Última atualização: 02/10/2017

Capítulo Único

’s POV


Eram apenas sete horas da manhã e o sol já nascia gentilmente entre as nuvens espessas e carregadas de um brilho singular. Os raios de sol atingiam vagarosamente toda a extensão da minha pele, causando uma ardência prazerosa, porém escaldante. Escondi meu rosto por trás da aba reta do boné, embora estivesse entretida demais enaltecendo o começo daquele dia em específico. Os pássaros decolavam em ritmo uniforme e tranquilo ao redor das árvores robustas de novas folhas, amarelas e levemente esverdeadas em um contraste apaixonante. O típico cheiro de terra recém umedecida atingiu minhas narinas e eu titubeei um sorriso fraco.
Os respingos de suor pegajoso que brotavam pelos meus poros me lembraram de que eu deveria estar correndo há cerca de uma hora, apesar de o Sol mal ter surgido. Não era como se eu estivesse preocupada com o horário, mesmo que eu prefira correr ao amanhecer ao invés do anoitecer. Limpei com a manga da camisa as gotas que teimavam em moldar as curvas dos meus lábios e tentei manter os olhos brevemente abertos enquanto fugia dos raios ensolarados que cutucavam minhas córneas. O clima de primavera trazia um ar descontraído, leve e tranquilo às ruas de Seul, realçando a beleza evidente em seus belos monumentos e pontos turísticos espalhados pelas diversas esquinas à frente. As ruas estavam movimentadas, como o esperado, com dezenas de pessoas andando apressadas até seus destinos. Milhares de estranhos que eu nunca havia visto na vida e provavelmente nunca mais veria passavam por mim, muito ocupados em cuidar de seus próprios assuntos sem se importar com quem os observava. Sorri atônita ao perceber que eu estava sendo um insignificante ninguém em mais uma parte do mundo, mas surpreendentemente confortável com esse fato.
Atravessei a saída do Hongdae e peguei meu caminho pela via expressa, voltando a caminhar como eu costumava fazer após as maratonas matutinas. As diversas lojas começavam a abrir suas portas para mais um dia de comércio e eu observei algumas vitrines, entretendo-me até chegar à rua de minha casa.
Antes de abrir por completo a porta do apartamento, Snow contornou o cômodo até me alcançar na entrada, saltando com seu esguio corpo até uma altura que eu pudesse levantá-la e distribuir carinhos pelo topo da sua cabeça.
– Calma, garota! Estou de volta. – Gargalhei com sua euforia típica ao me ver chegar em casa e coloquei-a de volta no sofá para que eu pudesse retirar a roupa suada.
Eu estava desesperada por um banho. Não apenas uma ducha rápida, mas sim um banho que fizesse minha pele enrugar e pipocar pela vermelhidão que a água quente se derramando sobre mim causava. Liguei o chuveiro e permaneci apoiada nos azulejos gélido do box a tempo de observar as nuvens de vapor criar uma película neblinosa no espelho. Quando o líquido gelado e refrescante do shampoo entrou em choque com o meu couro cabeludo, aquecido, senti um arrepio rondar minha musculatura, mesmo adorando aquela sensação. Massageei meus fios de cabelo com uma determinação preguiçosa, sem pressa como pretexto de adiar o resto do dia por mais alguns minutos.
Depois de sentir que eu estava limpa e relaxada o bastante, enrolei-me em uma das toalhas e me sequei até não sentir mais nenhuma gota d’água chocar-se com o porcelanato do banheiro. Andei em pequenos pulos até o quarto com o intuito de fugir do choque térmico que os tacos de madeira causavam quando meus pés estavam despidos após os banhos e Snow veio com seu rabo abanando, esperando que eu continuasse lhe acariciando, mas me esforcei para ignorar seus suplícios e focar em escolher o conjunto de roupa que usaria hoje. Deslizei meus dedos pelos vestidos e saias que enchiam meus olhos de dúvida e acabei optando por um vestido plissado metalizado no tom rosado, de alcinhas finas, que iria me impedir de torrar e transpirar litros de suor o dia inteiro.
Sentei na borda da cama e suspirei pela primeira vez na manhã. Eu já estava me sentindo cansada antes mesmo de ter saído de casa só ao imaginar a lista de afazeres que eu teria de cumprir ao longo do expediente, desejando poder ficar o resto do dia rolando entre os travesseiros da minha cama. Snow aconchegou-se entre minhas pernas do jeito que fazia quando queria que eu ficasse em casa e eu a deixei ficar ali por mais um tempo. Eu também não queria ir embora.
Eu estava prestes a desligar a caixinha de som que eu deixava plugada ao meu celular quando eu o ouvi.
A voz profunda, grossa, gentil e o timbre vigoroso emanou do aparelho numa vibração que há tempos eu não apreciava. O som repentino fez com que eu recuasse um passo e encarasse o meu celular com olhos sobressaltados e perplexos. Eu não fazia ideia de que ainda mantinha aquela gravação salva, muito menos que eu teria esta reação ao ouvi-lo novamente.
No decorrer dos anos, eu acreditei que meus sentimentos estavam finalmente acabados, completamente superados. Embora eu negasse com fervor, eu ainda conhecia cada sílaba daquela música, as notas do piano, os exatos segundos em que sua voz voltaria a ofuscar todo o resto que formava um conjunto sonoro naquela gravação, a forma como eu sentia meu coração balbuciar ao ouvir sua voz pronunciar com tamanha doçura as promessas que hoje só possuem valor em minhas memórias. Eu continuava vidrada naquele aparelho, como se a qualquer momento ele pudesse sair de dentro de lá e ressurgir diante de mim, acompanhado de seu sorriso contagioso, arrastado e que fazia até seus olhos se expandirem em uma felicidade que só ele era capaz de exalar. Aquele sorriso que derretia cada uma das minhas barreiras, que me tornou refém de um sentimento tão inalcançável e insubstituível. Senti uma parte do meu coração se abrir, desabar em aceitação.
A parte de mim que já amou infinitamente .
Foi como resgatar do fundo do baú aquelas velhas lembranças. Percebi que mesmo depois de tanto tempo fugindo daquelas memórias, elas continuariam florescendo com qualquer simples insinuação que me remetesse de volta a ele. Demorei a perceber que lembranças não são prova de que eu falhei em algo, que eu poderia ter mudado o rumo das minhas atitudes, palavras ou desejos. Percebi que aquelas lembranças são apenas tempos passados que não voltarão mais. É a prova de que algo existiu, mas apesar de tudo um dia acabar, essas lembranças o tempo talvez nunca vá levar para longe de mim porque, por mais que eu tente, ele nunca vai existir apenas dentro da caixinha de som que descansa sob o meu móvel — ele sempre será uma caixinha de som que emerge de dentro de mim, como uma parte que me complementa, uma parte inseparável e eterna.
Éramos apenas duas crianças quando nossas vidas se cruzaram, naquele ano do ensino fundamental. Quando vi aquele garoto sentado na sala de música, tão dedicado em aprender a tocar piano e ter a música como a sua grande paixão, eu sabia que meu destino estaria traçado ao lado do dele. Não tínhamos noção alguma do que era o amor, muito menos de como sustentar uma relação, mas o que possuíamos era tão puro, genuíno e ímpar que seria um desperdício deixarmos que as dúvidas e receios nos impedissem de nos jogar naquele amor, que parecia existir antes mesmo de termos nos encontrado; algo predestinado exclusivamente para nós. Eu era uma garotinha presa em seus encantos, tão tomados de amor e afeto, que imaginar que eu tinha feito algo certo nesta vida para merecer aquele garoto soava como uma chacota. Nunca cheguei a pensar que eu era digna daquele amor, embora eu fizesse tudo que estivesse ao meu alcance para merecê-lo. Esse era o poder que tinha em mim; fazer com que eu sentisse seu amor me tornar invencível, destemida e implacável, mas ao mesmo tempo fraca, submissa, vulnerável e sem controle. Minhas barreiras cediam a cada toque, olhar e palavras ditas ao pé dos ouvidos, como se eu estivesse realmente subordinada àquele amor. Ele se tornou tudo àquilo que eu ansiava, mas tudo aquilo que me domava. Uma parte de mim que criou vida própria dentro do meu eu.
Eu sabia que não seria fácil, de longe seria o momento mais conturbado para a vida de uma adolescente que estava à flor da idade, descobrindo que a vida nem sempre será gentil com seu coração inocente. Quando eu andava quadras até chegar ao prédio de treinamento, onde dedicava horas a fio de seus dias, eu podia ver que não estava longe o dia em que eu deixaria de fazer parte de sua vida. Era como se lentamente eu me tornasse um borrão em sua rotina, uma breve passagem que de tão momentânea, mal chegava a ser real.
Minha presença passava despercebida entre todos aqueles rostos que se tornaram tão familiares e queridos por ele. Não era como se eu fosse invisível, mas eu não me sentia mais como um dos seus momentos preferidos do dia. Eu passei a esconder meus olhos por detrás dos óculos escuros para que não visse as lágrimas beirando em minhas pálpebras a cada vez que nossos encontros se tornavam menos frequentes. Suas olheiras realçavam o que o tempo estava fazendo com ele, aqueles olhos que antigamente tinham tanta energia e saúde pareciam estar sendo consumidos pelo cansaço e angústia, um constante medo de estar falhando mesmo quando a única coisa que ele fazia era se consagrar. Eu queria envolvê-lo em meus braços e dizer que ele já era tudo aquilo que sonhara em ser, mas nossos minutos acabavam em um lapso temporal tão rápido que às vezes eu acreditava que nem chegaram a de fato acontecer. Quando eu notava, novamente estava sozinha naquele banco de madeira que ficava aos fundos da ala de treinamento, recontando quantas frases conseguimos trocar e todas aquelas que se mantinham presas em minhas cordas vocais. As lágrimas já não escorriam mais pelo meu rosto e eu não sentia vontade de chorar. Eu estava aceitando o que estava prestes a acontecer – o nosso para sempre não seria para sempre. O espaço que se formava entre nós ocultava todas as palavras perigosas que evitávamos verbalizar. Parecia que estávamos nos preparando para descobrir qual de nós seria o primeiro a dizer adeus.
Imaginá-lo de volta à minha vida era uma angústia, senão uma tortura. Eu era apenas uma garota com o coração partido que havia descoberto que não era só de amor que alguém vivia quando nossas vidas se desgovernaram e tomaram caminhos opostos. Durante incontáveis dias eu me vi sem rumo, tendo que aceitar que tudo aquilo era pelo bem de . Éramos apenas crianças quando nos apaixonamos e sem pudores e inseguranças eu me entreguei àquele garoto de olhos dóceis, jurando amor eterno, convicta de que apenas aquilo bastava para nos manter juntos. A memória de uma repleta de ingenuidades e certezas invadiu meu subconsciente e não acreditei que costumei ser aquela garotinha por longos anos. Foi só mais uma etapa da minha vida, apenas isso, era o pensamento que eu me apeguei quando eu via surgir em mais um anúncio de TV. “Seja forte e supere!”, eu gritava internamente durante as noites em claro. Ele será apenas uma parte do seu passado, eu acreditei.
Após finalmente me recompor, cessei aquele som do ambiente, mas não de minha mente. Snow me encarava com seus grandes olhos castanhos e imaginei que até ela deveria ter ficado surpresa por aquela voz ter surgido novamente em nossas vidas, depois de tanto tempo. Ela arrastou-se entre meus pés e deu um sutil beijo nas pontas dos meus dedos, partindo de volta para sua caminha. Eu me forcei a parar de olhar para a gaveta da estante e não ceder a vontade de abri-la e procurar pelos antigos álbuns de fotos. Eu não poderia fraquejar agora, pelos céus! Eu era mais forte do que aquilo. Se eu cheguei até aqui, como é que eu poderia voltar a hesitar por causa de um simples som?
Segurei firme a alça da bolsa a ponto de meus dedos latejarem ao contato dolorido das unhas com a palma da mão. Me convenci que aqueles sentimentos iriam acabar ressurgindo cedo ou tarde, mas a escolha de tentar retraí-los era unicamente minha, e era isso que eu continuaria fazendo; fugindo das minhas próprias ironias.
Ignorei qualquer pensamento provocante e girei sem rodeios a maçaneta. Traguei o ar e a cada segundo que meus pulmões se enchiam de oxigênio, eu repetia para mim mesma que aquela seria a última vez que eu iria quebrar minhas promessas. Eu prometi a mim mesma de que eu iria superá-lo.
já não era mais parte da minha vida.
Então, por que diabos eu continuo com a sensação de que ele ainda me tem na palma da mão?

~*~

– O dedão da mão direita fica repousado sobre a primeira tecla branca da oitava central, . O mindinho da esquerda é o dedo ao qual se repousa no C da oitava abaixo. Esqueceu? – Minah beliscou meu ombro como se precisasse ter certeza de que eu havia a escutado. Acenei com a cabeça, envergonhada por estar falhando daquela maneira. – Por onde anda sua cabeça, amiga? Não é de seu feitio cometer um erro desse grau.
– Sinto muito, estou um tanto cansada. – Me esforcei para sorrir o mais natural possível enquanto driblava seus olhos do meu rosto. Não estava disposta a compartilhar a razão de estar avoada, porque caso eu revelasse indicaria que eu estava voltando à estaca zero depois de tanto tempo progredindo. Eu não me permitiria a falhar nesse assunto. – Prometo que no próximo treino eu estarei mais concentrada, Minah. – Seus braços me rodaram em um confortável abraço e eu nem tinha notado o anseio que tinha por um ato de afeição vindo de alguém que não possuía a necessidade de receber muito de mim. Minah nunca fora o tipo de amiga que vasculhava até o meu último neurônio e essa era sua forma de me dizer que eu poderia privar os meus devaneios a mim mesma, até que eu os resolvesse sozinha. Esse era mais um de meus momentos íntimos em que Minah permaneceria do lado de fora, à espreita, esperando o meu sinal de emergência. – Me desculpe por estar te preocupando, amiga. Não é nada demais, acredite em mim. – Ela sorriu minimamente ao ver meu rosto afrouxar uma feição mais simpática e descontraída. Eu deveria ao menos lhe oferecer o resto do bom humor que me sobrara hoje.
– Confio em você, . Sei que falará quando estiver pronta. – Minah começou a recolher as partituras e eu me juntei a ela para arrumar a sala de estúdio. O único barulho que se ouvia era de nossos pés, se arrastando preguiçosamente pela sala enquanto guardávamos o resto dos instrumentos que os garotos da banda tinham deixado para trás. – Um de meus amigos me contou que estão à procura de alguém que possa fazer uma participação como pianista em um álbum da SM Entertainment. Ele disse que é um projeto solo de um dos idols da empresa, mas não entrou em muitos detalhes. Está interessada? – Demorei alguns segundos para entender que ela estava me perguntando aquilo. Apoiei o peso do meu corpo na lateral do piano e pensei sobre a proposta, mesmo que fosse despretensiosa. – Você sempre me disse que tem vontade de conhecer a produção de uma música em estúdios profissionais, não é? Quem sabe essa é a sua oportunidade? – Minah sugeriu.
– Não é uma má ideia. Vale arriscar, certo? – Ela sorriu para mim com seus dentes à mostra, batendo algumas palminhas em animação. Por um breve momento, senti sua expectativa me atingir em cheio também, fazendo com que eu me animasse com a vaga chance de realizar uma das minhas vontades reprimidas. – Pergunte a ele o que é preciso para participar da audição e depois me conte, ok?
– Com certeza, querida! Chegou a sua vez de borrar as calças daqueles engomadinhos.
– Não se iluda tanto, Minah. Sabemos o infinito de pessoas que fazem audições para essas coisas, sem citar que são pessoas infinitamente talentosas. – Apontei o que me parecia o mais óbvio.
– Não se rebaixe, mulher. Você fala como se esses seus dedos não fossem os mais talentosos de toda a escola. – Rolei os olhos ao ouvi-la ser tão desproporcional. – Estou falando sério, você tem toda a capacidade do mundo em estar naquele estúdio, , mas por favor, não vá confundir as teclas novamente. Se fizer isso fingirei que nunca te dei uma aula de piano na vida!
– Qualquer erro que eu cometer é de sua responsabilidade, lindinha. – Pisquei para ela a tempo de vê-la apontar o dedo na minha cara e fazer sua conhecida expressão que indicava nas entrelinhas um “nem tente, .”, como aviso. Ignorei sua tentativa de me amedrontar e saí da sala, ouvindo seus passos apressados me seguirem.
- Amanhã, às 20h, eu quero sua bundinha esbelta sentadinha em frente àquele piano, prontíssima para treinar a música que irá tocar na audição. Vamos revisar cada nota, , cada nota! – Ela elevou o tom de voz e eu falhei em prender o riso.
– Mais alguma exigência, querida professora? Se a senhora não se importa, precisarei me retirar agora, tenho algumas petições me esperando em casa. – Saudei Minah de longe e retirei da bolsa a chave do carro, vendo-a repetir os mesmos passos e caminhar em direção ao seu carro. Trocamos algumas caretas e quando estávamos próximas da saída, Minah buzinou com toda a determinação de sua vida para que eu a olhasse. – Enlouqueceu?
– Tome um banho de banheira, faça yoga, leia algum livro motivacional ou qualquer besteira tranquilizante que te ajude a relaxar e se preparar para o que está vindo a seguir. Você está prestes a se tornar uma estrela, minha amiga! Faremos o mundo conhecer o seu talento. – Nossos sorrisos se misturaram em um misto de agradecimento, crença, amizade e apoio. Eu não precisava ser uma estrela, muito menos atingir o sucesso global, mas em respeito à Minah eu viria a me esforçar para honrar todos os anos de cuidado que ela gastou me incentivando a não largar esse hobby que eu tanto amo, mas que possui tamanho significado e certo sofrimento por detrás. Não foi ela quem me atiçou a vontade de descobrir-me entre as teclas daquele instrumento, mas tinha sido ela quem me ensinou que uma vez que eu tenha começado alguma música, eu deveria terminá-la, por mais difícil, frustrante ou doloroso que fosse.
Foi isso que eu fiz após aquela noite fria no começo do inverno, quando eu achava que tudo o que eu faria a seguir na minha vida seria guardar aquela partitura no fundo da minha gaveta e esquecê-la junto com todas as emoções e sentimentos que contribuiu para que ela se tornasse real naquele pedaço de papel. Minah foi quem me fez enxergar que, por mais que eu quisesse, não poderia simplesmente abandonar aquilo sem um devido ponto final. Eu, então, terminei aquela composição, que carregava uma parte de meu coração, desabrochando-se com a amargura das memórias que se tornaram minha particular tortura e mantive guardada a sete chaves como um lembrete de que eu fui capaz de deixá-lo partir para algo maior do que nós dois. Algo maior do que aquela música que fora feita unicamente para ele, algo maior do que representaria sobre nós.
Talvez tenha chegado à hora de libertá-la daquela gaveta e dar a oportunidade para que ela volte a emergir daquelas teclas. Talvez superar signifique ser forte o bastante para encarar tudo aquilo que lhe enfraqueceu, tudo aquilo que lhe amedrontou, mas que agora não mais te torne indefesa, porque, no final, é uma questão de reconhecer quem é o seu primeiro amor e o que ele merece; meu primeiro amor sempre será a pessoa que enxergo no espelho e é ela quem merece seguir em frente, pois tanto com ele ou sem ele, ela nunca estará sozinha. Aquela pessoa que eu olho no espelho sempre terá a si mesma.

’s POV

Durante oito horas, ensaiei a coreografia da nova música do EXO, prestes a desmontar de cansaço no estúdio. Escorei-me na parede de vidro e me permiti a soltar um longo suspiro; um misto de nervosismo, stress, cansaço e exaustão. As vinte e quatro horas do dia se tornavam quarenta e oito horas quando estávamos em época de lançamento de comeback e eu tentava esconder minha sobrecarga emocional através da música, mas a cada estrofe que eu cantava, seu rosto surgia em minha mente como uma ardente memória que desaparecia feito fumaça. Eu me lembrava de cada detalhe com uma clareza transparente, mas sua partida era a lembrança mais penetrante e real que habitava meus pensamentos nos últimos anos. Era como se eu continuasse perseguindo sua sombra através do tempo, preso na eterna depreciação da minha sanidade. Eu estava enlouquecendo, talvez, mas já não me espantava mais. Sendo real ou ilusório, seu rosto preenchia qualquer miragem que eu olhasse.
Eu tentei. Céus, como tentei esquecê-la. Transformá-la apenas em uma etapa da minha vida, uma história do meu passado. Eu conheci o mundo e em cada parte dele eu a via. Ela vagou junto a mim, por cada canto que eu perambulei, não me deixando seguir em frente. Eu sabia que ela não tinha culpa, afinal, sua partida foi mais repentina do que imaginávamos e desde então jamais pude tê-la por perto novamente. Naquele amanhecer nublado e escuro, na sala de música do ensino fundamental, quando a energética intensidade dos seus olhos atiçou os meus pela primeira vez, eu tive a certeza que aquela garota me tornaria um escravo em seu coração. Aquele perfume forte exalando de sua pele amarrou meus pés na palma de sua mão, me condenando a aceitar que, por mais que eu tentasse, nunca haveria outra pessoa que faria tanto sentido como ela.
Tudo se tornou claro naquele exato momento – eu estava cedendo. Cedendo a ela, a esse amor, ao meu eterno carma. Por tanto tempo foi apenas ela que agora eu já não sei mais o que deixou de ser. Continuo me sentindo cedendo, mas sem saber ao o quê. Continuo lutando com as memórias, mas não sei se luto contra ou a favor. , mais do que nunca, tornou-se um mistério sem fim para mim. Eu só não esperava que ela acreditasse que precisaríamos chegar ao fim sem o nosso próprio fim.

—FLASHBACK: 23 de Outubro de 2009, Seul, Coréia do Sul—
, venha aqui. – Fui até o cômodo que meu pai usava como escritório em nossa casa e o encontrei com o rosto repousando na palma de sua mão. Abriu um sorriso cansado e pediu para que eu me sentasse à sua frente. Assenti. – Meu filho, você está crescendo muito rápido. – Ele tentou esconder o riso, mas sua voz lhe trapaceou. Gargalhei.
– Inclusive, já até passei a altura do senhor. – Ele concordou, à contragosto, com uma falsa expressão revoltada.
– Você está próximo de se tornar um grande homem. A cada dia vem nos trazendo mais orgulho. O futuro tem grandes coisas guardadas para você, meu filho. – Sem saber, meu pai acabava de dizer tudo que eu precisava ouvir depois de um dia conturbado e exaustivo. Todas as minhas inseguranças e medos resolveram me atacar no mesmo dia e eu estava prestes a ser tomado pela exaustão, mas novamente meu pai estava ali me dando a força que eu precisava para continuar perseguindo meus sonhos. No fim do dia eram esses momentos que faziam tudo valer à pena. – Tome. Pegue esse dinheiro e vá comprar algum presente para . Ela esteve ao seu lado, te apoiando durante todo esse tempo, faça ela se lembrar do quão grato você é. Um homem não é nada sem o amor de sua mulher.
Corri para colocar meus sapatos e atravessei o bairro até uma lojinha que ficava perdida em um dos becos de Seul. Vasculhei pelo presente que eu tinha certeza ser perfeito para dar à e pedi para a senhora embrulhá-lo.
“Ei, o que você está fazendo?’’ Olhei no visor e o nome de ofuscava qualquer outra notificação. “Estou com saudades. Mais do que ontem e menos do que amanhã.”
“Estou indo fazer algo que ando querendo desesperadamente fazer nos últimos dias. Também estou com saudades. Mais do que ontem e muito mais do que anteontem.”
“E o que seria isso? Estou curiosa. Me dê alguma dica e, se eu acertar, você me deixará ganhar nossa disputa para decidir quem sente mais saudades.”
“Você nunca vai adivinhar e eu nunca vou te deixar ganhar essa disputa. É humanamente impossível você me vencer.”
“Vamos lá, , me conte! Eu não ligo para a disputa, eu a ganhei de qualquer modo, só para constar. Sabe por quê? Porque enquanto você dedica quase todos os seus dias treinando e se ocupando com coisas de futuro ícone mundial, eu passo meus dias jogada na cama, ouvindo muitas músicas depressivas e lamentando o quão triste estou por passar cada segundo do meu dia sentindo saudade de você.”
“Eu posso estar ocupando treinando e gastando cada segundo pensando em você, tudo ao mesmo tempo, sabe por quê? Porque eu me empenho muito em ganhar de você nas apostas. Sou imbatível.”
“Na verdade, você é um porre, . Não estou mais interessada em saber o que você está fazendo. Tchau.”
“Então você vai me dar um fora e me deixar plantado do lado de fora? Nesse frio?”
“O quê?”
A luz do quarto de acendeu-se e vi sua sombra surgir por detrás das cortinas. Sorri. “O que você está fazendo, ?”
“Não está óbvio?” Acompanhei a silhueta de sair de seu quarto e as luzes da casa irem se acendendo conforme ela passava pelos cômodos. “Vim fazer o que eu estava desesperado para fazer.” Repeti.
“E o que seria isso, exatamente?”
“Abra a porta e descubra.” Não demorou muitos segundos para surgir de pijamas na porta de entrada. Ela arqueou a sobrancelha ao me ver, tentando decidir se sorria ou se me socava. Antes de ter qualquer outra reação, empurrei-a na parede e prensei com urgência seu corpo ao meu, não deixando espaço para que ela saísse dali. Ela estava em choque tentando assimilar o que acontecia enquanto suas mãos voltavam a criar movimento e abraçavam meu pescoço. O cheiro natural de sua pele invadiu minhas narinas e todo o meu corpo vacilou da mesma maneira automática que ele reagia ao tê-la tão próximo. Minha língua deslizou pelos seus lábios e o gosto de manteiga de cacau me fez sentir ainda mais saudades do que eu já sentia, se é que seria possível. encostou sua testa na minha e agarrou os fios de cabelo da minha nuca, puxando-me para ainda mais perto e me deixando mais angustiado para cessar aquela distância. No mesmo segundo que seus lábios puxaram os meus para um beijo sedento, me senti de volta ao meu lar. Ninguém mais me causaria a sensação de estar embriago de prazer e amor como ela; era tão claro quanto à luz do luar que nos envolvia.
– Aish, eu amo quando você está com hálito de menta. É tão sexy. – Ela murmurou enquanto mordia meu lábio. Gargalhei, sentindo saudade até do seu senso de humor desproporcional em situações como aquela. Abracei-a ainda mais, esfregando meu nariz pela extensão do seu pescoço e ombro, relembrando aquele singular cheiro e a maciez de sua pele. – Eu me sinto egoísta por querer te ter por perto a todo o momento, Sarang’ah. Não posso me tornar egoísta.
– Seja egoísta por mim, Jagi. Meu coração é egoísta por você. – Seu rosto estava escondido na curva do meu pescoço, mas não precisei vê-lo para saber que ela estava sorrindo. Retirei cuidadosamente do bolso o embrulho e me afastei minimamente para olhá-la nos olhos. – Ei, trouxe uma coisa para você.
– Hoje então é o meu dia de sorte, huh? Você está me mal acostumando, garoto. – Ela me empurrou pelo ombro e olhou em direção ao embrulho. Entreguei a ela e a observei desembrulhar a caixinha, aguardando ansiosamente pela sua reação. Os pingentes logo surgiram à vista e sorriu até sua covinha abaixo dos lábios se esboçar perfeitamente. Sua respiração surpresa derreteu meu coração.
! – Ela arquejou, encarando os colares. Eu ri ainda anestesiado pela sua doce reação. – Não acredito que você se lembrou. – Seus dedos acariciavam meus cabelos enquanto seus olhos brilhavam ao olhar para os dois pingentes.
– É claro que eu me lembro. – Tirei o pingente de Sol da caixinha e afastei seus cabelos para poder colocá-lo em seu pescoço. – Se você em algum momento se sentir sozinha, olhe para a lua. Em algum lugar eu estarei olhando para ela também. Contanto que a lua esteja no céu, ela fará com que nós voltemos um para o outro.
– Não precisaremos voltar um para o outro porque nunca partiremos, . Eu não partirei. – Ela respondeu ao mesmo tempo em que alisava o colar de Lua no meu pescoço. Sua boca não pronunciou com intenção de me prometer nada, mas seus olhos me diziam que aquela era a promessa que carregaria pelo tempo que tivéssemos.
Eu gostaria que ela realmente a tivesse cumprido.
~*~

Despertei eufórico com a sua voz ecoando como uma fantasia na minha mente e jurei estar começando a delirar. Eu deveria estar ansioso, é isso. Nada mais. Se controle, , você não é mais um adolescente de dezesseis anos, pensei enquanto balançava a cabeça, tentando me recompor.
Enfiei meu corpo embaixo do chuveiro e tentei reestabelecer a minha respiração. Concentrei todas minhas energias para não deixar sua imagem tirar meu foco novamente. A água escorria pelo cordão no meu pescoço e os raios de sol afloravam pela janela do banheiro, aquecendo as minhas costas com um sutil ardor. Ouvi o despertador tocar no quarto e suspirei, lembrando-me do por que eu ter levantado antes do horário programado.
! – Um dos meninos gritou meu nome desmesuradamente no corredor do apartamento. – Não se atrase! Temos que começar a gravar antes do almoço. – Concordei, apesar de ele não poder me ver. Meu corpo já estava cansado antes mesmo do dia ter começado de fato e a minha mente, em contrapartida, está inquietamente elétrica.
Ao olhar por cima do parapeito da janela, vi aquele senhor repintando as paredes da casa que ficava do outro lado da rua e acabei me lembrando do porque eu passei a detestar pincéis, tintas e mudanças.
Nos sete anos afastados, a fachada da sua casa já havia mudado duas vezes, uma nova família construía um lar dentro daquelas paredes, um novo casal dava vida aos seus sonhos naquele ambiente que serviu de abrigo para o planejamento dos nossos sonhos, duas pessoas diferentes sustentavam um novo amor no lugar do antigo amor que existiu dentro daquele quarto com um papel de parede florido.
Mudando-se daquela casa, deixando aquelas paredes marrons terem uma nova coloração branca, rompia o único laço de proximidade que eu poderia ter com ela, mesmo que à distância. Eu não cheguei a ter conhecimento de qual exatamente foi o dia em que ela partiu, mas foi como se aquilo colocasse um ponto final em tudo que aconteceu. Nesses sete anos ela esteve por aí, em algum lugar da cidade, ou do mundo, transformando-se na mulher que eu tinha a plena certeza que cresceria diante dos meus olhos. Nos últimos anos não existiu uma única vez que eu não passei naquela rua de Insadong, esperando que aquelas paredes voltassem a ser marrons. Nesses setes anos, não houve sequer um dia em que eu não vaguei pelas ruas tentando encontrar seu rosto em meios aos milhares que cruzavam o meu caminho, aguardando ser aquele o dia em que nossos rumos se encontrariam mais uma vez.
Uma estranha sensação me indicava que talvez hoje pudesse ser o dia.
Eu desejava que hoje fosse esse dia.

’s POV


Eu precisava sair para tomar um ar fresco. Ou para alongar o corpo. Até mesmo ir ajudar aquela equipe de construção que se preparava para mais um dia árduo na empreiteira logo à esquina me soava mais interessante. Qualquer coisa que não fosse ficar enfurnada dentro daquele carro, concordando com qualquer dos conselhos que Minah me dava, como se eu já não conhecesse aquela narrativa há um longo, longíssimo tempo, vendo o resto dos minutos passarem lentamente diante dos meus olhos.
Sua voz repercutia por toda a estrutura do carro, rebatendo nos meus tímpanos de uma forma mais dolorosa do que eu acreditava ser possível. Céus, ela estava me cansando! Já havíamos revisado todos os detalhes da música que eu iria tocar na audição, mas parecia que a cada segundo Minah encontrava algo que servia para “recapitular ou esquentar a minha memória”. Encarei minha melhor amiga com um desgosto incontrolável, esperando que ela captasse o que eu incansavelmente tentava apontar: eu estava pronta.
Não havia nada naquelas folhas que eu já não possuía minuciosamente articulado tanto em minha memória quanto nas pontas dos meus dedos. Literalmente.
– Eu tenho tudo sob controle, Minah, acredite. – Segurei seu rosto entre as palmas das minhas mãos e aguardei que ela recompusesse sua respiração. – Pare de surtar, pelo amor de Deus! Eu é quem deveria estar ofegando de nervosismo.
– Tudo bem, me desculpe. Serei menos insuportável.
– Infelizmente eu estou com pouco tempo para testemunhar esse milagre. – Abri a porta do carro, saltando para fora a tempo de desviar de um de seus tapas. – Boa sorte pra mim!
– Boa sorte, amiga. Não volte sem milhões de wons na conta bancária! – Ela me ofereceu um joinha acompanhado de um sorriso largo e empolgado.
– Já reserve duas passagens para Abu Dhabi por minha conta! – Brinquei antes de atravessar a rua em direção à SM Entertainment.
Encarei o enorme império que se erguia diante dos meus olhos. Varri ansiosamente cada metro quadrado daquele lugar, tentando controlar as inesperadas emoções que me atingiram em cheio pela primeira vez no dia. Era claro que, cedo ou tarde, eu iria me entregar àquela sensação de estar cometendo um grande erro, mas eu não esperava que o arrependimento fosse tão gritante.
– Bom dia. – Cumprimentei o porteiro do prédio com um aceno. – Estou aqui para uma audição com Kim Youngmin. Meu nome é . – Ele checou na tela do computador se eu estava autorizada a entrar e, ao verificar a procedência da informação, pediu para que eu seguisse até o último andar.
Havia muitas pessoas naquele horário circulando pelo lugar, por isso demorei alguns minutos para descobrir onde o elevador ficava. Uma moça sentada em uma cadeira à frente do painel perguntou qual andar eu pretendia ir e, ao dizer, ela sorriu abertamente para mim. Dei de ombros, fingindo não ter me atentado à sua reação, mas era claro que todos ali tinham uma espécie de adoração em relação ao Kim Youngmin.
Qualquer pessoa que passasse por mim nesse exato minuto poderia ver meu nervosismo transbordar por cada poro do meu ser. Nunca fui boa em controlar minha ansiedade, e é por isso que provavelmente o homem sentado ao meu lado deveria estar me xingando em todos os palavrões existentes por não parar de tremer o sofá com o meu tique nervoso.
– Senhorita , por favor, me acompanhe. – Uma voz me acordou do transe e direcionei meu olhar para a dona dos saltos altos mais barulhentos de Seul, uma mulher ridiculamente bonita e sofisticada. Levantei da poltrona e só naquele momento reparei que segurava com força o pingente que havia me dado. Acabei me martirizando pela falta de bom senso ao notar que inconscientemente eu havia o escolhido para usar hoje. Meu peito se apertou em um misto de nervosismo e fraqueza – eu só precisava ser forte.
Forte.
Assim, tratei de esconder o colar por baixo da minha camisa, em um lugar confortável onde não ia atrair atenção de ninguém. Ou a minha, pelo menos.
O crachá pendurado no meu pescoço era um lembrete de que eu não poderia mais atravessar aquelas gigantescas portas de vidro e abandonar aquele lugar como se eu nunca houvesse estado ali.
O que diabos você estava pensando ao aceitar essa proposta ridícula, ?
Centenas de rostos que eu nunca me atentei a decorar os nomes trilhavam um caminho pelas paredes do largo corredor que eu seguia e passei a encará-los sem ânimo enquanto tentava manter minha respiração regulada. A cada passo que eu me aproximava era perceptível o quão distante eu me sentia daquele universo. As lembranças estavam tentando atingir meu subconsciente de maneira que me fez diminuir o ritmo dos meus pés, sem deixar de perceber que a mulher que me acompanhava olhou impacientemente em minha direção esperando que eu voltasse a segui-la sem cerimônia.
– Precisa de algo? – Ela disse em um tom simpático. Álcool seria uma boa, pensei em responder, mas me limitei a negar com a cabeça e forçar um sorriso.
Dane-se, foi o que decretei ao entrar naquela sala. Dane-se, já estou aqui, seja o que for.
Concentrei-me em ignorar os pares de olhos que sondavam cada milímetro de mim, atenta apenas ao que realmente me importava: o piano, suas teclas, minhas notas, minha música.
Não importa por quem eu estava fazendo aquilo, qual seria o resultado, se eu iria agradar a alguém, o que aconteceria depois que meus dedos parassem de tocar, se foi um erro ter vindo até aqui ou se eu estava me considerando a pessoa mais sem noção de todos os tempos por ter novamente pisado meus pés naquele lugar. O que importa é que aqui estou eu, realmente fazendo isso, libertando de mim uma parte que por tempos fora mantida às escuras como um dos meus segredos mais pavorosos.
Meus dedos entraram em contato com a textura daquelas teclas, tão desconhecidas, mas tão domáveis, que mal pude perceber a rapidez que meus dedos percorriam a extensão das teclas, dedilhando-as com a intensidade que me possuía toda vez que eu me punha vulnerável diante daquele instrumento. Deixei que a música exalasse de mim, viajando mundo a fora, livre para atingir o coração de quem permitisse, vagando entre cada uma daquelas paredes, provando para mim mesma que eu era, sim, capaz de me libertar. De me vencer, de me superar.
Eu estava tão absorta em meu próprio universo que demorei um lapso de tempo para notar a salva de palmas que explodia ao meu redor. Meus dedos ainda latejavam, o sangue correndo fervorosamente pelas minhas veias os deixando quase imperceptivelmente trêmulos, repostos no meu colo como meu bem mais precioso. Aqueles olhos me consagravam com louvor e eu não conseguia assimilar que algo dentro de mim havia atiçado tamanha euforia naquelas pessoas desconhecidas, mas estranhamente satisfeita e orgulhosa por tê-lo feito.
– E mais uma vez o piano nos une. Eu deveria dizer estar surpreso, mas nossas meras coincidências não me espantam mais. Irônico e cômico, não é, ? – Dessa vez sua voz não inflamava pelo recinto através de uma caixinha de som ou do meu subconsciente.
No segundo que nossos olhos se encontraram eu não sabia distinguir se estava tentando respirar como uma pessoa normal ou lutando para manter a expressão mais natural possível. Era como se toda a porcaria alheia a nós tivesse se tornado um borrão e nada mais parecia importante o bastante para me fazer desviar os olhos dos seus. Senti toda a minha firmeza fugir entre meus suspiros e todo o meu corpo se contraiu em um arrepio incontrolável.
.
Tão diferente do que costumava ser, mas ainda tão ele. Eu poderia reconhecê-lo de qualquer jeito, a qualquer tempo, em todas as situações. Desde seus traços até o som da sua respiração, tudo ainda me trazia uma confortável sensação de familiaridade. Embora ele estivesse mais alto, mais robusto, com aparência mais velha e madura, seus olhos continuavam carregando a mesma expressão dócil e ingênua. Era como se eu estivesse em uma corda bamba, diante do antigo garoto que eu me apaixonei há anos e ao mesmo tempo de frente para a sua versão futura, o homem que eu sempre imaginei que ele se tornaria.
– Qual sentido teria nos encontrarmos se não fosse de uma forma mais irônica do que nós mesmos, ?
Sua guarda estava sensível e eu sei o porquê. A última vez que ele me viu ainda queima na minha mente como um cenário tão real que a qualquer momento eu poderia me sentir de volta ao gélido inverno de 2009. O cheiro das rosas que ele havia me dado e que foram largadas naquela estação de trem para morrerem, assim como nossa história, ainda pareciam passear pelas minhas narinas.
encarava-me com seus grandes olhos castanhos faiscantes como se o tempo não houvesse passado entre nós. A forma que suas pupilas se expandiam e percorriam todo o meu rosto era tão acolhedora como familiar, mas torturante e dolorosa na mesma proporção. Tanto tempo retraí a vontade de pôr meus olhos em sua figura que naquele momento eu o encarava sem nenhum pudor ou repreensão.
Minha pulsação cardíaca estava mais descompassada que meus olhos, vasculhando cada centímetro de sua fisionomia, tentando achar algum defeito para me apegar, mas infernos! Não havia um mínimo detalhe que não me fizesse sentir de volta para os antigos anos, tão embriagada por seus traços faciais que não conseguia ao menos me sentir menos patética por causa daquela avalanche de reações. Encarei-o sem pudores, sem restrições e sem penalidades, associando cada extremidade com as que eu mantinha memorizadas no fundo de minha mente, lembrando-me do por que eu o considerava o homem mais esplêndido de todo o universo – ou ao menos do meu universo.
É claro que ele nunca ouviria tais palavras saírem de minha boca. Engoli em seco e endireitei minha postura, voltando a me recompor no banco que parecia ter se fundido a mim, numa tentativa chula de demonstrar que eu não estava tão abalada quanto estou.
– É tão bom te ver novamente. – Pude perceber o receio carregado em seu tom de voz. Meus lábios se expandiam incontroláveis em um sorriso que só existia para ele – tanto tempo sem dá-lo que cheguei a sentir a estranheza em deixá-lo se aflorar novamente em meu rosto.
desceu seus olhos até minha boca e seus olhos iluminaram todo o resto do ambiente. Encarávamo-nos sem nenhuma palavra sendo proferida, mas com tantas outras sendo ditas no embrenhado daquele silêncio.
Eu sinto tanta a sua falta.
Eu tenho tanto orgulho de você.
Eu nunca fui capaz de te esquecer.
Eu ainda continuo fazendo apostas comigo mesma para contar quanto tempo eu continuo sentindo sua falta.
Eu talvez ainda te ame.
Droga, , eu ainda te amo.

Todos os pensamentos que viajavam pelo meu subconsciente enquanto nossos sorrisos fechados se enrolavam em um misto de nostalgia e incredulidade me distraiu do que acontecia naquela sala. Um pigarrear quase agudo chamou minha atenção para o homem de estatura média, impecavelmente vestido, que me encarava sorridente.
– É um prazer finalmente te conhecer, . – Depois de tanto vê-lo em revistas ou em programas de TV, ali estava novamente o CEO da S.M Entertainment, encarando-me com um interesse descarado. Tossi visivelmente desconfortável, mantendo uma distância considerável do homem. Ele pareceu não se importar, voltando a passar a mão pelo cabelo, tentando descontrair o clima instaurado no ambiente.
Finalmente? – Frisei minha dúvida.
– Talvez você não se lembre, mas eu estava presente no dia da audição escolar do .
– Ah, sim, então o senhor deve se recordar de outros momentos em que nos trombamos também, já que sua memória parece ser tão aguçada. – Alfinetei o homem, jogando a indireta no ar. Ele se poupou a sorrir minimamente enquanto buscava um pouco de ar para disfarçar seu espanto pelo meu comentário.
Durante alguns meses, Kim Youngmin mandava seguranças pedirem educadamente para que eu me retirasse das redondezas quando eram os dias que eu acompanhava de volta para casa. Eu permanecia na esquina da empresa, com a carranca nada simpática, aguardando que surgisse com os passos apressados e as malas penduradas pelo seu pescoço, arrastando-me pela minha mão até sumirmos de vista. Ele sabia que os staffs e managers estavam o começando a lhe preparar para se tornar um idol e ter uma namorada era um dos pontos que não se encaixavam nesse padrão de vida, mas ele também não se importava em provocá-los um pouco ao sair às espreitas no fim do treinamento para me encontrar.
Isso, no entanto, não durou muito.
Em seguida foi mantido nas salas de ensaio durante madrugada seguida de madrugada, tornando nossos encontros ainda mais impossíveis de acontecerem.
– Eu gosto de você. – Ele comentou, ignorando meu comentário anterior. – Você é destemida, centrada e com um talento nato, exatamente o tipo de pessoa que procuramos para nossas produções. Se eu tivesse visto potencial em você antigamente, com certeza hoje estaríamos em outra posição.
– Agradeço seu voto de confiança, mas acho que naquela época o senhor não iria conseguir conquistar nenhum interesse da minha parte, Kim Youngmin. – Empurrei o copo de licor que o homem colocou à minha frente. Seus olhos desfilaram rapidamente pelo meu movimento corporal, sem se atentar a forma que eu lhe encarava sem devaneios ou receios. Embora ele não pensasse desta maneira, estávamos em posições iguais e justas. Não deixaria que ele se esquecesse deste indispensável fato. – Fico satisfeita por tê-lo agradado. Se me der licença, acho que está na hora de eu me retirar, creio que o senhor tenha outras audições para acompanhar.
– Depois desse show que a senhorita nos deu? – Ele colocou à mostra sua arcada dentária impecável através de um riso polido. – Seria um insulto à música deixá-la partir sem um contrato assinado, .

Três semanas depois


Minha vida nunca havia estado tão conturbada e controversa como agora.
Sim, agora eu integrava a lista de funcionários da SM Entertainment. Sim, essa talvez seja a maior loucura que eu tenha feito na minha mísera existência. Sim, eu me tornei produtora-líder e pianista auxiliar do projeto solo de , o meu, (assunto-não-resolvido), ex-namorado.
Sim, eu estava surtando.
Há uma semana assinei o contrato que definiria os meus próximos meses naquela empresa. Minha mão continuava sentindo o peso daquela caneta, as letras corridas e atravessadas combinavam com o afobamento e a angústia que meu coração carregava, impedindo que eu pudesse me esquecer da voz de Kim Youngmin ecoando pela minha mente, carregada de um humor enigmático.
“Vou te transformar em uma estrela, . Aproveite seus últimos meses no anonimato.”
Quando vi a determinação e certeza refletindo nos olhos de Kim Youngmin eu entendi que precisaria enfrentar aquela decisão. Diante daquela situação eu tinha apenas duas hipóteses: abrir mão de mais uma paixão da minha vida e carregar este arrependimento para sempre ou colocar minhas vontades, pelo menos uma vez na vida, à frente de minhas inseguranças e receios, para realizar algo que há anos venho cultivando como um dos meus sonhos.
Senti-me de volta àquela porta de vidro que ostentava “Sala de Inscrição” no quarto andar do colégio. O envelope chanfrado passeava entre as minhas duas mãos como se fosse o portal para a maior aventura que eu poderia investir.
Em um lampejo ilusório pude ver a daquela época adentrar na sala e sorrir para mim. Vislumbrei a garota que almejava ser a protagonista do seu próprio espetáculo após tantos anos sendo apenas plateia do show de outros.
Seus olhos me cativavam com um estímulo nítido, singelo e acolhedor, domando minha insegurança e florescendo uma persistência que antes eu desconhecia. O mesmo envelope estava em suas mãos, agora desgastado e deteriorado pelo tempo que ficou escondido.
Aquele envelope que era a ilustração do meu sonho.
Sonho de confiar nos meus próprios anseios a ponto de dá-los a oportunidade de tornarem-se reais. O sonho de ir atrás de uma chance – chance essa que agora estava inclusa naquelas folhas postas à minha frente.
Naquele dia, de volta ao colegial, eu deixei todos os meus demônios me impedirem de arriscar. O envelope ficou escondido à vista entre a brecha do armário escolar, ocultando todas as minhas pretensões,
Eu não posso mudar a decisão que tomei naquele dia, mas posso escolher em não me autodepreciar mais.
Ao me encontrar realmente fazendo esta escolha, só pude sentir que eu nunca precisei de uma aprovação ou contrato para me sentir alguém. Não hoje. E isso, para mim, bastou. Em um dia você se sente uma garota indefesa, com altos sonhos e expectativas, almejando ser algo que você não é. E em uma noite você se vê seguindo por um rumo ao qual não esperava, mesmo seus sonhos e expectativas beirando à realidade de uma maneira inesperada, tornando-se aquilo que você finalmente quis ser, mas sem sentir a necessidade de ser além do que você genuinamente é.
Encarei o meu reflexo no espelho e compreendi que aquilo não era só sobre um piano, um estúdio e um álbum. Não era sobre as horas que gastei reclusa nas salas de treinamentos tentando me tornar cada vez mais imbatível.
Aquilo era sobre permissão. Sobre confiança, convicção e amor próprio.
No momento em que eu aceitei ser boa o suficiente para tocar aquelas teclas ao lado de quem quer que seja e me permiti a me ver desta forma, eu descobri que aquela porta da Sala de Inscrições pode ter sido fechada, mas talvez não era a minha hora de abri-la, de qualquer maneira.
A hora seria agora.
– Eu quero algo... Único. Que faça as pessoas ficarem em silêncio por um momento e soltarem um “uau” de surpresa. – me trouxe de volta à realidade, oferecendo uma xícara com chá mate enquanto olhava distraído para algum conteúdo que o manager lhe ofereceu. Seus pés continuavam trombando com as minhas pernas e eu achei seu nervosismo fofo.
, respira fundo. – Pousei minha mão em seu peito e acompanhei o ritmo de sua respiração. – Vai dar tudo certo, mas pelo amor de Deus, pare de me chutar! Vou derrubar minha bebida sagrada em você.
– Não dá pra acreditar em como os papéis se inverteram. Antigamente era você o poço de ansiedade, agora sou eu quem está prestes a ter um colapso. – Era estranho nos ouvir rindo novamente, mas tão prazeroso que não me restringi. – Parecemos dois polos diferentes. – Foi isso. Foi só preciso aquelas duas ou três palavras para servir como um farol da inspiração no meu subconsciente.
Em um pulo violento, saltei do sofá e contornei a sala eufórica.
– As vogais Ying-Yang e a noção do Ying Yang baseado no Confucionismo! Filosofia taoísta do equilíbrio! , eu não acredito que vamos conquistar a Coréia! – Ele me encarou perplexo. Sua fisionomia foi se iluminando aos poucos, indicando que ele começava a seguir o meu pensamento. – Ying: noturno, feminino, escuro, “frio”. Yang: diurno, masculino, “quente”, claro. A dualidade que representa o equilíbrio dinâmico de forças que se complementam e se multam. Os opostos que formam um só, as duas extremidades que movem o universo! O que isso te lembra? – Nos encaramos por certo tempo até as ideias surtirem efeitos.
– O Sol! A Lua!
– Um álbum pelas duas perspectivas: a Solar, vinda do homem, e a Luar, vinda da mulher! – Sorri. – Isso por um acaso se encaixa na sua descrição de “único”?
– Isso criou a descrição de “único”, ! – Ele comemorou, jogando os braços para cima em sinal de vitória. – Unidos como um só! – Um sorriso anestesiante criou forma em seu rosto, delineando sutilmente suas covinhas tímidas.
– Unidos como um só. – Aquele breve sorriso carregado de verdades ocultas que apenas nós conhecíamos foi o suficiente para me fazer viajar pela extensão daquela ideia. Sorri cabisbaixa, voltando a me sentar no sofá e comecei a fazer as anotações, sem deixar de pensar no quão irônico aquele álbum soaria. É claro que qualquer coisa que envolvesse e seria nada menos do que e ; as duas extremidades, o Ying do Yang, o Sol da Lua, a dualidade que de tão oposta nos tornava um só.

’s POV


Quando eu não estava nos palcos ou dentro de um avião, eu estava me revezando entre o estúdio para o próximo comeback do EXO e no estúdio produzindo as músicas para o meu projeto solo. Ambos os estúdios ficavam no mesmo andar com um corredor de aproximadamente dez metros o separando – eram apenas alguns largos passos que me distanciavam de .
Quando eu estava no estúdio ao seu lado, eu deixava a saudade me contagiar a ponto de encará-la sem senso por minutos longos demais para não serem vergonhosos. Quando eu estava no estúdio gravando o álbum do grupo eu desejava estar do outro lado do corredor. Depois de tantos anos longe, consegui desenvolver um autocontrole em relação à saudade que eu sentia daquela mulher. Eu sabia que, caso eu fechasse meus olhos, ela apareceria em meus sonhos. Se eu os abrisse, ela surgiria como uma memória de nevoeiro e eu prontamente lhe seguiria pelo escuro.
Comecei a cantar os primeiros versos de Coming Back To You e todo o meu corpo entrou em êxtase sem conseguir despregar meus olhos dos movimentos que sua boca fazia enquanto ela acompanhava a melodia que nem chegava a ter ideia de que tinha sido escrita milimetricamente em referência a ela. A maneira ao qual pronunciava cada palavra com uma devoção explícita em seu timbre vocal provocava um reboliço emocional em mim. Recompus-me no sofá começando a sentir um frio na barriga. As típicas borboletas no estômago nunca me abandonam, pensei.
Droga. Eu repetia essa maldita palavra repetidas vezes: Droga.
Quem eu queria enganar? Entrar em estado de negação só me tornaria ainda mais miserável. Continuar a olhar para ela, sem pudor algum, com a minha expressão de quem estava embarcando para o paraíso seria mais deplorável ainda. Como ela consegue olhar nos meus olhos e não ver que me torna tão lamentável?
– Acho que poderíamos finalizar com as mesmas notas introdutórias. O que você acha? – Ela interrompeu a gravação, levantando o dedo para que eu reduzisse o som da cabine e a escutasse. Afastou-se de mim na mesma velocidade que teve ao se aproximar, voltando a sentar na poltrona e dobrar suas pernas em um enrolado desconfortável, mas tão meigo de se admirar.
Eu sorri, alheio à sua sugestão e tratei de reerguer minhas barreiras psicológicas. Não é hora de fraquejar, , concentre-se nisso.
Ela estava conseguindo levar tudo isso a sério, então por que eu não?
– É uma boa. Mantém a leveza na música. – Ela concordou com a cabeça, mordendo a bocal da caneta com empenho enquanto se distraía com pensamentos que eu também deveria estar tendo, mas a única coisa em que eu conseguia focar era na sutil covinha que se formava um tanto abaixo de seus lábios quando ela sorria.
Droga.
– Já que “Coming Back To You” é a resposta para “Wherever You Are” e vai estar no álbum I>Ying, acho que poderíamos inverter as oitavas. Além de a letra ser a resposta do lado “dela”, também realça o oposto que queremos passar nas notas do piano. O contraste ficaria incrível! – A excitação escorria pelos sorrisos largos e ansiosos que ela dava, aumentando ainda mais minha vontade de beijá-la. – ? – Talvez alguns minutos embaraçosos se passaram a ponto de fazê-la me encarar com as dobrinhas de sua testa levemente enrugadas, transparecendo uma dúvida incômoda. Seu rosto estava a dois palmos de distância do meu e eu não tive nenhuma outra reação além de percorrer meus olhos pela extensão dos seus traços perfeitamente emoldurados. – Acho que você deveria recuar. – Um múrmuro embolado em palavras transbordou pelos lábios de , a tempo de me fazer sentir ainda mais a necessidade de romper aquela distância, em especial no momento em que ela deslizou sua língua pelo lábio, umedecendo-o.
O gesto, embora pequeno, foi o estopim para que eu perdesse o autocontrole – se é que eu ainda o tinha.
– Eu deveria. – Meus lábios verbalizaram, apesar das palavras não carregarem sinceridade.
– Você não vai? – A firmeza na sua voz mesclava-se com o tom receoso e instável, servindo – ainda mais – para atiçar os meus sentidos.
– Não. – A postura de desabou e sua boca se abriu, fechando no mesmo segundo. Eu queria testá-la, ver até onde seu poder de repreensão a levaria, caso eu atacasse desafetadamente suas barreiras emocionais.
– Então eu vou. – Ela não se afastou.
Meus lábios se estendiam em um sorriso cobiçoso, nossos olhos se encontraram antes de nossas bocas voltarem a sentir a familiaridade naquele toque. Se fosse possível definir o que é encontrar o paraíso em uma simples miragem, a definição seria a forma que suas pupilas se dilataram ao sentir minha mão deslizar pelos seus fios de cabelo e meus dedos se firmarem em sua nuca.
Ela não diria, é claro que eu sabia, mas seus olhos se fechando em aprovação e consentimento demonstrava todas as evidências que ocultamos nos últimos dias. Aquele momento iria chegar em alguma hora, também sabíamos.
Alguma briga se desenrolaria logo após, disso eu tinha certeza, mas diante daquele exato segundo nada mais parecia importante o bastante para nos impedir de dar continuidade ao que estava dando início.
Uma recaída ou uma fraqueza, qualquer que fosse a denominação, era o bastante para destacar que poderiam se passar décadas, mas aquele sentimento continuaria nos arrastando para a mesma rota de sentimentos que persistentemente tentávamos ignorar.
Beijamo-nos pela primeira vez após anos, seguidas vezes até eu sentir meus lábios arderem pela sequência de encontros bruscos e angustiantes que nossas bocas se cumprimentavam novamente. O choque energético que seus lábios se prendiam nos meus era irresistível e alastraste a ponto de fazer com que eu me sentisse prestes a incendiar tudo à nossa volta com mais um superficial toque.
A atmosfera abaixou vagarosamente misturando o peso do ar sufocado que eu respirava com os suspiros que escorriam pelos centímetros mal preenchidos de nossas bocas – as necessidades que eram pendentes desabavam em nossos ombros com o peso daquela atitude mal pensada.
Eu poderia ter perdido a cabeça por beijá-la. Poderia estar arriscando tudo, mas foi o necessário para sanar todas as dúvidas que pairavam sobre mim nos últimos anos; reprimir aquele sentimento me machucou durante todos esses anos, mas doeria muito mais se eu a deixasse partir novamente.
Eu tinha até o fim do contrato para lhe ter de volta.
Eu estava determinado a recuperá-la ainda antes.

’s POV
Três noites mais tarde


Alguém gritou entre a fresta da porta para que eu saísse da sala de gravação e só assim percebi que eu estava realmente virando as noites naquele lugar. Afastei-me da mesa de produção sentindo toda a extensão da minha perna implorar por alguns minutos em pé. Encarei a enorme parede de vidro que me separava do resto da sala e vi meu rosto refletir pelo insufilm como um lembrete de que, realmente, eu precisava tirar um dia para cuidar do bagaço de ser humano que eu estava nos últimos dias.
Soquei as partituras na pasta e me apressei para ir até a sala de treinamento guardar aquela composição. Tropecei entre alguns potes de bibimbap que ficaram espalhados pelo chão durante a madrugada e o molho do kimchi penetrou no algodão da minha meia, retardando com dificuldade os meus passos até a porta já que eu tentava tirar as meias dos pés com um empenho preguiçoso.
O som alto rompendo da sala de treinamento não me fez desacelerar o ritmo para não assustar quem quer que estivesse lá. Abaixei a cabeça antes mesmo de olhar quem estava treinando, já preparada para cruzar o corredor central e ir direto até a sala de piano sem causar nenhum susto ou embaraço. A porta da sala de piano estava semiaberta e a iluminação fraca. Apoiei-me na parede, recuperando o fôlego, e abri os primeiros botões da minha camisa de seda para que ela deixasse de colar na parte despida do meu peito.
– Com licença. – Anunciei minha entrada, mesmo não aguardando pela resposta. As teclas instantaneamente pararam de tocar. – Pode continuar, eu já estou de saída. – Meu sorriso enfraqueceu quando vi que a pessoa, no caso, era .
Era a primeira vez que nos víamos após aquele beijo. Eu estava me empenhando com toda a minha energia física – e emocional – para fugir dos encontros que calhávamos a ter durante o expediente, fingindo que nada havia acontecido naquele cômodo.
Para ser sincera, depois daquilo, eu não sabia o que fazer. Como era de praxe, fingi que aquilo não deveria ter acontecido, jogando todo aquele momento que tivemos para segundo plano, tentando lidar com toda a bagunça que o beijo causou em mim. Desenvolvi um senso tão automático de autopreservação e negação que não me permiti a aceitar que talvez eu não precisasse continuar fugindo como antigamente. Talvez eu devesse ter aproveito um pouco mais, mas cercada da luz do crepúsculo envolvendo toda a estrutura corpórea daquele homem diante a mim, eu sabia que para ele não fazia mais importância.
Ele sabia que eu fugiria. Eu sabia que ele me deixaria fugir. Sabíamos tanto a ponto de não nos importarmos mais em fingir demência em relação aos nossos próprios conflitos.
. – Ele murmurou assim que tirou os olhos do suor escorrendo entre meus seios. Minha respiração acelerada e desregular tornou a situação ainda pior – se é que eu podia me encontrar ainda mais deplorável.
. – Algum murmuro sem vida saiu da minha garganta. Apoiei-me contra a parede e respirei fundo, tentando controlar as contrações ventriculares prematuras que atiçavam meu peito e o expandia exageradamente. Meu Deus, recomponha-se, mulher!
Levou alguns segundos até nossos olhares se encontrarem; a baixa iluminação dificultava qualquer contato nítido, aumentando o meu afobamento. A distância que nos separava estava se tornando perigosa.
aproximou-se com passos lentos até seu rosto criar absoluta forma e eu ver um rastro de suor também escorrendo pelo seu pescoço. O ar-condicionado só pode estar desligado, pensei. Não há nenhuma outra explicação cabível para a temperatura subitamente cair e meu corpo queimar de calor. Por favor, ar-condicionado, esteja desligado.
Eu não tinha certeza se era realmente necessário que eu falasse alguma coisa, mesmo que seus olhos continuassem me sondando a espera de algo que justificasse a minha repentina presença. Eu queria dizer que foi uma mera consequência, mas ao deslumbrar eu não consegui me convencer que foi mais um acaso da vida.
Aquela xícara de chá manchada com a marca do meu batom repousando em cima do piano não foi o suficiente para me fazer recuar e partir antes que eu cometesse um – segundo – erro. Ela permanecia ali como um simples lembrete: eu jamais iria conseguir fugir do que estava prestes a acontecer.

E eu não tinha mais nenhuma pretensão em fugir.

– Você quer que eu vá embora? – Me martirizei com a benevolência que era tão típica de . Por deus! Ajude-me, homem. Não complique as coisas para o meu pobre coração frágil.
Meus lábios presos entre meus dentes tentavam pronunciar minhas intenções, mas naquela altura do momento eu não fazia ideia de quais eram. Meu corpo sendo tomado pela angustiante necessidade de se aproximar dele talvez fosse a única que bastava.
– Você acha que deveria ir embora? – Abaixei o tom de voz para que ele se aproximasse ainda mais.
– Acho que eu deveria, mas não significa que eu queira ir. – Um sorriso extasiado fugiu dos meus lábios, insinuando o que eu não conseguia esconder.
– Então o quê você irá fazer, ?
– O que você quiser, . – Ele silabou com um autocontrole invejável. Suas costas tampando a breve entrada de luz fora o preciso para que eu não prezasse pela minha postura da mesma forma que ele o faz.
– Talvez agora não seja o momento ideal para que eu faça escolhas sensatas. – Ele permaneceu calado por alguns segundos, talvez assimilando a maneira ao qual eu me dirigia a ele. Seus olhos piscaram brevemente em uma velocidade agitada, captando cada mudança facial que meu rosto esboçava. Seu sorriso atreveu-se a se amostrar.
– Talvez esse seja exatamente o momento ideal para uma escolha sensata. – O tempo congelou no exato lapso de tempo em que acolheu-me violentamente entre seus braços, empurrando-me contra o pilar de sustentação que dividia a sala. A emergência alarmante de nossas bocas fez com que se embrenhassem entre suspiros, múrmuros e confissões indecifráveis – não que importassem nesse momento.
Os sedosos e macios fios de cabelo de deslizavam entre meus dedos e eu o agarrei ainda com mais firmeza no segundo em que sua boca aberta aproximou-se da dobra dos meus seios. Meu gemido arfado encheu a sala e não pensei em reprimi-lo – minhas cordas vocais tremiam com sua língua reexplorando cada poro do meu parcialmente despido seio e eu não vi a hora para que retirasse aquele pedaço de vestimenta do seu jeito, com os dentes apalpando o tecido do sutiã enquanto seus grossos dedos o desprendiam do meu corpo com uma emergência pontual. Quando senti o arrepio que seu lábio causava ao ralar superficialmente o lóbulo do meu seio, suas duas mãos desceram em encontro às minhas pernas que prontamente se enroscaram pelas suas costas, mantendo-o preso a mim. Minha camisa de seda despencou entre as curvas do meu corpo em encontro ao chão e a chutei para longe enquanto firmava suas mãos em cada uma das nádegas para me levantar no ar, sem deixar de me incentivar a continuar gemendo em resposta aos beijos molhados e agressivos que ele distribuía pelo meu pescoço.
me sentou na capa protetora do piano e o contato gelado com minhas coxas desprotegidas fez com que eu desse alguns pulinhos de arrepio e excitação. Seu sorriso alargou-se à medida que eu enfiava violentamente minhas mãos entre sua camiseta e finalmente o desprendi daquele pano que andava me deixando enlouquecida.
O braço que segurava minha cintura baixou e senti seus dedos grossos e longos rapidamente dedilharem um caminho em direção à borda da minha calcinha. Com aquele simples estímulo estendido, eu soube que minha sanidade não duraria muito. Quando a ponta do seu dedo ralou no meu clitóris, eu esperei que a dele também não durasse.
Meus braços fraquejaram sem força quando tentei puxá-lo ainda mais perto e mordi os lábios quando o atrito de seu corpo aumentou o ritmo acelerado de nossas respirações. Deslizei minhas costas até atingir toda a extensão do piano e alinhou-se por cima de mim, sincronizando ainda mais nossos corpos. O barulho alto da madeira estralando fez com que firmasse suas pernas nas duas laterais do meu corpo, mas seus joelhos vacilaram quando minha mão agarrou com euforia sua ereção. Céus, como senti saudade dessa sensação.
Afastei a sua cueca até que ela estivesse frouxa pelas suas pernas e se encarregou de livrá-la da minha frente com uma rapidez espantosa, que serviu para me motivar ainda mais em continuar o apalpando. Meus dedos perambulavam por todo seu pênis e seus gemidos aqueciam com fervor meus ouvidos. Seus dentes se atritavam contra o glóbulo da minha orelha e ele tentava mordê-lo, mas seu tesão escorria pelos seus arfos descompassados.
– Droga, , não me provoque. – Ele disse com certa dificuldade. Eu mordi os lábios concentrando-me em priorizá-lo por agora. Tombei meu corpo em relação ao seu e despencou no piano, suspirando pesadamente, enquanto eu arrastava minha parte íntima pela extensão da sua até encontrar o encaixe perfeito que não tardou em chegar. Suas mãos perambulavam por toda a minha barriga e encontraram os meus seios com carinho, mas ainda sim com expectativa. Puxando meus quadris levantados, ele se acalmou uma vez que estava totalmente pressionado contra minha extremidade. O aperto nas minhas paredes borrou minha concentração e eu me senti momentaneamente tonta, quase alcançando o orgasmo com aquele mero toque. Sorri, sentindo-me anestesiada pela excitação que só soubera me causar e o ouvi murmurando um xingamento sob minha respiração quando eu minimamente afastei minha mão de sua ereção. Seu ritmo cardíaco errático aumentou e meus olhos se fecharam de prazer prestes a atingir o meu ápice.
Seus gemidos abafaram-se contra meus cabelos enquanto ele puxava meus quadris para mais perto e ele tocava devotamente o meu clitóris, preparando-o para o contato. Remexi-me em seu colo, impaciente e desesperada por aquela penetração, a ponto de gemer em aprovação. Espremi-me ao redor dele e o ouvi gemer meu nome com dificuldade, retrocedendo com os movimentos e trancando seus braços em volta do meu corpo, logo acima da sua ereção encontrar o caminho. Seu ritmo acelerou; os impulsos ficaram mais pesados, acalorados e envolventes. Com cada empurrão dentro de mim, eu sentia minhas paredes arderem em prazer e saudarem o quê aquele homem era capaz de fazer. A sequência de gemidos que se derramavam de meus lábios apenas o motivou para empurrar-se para mais dentro e eu passei a acompanhar seus movimentos, mesmo sentindo minha energia se extasiar e meu corpo desmontar entre seus braços. Com a mão livre, segurou meu pescoço, levantando-o até a altura que sua boca se encontrava. Ele mordeu meu lábio inferior e gemeu sobre ele. Apesar de pensar que meu corpo estava prestes a derreter, senti minha umidade escorrer por nossos corpos nus e se derramar em .
Ao fechar os olhos permiti me afogar com prazer. Gemendo meu nome com paixão, seus dedos do pé enrolaram com os meus e eu me agarrei à tampa do piano logo abaixo de nossos corpos suados. Suas mãos passaram a acariciar minhas costas e seus impulsos diminuíram em minhas paredes apertadas. Meu clitóris ainda pulsava por causa do contato. Eu precisava de mais.
Sacudindo de dor e êxtase, minhas mãos voaram para sua ereção, desesperadamente o puxando para perto novamente. Com um profundo arfo e sorriso malandro, ele puxou o pênis para fora e mirou seus olhos nos meus, divertindo-se com minha confusão e anseio por mais. Meu corpo ficou manco contra ele, quase como se tivesse derretido ou perdido a vida.
– Sem pressa, amor. – murmurou com sua voz rouca e falha contra meu ouvido. - Eu não tenho planos em te deixar ir embora sedenta e insatisfeita esta noite.
– Então precisaremos de uma cama. Não me responsabilizo pelos danos que eu possa causar nesse piano. – Gargalhei com o pulo afobado e motivado que ele deu após minha insinuação. Eu estava desesperada para deixá-lo explorar aquela nova cama que existia no meu apartamento e descobrir na manhã de amanhã se ainda haveria algum rastro de inocência na fronha que ele se deitaria sobre. Vestimos às pressas as roupas espalhadas pela sala e partimos, sem alardes, até o estacionamento, onde o carro de se encontrava na parte mais distante. Não poderíamos ser vistos juntos e aquilo só aumentava a euforia da situação, trazendo aquela excitante sensação de desobedecer às regras.
Não me surpreendi quando vi um arbusto mover ligeiramente atrás do muro de proteção. O paparazzi parecia ter plena certeza de que eu não o tinha notado, mas anos de experiência tornaram meus sentidos aguçados demais para deixar aquele movimento passar despercebido.
Evacuei em recusa quando tentou segurar minha mão. Ele olhou para mim em busca do motivo pelo qual eu tinha me afastado tão subitamente e indiquei com a cabeça em direção à saída. Pareceu entender de imediato.
– O que o piano une, a realidade separa. – Um sorriso morto brotou nos meus lábios. Tentar mantê-lo por perto era, no mínimo, uma tarefa impossível. Quis a todo custo demonstrar que eu não estava lutando contra aquele sentimento, mas sim contra os efeitos que eles trariam para sua vida. Eu não poderia arriscar destruir tudo àquilo que ele havia conquistado nos últimos anos, mesmo lastimando pelo o que tornaram sua vida. Eu, infelizmente, era uma das coisas que ele não poderia ter. – Dirija com cuidado, . – Parti em direção ao meu carro sem olhar para trás, temendo desabar em lágrimas caso o fizesse.

’s POV


Toda aquela semana foi um ciclo de trágicos infortúnios que estressaram até o minúsculo neurônio do meu cérebro. A voz da repórter continuava ecoando pela minha mente como um lembrete de que eu precisaria tomar um calmante ou uma aspirina para conseguir manter minha consciência sã até o fim do dia.
Hoje temos mais um caso polêmico, mas não surpreendente! Passarinhos andam fofocando que a grande estrela do EXO, , foi visto trocando carícias íntimas com a nova pianista assistente da SM Entertainment, ! O mais polêmico disso tudo é que há alguns anos ambos foram motivo de causar dores de cabeça para os staffs da empresa, já que não conseguia manter o relacionamento juvenil fora das salas de treinamentos. O que vocês acham sobre isso, Coréia? Seria esse o motivo de ter sido contratada? Estariam eles tentando arrumar um jeito de continuarem o que não terminaram nos anos anteriores, se é que me entendem?
Depois de ter ouvido aquela notícia na televisão da padaria, joguei todo o resto de café da manhã que sobrou e marchei para fora do local sentindo o meu rosto pelar em raiva e vergonha.
Eu deveria estar surpresa, mas aquilo já não me espantava como antigamente. Minha vida andava se tornando um livro aberto ao público – que eu nem sabia se existia, na verdade. Minha aversão nunca foi sobre fugir das câmeras ou da mídia. Não eram eles quem me afastaram de desde o princípio e não seriam eles quem me motivariam para isso.
Suspirei alto em um misto de frustração e mágoa. Era como se tudo o que eu representei na vida de fosse uma imagem a ser usada quando fosse conveniente. Como se toda nossa história não tivesse valor nenhum; só existiu para significar algo em um site de fofocas. Tudo o que passei nos últimos anos tentando a todo custo superá-lo foi arremessado novamente na minha cara, um simples lembrete de que não importa quanto eu negue ou quanto eu lute, nunca serei mais forte do que as minhas inseguranças da adolescência. Com o passar dos anos eu cheguei a me convencer de que este seria, na verdade, o meu carma.
Voltei minha atenção para o que realmente importava hoje: a estreia do álbum de , ao qual eu também fazia parte.
Procurei qualquer falha naquele vestido e me convenci de que ele estava perfeito. Ao contrário do meu humor, é claro.
Tentei passar o batom com o mesmo empenho que eu tinha para reclamar mentalmente das séries de infortúnios que andavam acontecendo nas últimas horas do meu dia. Aquela noite, em específico, me assombrava cada minuto do dia, destruindo todo o meu objetivo em ignorá-lo até o contrato chegar ao fim. Naquele momento tudo pareceu ser tão certo, mas não imaginava que dias depois eu teria de lidar com aquelas emoções conturbadas. Era para ter sido fácil, não é?
Como tudo em nossas vidas deveriam ter sido.
A imagem de Minah surgiu na minha mente como um lampejo e me lembrei que hoje a noite também era sobre nós, nosso trabalho árduo, a realização de sonhos que existiram por anos em nossas vidas, unicamente sobre isso.
Pensei em e na devoção que ele dedicou para aquele álbum existir, o seu anseio por ter suas canções sendo cantadas mundo afora. Era isso que me importaria por hoje. Eu precisaria controlar todo o vendaval de emoções que me avassalavam, dedicar um momento para apreciar o nosso trabalho duro e me sentir realizada com tudo o que eu havia conquistado nos últimos três meses. Apenas isso, .
– Você fará isso. – Apontei o batom para o espelho. – Mulher, concentre-se! Mantenha o foco no que importa. – Dei um tapinha na minha cabeça, tentando absorver a ideia ainda mais. – Você consegue.
A campainha tocou no primeiro andar e eu já sabia quem deveria ser. Olhei o relógio e apontava exatamente 19h50min, sem mais nenhum segundo. Lamentei-me por ter sorrido ao lembrar a exata prontidão que sempre teve.
Kim Youngmin nos obrigou a chegarmos juntos à estréia. Ele argumentou algo sobre ser importante que mostrássemos amizade e respeito um pelo outro, apesar dos boatos que voltaram a circular pela mídia. Quanto mais fingíssemos que tudo estava bem e não havia nenhum motivo para fugirmos das câmeras, mais a mídia iria se cansar e se empenhar em perseguir outro rumor pela indústria.
– Oi. – Ele disse assim que eu abri a porta. Ficamos nos observando por um tempo mais longo do que o necessário. Meus olhos perambulavam cada extremidade de seu corpo, nem um pouco impressionada com a classe e etiqueta que se vestia atualmente.
Balancei a cabeça, expulsando aquela série de pensamentos, e dei passagem a ele, voltando para a sala fingindo fazer algo que parecesse útil. Ele não precisava saber que passei as últimas duas horas a sua espera.
– Se quiser beber alguma coisa, fique à vontade. – Apontei com a cabeça para a geladeira enquanto eu checava se estava com tudo na minha bolsa. Ele murmurou um obrigado em resposta, com as duas mãos presas à frente de seu corpo, ainda sem saber ao certo se entrava por completo no apartamento ou permanecia no hall de entrada. – Senta, . – Indiquei o sofá ao lado da poltrona que eu estava sentada.
– Obrigado. – Ele agradeceu, com um sorriso tímido. – Acho que.... Precisamos conversar. Certo? – Eu sabia que ele chegaria nesse assunto o mais rápido que pudesse. Não teríamos como contornar aquela situação; ambos sabiam. Só estava sendo difícil lidar com ela de qualquer maneira.
Finalmente o olhei. Sua musculatura rígida, seus olhos um tanto angustiados, sua boca semiaberta pronta para me oferecer qualquer resposta ilustrava que não foi apenas eu quem passou os últimos dias à espera de respostas. Passei tanto tempo digerindo minha própria dor e tentando torná-la fútil que mal cheguei a pensar que ele também poderia estar esforçando-se para superar a sua própria dor. Naquela sala haviam dois corações, sobrecarregados de sentimentos e revelações a serem expelidas.
Mais uma vez eu iria optar por suprimi-los.
– Acho que a situação está bem clara para mim. – Dei de ombros. – Nós vamos negar todas as suposições de antigo relacionamento que a mídia sugerir. Não é? Nada que eu já não tenha feito, quem dirá você.
–Não é sobre isso que estou falando. – Ele demonstrou firmeza em sua voz, embora sua postura estivesse angustiada naquele sofá.
– O que podemos falar, ? – Engoli em seco, virando meu rosto para evitar que ele notasse a vermelhidão que incendiou minhas bochechas. Maldita fraqueza. – Foi um deslize.
– O único deslize foi o do seu corpo sobre o meu. Aquilo sim foi um deslize, , não o que você está tentando insinuar. – Fechei os olhos com o arrepio que tomou a minha espinha.
Meu Deus, a cada dia tornava-se mais difícil de lidar com este homem. Olhei em seus olhos, querendo que alguma raiva surgisse dentro de mim e me fizesse atacá-lo com alguma alfinetada depravada, mas ao encontrar a imensidão de verdades em seu olhar, eu só fui capaz de engolir em seco o nó que se formou.
– Vamos deixar isso para depois, tudo bem? Eu não quero.... Entrar no mérito dessa questão justamente agora. Muito menos discutir. – Repousei minhas mãos sobre a têmpora a tempo de senti-la latejar desesperada por uma aspirina.
– Você pretende fugir deste assunto até quando? Isso não está indo a lugar algum. Até quando vamos nos iludir? – Seus olhos pesaram em mim, como se continuassem dizendo o que sua boca não pronunciou. Por uma fração de segundos eu me neguei a encarar que “isso” era “nós”.
– E para onde você quer que isso vá, ? Defina suas pretensões para mim. – Encará-lo me gerava um misto de sentimentos explícitos que eu não pretendi esconder. Eu queria respostas, mas acima de tudo eu queria que ele me falasse com todas as letras o que ele verdadeiramente queria. Eu só preciso disso.
– Não é óbvio? – Talvez fosse óbvio demais. Para ele.
– É por tudo ser sempre tão óbvio que ainda continuamos andando em círculos. – Parti em direção a porta sem esperar que ele me acompanhasse. Antes de passar pelo hall, mirei em sua fisionomia enrijecida. – Eu não sou mais a garota que se apegava em obviedades. Está tudo claro para interpretações. Escute o que eu digo entre as entrelinhas, , já que você é bom em entender o que está implícito. – Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa eu indiquei o caminho até o carro. Sua boca segurou qualquer que fosse sua resposta e eu desejei que em alguma outra realidade paralela aquele não tivesse se poupado.
O silêncio nunca fora o meu barulho favorito, talvez por revelar tantas verdades ocultas e inseguras. Eu não queria me afundar naquele breu, embora tudo o que nos envolvia era o vazio das nossas próprias incertezas.
Eu queria ceder. Ao silêncio, a ele, a mim mesma, à minha fraqueza. A qualquer coisa que nos tirasse desse inferno que nós mesmos criamos. Por tudo é tão difícil entre nós? Por que nunca aprendemos?
No caminho ligou o rádio e uma de suas músicas começou a tocar. Pude reconhecer na mesma rapidez em que sua voz invadiu o carro, numa pronúncia e tom vocal milimetricamente perfeitos. Olhei para ele, agora encarando o fato de que aquele homem bem sucedido que estava ao meu lado era o garoto que eu via cantar com seu violão no meu quarto e nos cantos escondidos do pátio da escola. Ali estava ele, cheio de realizações, finalmente tendo sua voz sendo ouvida por milhões de pessoas, uma legião de fãs que o apoia em todos os simples feitos da maneira que ele merece. Ele havia chegado tão longe e, mesmo assim, parecia ter permanecido sendo o mesmo. O que apenas queria ser ouvido, ser reconhecido, ser valorizado.
O misto de lembranças invadiu meu subconsciente e eu me senti embriagada de emoções, memórias e sentimentos eram tão comuns. Estávamos submersos em nossos próprios devaneios, nos nossos pontos de vista e nas nossas realidades como se agora fôssemos duas pessoas desconhecidas dividindo o mesmo ar.
Nos olhar pelo retrovisor foi um tanto melancólico.
Desviei meu olhar e meus pensamentos. Quando chegamos ao estacionamento do prédio precisei de vinte segundos de coragem insana para sair daquele carro após ter aberto a porta. Não trocamos olhares, apenas caminhando lado a lado até onde Minah estava conversando com os seguranças do local. Esforcei-me para continuar sorrindo da forma mais harmônica, sem deixar qualquer expressão ansiosa escapulir.
repousou a palma da sua mão na minha cintura e fez com que eu continuasse acompanhando o ritmo das demais pessoas. Sua mão encostando-se à parte despida das minhas costas criou uma energia laxante e meus músculos congelaram com aquele simples toque.
– Se você estiver desconfortável, só me fale. Está tudo bem, . Esse momento é seu. – Ele sussurrou no pé do meu ouvido e eu concordei com a cabeça um tanto exagerada. O som rouco de sua respiração fez cócegas na minha orelha e eu quis rir, tanto pela sensação quanto pela reação ridícula que o meu corpo teve.
– Você tira isso de letra. – Engoli o resto do vinho que restava no meu copo. Olhei de rabo de olho para ele. – Já faz parte do seu universo lidar com estas situações, além de ser um ator profissional. Não deve ser difícil forçar alguns sorrisos para as câmeras. – Ele sorriu com o rosto abaixado. Sua mão brincava de balançar o copo entre seus dedos.
– Eu não estou atuando. – Disse após eu achar que ele não responderia. – Eu nunca precisarei atuar perto de você. – Molhei meus lábios em um reflexo automático, já que eu sentia que toda a minha boca ter secado. Estava difícil não fazer qualquer contato visual, por isso preferi me distrair com as saudações que Minah trocava com algumas pessoas. Todos no ambiente mantinham seus olhares em nossa direção, contemplando o novo dueto que integrava o catálogo de vendas da SM Entertainment. Queriam sondar a novata ao lado de , a mulher que tinha caído de paraquedas na empresa e agora era uma das pianistas mais requisitadas entre os idols. Queriam descobrir se eu era realmente a ex-namorada secreta de , aquela que tinha sido a inspiração para um de seus maiores sucessos em um dos seus projetos paralelos como artista solo. Queriam confirmar se essa mulher misteriosa serviu de inspiração até para as estrofes das músicas do maior grupo sul-coreano da atualidade.
– Você se lembra daquela festa que um amigo do meu pai deu no final de julho? – Ele resgatou aquela memória do fundo do baú, eu deveria dizer. – Você usava um vestido branco, até os joelhos, liso e delicado. Parecia um anjo. – Dava para ouvir a adoração que tinha por aquela memória só pela forma que a relembrava. Meu coração se apertou. – Você viu uma mulher passar usando um vestido bem diferente do tipo de vestido que você usava. Lembra do que me disse? – Não consegui prender o humor relaxado ao recordar a ingenuidade que eu possuía. – “Um dia eu quero poder usar um vestido desse jeito, mas acho que nunca ficaria bom o suficiente em mim.” – Ele repetiu da mesma forma que eu costumava dizer. – E olha só como você está agora.
– Como eu disse, não sou mais a garotinha que você conhecia. – Forcei um sorriso descontraído e gentil quando um fotógrafo passou por nós. ajeitou a gravata em seu pescoço, assegurando que fosse unicamente ela a responsável pela sua falta de ar. Rolei teatralmente os olhos quando ele forçou uma expressão divertida, fazendo-me fingir humor.
– Sim, você pode ter se tornado a mulher que sempre esperou ser, mas quando eu estou perto de você, exatamente assim... – se aproximou do pilar onde eu estava apoiada, encostando seu corpo ao meu e prensando seu peitoral à lateral do meu corpo. Sua respiração batia tão rente ao meu pescoço que parecia estar tentando controlar a minha própria. Não tive vontade de recuar. – você sempre voltará a ser aquela garota pela qual me apaixonei. Sabe por que, ? Porque eu continuo sendo o mesmo garoto com coração egoísta que só anseia por você. , você sabe que nessa disputa nós dois vencemos.
– E quem disse que continuamos disputando, ? – Afastei-o com o braço. – Eu lhe deixei bem claro naquele dia. – Eu queria voltar à estaca zero, céus, como eu queria, entretanto aquilo era mais uma das coisas que eu aprendi a deixar para trás. Minhas vontades. – Essa é a única aposta que eu perdi. – recuou visivelmente transtornado.
– Estou cansado da sua atitude, meu Deus, ! Não seria mais fácil deixarmos o passado no passado? – Ele confessou.
– É difícil, não é? Talvez você finalmente esteja tendo um pouco de ideia do que eu senti. – As palavras se desenrolavam aceleradas pela minha língua. – Você não pode trazer à tona agora todas as lembranças de um passado distante, se você não fez muito para impedi-lo de se tornarem apenas memórias. As coisas não podem simplesmente ser esquecidas, . Algumas palavras, ou a falta delas, especificamente, trazem dores imensuráveis para quem ouve ou quem deseja ouvi-las.
– Você não me deu nenhuma escolha, ! Você me excluiu completamente da sua vida. – Ele arfou com o tom de voz elevado. Estávamos entrando em uma briga de egos; eu, consumida pela dor do abandono emocional, queria que ele enxergasse além do quê acreditou durante todos esses anos, enquanto ele não aceitava que eu ainda estivesse sustentando barreiras contra seus movimentos. Não iríamos ceder tão fácil, disso eu tinha certeza. Um constante confronto de mágoas e dúvidas reprimidas nos colocou aqui e não seriam elas que nos tirariam desta situação. – O que sentíamos um pelo outro deveria ter bastado. – Um riso um tanto cruel se desprendeu com vontade das minhas cordas vocais. Não me poupei em reprimi-lo. Se eu tivesse um pouco menos abalada como estou, seria capaz até de gargalhar em sua cara.
– Tantas coisas deveriam ter bastado, mas pelo o que parece nenhuma delas foi o suficiente para você entender o que eu aceitei fazer para o seu bem. – Eu rebati.
Levantei da cadeira antes de sua mão encontrar o meu pulso e segurá-la. Meu senso de amor próprio apitava como um letreiro neon na minha mente e algo dentro de mim tirou sarro da minha própria desgraça.
Ah, como é cruel o amor! Tornou-me deprimente pela segunda vez diante dos olhos do único homem que vim a amar na vida. Era realmente um espetáculo admirável de se ver, se eu não fosse a protagonista dessa trama estúpida. – Eu fiz o que era o melhor para nós, . Sabíamos que aquilo iria acontecer em algum momento, então eu escolhi... partir antes que eu não tivesse mais forças para me recompor e me tornasse um empecilho para o seu sonho. Você me culpa por ter escolhido seu bem à frente do que eu sentia por você? – Sua expressão endureceu e a mágoa voltou a emergir entre os nuances castanhos de seus olhos. As veias de sua garganta estavam contraídas, como se ele estivesse fazendo muita força para impedir que algo indesejado saísse delas. – Eu não me arrependo de ter feito o que fiz, porque para mim, , valeu o sacrifício. Te ver onde você está hoje fez todo o sacrifício não ter sido em vão.
– Você alguma vez já cogitou a ideia de que talvez você não teria preciso partir? Que eu não precisava te ver partir? Por algum momento você pensou que eu não queria me tornar uma estrela que cantasse para milhões de pessoas se eu não iria poder te ver no meio de todas aquelas outras ouvindo tudo o que escrevi para você, a única pessoa que me importava? Eu continuei cantando, , sabe por quê? Porque eu me lembrava das vezes que você me dizia que minha voz iria alcançar o mundo. Quando eu vi que você não estava mais no meu mundo, eu cantei para te alcançar. Eu apostei comigo mesmo que um dia eu iria te alcançar de novo, mas por que será que meus pressentimentos nunca se tornam realidade? Por que estão sempre errados? Será que foi muito difícil cair na real e entender que eu também sinto muito? – Antes de me deixar a mercê da carga de emoções que me consumia, pude ver em sua expressão que a mesma lembrança nos assombrava novamente e eu finalmente entendi que, na verdade, a minha dor nunca fora maior do que a dele.
A minha dor era a dele.

FLASHBACK ON

! – Ele gritou, a todos os pulmões, tentando me fazer desacelerar. Continuei correndo, sem ter idéia de onde iria parar, mas com o intuito de sumir. Passei pela estação de metrô e deparei com um pôster da SMTOWN espantando um rosto sorrindo diretamente a mim para me lembrar de que daqui algum tempo será ele ali. Ignorei aquela imagem, tanto a do pôster quanto a que criava forma em minha mente, tentando digerir a ideia de que eu não poderia estar ao seu lado quando isso acontecesse. – Por favor, pare!
– Por favor, . – Ofeguei. – Me deixa lidar com isso sozinha! – Freei antes de quase tropeçar em um galho de árvore. Minhas pernas estavam fracas e cansadas demais por ter corrido até aqui enquanto meus olhos esgotavam as forças para manterem as lágrimas presas. Eu seria forte, de alguma forma, mas não nesse momento.
– Por favor, não me tire de sua vida dessa maneira. – Sua mão pousou tremendo no meu braço, vacilando em segurá-lo. – Não é o nosso fim. Não é, . Eu não vou deixar isso acontecer. Por que você está usando isso para sair da minha vida?
. – Encontrei seus olhos suplicantes e senti, mais uma vez, meu coração despedaçar. Aquele par de olhos, tão expressivos e cativantes, aos quais se tornaram minha moradia nos últimos dois anos. Os olhos que gentilmente me acolheram, me amaram e me protegeram durante os momentos que mais precisei. Os olhos do garoto que tornou tudo aquilo que eu precisava, desejava e nunca cheguei a acreditar que merecia. Mais uma vez eu estava me entregando a eles, da única forma que eu sabia, para dizer adeus. –Se você me amou, de verdade, durante todo esse tempo, precisará me deixar ir. Eu preciso, . Por nós, mas especialmente por você. – Diante de tudo isso, eu descobri que no meu mundo só haveria ele e, apesar de desejar ardentemente contrariar meus instintos e ceder aos meus suplícios internos, eu tornaria o meu mundo um inferno se esse é o preço que pagarei pela felicidade que o esperava. E seria isso o que eu faria. – Você nasceu para ser uma estrela e eu não posso e nem quero impedi-lo de alcançar tudo que lhe aguarda. Eu aceito, mesmo que isso coloque um ponto final para nós. – As lágrimas transbordavam pelo seu dócil rosto, escorrendo entre minhas mãos, prendendo-nos, como se até elas soubessem que eu não iria mais estar ali para secá-las. – Eu nunca achei que seria o tipo de pessoa que conseguiria deixar alguém partir porque acreditei por muito tempo que só os fracos aceitam viver, por escolha própria, sem o melhor de si. Eles deveriam lutar, certo? – Sorri ao traçar cada detalhe de seu rosto com meus dedos. – Agora eu descobri que serei essa pessoa. Eu sou fraca por você e não posso permitir que minha fraqueza o prenda porque sou egoísta demais para lhe deixar ir. Eu te falei que não serei egoísta, . Eu não posso. Eu vou lutar contra meus sentimentos porque o melhor que a vida pode te oferecer não inclui um espaço para mim. Eu não posso ser um empecilho para o seu futuro. Não posso e não quero. – Seus braços me embalaram da forma que eu estava habituada e me permiti a desmoronar. é a minha fortaleza, mas chegou a hora de eu deixá-lo construir seu próprio mundo. – Por favor, só não me peça para fingir que está tudo bem. Não está. Eu preciso enfrentar isso sozinha. Eu também preciso escolher o meu próprio bem e agora... Ele está em algum lugar longe de você.
~*~

, por gentileza, você pode parar de ignorar a minha existência? – O tom agudo na voz de Kim Youngjin me despertou das lembranças. Chacoalhei a cabeça numa tentativa de reorganizar minhas ideias e assim voltar a ter noção do quê diabos acontecia a minha volta. Youngjin permanecia impaciente segurando algum tipo de champagne com uma mão, enquanto a sua outra estava esticada na minha direção. – O que está acontecendo com você?
– Eu... – Nenhum outro som se desprendeu da minha voz. Nada, completamente nada. Meu coração batucava no meu peito da mesma forma que naquele dia de 2009, quando tudo pareceu desabar. Youngmin olhou para mim de uma forma que eu não imaginei um dia vê-lo me olhando. Não quis sustentar o olhar porque já esperava algum comentário desinteressado sobre minha situação, então tratei de sair daquela varanda, a fim de colocar os pensamentos no lugar e decidir o que eu faria daqui em diante. Antes de cruzar a porta, Youngmin segurou gentilmente meu braço, fazendo com que eu recuasse um passo.
, vá até o estacionamento e procure por aquela Mercedes-Benz. Apenas faça isso antes que seja tarde demais. – Seu tom de voz terno foi à gota d’água para que eu percebesse o quê eu tinha feito nesses últimos anos.
– Não estou entendendo o seu ponto, Youngmin. – Desconversei, apesar de continuar sustentando o contato visual que ele fazia, vendo meu rosto se refletir pelas lentes dos seus óculos e perceber o porquê ele me olhava com tamanho cuidado. Eu era uma bomba prestes a explodir.
– Eu estou querendo dizer que você precisa ir atrás do homem que ama. –Procurei algum vestígio de zombação em sua expressão. Ele, em contrapartida, mantinha-se sério com um rastro de irritação reprimida em suas rugas.
– O não parece estar muito interessado em me ver agora, Youngmin.
– Não posso afirmar, mas se for para supor, creio que ele não teria aberto o seu coração se alguma vontade contrária fosse um obstáculo. – Empatia brotava de seu semblante, o que me faria rir e duvidar das características faciais que beiravam em seu rosto se não fossem tão verdadeiras. Eu não esperava ver aquele homem se tornando um tanto acessível e acolhedor, não comigo, não com tudo que acontecia entre eu e , depois de tudo que aconteceu no passado. – Eu não sei o que aconteceu entre vocês, mas vejo que existe mágoa acumulada aí dentro – Mordi meus lábios tentando suprimir qualquer resposta. – e, talvez, mesmo por um infortúnio da vida, esta seja a sua oportunidade de resolver seus sentimentos e superá-los, mas principalmente descobrir se eles realmente precisam ser superados.

’s POV


A chuva despejava sem piedade em cima do meu casaco e eu não me importei em correr até um abrigo mais próximo. Usei a mão como conforto temporário para os meus olhos, mas sem sucesso cedi à chuva e deixei que eles se embaçassem com as gotas de chuva – pelo menos serviam de camufle para as lágrimas que irritantemente teimavam em querer se desprender dos meus olhos. Diabos! A cada trovão clareando o céu eu sentia algo se debater dentro de mim, minha garganta se torcia; eu precisava gritar. Eu já sentia minhas pernas tremerem como se elas também sofressem desse mal que vinha me consumindo. Não consegui tomar conta do meu próprio corpo, quanto mais do meu coração.
Aquilo me aterrorizava. A sensação de estar rodando em círculos me levava à loucura, minha mente e meu coração estavam prestes a explodir em mais um batimento cardíaco. Algo vinha dentro de mim, com mais intensidade a cada segundo que sua miragem vagava pela minha memória. Amaldiçoei-me por não tentar afastar aquela mulher de meus pensamentos. Como eu poderia?
Eu quero viver a minha vida sem segredos, sem máscaras. Meu Deus, eu só queria poder voltar alguns anos e não ter deixado partir. Pensando nisso agora, eu nem tinha certeza do por que eu a deixei sumir da minha vista naquela tarde. Era tão óbvio; eu deveria tê-la impedido de terminar as coisas daquela maneira, deveria ter colocado minha opinião em cheque. Aquela decisão não era unicamente dela! A única coisa que eu poderia ter feito era mostrar que estávamos juntos, independente do que viria pela frente, e que nada teria sentido para mim se ela não estivesse ao meu lado.
Nós já nos machucamos demais. Tudo sobre ela faz com que eu me sinta perdendo o controle, prestes a despencar em uma imensidão sem rumo. Parece que continuamos sendo aqueles adolescentes sem noção e sem limites, testando a paciência um do outro, correndo em círculos, sem parar para respirar e compreender o que sentimos ou pensamos.
Estávamos condenados a cair no penhasco que se criou entre nós no exato momento em que ambos desistiram. Antes eu enxergava aquilo como o final certeiro que colocou um ponto final torto em todas as histórias que fizeram parte do nosso breve “felizes para sempre”, mas agora eu compreendi o porquê eu precisei deixá-la partir.
Aquela garotinha que carregava diversas cicatrizes e inseguranças partiu de minha vida para voltar anos mais tarde como a mulher que sabia ser a única capaz de ter-me em suas mãos como um fiel e eterno amante. Ela irá viver para sempre na minha mente. No meu coração. Em mim. Sempre haverá eu e . É como se ela fosse o meu lar, o único lugar onde aquele antigo ainda existe. O único lugar para o qual faço questão de me arrastar de volta.
- ! Está louco? Olha o vendaval que está caindo! – Um resmungo alto de trovão rolou pelo céu ao passo que as nuvens continuavam a ficarem mais escuras. A alguns metros de distância estava . Seu grito foi abafado pelos trovões enquanto me empurrava para a parte coberta do estacionamento. Ela parecia miserável na chuva com seus olhos inchados por tristeza. Segurei seus dois pulsos para que ela finalmente olhasse para mim. Quando o fez, um rastro de confusão despertava de seus olhos, quase como se gritassem um “Você pirou, !” com seus olhos expressivos e julgadores.
, preste atenção em mim. – Eu pedi, bloqueando o vento aguçado da chuva que se chocava contra seu corpo acanhado e trêmulo. – Por que você aceitou aquele contrato? Seja honesta, é tudo o que eu preciso saber.
– Eu precisava ter certeza.
– Do quê?
– Se eu ainda te amava. – Acreditei estar prestes a explodir em euforia e desespero.
– E você encontrou a resposta?
– Descobri que nunca precisei dela. – Sua língua estava atada às palavras que eu esperei por tanto tempo ouvir. – Te amar é uma das únicas coisas que nunca foram motivos de dúvida na minha vida, eu apenas me enganei como pretexto para descobrir se você ainda sentia o mesmo. – estava abrindo seu íntimo sem restrições e inseguranças.
– Meu amor é seu desde o momento em que nossos dedos se ralaram enquanto tocávamos aquele piano do colégio. O melhor de mim sempre esteve em suas mãos, . Não houve um único dia que eu cheguei a duvidar disso. Para mim estava tão óbvio que eu não cogitei a ideia de não estar para você. Eu errei por não ter sido claro o suficiente e me arrependo amargamente do maior erro da minha vida, eu verdadeiramente me arrependo. Te amei de um jeito mais torto e confuso pra caralho, mas não significa que o quê vivemos foi uma fase ou um passatempo. Não foi, .
– Eu sei. Agora eu sei. E é por isso que estou engolindo o meu orgulho na sua frente e dizendo que sinto muito por aquela noite. Por todas as outras noites. Por todos os dias. Por toda a merda que passamos até chegarmos aqui. Sinto muito por ter falhado, por não ter sido forte o bastante. Foi não querendo ser egoísta que eu acabei sendo egoísta demais. Eu volto para outubro toda vez que olho para você, . Eu volto para aquele dia, para aqueles sentimentos, para aquela correndo com os pés abarrotados de neve e os olhos marejados de lágrimas. Eu queria voltar a ser aquela garota e dar meia volta, correr na sua direção e dizer que eu seria a pessoa mais egoísta de todo o mundo, que não deixaria você partir. – Reprimiu o suspiro na garganta e desviou o olhar para a Lua, recuperando o ar que seria necessário para encarar os próximos minutos. Ao voltar o olhar para mim, vi que ela não lutava mais contra o pequeno sorriso articulado nos lábios. – Acontece que eu não posso fazer isso. Nos últimos tempos eu ando me convencendo de que tudo aconteceu da forma que deveria. Precisávamos chegar até aqui.
– Precisávamos. – Interrompi-a, sentindo toda a minha coragem instantaneamente aflorar pela minha garganta.
– Você sabe o por quê? – Ela perguntou. Eu sorri.
– Porque somos infinitamente burros, . Se não fôssemos assim, nada disso teria sentido.
– Infinitamente burros e apaixonados. – Ela riu enquanto fungava as gotas de chuva que empesteavam seu rosto. Minhas mãos percorreram o caminho dos seus lábios e meu peito encheu-se com a familiaridade que aquele gesto me causava, quase tão comum que não parecia que deixei de fazê-lo por tantos anos.
– Especialmente apaixonados. – Mais um passo em sua direção e eu teria a minha resposta. Apenas mais um passo. Era tudo o que me faltava; era tudo o que se punha entre nosso caminho. Seria ele que definiria o que iríamos escolher. Se iríamos, finalmente, ceder de vez.
Eu dei esse passo.
Ela também.
– Unidos como um só? – Ela trouxe à tona a lembrança à medida que eu já me sentia novamente revivendo o que aquela sequência de palavras me proporcionava. Seus olhos me olhavam em expectativa, aguardando a exata frase que decretaria o que seríamos daqui para frente. Para mim, como sempre, era nítido demais; não seria preciso de muito para descobrir que eu nunca deixei de acreditar no quê representávamos um para o outro, mas eu entendia, agora, que sempre precisou ouvir para se convencer.
Sorri, puxando-a de volta aos meus braços, a tempo de ver os raios iluminarem seu olhar. A lua, mais uma vez, era telespectadora daquela história que finalmente teria o devido desfecho.
A resposta era presumível. Sempre fora.
Unidos como um só. – Seus lábios acolheram-me de volta ao meu lar. De volta à constelação que ela trilhava em meu coração, o universo que existia apenas para nós. Finalmente eu estava fazendo a escolha certa.


Fim.



Nota da Autora: Ahhhhhh, que honra estar participando desse ficstape lindo do meu grupo ultt no meu site preferido! Fiquei felicíssima com essa oportunidade e espero ter proporcionado uma boa leitura a quem chegou até o fim. Muito obrigada por gastar seu tempo lendo essa estória que me causou tanta dor de cabeça e um misto de sentimentos bipolares kakakaka
Uma beijoka pra quem fica por aqui, a gente se vê nas outras fics! We are one! <3

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