08. New Love

Última atualização: Fanfic finalizada.

I


Cores ardentes e céu azul indicam que o verão chegou à Suécia. Os alunos da Universidade de Estocolmo se dirigem, durante esta época, para um acampamento de recepção aos calouros. Uma semana de socialização antes das aulas iniciarem, e todo o tempo longe da sala de aula ser gasto na biblioteca. Isto tudo parece realmente ótimo, exceto quando você é um inglês desacostumado com os costumes suecos.
A primeira impressão que obtive do país em que moraria pelos próximos cinco anos não foi tão motivadora. O lugar em si é encantador e totalmente agradável aos olhos, mas o comportamento feminino não pode ser definido totalmente da mesma forma.
Sete. Esse fora o número total de garotas que se aproximaram explicitando segundas intenções, nos três primeiros dias que me encontro aqui. Não que eu odeie a ideia de ter tantas mulheres interessadas em mim, pelo contrário, mas o flerte de forma tão direta me deixa encabulado, para não dizer assustado. O sistema é totalmente igualitário. Você não precisa ser um cara para dar o primeiro passo como de praxe; se for uma garota e estiver afim, ninguém te julgaria por tentar conquistar o outro. Não sou contra essa política social, mas tenho certo pé atrás no que diz respeito a aceitá-la.
Tenho plena consciência do quão emotivo e “mulherzinha” isso pode soar, mas preocupo-me com o romance. Para onde vão os olhares maliciosos, os sorrisos insinuantes e as piscadelas provocativas? Qual a graça de não utilizar destes artifícios discretos para demonstrar interesse por alguém, apenas puxar uma cadeira ao lado dela e abrir o jogo? Por aqui não há constrangimento algum nisso, e todos são tão confiantes, que chega a soar como absurdo.
Com esses pensamentos martelando em minha cabeça, sair da cabine para o início das atividades se torna difícil. Minha cota de desculpas esfarrapadas está no limite e se outra garota chegar a mim perguntando se sou comprometido, se estou a fim de sair mais tarde, ou alguma outra coisa do gênero, a opção mais viável provavelmente será sair correndo. Reviro os olhos, punindo-me por ser tão moça e não me adaptar a essa nova condição de vida tão árdua. Porém minha criação tipicamente britânica me limita a agir de outra forma. Crescer num lugar onde a conquista é demorada, e conseguir um número de telefone na primeira investida é semelhante a possuir um ticket de loteria premiado, para cair de paraquedas num antro de pessoas sem um pingo de timidez, é meio aterrorizante à primeira vista. E à segunda. Não menos à terceira.
Chequei o relógio e percebi que, se não saísse naquele exato momento, chegaria atrasado. E para um típico inglês, atrasos não são menos que imperdoáveis. Ao abrir a porta, fui recepcionado pelo clima agradável do verão sueco, e segui motivado em direção ao auditório central. Apesar do nome, o lugar é ao ar livre, totalmente arborizado e florido, o que gera uma atmosfera incrivelmente alegre e aconchegante, como a maioria dos locais aqui. Entretanto, parte da minha comodidade se esvaiu quando avistei uma das meninas que tentara algo comigo ontem, mandando-me um beijo seguido de uma piscadela marota. Bess, se não me engano, foi uma das mais insistentes, chegando até a oferecer um jantar num dos restaurantes mais elegantes da região, totalmente pago por ela, claro. Esquivei-me da forma mais sutil possível, mas parecia que não surtira muito efeito.
Optei por sentar mais ao fundo para evitar chamar algum tipo de atenção. Todavia, senti alguém passar o braço pelos meus ombros, sentando-se ao meu lado. Respirei fundo, pensando no fora mais educado para a circunstância e me virei sorrindo gentilmente para minha companhia inconveniente.
- E aí, cara?! – meu semblante se tornou explicitamente confuso quando vi um garoto me encarando como se eu fosse o último pedaço de bolo da festa. – Tento falar contigo desde que chegou, mas parece que você se tornou popular por aqui. Qual o teu nome, inglês?
- . – estendi-lhe a mão cordialmente e ele a apertou forte, sacudindo como se quisesse arrancá-la do meu pulso.
- Eu sou Porter Welsch, mas sinta-se livre para me chamar de futura lenda da Universidade de Estocolmo. – disse teatralmente encarando um ponto no horizonte que não pude discernir o que era. Talvez seu futuro épico. – Então, como eu disse, estava querendo bater um papo contigo. Você me parece um cara legal, daqueles que a gente quer por perto, entende? Pensei que seria interessante se pudéssemos ter algo juntos, talvez pudéssemos formar um ótimo par.
Porter ainda segurava minha mão e olhava bem em meus olhos ao dizer isto e eu podia dizer que a situação era, no mínimo, bizarra. Recusei sete garotas, mas isso não significava que torcia pro outro time. E eu pensava que já tinha me assustado o suficiente com esse país.
- Então, Welsch, sobre essa ideia de formamos, hã, uma dupla. Não sei o que ouviu de mim por aí, mas meu lance é outro, sabe? – ele me encarou, claramente não entendendo o que eu queria dizer. Ótimo, terei que ser direto. – Eu não sou gay.
Um silêncio constrangedor tomou conta do ambiente até Porter explodir-se em gargalhadas nada discretas, com direito a lágrimas escorrendo de seus olhos.
- Cara, você é hilário! – pausa para mais risadas - E eu aqui achando os ingleses uns babacas depreciativos. - fiquei levemente ofendido com o último comentário e parecia que minha expressão de poucos amigos me entregou. – Opa, desculpa, não queria ofender. Mas então, voltando o assunto, o que acha?
Continuei fitando-o com a mesma expressão séria de antes e seu sorriso desapareceu gradativamente.
- Você estava falando sério, ?
Porter, antes exalando euforia, agora exibia um semblante transtornado beirando a decepção. Seria possível o cara ter ficado tão na minha assim do nada? As garotas geralmente continuam partindo para o ataque, o que acabou tornando a situação mais fácil de controlar. Porém, um cara me fitando ansioso pela minha resposta era algo extremamente embaraçoso.
- Não tenho nada contra sua opção, ok? Nenhum preconceito nem nada, só que...
- ?
- Se eu te atraí de alguma forma, não foi minha intenção, espero que não fique deprimido por não ser correspondido e...
- Eu não sou gay.
Novamente um silêncio constrangedor. Dessa vez, nenhuma gargalhada preencheu o vazio.
- Bem, "formaríamos um ótimo par" e "ter algo juntos" soou meio ambíguo, não acha? - tentei me sair da melhor forma, porém minha cabeça estava a mil, e logo presumi que cinco anos na Suécia iriam me garantir visitas constantes ao psiquiatra.
- Você realmente não bate bem. - ele chacoalhava a cabeça em negação com um olhar divertido enquanto espalmava minhas costas. Talvez minha sanidade tivesse mesmo ficado na Inglaterra. - Eu queria dizer que poderíamos ser amigos, nada mais que isso, por favor. E na questão do lance, desculpe a sinceridade, mas unir-me a você seria meu passaporte para o parque de diversões da UE, ou às gatas do campus, como preferir.
- Olha, cheguei há apenas três dias. Não conheço quase nada, nem ninguém, então desculpe jogar um balde de água fria em suas expectativas, mas me ter ao seu lado não seria de grande ajuda.
Mal terminei minha fala e os ataques de risadas retornaram. O que esse cara tomou no café da manhã? Acho que nem virando duas caixas de energético eu chegaria ao nível de espontaneidade de Porter Welsch a esse horário.
- Isso é falsa modéstia ou você é lerdo assim mesmo? - recebi um tapinha na cabeça dessa vez. Cinco minutos e já tínhamos feito mais contato físico do que eu teria realizado com um 'amigo' em um mês. - Todas estão caindo em cima de você! Não sei se é o seu sotaque estranho, que elas acham incrivelmente charmoso, ou toda essa sua formalidade de lorde britânico, mas cinco propostas em três dias é absolutamente irado.
- Sete. – permiti-me corrigir com um sorriso discreto. Bem, se era pra eu ter algum tipo de fama, que meus méritos fossem espalhados corretamente então.
- Uau, eu te odeio. - ele disse sério, apesar de seus olhos estarem refletindo pura admiração. – Eu queria ser você, cara. Um mito, um ímã de mulheres.
Nesse momento, ouvi uma risada que nem de longe era do sueco frenético ao meu lado. Encontrei a fonte da mesma sentada logo atrás de nós. Sem perceber, acabei inerte a tudo ao meu redor quando seus olhos se encontraram com os meus. E neles só se via uma coisa: escárnio.
- O que é tão hilário, ? - Porter questionou a menina, que ainda me encarava com certa graça no olhar.
- Desculpe, Port, estava me controlando bem, mas não pude resistir ao "ímã de mulheres". Você se superou nessa, parabéns. - ela riu mais uma vez, claramente da minha cara.
- Algum problema? - rebati, não quebrando o contato visual com a garota, , que não aparentava nenhum resquício de constrangimento. Sou um verdadeiro babaca por isso, mas me senti afetado. Apesar do termo utilizado por Porter ser terrivelmente ridículo, era a mim que ele fazia referência.
- Ó, grande mito, desculpe se o afrontei. - disse e me fez uma referência desajeitada. - Poderia eu me juntar ao seu harém para me redimir de tão fatídico erro?
Ridícula. Adjetivo que definia perfeitamente minha primeira impressão da tal . Eu poderia dizer genuinamente linda, mas por algum motivo estava irado para me permitir tal coisa.
- Desculpe, mas acho que sete mulheres me são suficientes. - sua face ainda expressava puro divertimento às minhas custas. - De qualquer forma, fazendo uma análise superficial de todas, você não seria de grande diferença no meio delas.
Só percebi minhas palavras depois de ter praticamente as jogado em sua cara. Arregalei meus olhos ao perceber a postura não pouco intimidadora que ela assumiu e por ter me dado conta que era uma das únicas vezes que tratei uma garota com grosserias. Nos dela, eu podia ver raiva claramente direcionada a mim e tive medo. Sou mesmo uma moça.
- Eu que peço desculpas por ter que arruinar seus sonhos impuros, , mas me sinto obrigada a fazê-lo agora. - sorriu como um leão prestes a abocanhar sua presa. E eu não pude reprimir um pequeno sorriso ao perceber que ela sabia meu nome. - Tudo não passou de um joguinho com o calouro perdido. Seu grandioso harém não passa de donzelas que só queriam tirar sarro com o novo cavalheiro em apuros na Suécia.
- Ih, deu ruim. - Porter meneava a cabeça claramente chateado com a notícia. Como se o babaca da história tivesse sido ele.
- Por quê? - era a única coisa que me vinha à mente, já que nada fazia sentido. Sinceramente, nada tem tido muito sentido esses dias.
- As meninas já sabiam da vinda de um inglês antes do acampamento começar. De alguma forma, alguém responsável pelas inscrições deixou escapar, e logo elas sabiam seu nome, endereço e perfis nas redes sociais. Você já fazia sucesso antes mesmo de chegar aqui - tentava prestar o máximo de atenção no que dizia, não dando ouvidos a Porter, que me encarava incrédulo e soltava alguns ruídos de indignação no desenrolar da história - Melanie gostou de você e deixou claro que seria sua próxima investida.
- Acho que essa foi a primeira a falar comigo. - lembrei-me superficialmente de uma menina ruiva com um belo sorriso que falou comigo no meu primeiro dia. E eu juro que a mesma teria uma chance, se fosse um pouco mais sutil ao me convidar para um encontro.
- Sim, foi, e não ficou nem um pouco feliz com o fora que tomou.
- Eu não me interessei, o que poderia fazer? Aliás, fui educado com a garota.
- Sugerir que a mesma estava agindo como uma psicopata não foi algo muito educado.
- Dizer que já tinha visto tudo o que havia no meu perfil do facebook me pareceu meio psicótico. - e realmente era. O que mais eu poderia fazer com uma pessoa que fuçou todos os seus interesses musicais, locais visitados e até mesmo suas postagens no melhor estilo "eu sei o que você fez no verão passado"?
- Entendo. Mas, para sua infelicidade, Melanie não recebe rejeições muito bem. Quando contou pro clubinho de admiradoras do estrangeiro o ocorrido, todas tomaram as dores da amiga e resolveram brincar um pouquinho com o tímido novato.
- Resultando em sete convites para sair em três dias?
- Resposta exata. Infelizmente ainda havia duas na fila, mas tive de acabar com a diversão delas pois já está se achando demais, .
- E como sabe de tudo isso? Por acaso era a próxima da fila do "vamos tirar uma onda com o calouro mais babaca da UE"?
- Não quis entrar no jogo. Não curto muito schadenfreude.
- O que é isso, ? - Welsch perguntou e eu já havia me esquecido da presença dele ali. Acho que foi seu tempo recorde em ficar calado.
- Felicidade com a desgraça alheia. – respondi, vendo o sorriso debochado de alargar. - Não é o que parece.
- Muitas coisas não são o que parecem, . - ela piscou pra mim e me permiti sorrir. Ridícula.
Um barulho irritante chamou a atenção de todos e, ao me virar para o palco, vi que a fonte era o microfone que havia acabado de ser ligado para dar início à solenidade de abertura.
"Bom dia, autoridades presentes. Bom dia, alunos, sejam bem vindos ao XXIII Acampamento de Recepção da Universidade de Estocolmo."
Senti uma mão tocando meu ombro de leve e me voltei para a dona da mesma, que ainda mantinha seu semblante debochado.
- Na verdade, tem outra coisa. Você não faz meu tipo. - disse e voltou toda a sua atenção para o que o reitor dizia. O que não fui capaz de fazer tão cedo, pensando em como iria conquistar .

XXX

- Fala sério, intrusa. Você perdeu a moral comigo. – ria da cara de fazendo um high five com Porter. Mesmo que eu não passe de um ímã de mulheres fajuto, ele continuou com a ideia de sermos amigos. “Você é legal, cara. Meio estranho, mas legal.”
Consequentemente, ao aceitar almoçar com Port, vinha de brinde: os dois eram grandes amigos desde o colegial. E na conversa que eles mantinham enquanto eu tentava descobrir que raios de comida havia no meu prato, descobri que ela estava no acampamento da UE a convite dele, já que iria cursar Engenharia Elétrica no Instituto Real de Tecnologia.
- Quer dizer que você é a estranha fora do ninho, e não eu, ?
- Baixa tua bola, . Conheço a maioria das pessoas aqui e posso muito bem socializar com as desconhecidas, ao contrário de você. – ela rebateu, e estava certa. Os dois eram as primeiras pessoas com quem eu havia tido uma conversa decente até então, tirando o nerd com quem dividia a cabine, que fez um monólogo de meia hora sobre não ultrapassar a linha imaginária no nosso quarto. Ele precisa de privacidade para ler seus gibis da Marvel.
Enquanto eu tinha uma lista interminável de motivos para ser zoado, era irritantemente imune a qualquer gozação. Além de miss simpatia, é um projeto de Einsten - melhor aluna da classe desde o ensino fundamental -, e incontestavelmente bonita. Por esse motivo, chamá-la de intrusa havia se tornado a minha resposta a suas brincadeirinhas contra mim. E assim passamos nosso primeiro dia juntos, trocando elogios e nos conhecendo melhor. Com o fim do dia e das atividades, regressei à minha cabine onde meu amigo devorador de HQ’s já estava em sua cama lendo uma de suas “preciosidades”.
- E aí, Edward, qual é o da vez? – por algum motivo, minha felicidade estava grande e eu precisava externá-la com alguém. Notei a estranheza do meu ato quando recebi um olhar um tanto cético do mesmo.
- Hã, um clássico. “The Night Gwen Stacy Died”, de 1973. – ele respondeu dessa vez sem tirar os olhos da revista, que pela capa, percebi ser do Homem Aranha.
- Bacana, adoro o Homem Aranha. – ao dizer esta frase, recebi uma atenção repentina de Ed.
- Jura? Ele é um dos meus favoritos, não canso de reler. Qual seu favorito? – sentou-se de frente para minha cama como quem esperava um debate acalorado sobre aracnídeos, super poderes e afins.
- Hm, bem... Gosto do primeiro filme, sabe? Que o Peter é picado pela aranha e tem aquela parte hilária dele tentando ‘acionar’ a teia e tal. – depois de minha breve simulação da cena dita, percebi que Edward me encarava com o semblante mais entediado que eu já vira na vida.
- Eu me referia aos quadrinhos, . As histórias. – revirou os olhos e eu soltei apenas um “ah, sim”, pois não sabia o que dizer. - Você nunca leu, não é mesmo?
- Bingo. Nunca fui muito interessado por esse universo de heróis e vilões. Prefiro encarar a realidade, somos apenas mais um na multidão, afinal, sem nenhuma característica extraordinária ou capacidade de mudar o mundo.
- Você é muito depreciativo, . – ser taxado dessa forma duas vezes em apenas um dia não é algo muito motivador. – De qualquer forma, a diversão é essa: fugir um pouco desse mundo em que passamos despercebidos e permitir-se um momento de ilusão.
- Mas por que se iludir se, ao finalizarmos a história, somos obrigados a enfrentar tudo isso de qualquer forma?
- A grande magia está aí. Você se torna capaz de enxergar as coisas ao seu redor de forma diferente. Talvez até mesmo encontre um super herói que te ensine algo. “Não deixe que uma máscara o impeça de ser quem você realmente é”, sempre repito, assim como fazia meu favorito.
-Homem aranha?
-Não. Meu avô.


II

-“LOOK AT THE STARS, LOOK HOW THEY SHINE FOR YOU”, cante comigo !
Se há um mês me perguntassem o que eu esperava da Suécia, com certeza estar em uma canoa velha no meio de um lago às três horas da manhã, acompanhado de uma garota que berrava “Yellow” desafinadamente, não seria minha primeira resposta.
Quando me acordou com uma mensagem alegando estar numa emergência, eu não imaginava que era pra dizer que estava entediada e precisava de companhia. Poderia ter ficado com raiva pelos minutos de preocupação que ela me proporcionou enquanto a esperava em minha cabine ou ter negado seu convite após o breve relato de como chegou até mim: “Porter não estava disponível e você foi o que me restou, fazer o quê?”. Porém, me abraçou subitamente e um “por favor” foi o suficiente para acabar com qualquer dignidade que eu possuía.
- Não gosto de Coldplay, mas ouvindo sua versão afinadíssima da música deles, estou cogitando dar uma chance a Chris Mar... – fui interrompido por um jato d’água que atingiu meu rosto e me cegou temporariamente. Quando a irritação em meus olhos passou, pude perceber que ainda me encarava boquiaberta. – Ok, desculpe, você soa tão bem quanto um curió alegre pela manhã.
- Curió? – ela gargalhou e eu dei de ombros. Foi o único pássaro que me veio à cabeça no momento. – Tenho plena noção dos meus dotes artísticos, ou da falta deles, . O que me indigna é você não gostar de Coldplay! Alguém não gostar de Coldplay é humanamente possível?
- Exatamente! Tenho problemas em relação a gostar de coisas que todo mundo venera.
- E esse é o motivo de não gostar de Coldplay?
- Certíssimo.
- Creio que Harry Potter não está em sua prateleira de livros, então?
- Nunca me interessei.
- E provavelmente nunca assistiu a um episódio de Friends. – afirmei com um meneio de cabeça. – Certo, se você disser que também tem problemas com os Beatles, eu te jogo pra fora dessa canoa agora! – segurou um dos remos como se estivesse pronta para me atacar.
-Touché! Isso já seria demais para alguém que cresceu na Inglaterra. Para toda regra há uma exceção, afinal.
- E o que agrada a não-gosto-de-modinhas ? – questionou.
- O desconhecido, eu acho. Gosto de coisas que quase ninguém conheça, faz com que eu sinta como se elas fossem apenas minhas. É bom fugir do esperado, não seguir o famoso clichê. – mal terminei de falar e explodiu-se em gargalhadas pouco discretas, como se tivesse acabado de ver um vídeo do tombo mais hilário do mundo.
- Você é o inglês mais clichê que eu conheço, ! - não consegui continuar com a troca de farpas, pois estava ocupado demais admirando seus olhos que pareciam poder sorrir também.
Em algum momento, ela parou de rir e me encarou com uma das sobrancelhas arqueadas no melhor estilo “estou sacando qual é a sua”. Foi o suficiente para eu me dar conta de que deveria estar como uma pré-adolescente apaixonada babando pelo garotinho da escola: patético.
- Hm... – cortei a troca de olhares que mantínhamos momentaneamente, a fim de recobrar um pouco da sanidade que eu achava que possuía. O que diabos essa garota estava fazendo comigo? – E você, ? O que te agrada?
- Adam Levine sem camisa. – respondeu direta, e quem gargalhou desta vez fui eu.
- Você é uma depravada! – acusei, apontando um dedo para seu rosto, que a mesma fez questão de abaixar, ficando perigosamente perto do meu.
- Sua sorte, ... – disse, aproximando-se ainda mais, e sentir sua respiração contra minha pele não estava ajudando a manter meu autocontrole. Mais dois segundos e eu a agarraria ali mesmo, mandando para o espaço qualquer cavalheirismo que me foi ensinado. – ... É que eu não resisto a um bom clichê.
E voltou à sua posição anterior como quem acabara de dizer que gostava de pão doce. Penso em como poderia jogar-lhe uma cantada sem soar como um daqueles pedreiros que não podem ver um par de seios desde o dia em que a conheci, e ali estava ela, flertando na maior naturalidade possível.
- Você está flertando comigo! – disse acusatoriamente, enquanto assumia uma expressão de puro tédio. Eu poderia ter continuado com o joguinho e ter sussurrado algo em seu ouvido que a faria me achar incrivelmente sexy e irresistível como naqueles filmes idiotas para mulherzinha, mas o papel não me cairia muito bem. – Desculpe, acho que essa seria a hora em que eu lhe tomaria em meus braços e te beijaria apaixonadamente. Vamos começar de novo.
- Está assistindo a filmes de mulherzinha demais, . Desculpe desapontar, mas essa é a hora em que voltamos para nossas cabanas. – tentou soar séria, todavia o sorriso que cismava em despontar em seu rosto a denunciava. Não havia ninguém desapontado naquela canoa.
Remamos de volta à área do camping em total silêncio. Talvez muito houvesse sido dito num período tão curto de tempo. Mesmo assim, a acompanhei até seu dormitório e antes que ela entrasse, sem ao menos se despedir, segurei uma de suas mãos. Felizmente ela não fez menção de soltá-la.
- Sua sorte, ... – comecei e a vi rolar os olhos teatralmente, mas sem deixar de manter o sorriso sarcástico que tinha no rosto. – ... É que eu não costumo desistir facilmente.
- Boa noite, . – e entrou antes que eu pudesse responder.
Permaneci algum tempo sentado na escada de sua cabana depois que ela entrou, ainda assimilando o que havia acontecido nas horas anteriores. Há quatro dias, havia prometido a mim mesmo que acharia uma forma de conquistar . O que não sabia era que ela o faria antes. Ri sozinho da ideia de estar me apaixonando por uma quase desconhecida e levantei-me rumo a meu quarto, mas não pude deixar de olhar para as estrelas antes. Elas realmente pareciam brilhar mais naquela noite.

XXX

- Estocolmo figura como uma das cidades mais visitadas dos países nórdicos, com mais de um milhão de turistas internacionais anualmente. Nos últimos anos, tem sido citada entre as cidades mais "habitáveis" do mundo, sendo uma das mais limpas, organizadas e seguras do mundo. – lia em um catálogo qualquer que encontramos na recepção como se todos esses argumentos fossem capazes de me convencer. Maldita hora que resolvemos ir até lá, nem lembro mais por qual motivo. A questão atual é: Porter e resolveram que me levariam para conhecer a cidade.
Até aí, tudo certo. O problema foi quando descobrimos que qualquer saída sem permissão da área do camping era proibida. Parece que a ideia de interação entre os alunos era levada bastante a sério, de modo que as únicas pessoas com quem podíamos ter contato nas duas semanas de duração do acampamento eram nossos amigos calouros. Ou seja, sem pisar do lado de fora durante 15 dias.
Para mim, tudo estava completamente ok. O camping tinha tudo o que precisávamos para sobrevivência básica, além de diversas opções de entretenimento para os mais variados gostos. Obviamente, e Welsch acharam isso um absurdo e uma completa ironia, já que estavam sendo mantidos prisioneiros na Suécia, um país conhecido pelos seus ideais de liberdade. Depois de um longo discurso ideológico e dramático dos dois, eis que surge a grande ideia.
- Vamos sair às escondidas! Podemos ir e voltar sem que ninguém saiba. – Porter, obviamente, disse como se tivesse acabado de descobrir a cura da AIDS.
-Isso é totalmente...
- Brilhante! – interrompeu-me, tão animada quanto o amigo - É tão óbvio que poderia ser ridículo, mas é brilhante!
- “Ridículo” seria perfeito para definir esse plano. Por favor, vocês pularam a 5° série? Isso não daria certo.
- Justamente porque fiz a 5° série sei que tudo sairá nos conformes, caro . Afinal, acha mesmo que eu assistia às aulas de Educação Artística?
-, eu não faço tanta questão de conhecer a cidade agora, terei cinco anos para isso, acho que é suficiente. Alguém vai saber que a gente saiu e sinceramente, não estou nem um pouco a fim de ter problemas com a universidade sem nem ao menos ter posto os pés lá.
- Ninguém vai saber, deixa de ser mole, inglês. Todo esse pan-óptico não vai te fazer bem.
Por algum motivo, senti-me como um tolo que age exatamente nos moldes da tal teoria do pan-óptico: acreditar que está sendo vigiado mesmo quando não há ninguém à espreita, resultando na autorrestrição de realizar qualquer coisa considerada proibida pelo medo da punição iminente. Resumindo: sou um covarde.
- Ok, dê-me um resumo plausível de como o Plano Brilhante de Porter Welsch será executado e eu, talvez, possa considerar o caso. Talvez.
- Isso seria realmente ótimo se eu soubesse o que fazer. – Porter disse cabisbaixo e apenas encarei vitorioso uma claramente emburrada. O que ficou ainda mais visível quando sibilei “eu avisei”.
- Acho que posso ajudar. – A voz de Ed surgiu do além, até que percebi sua presença na cabine. Sério, de onde ele saiu? Dentro de um de seus gibis, quem sabe? – Hoje à noite terá algum ritual idiota de pessoas em um círculo com fogo no centro cantando alguma coisa bizarra.
- Cara, é só um evento na fogueira. – Port dizia transtornado. – Você tem mesmo que fazer parecer um encontro de iluminatis?
- Seria mais interessante se fosse, Welsch. – ignorando os olhares de aversão em sua direção, continuou. – De qualquer forma, após o almoço, todos estarão ocupados na organização do tal “evento”. E nosso pobre segurança Paul, responsável pela guarita, não terá suas duas horas de descanso, pois não haverá ninguém para substitui-lo. A não ser que um calouro bondoso e doido pela nova edição do seu HQ favorito se ofereça para tal sacrifício.
- Jura que nos ajuda a sair se a gente te trouxer um livrinho de historinhas novo?
- , eu poderia deixar vocês na mão pela sua petulância, mas estou muito a fim de ter o livrinho de historinhas. Então, o que acham?
- Eu colocaria o Hulk em um potinho e de daria de presente por essa, amigo! – Porter exclamou abraçando exageradamente Ed, sua forma sutil de demonstrar gratidão.
- Ok... – Edward dizia, afastando-se do pequeno sueco eufórico à sua frente. – Me encontrem no refeitório após o almoço. Tenho certos serviços para me voluntariar.
Após sua saída, um Porter animado começava a listar todos os lugares que estavam no pequeno catálogo turístico repetindo que não poderíamos deixar de visitar cada um deles. Recostei minha cabeça na parede em que minha cama era apoiada e me perguntei onde foi que me meti.
- Não é hora de arrependimentos, . – Percebi que “pensei alto demais” quando encostou-se ao meu lado com um sorriso de canto. – Não há como abandonar o barco agora.
- Um “talvez” não deveria ser considerado um passaporte de entrada para o mundo de loucuras de .
- Você já entrou nesse mundo sem ao menos perceber, . – ela disse e colocou sua cabeça sob meus ombros, permitindo-me abraçá-la de lado.
E a única coisa em que pude pensar foi em como eu não poderia ter me metido em um lugar melhor.

- Ok, precisamos repassar o "Plano Brilhante de Porter Welsch" mais uma vez.
Exatamente ao meio-dia estávamos no lugar onde Ed havia pedido que nos encontrássemos. E eu não aguentava mais repassar o maldito cronograma que Porter insistia que gravássemos palavra por palavra.
- Port, sabemos isso de trás para frente. E por favor, esse lance de "plano brilhante" já está me dando nos nervos. – levantei-me do banco contagiado pela inquietação do mesmo. Tentava ser o mais educado possível com meu coleguinha irritante - que me encarava de forma nada amigável - quando na verdade queria lacrar sua boca com fita isolante.
- Não estamos em um filme de espionagem, Porter, acalme os ânimos. E , você que veio com essa de "plano brilhante", agora aguente.
- Mas, , eu estava sendo sarcás...
- Saudações, amigos fugitivos. – Edward chegou, finalmente, ao bosque onde havíamos marcado a pequena reunião pré-fuga.
- Já não era hora, era pra estar aqui há exatos 23 minutos e...
- E aí, cara, conseguiu? Tudo certo? – Porter tomou a palavra e eu voltei a me sentar cansado da mania dos suecos de interromperem a fala do próximo.
- Primeiro: , não estamos na Inglaterra, trate de se conformar com atrasos, já que eles são mais bem aceitos por aqui. Segundo: não faço serviços pela metade, caro Welsch. Em cinco minutos estarei responsável pela guarita e as câmeras serão desligadas acidentalmente, não flagrando três calouros serelepes indo à banca mais próxima me fazer um favorzinho. Então, por favor, se apressem.
- Ok, antes uma pergunta. – dirigiu-se a Edward – Como conseguiu esta proeza, pequeno elfo?
- Digamos que sou um jovem muito prestativo e que não hesitou em oferecer uma ajuda ao meu exausto amigo segurança. Que é a única pessoa neste camping com quem posso ter uma conversa decente sobre Star Wars. Agora vão, não quero correr o risco de que algo saia errado e eu não possa ter minha nova e preciosa edição.
- Relaxa, Ed. – levantei e coloquei-me entre meus dois companheiros fugitivos da lei - Nada irá sair errado no “Plano Brilhante de Porter Welsch”.


III

- Isso definitivamente está dando errado!
A primeira parte do plano arquitetado por Ed foi cumprida com êxito, e saímos do acampamento sem levantar suspeitas. Tudo ocorreu maravilhosamente bem até nos darmos conta que estávamos caminhando por 20 minutos até o ponto de ônibus mais próximo. 30 minutos e nada. 40 minutos e eu estava a ponto de desistir.
Uma hora, então me dei por vencido. Claro que Porter e não tinham se tocado de que o camping fica afastado da civilização e o único meio de transporte que passava por lá era o ônibus do próprio estabelecimento. Estavam ansiosos demais para desbravar a cidade em busca de aventuras, não contando com o fato de que caminhar em uma estrada quase deserta seria o ápice delas.
- O que planeja então, ? – replicou, nada feliz, após minha constatação do óbvio.
- Vamos sentar à beira da estrada e aguardar que um milagre aconteça e uma carroça bem espaçosa passe por aqui, já que pedir por carros seria esperar demais da bondade de Deus.
- Certo. – como sempre, ela me surpreendeu, fazendo o que eu nunca esperaria: levando-me a sério. E claro, não seria se não o fizesse na circunstância errada.
- Você só pode estar de brincadeira com a minha cara! Porter, por favor, peça a sua amiga para não agir como louca pelo menos uma vez na vida. – fazia questão de não dirigir meu olhar a estranha sentada na beira da pista com as pernas cruzadas, quase meditando como numa sessão de Yoga.
- , pediu para que pare de agir co...
- Porter, poderia, por favor, dizer à mocinha histérica que chama de amigo que eu só estou fazendo o que o mesmo sugeriu?
- , disse que...
- Port, diga à pequena desequilibrada mental que atende como que as pessoas utilizam-se do sarcasmo como forma de expressão de vez em quando?
- Porter...
- CALEM A MERDA DA BOCA! – ambos tomamos um susto com o berro repentino que eu juro ter ecoado por todo aquele meio do nada em que estávamos.
- Acho que vai gostar do que tenho pra pedir dessa vez, caro amigo – levantou-se de súbito e apontou para o fim da estrada. – Só me afirme que aquilo não é uma miragem.
E não era mesmo. Uma cegonha surgia no fim da estrada e me senti como um náufrago que avistava um navio vindo em direção à ilha em que estava preso. Nós três sorrimos como idiotas e, como se tivéssemos ensaiado, começamos a acenar freneticamente para o caminhoneiro para que parasse.
Infelizmente, o mesmo não fazia menção alguma de fazê-lo. Abaixei a cabeça, desolado, sabendo que estava fadado a caminhar mais uns quilômetros, já que dois raios não caem no mesmo lugar.
- Se eu morrer, digam à Stacey Banks que eu sempre quis dar uns amassos nela. – e de repente, um Porter descontrolado se jogou na frente do caminhão a poucos metros de distância e minha única reação foi fechar os olhos e esperar pelo pior.
- QUAL É O TIPO DE RETARDO MENTAL QUE TE AFETA, IMBECIL? – felizmente, Porter estava vivo e seus miolos continuavam em seu devido lugar. Talvez não por muito tempo, já que uma descontrolada estava a ponto de realizar o que o caminhoneiro não cumpriu.
- Posso saber o motivo da tentativa de suicídio? – o caminhoneiro saiu do veículo e, se esse cara falasse que tem três metros, eu não duvidaria. Ou talvez eu estivesse vendo coisas por estar tão aterrorizado com a BARRA DE FERRO que ele tinha nas mãos.
- Situações de desespero pedem medidas desesperadas...
- Deixe-me explicar, Weslch. – dei um sorriso para Porter, torcendo para que ele entendesse o “cala a boca se não quiser que sua cabeça seja arremessada como uma bola de beisebol” por trás dele. – Estamos perdidos e sem condução, senhor, e ao ver o caminhão vindo, pensamos que talvez pudesse nos dar uma carona.
Tentei parecer o mais simpático possível e esbarrei meu braço de leve em para que ela fizesse o mesmo. Logo, sorríamos tão abertamente que o Coringa nos invejaria.
- Mas o senhor não se compadeceu de nossa situação e já ia passar direto, pouco se foden... – puxei Porter pela blusa e tapei sua boca com a mão antes que mais asneiras saíssem da mesma.
- Então, como deve não ter nos visto, nosso amigo tomou a decisão precipitada de se jogar no meio da pista e ele está muito arrependido disto, não é mesmo, Porter? – olhou inquisitória para ele, que ainda mantinha seu semblante irritado e tinha sua cabeça, a contragosto, movida para cima e para baixo por mim.
- Bem, não sei se perceberam, mas essa rodovia não é uma das mais movimentadas da região. E ocasionalmente ocorrem alguns crimes por aqui. – o motorista batia com a barra de ferro em uma das mãos enquanto falava e eu me mantinha em alerta enquanto pensava em que tipo de crime ele se referia. Espero que homicídio doloso contra campistas perdidos não seja um deles.
- Não tínhamos a intenção de cometer crime algum, senhor. Apenas queremos chegar à cidade sem ter que perder a sola de nossos sapatos antes.
- Me chame de Ralph. – ele apertou cordialmente a mão de enquanto Porter e eu apenas acenamos com a cabeça de onde estávamos. Em segurança. – Eu sei que não tinham intenções erradas, mocinha. Vocês nem de longe são os primeiros jovens que pedem carona por aqui. Só iria estacionar o caminhão num local mais apropriado antes que seu amigo se atirasse na minha frente e quase me levasse direto pra cadeia.
- Ele não fez por mal, Ralph, desculpe mais uma vez. – ela lançou um olhar inquisitório a Welsch, que apenas revirou os olhos. – Podemos subir, então?
- Na cabine não tem espaço pra todos de uma vez. Mas creio que atrás seja suficiente. – ele disse e nos guiou até a traseira do caminhão, e dizer que eu estava pasmado seria o eufemismo do dia.
- Você vai deixar a gente ir dentro de uma BMW? – perguntei, estupefato, enquanto o via destrancar um dos carros de luxo que estavam sendo transportados.
- Contanto que não façam nenhum estrago e se abaixem caso alguém estiver olhando. Tenho certeza de que não irá querer me trazer nenhum prejuízo, britânico. – ele apontou com seu brinquedinho mortal em minha direção e balancei minha cabeça freneticamente em afirmação. – Até mais, amigos.
Entrei rapidamente no carro podendo enfim voltar a respirar, seguido por uma e um Porter quase roxos de tanto gargalharem.
- Posso saber qual a graça da vez?
- Não acredito que ficou com medo, ! Vou acabar com sua reputação na UE, diga adeus ao seu harém!
- Porter, não sei se reparou, mas o cara ME AMEAÇOU COM UMA BARRA DE FERRO QUE PODERIA PARTIR MEU CRÂNIO EM DOIS! – argumentei, entretanto de nada valeu, já que as risadas apenas aumentaram.
- , não sei se reparou, mas isso é comum por aqui. – disse e eu arregalei os olhos, não acreditando no que havia acabado de ouvir. Sério mesmo que eu fui me enfiar num lugar onde receber ameaças de morte é tão usual quanto um bom dia?
-Não, pelo amor de Deus! – disse, como se pudesse ler meus pensamentos nada agradáveis. – O que quero dizer é que normalmente as pessoas carregam algo consigo para defesa pessoal. Ralph não ia fazer nada contra nós, só quis tirar uma com a mocinha claramente amedrontada.
- Se divertir às minhas custas deveria ser estabelecido como um costume sueco também.
- Eu, Porter Welsch... – começou a proclamar com a mão direita erguida e vi prendendo o riso e fazendo o mesmo. – Acabo de constituir que todas as formas de chacota contra serão consideradas uma tradição da Suécia a partir de hoje.
- Boa sorte, . Costumamos ser muito fiéis às tradições. – disse, sorrindo como uma criança que havia acabado de ganhar um doce antes do jantar e Porter assentiu, não muito diferente. Eu não poderia ter feito amigos melhores.

XXX

Ao chegar à ilha de Djurgarden, mais especificamente em Gamla Stan, fiquei encantado com o lugar. Gamla é uma das maiores e mais bem preservadas cidades medievais da Europa, e onde Estocolmo foi fundada em 1252. As ruelas cheias de restaurantes, lojas de souvenir e prédios coloridos, fazem qualquer um sentir-se como se estivesse dentro de um cartão postal.
Em nossa primeira parada – o Kungliga Slottet, mais conhecido como o Palácio Real da Suécia -, a troca de guarda acontecia como eu tanto havia visto no Palácio de Buckingham. De brincadeira, comentei como na Inglaterra era mil vezes mais interessante que na Suécia, e a troca de farpas patriotistas entre , Porter e eu começou.
Foi uma discussão incessante sobre qual palácio era o melhor e, por fim, o placar terminou em Suécia 1 X 0 Inglaterra. Buckingham não foi páreo para um palácio com mais de 600 cômodos e cinco museus. Os dois tiraram com a minha cara até chegarmos ao nosso próximo destino, que me fez gargalhar perante a situação.
- Ok, isso já é uma afronta à London Eye!
Estávamos diante da Sky View, onde basicamente você entra em uma esfera de vidro que sobe por um trilho encaixado em um globo enorme e vê a vista da cidade – porém não da parte mais atraente – por alguns instantes. São duas “gôndolas” (como eles chamam) que sobem alternadamente a cada 10 minutos e a visita dura ao todo, no máximo 30 minutos. Não preciso dizer quem ganhou essa.

-Só eu que posso desmaiar de fome a qualquer momento?
- Sim, Porter, só você. Apesar de que comer alguma coisa não seria má ideia. – disse a meu amigo pouco exagerado. Após a disputa entre países mais acirrada que final de copa do mundo, nós decidimos parar para repor as energias na Praça Stortoget, o ponto central do bairro.
- Acho que tem uma daquelas lojas da Gooh! por aqui. Que tal buscar algo pra comer antes que desmaie e aproveitar e trazer para nós também?
- Sozinho? Por que você ou não vem comigo e... – lancei-lhe um olhar sugestivo o suficiente para que entendesse o meu recado e o pude ver rolar os olhos. – Esquece, prefiro ser deixado de lado mesmo. Até daqui a pouco, amigos.
- Se acha que foi discreto, acho melhor treinar mais a atuação na frente do espelho. – disse assim que Porter se afastou, deixando-nos sozinhos.
- Não sei do que está falando, . – sorri debochado para ela, que fazia o mesmo. – De qualquer forma, você deveria estar me agradecendo pelo prazer de minha companhia.
- Sonha, .
- Acho que farei esse favor a uma daquelas garotas que não param de me secar descaradamente, então. – indiquei duas meninas sentadas próximas de nós que não pararam de me olhar um minuto sequer desde que chegamos. Dei uma piscadela a uma delas, que sorriu abertamente, apenas para provocar , e apesar de tentar disfarçar, a palavra ciúmes estava tatuada em sua testa.
- Vejo que se acostumou rápido com as investidas do sexo feminino.
- Uma tarefa árdua, porém mais fácil de assimilar depois de 10 dias.
- É difícil de acreditar que te conheço há apenas 10 dias. Parece que se passou uma eternidade desde a primeira vez em que eu te vi tão cheio de si naquele auditório. Essa não é uma boa primeira impressão de se passar aos outros, , trabalhe isso melhor.
- Sabe a primeira impressão que tive de você, ?
- Que sou incrivelmente gata? – ri não pela sua petulância, mas por seu chute certeiro. Claro que não inflaria ainda mais seu ego, optando pela segunda opção.
- Não. Foi algo mais para “que garota ridícula”. Não é uma boa impressão, trabalhe isso melhor.
- Engraçado como não bastaram cinco segundos para que você ficasse caidinho pela garota ridícula.
- Na verdade – aproximei-me mais de e pude ver que sua pele se arrepiou com meu toque. – uma pessoa leva cerca de 0,7 segundos para se apaixonar.
- Ninguém se apaixona dessa forma. Não é como o príncipe encantado beijar a Branca de Neve e eles descobrirem serem feitos um para o outro.
- Talvez realmente seja pouco tempo. Mas, na vida, tudo é questão de ponto de vista. Por exemplo – peguei meu celular e abri a calculadora recebendo um olhar questionador de – faz mais ou menos 14.400 minutos que nos conhecemos. Transforme isto para milissegundos e será um número grande o suficiente para dar tempo de sentirmos algo um pelo outro.
- Acho que acaba de me convencer, Livingstone. Só lhe resta uma opção para que eu tenha plena certeza. – não bastou meio segundo para que eu entendesse o que queria dizer. Coloquei minhas mãos em seus braços, acariciando sua pele quente e macia, fitando seus lábios nada menos que convidativos. Aproximei nossos rostos e sorrimos em antecipação do que finalmente estava por vir.
- Cara, espero que você goste de lasanha. – claro que um pote com comida sendo jogado em meu colo e a voz, nunca tão irritante, do Welsch, não era o que esperávamos. Encarei-o irritado, sem ao menos pensar em discrição. – Não gosta?
- Claro que ele gosta, Port. É algo quase como : impossível provar e não acabar apaixonado. – ambos sorrimos enquanto Porter nos encarava confuso, até decidir dar atenção à porção de comida em sua frente.
- Nada menos que ridícula.

XXX


- Certo, agora a Suécia ganhou mil pontos comigo! – disse em êxtase quando saímos do Museu do Vasa. Este é um navio que, com seus 69 metros de comprimento, afundou em sua primeira viagem em 1628 e foi recuperado 333 anos mais tarde, em 1961. Por quase meio século, o navio tem sido lenta e cuidadosamente restaurado para um estado que se aproxima de seu original. E hoje é exposto ao público que se sente imerso na história, como aconteceu comigo.
- Nunca canso de vir até aqui. Já conheço cada peça daquelas exposições.
- São realmente incríveis, , mas tenho que admitir que a reconstrução dos rostos dos tripulantes mortos no naufrágio foi meio bizarro.
- Espere para ver o que é realmente bizarro no Grona Lund, caro . Que é a nossa próxima parada. Avante, fugitivos. – Porter quase pulou de animação, deixando-me curioso sobre o que poderia haver de tão excitante num parque de diversões temático.

- Me recuso a colocar os pés nesse balanço da morte. – batia o pé enquanto eu e Porter tentávamos a arrastar sem sucesso para o Kattingflygaren, também conhecido pelos que não possuem o dom de entender o confuso sueco como The Wave Swinger.
Passamos a tarde inteira indo de um brinquedo do parque a outro como se tivéssemos dez anos. Fomos a todas as montanhas-russas pelo menos três vezes e mais duas na House of Nightmares, a casa assombrada que te faz querer gritar como garotinha na primeira vez que vai, mas morrer de rir na segunda quando se tem a ideia de tornar-se parte da atração e dar sustos nas crianças desavisadas. Mas justo na que deixamos por último, resolveu empacar, recusando-se a nos acompanhar.
- Porter, vai comprar o ingresso que eu me resolvo com aquela ali. – apontei para a garota emburrada em um dos bancos que ali havia.
- Me lembrem de trazer Stacey na próxima, esse lance de ficar sobrando sempre tá ficando chato já. – sussurrou brincalhão para mim enquanto se afastava. – E tente ser mais rápido dessa vez, , não quero ser o empata foda duas vezes seguidas!
- HA-HA, muito engraçado, Welsch! – gritou de volta para o amigo, que já estava consideravelmente longe. – E não adianta, , eu não vou subir naquele troço.
- Você foi a todos os brinquedos radicais desse parque sem titubear. Qual o seu problema com um tão inofensivo?
- Inofensivo? Montanhas-russas são inofensivas: um carrinho sob trilhos com muitas travas de segurança. Nisso aí você irá ficar pendurado a metros de altura, que podem ser mortais numa queda, com apenas um cinto envolvendo seu corpo.
- Você com medo de altura, ?
- Sim, algum problema, senhor eu-não-tenho-medo-de-nada?
- Claro que sim! Eu achava que a mocinha indefesa daqui era eu! – minha tentativa deu certo e um sorriso tomou o lugar de seu semblante emburrado. – Agora quem vai me salvar quando um inseto tentar me atacar?
- Medo de insetos? Sinto-me bem melhor depois dessa, muito obrigada.
- Disponha. – beijei sua mão e agradeci cordial como faziam os homens da idade média, arrancando risadas da donzela a minha frente.
- Acho que o casal gostaria de ter uma foto como lembrança. – uma mulher, que pude identificar pelo crachá e uniforme como uma das fotógrafas que trabalham no Grona Lund aproximou-se com uma polaroid em mãos. – Cortesia do parque.
Instantes depois, quando a imagem instantânea começou a surgir no papel, a mulher suspirou, vendo a fotografia antes de sair, entregando-a a . Que, por sua vez, sorriu da forma mais encantadora que vi desde o dia em que a conheci.
- O casal ficou realmente muito bonito. – disse, enlaçando meus braços por suas costas a trazendo para mais perto de mim que ainda olhava para nós dois na cena de instantes atrás e o grande balanço ao fundo. Uma imagem digna de ser gravada.
- Com toda essa pose, até que você poderia remeter a um príncipe encantado. – virou se para mim sugestivamente – Talvez eu acabe dando uma chance.
Com o conselho de Porter em mente, não esperei tempo algum antes de beijá-la. E com a mesma necessidade fui correspondido. Seus lábios continham a urgência que ambos sentíamos para ter um ao outro, contrastando com a suavidade de seu toque pela extensão de meus braços. Sorri ao nos separarmos, imaginando se , mesmo com seu medo de altura, também havia se sentido no céu como eu.
- Acho que te convenci dessa vez. – disse enquanto caminhávamos de mãos dadas para a fila do The Wave.
- Prometo não mais julgar a Branca de Neve.


IV

Felizmente, a volta foi mais rápida (e com menos riscos de vida) do que a ida. Por sorte, um cara que conhecemos num bar da Gamla iria para uma fazenda próxima às instalações do camping e marcou de nos encontrarmos no começo da noite para uma carona. Óbvio que o motivo dessa bondade toda tinha nome e sobrenome: . O sueco compadecido não fazia esforço algum para disfarçar seu interesse, praticamente a comendo com os olhos de cima a baixo, apreciando seu corpo descaradamente.
Eu? Por pouco não fiz com que tivéssemos que implorar por carona na beira da pista novamente. Acho que ele ficaria mais emburrado do que estava, quando fez questão de me beijar antes de entrar no carro, se eu gargalhasse da sua bela expressão de quem chupou limão e não gostou nada.
Logo chegamos bem no início da fogueira, não levantando suspeitas e de bônus podendo aproveitar um pouco da música e da companhia de meus novos colegas de faculdade.
- Aposto que Jason adoraria que o acompanhasse nessa. – disse a quando ouvi primeiros acordes de “Yellow”.
- Aposto que não. Ele ficaria chateado por eu tirar toda a sua atenção encantando a plateia com minha voz que soa tão harmoniosa quanto um curió pela manhã. – ela disse e ambos rimos lembrando sua bela, talvez desastrosa, performance no lago dias atrás. – Também não sou de expor meu talento a qualquer um, sinta-se um cara de sorte por ter desfrutado do mesmo naquele encontro.
- Encontro? – sorri sugestivamente enquanto rolava os olhos.
- O que mais seria?
- Talvez um “Porter estava ocupado e, mesmo preferindo Adam Levine e seu peitoral definido a um inglesinho pálido e sem graça, eu não tinha outra opção”?
- Aqui vai uma lista de coisas que você deveria saber, : Número um, eu não falo assim. – mostrou-se indignada pela minha imitação perfeita de sua voz de desdém. – Dois: eu não disse isso quando lhe convidei, e estou me martirizando agora, pois teria sido uma ótima sacada. E três...
- Do you know? You know I love you sooooo... – um Porter muito alegre e pouco sóbrio a interrompeu, praticamente se jogando em cima de nossos colos.
- Posso saber o motivo da felicidade, Welsch?
- A vida, minha amiga. E as estrelas que estão brilhando pra mim nesse momento, apesar de não ter nenhuma no céu e isso me deixar um pouco triste. – e para dar um toque a mais de drama ao seu discurso bêbado, lágrimas ameaçaram rolar por seus olhos. – Me abracem.
- Porter, poderia ser um pouco menos poético e dizer exatamente o que aconteceu? E bem menos pegajoso, por favor, você está exalando álcool. – desvencilhei-me dele, que se escorou totalmente na pobre , dirigindo-me um olhar raivoso. Fiz uma anotação mental para não me esquecer de que Porter consegue ser ainda mais bipolar bêbado.
- Andei pensando na vida na volta ao camping enquanto vocês se comiam no banco de trás do carro. – apontou para mim, indeciso de qual dos três s que via era o real e para que, surpreendentemente, ficou encabulada. – Vi a morte e sua foice de perto hoje, e percebi que deveria deixar de agir feito uma mocinha medrosa, igual você quando chegou aqui, sabe? – ignorei essa parte e o deixei prosseguir. – Eis que resolvi começar perdendo a timidez e chamando Stacey pra sair. E ela aceitou! STACEY BANKS VAI SAIR COMIGO!
- Se gritar mais uma vez tão próximo de meus tímpanos, eu te capo e conto pra Banks que não tem mais utilidade nenhuma como brinquedinho sexual. – disse e Porter com seu equilíbrio emocional afetado pela bebida ameaçou chorar novamente. Ou talvez tenha sido culpa da expressão sanguinária da amiga que tenha o assustado o suficiente assim como fez com o único cara sóbrio da conversa. – Imagino quantos copos tenha virado pra tomar coragem. Venha, vou te levar para a cabana antes que sua dignidade vá pelo ralo, levando seu encontro junto.
Mal terminou a frase e Porter saiu correndo em direção aos dormitórios, gritando algo como “ninguém toca na minha dignidade” a qualquer um que se colocasse em sua frente. Olhei para e não bastou um segundo para que ambos estivéssemos gargalhando sem dar espaço nem mesmo para respirar.
- Eu acho melhor que vá atrás dele antes que faça alguma burrada.
- Eu também. – ela voltou a olhar o amigo que agora impedia qualquer um de se aproximar, alegando que a bolha que o envolvia poderia explodir a qualquer momento. - Boa noite, .
Mais uma vez, saiu antes que eu pudesse ter a chance de cumprimentá-la de volta. De qualquer forma, não me importei. Ainda teria outra chance em uma das muitas noites que planejava passar ao seu lado.

XXX

Passei o resto da noite ao lado de um pessoal que também faria Direito e torci para que fôssemos da mesma turma. Ao contrário do que pensei, consegui me enturmar facilmente e estava até me tornando popular. Mal podia esperar para jogar meu feito na cara de .
E quando finalmente o cansaço daquele longo e memorável dia me abateu, decidi que já era hora de descansar para o próximo. Infelizmente, vi Melanie, a psicopata stalker, sentada em um dos degraus que davam para minha cabine e bufei irritado pelo grande obstáculo que o destino colocou entre mim e minha preciosa cama.
-Hey, .
- Oi, Melanie. – sorri para a mesma e retribuí o abraço que me deu logo que cheguei. – Tchau, Melanie.
- Não te ensinaram bons modos na Inglaterra, ? – pôs-se em frente à porta que eu estava prestes a abrir e me refugiar embaixo do edredom. – Não se deixa uma dama falando sozinha dessa forma.
- Desculpe, é que eu estou realmente muito cansado. Podemos bater um papo amanhã, que tal? Acho ótimo, até lá! – bati de leve em seu ombro e rapidamente me virei em direção à porta, que agora estava livre e esperando por mim.
- Parece que a saída com e o amiguinho estranho dela foi bem proveitosa. Divertiram-se muito?
- Eu não sei do que está... – mal tive a chance de esquivar-me do assunto, pois Melanie colocou a mão sobre minha boca e fez sinal de silêncio. Será que pensou que estava sexy com aquele bico que mais me recordava um pato? Provável.
- Não precisa mentir pra mim, sweetheart. Os vi saindo e tive minhas dúvidas confirmadas ao ver Porter dando um presentinho ao nerd da sua cabine em agradecimento pela ajuda na fuga. Ensine aqueles dois a serem mais discretos ou terá grandes problemas no futuro.
- Ok, se é isso que quer ouvir, fugimos sim. E agora, vai ligar pro reitor? Ou pior: pra minha mãe? – desdenhei e o sorriso malicioso de Melanie apenas aumentou.
- Fique tranquilo, não sou de espalhar nada por aí. Só queria te fazer uma pergunta. – olhou por trás de meus ombros, evitando contato visual ao fazê-la. – Por que ela, e não eu?
- Acho que não entendi o que quis dizer.
- , . Por que , e não eu? Ou melhor: por que ela, e nenhuma das outras seis que também te convidaram pra sair? Nós somos tão horríveis assim ou ela que é boa demais?
- Faça-me o favor, Melanie! Por acaso eu dirigi alguma ofensa a qualquer uma de vocês?
- Você não deu tempo para que sequer nos apresentássemos decentemente! Laika disse que nem o nome dela fez questão de perguntar antes de inventar uma desculpa e virar às costas para a garota.
- Por Deus, era a sétima que vinha falar comigo apenas com segundas intenções! Eu estava cansado de tantas insinuações e conversas cheias de malícia. Pelo o que parece, é só dessa forma que conseguem conquistar alguém por aqui.
- Talvez você tenha se sentido intimidado por chegar a um lugar onde a mulher se sente confiante o suficiente para chegar em um homem e não esperar que ele tome a iniciativa.
- Parece que realmente leva a cultura ao pé da letra, não? Tanto que, em vez de posar como decidida, acaba se saindo como uma perfeita... – respirei fundo e recobrei a consciência antes que acabasse falando o que não deveria. – Por favor, Melanie, volta pra sua cabine, não quero perder a cabeça.
- Vadia? É isso o que quer dizer de mim? Ou é isso o que quer dizer de todas que se aproximaram de você nos últimos dias? Talvez até esteja inclusa no pacote.
- Não ouse falar dela.
- Claro, deve ter sido muito atrativo pra você encontrar uma garota que não te deu ideia entre tantas outras que queriam uma chance. Uma conquista tentadora, certamente. Não foi isso o que aconteceu, ?
- Não exatamente. – recordei-me do dia em que conheci e pus em minha cabeça que deveria conquistá-la de alguma forma. Mas não foi para tê-la como um troféu ou apenas por não ter lambido o chão onde passei como as outras. Só que com Bess me encarando inquisitória, não tive como não questionar-me: “será?” – Ela se destacou por essa razão, sim, mas a conhecendo melhor, acho que isso não quis dizer que não tenha demonstrado interesse em mim como todas vocês. Só estava se fazendo de difícil, talvez.
- Quer dizer que agora ela é só mais uma garota fácil como nós? , eu não esperava isso de você.
- Nem eu. – sua voz inconfundível tomou lugar na conversa e não consegui pensar em nada melhor para dizer antes de encarar seu olhar de puro desprezo.
- Puta merda!
XXX

- Eu não queria dizer isso, .
- Eu sei, , vi quando Melanie te ameaçou com uma faca para dizer que sou uma presa fácil.
Respirei fundo, cansado pela discussão e pelo caminho que tive que fazer atrás de até sua cabine tentando respirar, andar rapidamente e implorar mil perdões simultaneamente. Se Melanie aparecesse agora, seria eu quem a ameaçaria com uma faca.
- Já provou o suficiente que consegue quem você quiser na hora em que te der na telha, está livre pra ir atrás da próxima que se fizer de difícil. Aproveita que é raridade, afinal, não é todo mundo que resiste a você, macho-alfa.
- Estou tentando me redimir, mas, por favor, tente não fazer piada pelo menos por dois minutos, .
- Pois acredite, : nunca falei tão sério. Assumo que te achei interessante como todas as outras, sim. Também não passo de uma vadia Sueca, afinal. Só que preferi não me arriscar como Bess, nem brincar com você na esperança de que me desse alguma chance como as seis restantes. Numa vida onde a escala de decepções amorosas medida de zero a dez eu daria vinte, acabei perdendo a vontade de me aventurar mais uma vez. Entretanto, caí na de me deixar levar e acabar encantada pelo primeiro cara na vida que pensei ser “diferente”. Ridículo como um filme de mulherzinha, não é mesmo? No fim, a experiência foi boa pra me lembrar que não tem essa de felizes para sempre no mundo real, e mudar certas concepções erradas que eu tinha.
- "No fim"? - só nesse momento tive noção do que estava acontecendo. seguia em direção ao seu quarto, afastando-se de mim. E dessa vez, não voltaria.
- Mal começamos, não é mesmo? - eu havia pensado que o olhar de raiva que ela me dirigiu pouco antes havia sido ruim o suficiente, mas o mesmo refletindo um misto de tristeza e decepção foi mil vezes pior.
- , me deixa explicar. Eu juro que não é nada do que você está pensando.
- Você diz abominar coisas comuns utilizando-se da frase mais esfarrapada do século. Ao menos agora compactuamos em uma coisa: ambos odiamos clichês.
Eu poderia ter segurado sua mão e ter a impedido de entrar por aquela porta. Eu poderia ter gritado pra todo o camping ouvir que eu fui um imbecil, que estava arrependido, que eu estava apaixonado. Poderia ao menos ter me desculpado. Mas não consegui fazer nada enquanto virou-me as costas e saiu da minha vida sem ao menos se despedir.


V

- ? Que tipo de doença contagiosa você contraiu?
- Nenhuma, Edward. Pareço tão moribundo assim?
- Ah, não, desculpe. É que foi a conclusão mais plausível que tirei depois de te ver enfurnado nessa cabine por três dias. Até eu estou com a vida social mais movimentada que a sua.
O lastimável era que Ed realmente estava certo dessa vez. No dia após a briga com , tentei todas as formas possíveis de aproximação para tentar me explicar, mas todas foram em vão. Nem se eu aparecesse pintado de ouro ela me daria ouvidos. Provavelmente me jogaria em uma fornalha e assistiria meu corpo derretendo com prazer. E a frieza de Porter, já sabendo do ocorrido, foi o suficiente para cavar mais uns palmos do meu buraco no fundo do poço. Além de perder , também perdi toda a confiança do cara mais bizarro e incrível que eu poderia conhecer.
- Se eu te contar da burrada que fiz, promete não dar com o sabre de luz na minha cabeça? – perguntei à única pessoa com quem havia tido contato desde que perdi toda a motivação de fazer qualquer coisa naquele camping. Não me sentia bem recebendo nada mais que olhares de desprezo daqueles que foram tão legais comigo desde que cheguei aqui.
- Mesmo sendo algo muito tentador de se fazer, prometo que vou tentar me conter. – contei tudo a Edward. Desde o meu primeiro dia na Suécia quando me tornei a diversão de uma parcela feminina daqui, até a discussão com justamente no dia em que havia a beijado no Grona Lund.
- Sério que você deu a entender que todas as mulheres daqui são putas? Isso não foi nada legal mesmo, cara.
- Não foi o que eu disse, ao menos, o que eu queria dizer. Mas com Melanie falando tanta besteira ao mesmo tempo e me fazendo perguntas sem sentido algum, não tive muito tempo pra raciocinar antes de sair falando o que vinha à minha cabeça. E entendeu tudo errado, assim como você.
- Não acha coincidência demais ela aparecer justo na hora do interrogatório de Melanie sobre seus sentimentos em relação à ? – lembrei-me da hesitação dela antes de citar na conversa, olhando para um ponto fixo logo atrás de mim. O semblante entediado de Edward ao fazer a pergunta foi o que finalmente me fez despertar.
- Eu não acredito que fui tão estúpido!
- Seria cômico se não fosse trágico. Você caiu no truque mais velho da história das vadias, . E essa Melanie é, sem sombra de dúvidas, uma delas.
- Preciso falar com a . E tem que ser agora. – levantei-me da cama decidido a ir até a cabine dela e a fazer ouvir tudo o que eu tinha para dizer, nem que fosse forçada a isto. Essa palhaçada já havia durado tempo demais.
- Relaxa aí, garoto britânico. Resolver as coisas dessa forma não irá dar em nada. A não ser que queira a afastar ainda mais de você quando aparecer sem calças implorando por perdão. – três dias sem sair do quarto pra nada podem deixar qualquer um num estado deplorável. – Precisamos de um plano para que você possa reconquistá-la e só uma pessoa aqui conhece como ninguém.
- Porter. Acontece que ele também não quer falar comigo.
- E o que Edward não é capaz de resolver, caro ? Venha, vamos trazer sua garota de volta para os seus braços.
- E eu achava que você só entendia de softwares, HQ’s e RPG.
- Você realmente não sabe de nada, . – dizia Ed, enquanto íamos rumo ao terceiro elemento daquela missão. – Assisti a “Meninas Malvadas” mais de dez vezes com minha irmã pré-adolescente.

XXX


- Eu vou vomitar.
Era a décima vez que eu sentia a bile subindo por minha garganta. Talvez a milésima que eu pensava em cometer dois homicídios dolosos de uma só vez e um suicídio de bônus.
Quando fomos à busca de Porter, não imaginei que ele cederia tão fácil. Precisei explicar meu lado da história apenas uma vez para que o mesmo me abraçasse e jurasse amizade eterna novamente. E claro que Port não fez menção em negar ajuda a mim no “Plano-Eu-Não-Quis-Te-Chamar-De-Vadia”. Fiquei realmente animado com a ideia até ouvir sobre sua execução. Agora que o momento chegara, só havia uma coisa na qual pensava executar: a mim mesmo.
- Isso não seria nada romântico, . – Ed dizia enquanto Porter me entregava o buquê de orquídeas roubadas de uns dos canteiros do camping.
- Seu objetivo é ser o galã, não o nerd zoado. Sem ofensas, Edward.
- Porter, nas últimas 24 horas você presenciou várias demonstrações da minha total falta de aptidão para ser o mocinho cantor daquele tal filme idiota.
- Vocês sabiam que o Zac Efron não cantava em High School Musical? – eu e Porter interrompemos nossa pequena discussão para absorvermos essa informação importantíssima dada por Edward num momento tão crítico. – Não me olhem assim, é tudo por culpa de minha irmã.
- O que realmente importa agora... – Porter tomou a palavra – é que sempre sonhou em ser a garota daquela comédia romântica ridícula a que ela me fez assistir sete vezes. E você, , vai lhe dar a honra de tornar esse sonho concreto. O que mais a faria correr de volta aos seus braços?
- Que tal se eu pedisse desculpas como uma pessoa normal? – tentei pela última vez convencer meus amigos, mas apenas fui tratado fosse louco assim como em todas as outras.
- Estamos falando de . Normal não faz parte do vocabulário dela, e você já deveria saber disso.
- Edward, me ajuda, por favor! – supliquei à única pessoa racional nesse plano absurdo.
- Dez minutos para sua entrada triunfal, . Vá para trás do palco e só suba ao meu sinal, certo?
- Não era dessa ajuda que eu precisava, mas ok. Desejem-me sorte.
- Não se esqueça: seja sexy e arrase nos agudos. – Porter acenava para mim enquanto Ed prendia o riso sem muito sucesso. Respirei fundo e me dirigi ao local combinado. A banda já tocava sua penúltima música da setlist e logo depois eu tomaria seu lugar. Uma onda de pânico me invadiu e eu tive a certeza de que vomitaria naquele palco. Que romântico.

Dois dias cantando a mesma música faz com que ela ecoe incessantemente em sua mente. Mas um minuto de nervosismo é o suficiente para que você a esqueça totalmente. Quando Edward deu o sinal de que a hora havia chegado, eu não sabia nem mesmo o meu nome.
Amaldiçoei o momento em que topei pedir ajuda à Porter Welsch. A questão era:
1 – Eu estava desesperado;
2 – Eu estava muito desesperado.
Apenas por isso acreditei que cantar uma música do Maroon 5 para todos os calouros do campus na festa de encerramento do camping seria genial. Unir uma das cenas do filme favorito de com sua banda favorita era realmente uma boa ideia. Tirando o fato de que eu não cantava como o ator do filme, mil vezes menos como Adam Levine.
- Oi, todo mundo. É, oi. – procurei por no meio do pessoal, que me encaravam questionadores, mas só avistei Porter e Edward acenando freneticamente para que eu continuasse.
– Bem, vocês devem estar se perguntando o motivo de eu estar aqui. E antes que eu estoure seus tímpanos, eu gostaria que soubessem. Há quinze dias conheci uma garota e em 0,7 segundos me apaixonei. Pode parecer uma parcela mísera de tempo, mas tudo é questão de ponto de vista. E comecei a ver a vida de um ponto de vista muito mais interessante quando ela sorriu pra mim pela primeira vez. Queria poder terminar com um “felizes para sempre”, mas um empecilho se colocou entre nós e atrasou sua chegada. E é em busca de nosso final feliz que estou aqui agora. – a introdução da música iniciou como combinado e fechei os olhos em uma prece rápida antes dos primeiros versos.

I'll be Sunday moon tonight
(Eu serei uma lua de domingo hoje à noite)
I can be whatever you like
(Eu posso ser o que você quiser)
I was alone but I met it a few
(Eu estava só, mas já senti isso outras vezes)
I wanna show you my feelings are real, yeah
(Eu quero lhe mostrar que meus sentimentos são verdadeiros)

E em meio aos gritinhos frenéticos das garotas e as gargalhadas espalhafatosas de todos os caras presentes, finalmente encontrei boquiaberta. Sorri em sua direção e continuei a música enquanto a mesma me encarou de volta sibilando “eu não acredito”.

All this time I've been living it up
(Todo esse tempo eu tenho vivido ao máximo)
And every night I'd be falling in love
(E todas as noites me apaixonava)
But I'm finally seeing the light
(Mas finalmente estou vendo a luz)
Falling in love with you every night
(Me apaixonando por você todas as noites)

Cantei o refrão da música como se ele pertencesse a mim. Ignorando minhas desafinadas catastróficas resolvi seguir o conselho de Porter. Dirigi meu olhar mais provocador a e tentei até mesmo arriscar uns passos de dança depois de seu sorriso três vezes mais provocante.

I can tell that you're needing my love
(Dá pra perceber que está precisando de meu amor)
And all I want is to give it to you
(E tudo o que eu quero fazer é dá-lo a você)
And don't give up on the moment tonight
(E não desista deste momento hoje à noite)
Or you'll regret this for the rest of your life
(Ou você se arrependerá pelo resto de sua vida)

Tirei o microfone do pedestal e graças à ajuda de Edward, todas as seis garotas, excluindo Melanie por motivos óbvios, estavam em frente ao palco. Desci do mesmo e dei uma orquídea para cada uma, meu último pedido de desculpas. Elas também foram manipuladas pela megera e não mereciam a forma com que as tratei. Não havia vadia alguma ali, não havia garotas oferecidas ou desesperadas por um cara. Eram apenas mulheres decididas que me deram uma lição de igualdade e respeito.

I still don't get it
(Eu ainda não entendo)
Cause if you don't know it yet
(Pois se ainda não percebeu)
You'll know that I'm not your enemy, your enemy
(Você saberá que eu não sou seu inimigo)

Quando a última flor restou, não vi por perto. Subi no palco novamente e não a vi em lugar algum e entendi que não havia sido perdoado.

This is a new love
(Esse é um novo amor)
Would it kill you to forgive me?
(Será que é tão ruim assim me perdoar?)

XXX


- Você foi demais, cara! – Porter me abraçou assim que desci do palco, ovacionado por todos. Os suecos adoram uma humilhação pública.
- Terminei com um saldo de uns quarentas fãs, uma flor e um fora.
- Na verdade, você tem dois fãs, nenhum fora e ainda deve uma orquídea à certa garota. – antes que pudesse perguntar o que aquilo significava, Port sorriu e indicou a trilha que levava ao lago. – Ela está te esperando.
- Obrigado, cara. Por tudo.
- Não precisa agradecer. Não formamos uma boa dupla, afinal?

- Se quer saber a verdade, você não chegou aos pés do Adam. – disse, assim que lhe dei a orquídea e sentei ao seu lado no pequeno píer.
- Talvez eu não cante tão bem como ele. Mas acho que não ficaria desapontada se eu tirasse minha camisa agora. – um sorriso despontou de seus lábios, mas logo desapareceu. – , sobre aquele dia, eu...
- Eu já sei, .
- Não, você entendeu tudo errado...
- Eu soube do plano de Melanie. – virou-se em minha direção e sorriu terna. – Há dois dias, Bess me contou que Melanie havia escutado quando eu disse a Porter que iria para sua cabine naquela noite, e aproveitou-se da situação. Ela ainda não desistiu de você, sabia? Quando estava contando a Porter que não era um completo idiota e todos os outros adjetivos que lhe empreguei, alguém batendo desesperadamente na porta me interrompeu. E olha que coincidência: era o próprio.
- . – fechei os olhos e respirei fundo, fingindo completa indignação. Ela gargalhou, pois sabia que eu havia entendido. – Você estava naquele quarto enquanto eu aceitava me humilhar para todos os calouros da UE para te ter de volta?
- O guarda-roupa das cabines é maior do que parece, sabia? E Porter foi genial criando o lance da cena do filme.
- Não existe filme algum? – ela negou e eu me levantei, fingindo ir embora, mas ela segurou minha mão e me juntei a ela nas risadas pelo meu papel de trouxa.
- Em minha defesa, Maroon 5 é realmente minha banda favorita. E em sua defesa – sussurrou em meu ouvido e me arrepiei por sua aproximação e por senti-la tão perto de mim novamente. – foi a coisa mais linda que já fizeram por mim. E agora, , será que é tão ruim assim me perdoar?
- Talvez eu te dê uma chance, .
Beijar novamente foi uma das melhores sensações que eu pude experimentar. Eu enfrentaria dúzias de garotas ensandecidas, andaria por várias horas numa estrada deserta e cantaria toda a discografia do Maroon 5 para uma multidão se isso significasse que eu a teria no final da noite. Ela definitivamente valia a pena.

- Sabe o porquê de eu estar indo à sua cabana antes daquilo tudo acontecer? – dizia enquanto remávamos em círculos sem nos importamos de ir a qualquer lugar. Já estávamos onde deveríamos estar. – Eu queria lhe dizer qual era o item três da minha lista das coisas que você deveria saber.
- E qual seria?
- Eu não havia ido à procura de Porter naquela noite. Mesmo que um vocalista extremamente gostoso me desse mole ou eu possuísse um harém à minha disposição, o inglesinho pálido e sem graça seria minha primeira opção.
- E você sempre foi minha única.


FIM



Nota da autora: Antes de mais nada, obrigada a você que chegou até aqui por ler minha fanfic. Confesso que se não fosse pelos puxões de orelha de minha amiga ela não teria saído do primeiro capítulo, e meu segundo agradecimento vai todo para ela. Agradeço também as meninas do especial, sempre muito queridas e pacientes com os meus pedidos de "pode adiar o prazo de entrega?"rs. E por último e não menos importante, meu muito obrigada para Adam Levine, sua voz maravilhosa e seu tanquinho inspirador HAHA. Não deixem de comentar, ok? Vejo vocês no próximo ficstape. Xx

Outras Fanfics:
→ Mais do que Vingança (One Direction/Finalizadas);
→ 15. You Are In Love (Ficstape #004- Taylor Swift: 1989/Finalizadas).

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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