com um sorriso quando finalmente entro na cozinha, retirando a chaleira do fogo e colocando a água quente em uma xícara na ilha de pedra. - Quer chá?
- Não, estou bem. - Me aproximo das cadeiras altas, puxando uma delas para me sentar. - Você viu o Harry?
- Ele saiu tem algumas horas, disse para te mandar para casa dele quando acordasse. - Tem alguma coisa no seu sorriso, algo que não consigo decifrar, e a sensação de que ela esconde algo de mim cresce ainda mais quando desvia os olhos, fingindo inocência. - Tem um casaco pendurado perto da porta.
Continuo olhando-a com desconfiança, mas me afasto sem dizer nada, caminhando até a porta e vestindo o casaco fino. A peça de roupa faz pouco para me aquecer quando piso do lado de fora, a brisa gelada balançando meus cabelos enquanto caminho a curta distância até a casa de infância de Harry.
Sua mãe está na porta, sorrindo com a gata da família no colo, o mesmo sorriso cúmplice que parecia comum às mães hoje.
- Ele foi dar um passeio na ponte. - Me informa, os olhos claros observando minha reação.
- Aquela ponte ainda existe?
É patrimônio cultural de Holmes Chapel. Pelo menos para os jovens, que costumavam ir para lá fumar maconha ou ficar nos amassos com alguém. É perto da casa de Harry, pelos fundos, à mais ou menos cem metros de distância, passa sobre uma nascente de água que deve estar quase congelada nessa época. Foi onde Harry deu seu primeiro beijo, e onde teria sido o meu se eu fosse mais inteligente quando mais nova.
Me pergunto se quero mesmo segui-lo, pouco aquecida nas roupas que estou vestindo, mas desisto de pensar demais no assunto, entrando na casa de Harry e caminhando até os fundos. A caminhada até a ponte é mais fria do que eu esperava, e estou começando a surtar com o fato de ser um caminho mal iluminado quando enxergo as primeiras velas. Encaro, descrente, esperando que desapareçam quando eu me aproximar o suficiente, mas os vidros ainda estão ali, bruxuelando na escuridão, e quando começo a acompanhá-los, vejo a ponte à distância. Está completamente iluminada, coberta de pequenos vidros com as velas, tão surreal quanto Harry em pé ali, um sorriso convencido no rosto.
- O que é isso? - Pergunto quando estou próxima o suficiente para ser ouvida, encarando-o com descrença.
- Se lembra da história do meu primeiro beijo?
Busco na memória, tentando me lembrar, e hesito antes de pisar na construção de madeira.
- Não! - Exclamo imediatamente, sem acreditar, e tento não sorrir.
É claro que me lembro do primeiro beijo dele. Com Hannah, a namorada que eu odiava, e ele fez a mesma coisa que estou presenciando agora - iluminou toda a ponte com velas e comprou flores para ela, que no fim das contas não apareceu. Era para ser o primeiro beijo dele, mas não deu muito certo, então tiveram de repetir de forma menos romântica depois.
- É o que estou pensando? - Ainda não me aproximo dele, encarando as velas ao meu redor como uma desculpa para não olhar em seus olhos.
- Achei que você merecesse algo melhor do que o Gary chorão. Acho que eu merecia algo melhor do que a Hannah alienígena. Se nós fingirmos com dedicação o suficiente, esse pode ser nosso primeiro beijo. Como deveria ter sido desde o começo. Nós deveríamos estar juntos desde os treze anos, .
Sorrio para ele, e coloco os pés na estrutura de madeira, caminhando na direção do meu primeiro beijo.
- Me diga algo que eu não sei.


Fim.



Nota da autora: Sem nota.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.




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