Última atualização: 19/10/2015

Prólogo


Estou com a mão na maçaneta da porta quando ouço a sineta tocar, indicando que alguém deu uma boa gorjeta. Paro momentaneamente e me afasto, ponderando se entrar no estabelecimento em sua ocasião mais festiva é uma boa ideia. A comemoração lá dentro é alta e calorosa enquanto aqui fora está silencioso e frio. Olho para o céu e percebo que é muito escuro nesta parte da noite. Aperto o casaco contra o corpo para evitar tremer devido ao vento gélido que açoita minha pele.
Entre, sua idiota!” – meu cérebro me ordena e eu tento lembrar a razão de estar aqui.
Quero correr para a luz.
Meu coração se aperta ressentido e então me lembro de que estou aqui para afogar as mágoas, para encher a cara até cair no chão. Entrar em coma alcóolico e tentar não pensar no horror que está a minha vida. Não pensar em Matt segurando a mão daquela vagabunda ao virar a esquina sete minutos atrás.
Suspiro profundamente. Estou parecendo a ex-namorada psicótica que jurei jamais ser. Contudo, ele também jurou que eu era a única e um ano atrás eu o peguei em cima de outra – a tal da vagabunda. A cena mais traumática da minha vida. Digo, a segunda mais traumática. Ainda tenho pesadelos com a minha avó ajudando aquela vaca a parir um bezerro. Uma infância na fazenda pode ser bem problemática.
Fecho minhas mãos em punho e imagino estar surrando a cara de Matt até quebrar todos os malditos ossos quando percebo que um senhor, que acabara de sair do bar, está me encarando confuso. Ele mantém a porta aberta educadamente para eu entrar e fugir da noite fria, e eu me pergunto mais uma vez se essa é a decisão certa.
Então, pela primeira vez compactuando com meu cérebro, meu coração me lembra:
“Você precisa de alguém que possa fazer isso direito”
A minha resposta é “obrigada”.



Capítulo 1


Estou esfregando minhas mãos na intenção de esquentá-las enquanto observo o interior da taberna. Parece que estou na era medieval. A decoração é rústica: paredes de pedra, vigas de madeira aparecendo, móveis escuros e desgastados. A luz ambiente é baixa, o que oferece ao lugar um ar tanto aconchegante quanto sombrio. Há uma dúzia de pessoas por aqui, sentadas às mesas – estilo diner booth - ou em banquinhos junto ao balcão do bar. Depois de ponderar qual dos dois locais seria mais apropriado para mim, escolho me sentar junto ao bar, pois ao menos posso me engajar em uma conversa com a taberneira e oferecer uma gorda gorjeta antes de sair como forma de agradecimento por ela ouvir minhas lamúrias.
Sento-me entre dois desconhecidos. O cara à minha direita é parrudo, com os braços cobertos por tatuagens e uma barba espessa que me impede de saber se ele está feliz ou zangado. Já o homem à minha esquerda parece estar em uma relação romântica com sua bebida, pois nem se dá ao trabalho de observar quem é a pessoa que está ocupando o lugar ao seu lado. Tento me equilibrar habilmente em cima daquele banquinho, sentindo-me uma tola, pois obviamente todos já notaram que não pertenço a este lugar. Quando me estabilizo, chamo a atenção da taberneira e ela vem em minha direção com um olhar desconfiado.
- Uma cerveja, por favor. – peço educadamente.
- Identidade.
Então o cara ao meu lado ri discretamente. Por sorte, ele ainda está paquerando sua cerveja e não vê minhas bochechas escarlates. Eu simplesmente odeio o fato de não aparentar a idade que tenho. Vasculho a minha bolsa e de dentro da carteira retiro o documento, tentando esconder ao máximo aquela foto 3x4 horrorosa. Ela analisa-o por alguns instantes e me devolve logo em seguida com um sorriso simpático no rosto.
- Fez vinte e três na semana passada. Parabéns. – ela diz e antes de se virar para buscar o pedido acrescenta – Vou lhe dar mais uma por conta da casa.
E eu reflito se é porque fiz aniversário alguns dias atrás ou se ela se sente culpada por me constranger em frente a estranhos.



Capítulo 2


Estou na minha terceira cerveja quando sinto a desinibição chegando. A taberneira não está mais ouvindo minhas reclamações, então eu me viro em direção ao cara que riu de mim e tento estabelecer uma conversa.
- Oi.
O estranho me olha de soslaio, parecendo conferir se eu estou realmente falando com ele ou não.
- Oi. – ele responde alguns instantes depois, mas não vira o rosto para mim e entorna garganta a baixo o que parece ser o restante da sua cerveja.
- Tudo bem? – pergunto simpática e sei que ele está tentando não rir da minha tentativa de estabelecer contato.
- Tudo.
- Não vai perguntar se eu estou bem?
- Eu já sei a resposta. – e então eu percebo que ele secretamente ouviu todo o meu monólogo depressivo para a taberneira.
Tento pensar por aonde conduzirei nossa conversa já que ele não está facilitando. Eu poderia simplesmente acusa-lo de mexeriqueiro, o que talvez resultasse em uma discussão acalorada, mas eu não estava exatamente surrando ao dizer que preferiria ser passageira de um carro em chamas do que ser protagonista da minha vida.
- Você tem algum hobby? – eu questiono e ele finalmente olha para mim, com a testa franzida.
- Caça submarina. E tênis. – ele responde ainda tentando entender minhas razões para me comunicar com um completo desconhecido. – E você?
- Gosto de assistir caras jogando tênis.
E então ele abre um sorriso largo.
- Essa foi boa. Mas, sério, do que você gosta?
- Ler, assistir séries de TV e fazer cantadas terríveis, basicamente. A propósito, desculpe-me por isso.
- Não foi tão ruim. E acho que você é a primeira garota que tenta dar em cima de mim descaradamente.
- Sério? Interessante. Ao menos você vai se lembrar de mim.
- Provavelmente.
Ele está me avaliando. Julgando-me internamente com aquela sobrancelha arqueada. Então, ponho-me a analisa-lo também para não ficar em desvantagem. E qual não é a minha surpresa ao descobrir que gosto do que vejo. Quer dizer, eu realmente gosto muito do que vejo. É por essa razão que eu não posso deixar que esta conversa morra aqui. Com isso em mente, faço a pergunta mais aleatória possível.
- Se você pudesse ser um super herói, qual poder gostaria de ter?
Ele me observa atentamente, possivelmente calculando quantas vezes precisei bater minha cabeça na parede quando criança para atingir este nível de retardo mental.
- Gosto do lance das teias. – com uma das mãos ele imita o movimento do Homem-Aranha. Eu sorrio.
- Sua vez. Faça-me uma pergunta.
Ele coloca a mão sob o queixo, refletindo.
- Qual é sua altura?
- 172 cm. E você?
- Nossa! Quase tão alto quanto eu.
- De jeito nenhum! Sério?
- Eu juro. – então ele ergue a mão como se fosse um escoteiro.
- Eu trabalho com números.
- 192 cm.
Fecho a cara e soco o ombro do sujeito. Ele era um cretino e eu era a pessoa mais imbecil do mundo por não perceber que, obviamente, ele era bem mais alto do que eu. Cacete, ele estava do meu lado! Sentado, sim, mas do meu lado! E eu não consegui reparar em sua compleição física porque estava ocupada demais encarando aquele rosto bonito com o sorriso mais infame que eu já vira.
- Eu provavelmente não alcanço o seu ombro. – digo, rolando os olhos.
- Querida, você não alcança os meus mamilos.
Naquele momento, percebo que estou encrencada.
E, para meu horror, noto que adoraria ficar encrencada com ele.



Capítulo 3


- Então você gosta de mulheres mais velhas. Droga, estou em desvantagem aqui. Minha avó provavelmente teria mais chances.
Apesar de – o cara gostoso ao meu lado - ser apenas dois anos mais velho do que eu - como previamente havia descoberto -, sentia-me uma verdadeira criança perto dele. De certo, o álcool circulando em meu sangue me enchia de uma alegria que não me pertencia e eu poderia ganhar fácil a faixa de miss simpatia, se, claro, eu tivesse perfil para ser miss, primeiramente.
- Ah, também não é assim. Mais velha na faixa dos trinta, eu digo. Gosto de mulheres com mais experiência, mais maduras, mais focadas. O comportamento delas afeta consideravelmente o meu. Agora por exemplo, estou agindo feito um verdadeiro bobo com você. Não me entenda mal, eu gosto.
E, a cada novo adjetivo que ele supunha que somente pertenciam a essas mulheres, eu sentia meu rosto arder como se estivesse levando uma dúzia de tapas.
- Por que você não vai conversar com a taberneira? Ela com certeza vai gostar dos seus mamilos.
- Ela deve ter uns 50 anos! Isso é assustador. Eu prefiro continuar conversando com a garota legal ao meu lado.
Ele enfatiza a palavra legal e então eu noto que ele não está me elogiando por ser uma boa companhia - divertida e interessante -, mas está usando a palavra com a conotação de que é permitido dentro das leis regentes manter uma conversa comigo porque, apesar de parecer uma adolescente, eu já sou maior de idade.
- Cretino.
- Para sempre e sempre.
E eu sei que está é a sua promessa mais sincera.
- Qual é o seu som favorito? E eu não estou falando sobre canções, mas sobre o fenômeno acústico em si. Por exemplo, o meu som favorito é o barulho das gotas de chuva batendo na janela.
- Isso é uma graça, mas eu acho que não tenho um som favorito.
- Ah, qual foi! Seja criativo! Aposto que seu som favorito é o barulho de ossos quebrando ou talvez crianças chorando. Alguma coisa do gênero.
- Bem, vamos ver. – ele reflete após cessar as gargalhadas em virtude das minhas sugestões. -Gosto do som do vento soprando. Acho que me acalma.
- Boa resposta. Sua vez.
- De te fazer uma pergunta?
- Obviamente. Estou desapontada. Você ainda não entendeu como isso funciona?
- Eu esqueci! Pago sua cerveja para recompensar. – ele oferece e eu aceito com um aceno de cabeça. – Então, qual foi o lugar mais estranho em que você teve que fazer xixi?
- Pergunta curiosa. – coloco a mão sob o queixo ponderando filosoficamente minha resposta. – Eu normalmente controlo minha bexiga, sabe. – ele me observa em expectativa e sei que não vou sair dessa sem lhe oferecer uma resposta. – Bem, uma vez eu tive que fazer xixi no jardim da minha avó porque a porta da casa dela estava trancada.
- Eu não estou aqui para julgar.
- Ela ainda me culpa pela morte das peônias. – eu acrescento um pouco triste pelo fato.
- Pobres flores.
Então, em meio às nossas risadas, o celular dele toca e ele levanta o indicador pedindo que eu faça silêncio.
Ao atendê-lo, começa a falar um idioma diferente e eu não consigo entender coisa alguma. A conversa é curta e, assim que ele desliga, eu pergunto que idioma ele estava falando.
- Russo.
- Caramba. Estou conversando com um espião da KGB. – digo animada e ele rola os olhos, provavelmente acostumado com a piada. – A propósito, eu perdi o meu número. Posso ter o seu?
- Suas cantadas são ótimas. Mas não vou te dar meu número assim tão fácil. Você tem que merecê-lo.
- E que eu vou precisar fazer exatamente?
- Dormir comigo. – ele diz sério, mas sua expressão não dura muito tempo e ele logo ri. – Brincadeira, vamos apenas conversar mais um pouco antes. Sabe, você provavelmente é a pessoa mais divertida com quem eu já conversei em um bar.
- Eu espero que sim. Então, o que você faria se ganhasse na loteria?
- Iria visitar você no estado dourado.
No início da conversa, eu havia dito que estava em Rhode Island apenas para visitar velhos amigos da faculdade e alguns parentes e que, depois do feriado, voltaria para a Califórnia, onde atualmente resido. Fico contente por ele ter prestado atenção no que eu disse.
- Você já pode parar de tentar ganhar meu coração. Você o ganhou assim que começou com aquele papo sobre mamilos.
E de repente eu não sei se estou apenas fazendo um comentário na intenção de ser engraçada ou se eu sou realmente uma vítima daquele galanteador barato.



Capítulo 4


- Quando foi seu primeiro beijo? – me pergunta após beber um gole de cerveja.
Agora não estamos mais próximos ao balcão do bar, mas sentados a uma das mesas, um de frente para o outro, o que torna o contato visual quase que obrigatório. Felizmente, tem olhos maravilhosos.
- Eu tinha 14 anos.
- Ah, então foi ontem! – ele zomba e eu reviro os olhos.
- Idiota. – suspiro e fico passando o dedo na borda do meu copo, distraída – Era minha primeira semana no ensino médio. O cara era meu veterano. Particularmente, parecia que eu estava me afogando. Ele devia ter algum problema nas glândulas salivares.
- Não é algo muito agradável de recordar.
- É, mas eu me lembro do dia só porque o segundo marido da minha avó morreu na mesma data.
- E tudo sempre pode ficar pior. – ele acrescenta. – Eu sinto muito.
- Tudo bem. Já faz muito tempo. – eu dou de ombros, tentando espantar a tristeza – Mas e você?
- Eu estava na sétima série. E foi com uma garota mais velha.
- Obviamente! – eu ergo as mãos – Agora eu posso entender a sua obsessão.
- Obsessão? – ele vinca a testa, curioso.
- Foi com a professora, certo? Matemática, geografia... Ah, não, certamente biologia.
- Eu não entendi.
- Sua obsessão por mulheres mais velhas. Seu primeiro beijo começou com tudo isso.
- É uma boa teoria, mas vou ter que refutá-la. Eu só a escolhi porque ela tinha os maiores peitos da sala. E juro não sou um pervertido.
- Vou te dar o benefício da dúvida. Sua vez.
- Qual é a cor da sua calcinha? – ele pergunta e eu ameaço levantar e ir embora – Por favor, não me deixe. Eu juro que é brincadeira.
Desconfiada, sento-me novamente apreciando a gostosa sensação da mão dele ao redor do meu pulso me impedindo de partir.
- De qualquer forma, eu não poderia responder a sua pergunta. – eu dou de ombros e ele arqueia a sobrancelha questionando o motivo – Porque eu estou sem calcinha.
Ele solta meu pulso, coloca uma mão na cabeça e aponta o indicador da outra para mim.
- Essa resposta. – ele solta um suspiro – Me pegou.
- É meu trabalho te pegar. – pisco para ele, me aproveitando do duplo sentido da frase.
- Você me levaria em um tour pela Califórnia?
- Se você pagasse.
- Bastarda.
- Faço negócios, não caridade.
- Cruel. – ele simula um rosnado – Eu dormiria no chão porque é frio e eu fico muito quente à noite.
- Você já ouviu falar em uma invenção muito interessante chamada ar-condicionado?
- Ouvi, mas estou tentando economizar já que estou lidando com uma mercenária.
- Você só precisa me prometer que ficará ao meu lado durante a noite que eu ligo o ar condicionado para você como um favor.
- Feito. E você não terá que fazer mais nada porque eu sou como um cobertor. – ele me lança um olhar sacana – E eu vou te esquentar.
- Isso é muito gentil da sua parte. – eu ponho uma mão sobre o peito na intenção de demonstrar o quanto estou emocionalmente afetada por seu gesto carinhoso.
- Eu sei, certo? – ele sorri presunçoso. – E sabe qual a melhor parte? Sou uma máquina de abraços.
- Provavelmente a melhor máquina do mundo. – comento, mas paro e reflito por um momento decidindo mudar minha resposta. - Não, acho que a máquina de lavar vence. Mas você fica em segundo lugar com certeza.
- Isso soa muito errado. Eu sou a melhor máquina de todas.
- Mas não do tipo humilde. A máquina de lavar nunca agiria como você.
Implico e então ele morde o lábio inferior e sorri daquele jeito canalha. Segura minhas mãos e olha em meus olhos, como se tentasse enxergar minha alma.
- Ao menos eu tenho o trabalho feito.
E então eu começo a rir escandalosamente atraindo a atenção dos outros indivíduos no bar.
- Por favor, pare. Eu estou tendo bebês.
- Você não tomou as pílulas? – ele me olha fingindo preocupação.
- Sério, não me faça rir. Minha barriga está doendo.
- Problema seu, não meu. – ele dá de ombros.
- Odeio você. E não vou te proteger das vovós que tentarem abaixar sua calça no meio da noite.
- Não! Isso é aterrorizante! Quem é que vai te aquecer durante a noite se eu for pego por elas?
- Chris, Brian, Greg, Robert... – vou enumerando distraidamente com o auxilio dos dedos. – Todos estão disponíveis.
- Eu iria matar você. - ele alega – Além disso, eu prefiro ter minhas calças abaixadas por você do que por alguma vovó assustadora.
- Tem certeza de que não é um pervertido?
- Ah, por favor, você que começou com o lance da calça!
- Mas você começou com o lance dos mamilos. – cruzo os braços e ele faz uma careta. – É agora que você diz: touché.
E então ele se levanta e se senta ao meu lado, puxa-me para um abraço e começa a coçar o topo de minha cabeça com os nós dos dedos como se ele estivesse me dando uns cascudos pelo meu mau comportamento. E é nesse momento em que eu percebo que os melhores amigos são definitivamente estranhos em bares.



Capítulo 5


- Se você tivesse três desejos, o que pediria? – pergunto, enquanto observo a mão de entrelaçada à minha. Ele tem mãos grandes, o que é sempre um bom sinal. – O primeiro sou eu, é claro.
Ele ri calorosamente e me encara com aqueles olhos fascinantes. Fico me perguntando que grande conspiração do universo é essa da qual somos protagonistas. Eu simplesmente não consigo acreditar em todas as coincidências que nos trouxeram até uma taberna pouco conhecida em Newport, Rhode Island.
Eu vi Matt com a antiga amante e atual namorada no caminho de volta pra casa. Eu decidi que eles não poderiam me ver porque eu provavelmente os atacaria como um chimpanzé alucinado por LSD. Eu virei na primeira esquina na tentativa de fuga e me deparei com o letreiro da taberna me convidando a entrar: Horns. E, apesar de saber que o nome do estabelecimento possivelmente é um eco de uma figura pagã - Herne, O Caçador - que tinha uma galhada sobre sua cabeça, eu só consigo pensar que, de um jeito ou de outro, “Horns” significa chifres.
Então aqui estou eu: mais íntima de um cara que conheço faz quatro horas do que da mulher que faz minha depilação cavada.
Realmente não dá para entender como a Terra funciona.
- Bom, então eu acho que é você, dinheiro e felicidade. Não necessariamente nessa ordem. – responde a pergunta, deixando-se levar pela minha brincadeira.
- Você não vai precisar pedir por felicidade comigo ao seu lado. É tipo uma grande redundância.
- Verdade. - ele passa a mão na nuca e sorri olhando para o chão.
- Pare de fazer esta coisa fofa, caso contrário, irei morder sua bochecha.
- Você é muito agressiva para uma garota bonita.
- Você sempre diz o que as garotas querem ouvir. Isso não te cansa, não? – pergunto, encarando-o chocada com sua habilidade de colecionar corações em potinhos. – Por favor, pare de ser perfeito.
- Só existe uma pessoa perfeita aqui e ela está usando saia.
- , eu estou de calça.
- Mas a loira que entrou há dois minutos tinha belas pernas.
Ele pisca sacana e faz um meneio de cabeça em direção ao bar. Juro, se a tal loira se inclinasse mais um pouco sobre a bancada, eu seria capaz de enxergar o útero dela. Sim, o frio definitivamente é psicológico. Assim como o fogo no rabo.
- Preciso te ensinar umas lições sobre humildade. – afirma enquanto recobra a minha atenção.
Sorrio sarcástica.
- Eu vou estudar mais para o próximo teste, professor. Assim você não vai precisar me espancar com uma régua.
- Quem precisa de régua quando se tem mãos grandes?
E então ele arqueia a sobrancelha, sugestivo. Eu abro minimamente minha boca, indignada com suas sacadas rápidas e ousadas. E a única resposta que eu posso oferecer a ele no momento é:
- Nesse caso, você pode me chamar de Anastasia.
O ar entre a gente fica energizado até que finalmente quebra o silêncio.
- Então, é a minha vez de perguntar? – faço um aceno com a cabeça – Você quer fazer cinquenta tons comigo?
E apesar de ser uma oferta irrecusável, eu me limito a dizer:
- Você é um bobo. E eu acho que está começando a fazer perguntas que eu não posso responder sem parecer uma completa tarada porque eu já sei tudo sobre você.
- Tem muitas coisas que você não sabe sobre mim. – ele me dá uma piscadela sacana – O gosto do meu beijo, principalmente.
- Que tal você me ensinar umas palavrinhas em russo antes de me fazer uma cantada tão ousada?
E então ele escreve uma frase impronunciável no guardanapo e me incentiva a ler em voz alta. Após algumas tentativas, eu finalmente consigo pronunciar do jeito correto e ele cai na gargalhada. Mais tarde, eu descubro que o significado da frase não era “Eu gosto de sorvete” como ele previamente havia me dito, mas algo mais parecido com “Eu quero seu pênis na minha garganta”. Depois de eu ameaçá-lo com um garfo pela minha ridicularização, ele rapidamente se defende, expondo:
-Educação é educação.

Capítulo 6


- Então, se você pudesse ser uma celebridade, quem você seria? – eu pergunto enquanto faço cafuné na cabeça de , que está apoiada em meu ombro.
- Hannah Montana. – a resposta é automática e eu arregalo os olhos, surpresa por ela ser idêntica a minha.
- Hey, essa é a minha resposta!
- Acho que ambos queremos o melhor dos dois mundos.
Ele boceja e só assim consigo perceber o quanto está cansado. Pergunto-me desde que horas ele deve estar aqui no bar e então noto que só falamos sobre aleatoriedades que não explicam nada sobre quem somos. Se bem que um cara respondendo que gostaria de ser a Hannah Montana se tivesse a oportunidade é uma pista valiosa.
- Bom, já que você está com a Hannah, então, eu decido ser a Taylor Swift. Ela teve os namorados mais quentes de todos os tempos.
- É, e terminou com eles dois minutos depois.
Então ele se afasta consideravelmente. E é aí que eu percebo que ele também teve o coração partido.
- Parabéns. – eu digo e dou carinhosas batidinhas em suas costas.
- Pelo quê? – ele pergunta confuso.
- Você entrou oficialmente para o time dos chutados.
Mas ao invés de rir da minha forma de lhe dizer que ele não está sozinho nessa, que eu também fui vítima de um malandro desprezível sem coração, ele apenas me lança um sorriso triste.
- Na verdade, fui eu quem deu o chute.
- E você está arrependido? – pergunto, mordendo o lábio inferior em expectativa. Por favor, por favor, diga “não, diga “não”. Você ficaria tão bom na minha cama.
- Não exatamente. A verdade é que fomos reféns das circunstâncias. – ele me observa o encarando ansiando por mais detalhes e tenta sorrir antes de continuar – Um problema na cidade, um pequeno problema em casa. Esse tipo de coisa.
Rolo os olhos, indignada por estar economizando palavras. Ao perceber meu descontentamento, ele se rende e faz um resumo da história.
- Eu estava passando uma temporada na Rússia, visitando meus avós. Então eu conheci essa garota e ela era a mais incrível de todas. Entretanto, ela tinha um defeito irreparável: ser neta do homem que meu avô mais odiava na face da Terra. Apesar de terem sido melhores amigos no passado, tudo mudou quando meu avô foi recrutado para a Segunda Guerra Mundial e seu melhor amigo não, pois sofria de uma deformidade na perna que o impossibilitava de andar normalmente. Na época, meu avô estava comprometido com uma moça e os dois iriam se casar assim que ele retornasse para casa. Mas, por engano, o nome dele foi parar nas baixas e ele foi tido como morto. Quando ele retornou para casa são e salvo, a sua ex-futura-esposa já havia se casado e estava grávida do primeiro filho. E adivinha só: o marido dela era o seu melhor amigo.
- Vocês são como Romeu e Julieta.
- Sempre soube que havia uma razão para eu odiar Shakespeare. – ele murmura, tentando controlar sua raiva. – Enfim, já faz sete anos que isso aconteceu.
- Então qual é a razão de estar aqui esta noite?
- Porque hoje faz cinco anos que meu avô faleceu.
- Eu sinto muito. – digo, e tento confortá-lo com aperto leve em seu ombro. – Mas e a garota russa? Vocês não ficaram juntos depois disso?
- Eu tentei. Peguei um avião o mais rápido que pude e, após o funeral, eu fui direto a casa dela para revelar que não havia mais impedimentos a nossa relação, que toda a rixa agora havia acabado. De um modo imensamente mais triste do que eu gostaria, é verdade, mas ao menos poderíamos ficar finalmente juntos mesmo existindo um oceano entre nós. E então ela simplesmente disse: “O amor não mora mais aqui”.
E, pela primeira vez na vida, eu não sei o que dizer. Não sei se é o álcool que está me lesando, ou se minha incapacidade de falar é resultado de todo o drama digno de novela que viveu. Sinto-me uma tola por ter reclamado copiosamente de minha vida que, comparada a de , é mais ridícula que Tarzan com meias. Ninguém morreu, eu não perdi o amor da minha vida – apesar de um ano atrás eu ter sentido que era isso -, nenhum bêbado no bar tentou me afogar em más recordações. Eu apenas não havia conquistado a promoção que gostaria e revi meu ex-namorado. Nada comparado à mulher traidora-devoradora-de-melhores-amigos por quem o avô de havia sido apaixonado.
- Sabe, você me perguntou sobre o meu som favorito, mas não perguntou sobre qual eu mais odeio. Bem, a resposta é: eu odeio o som de porta batendo. Porque, naquela noite, foi assim que ela findou nossa conversa. Desde então, eu sempre fico atento a isso.
E então eu começo a desmoronar internamente porque ele parece estar estagnado no sexto grau de separação, aquele em que você admite que fodeu um pouco as coisas. Eu vejo aquela noite piscando diante dos olhos de e sei que ele está ressuscitando-a, trazendo-a de volta a vida. Então decido que é hora de sair, de ir embora, porque eu sei que essa lembrança vai terminar com um estrondo: o do meu coração se partindo.
- Eu tenho que ir. – sussurro.
Sei por experiência que existem dois tipos de decisão: a certa e a que eu usualmente tomo. Por isso tento me certificar de que não me arrependerei disso mais tarde. Quando verifico que quase todas as minhas células estão em concordância, eu prossigo, me levantando. Contudo, não abre passagem, me enclausurando ao seu lado.
- Quer saber de algo curioso? – ele pergunta e me observa.
- Na verdade, não.
Cogito outras maneiras de sair dali e minhas alternativas são: pular a mesa como se estivesse possuída por cem demônios; ou passar por cima de como uma striper que oferece uma dança sensual, mas desiste rapidamente.
- Você me ganhou com o “oi”.
- Como é que é? – eu paro de bolar meu plano de fuga e me concentro naqueles olhos brilhantes.
- Desde que você começou a conversar comigo, sobre tudo e nada ao mesmo tempo, eu não ouço mais o barulho de porta batendo.
- O que você está sugerindo?
- Estou dizendo que não sou uma banda de um homem só. Eu meio que quero cantar um dueto. E acho que você e eu soaríamos muito melhor.
E então eu sinto uma mistura de esperança e felicidade me envolvendo. Belisco o meu pulso e sei que é real. Estendo minha mão em direção a ele, que a observa confuso, então, de forma descontraída, eu o convido:
- Que tal a gente ir e salvar esta noite?



Fim.



Nota da autora: Seria muito absurdo se eu dissesse que esta fic é baseada em fatos reais? Não totalmente verídica, mas a maioria dos diálogos realmente aconteceu. Bem, hora dos agradecimentos: Nany, obrigada por me emprestar uma parte da sua história de vida, espero tê-la narrado propriamente. Beta, obrigada pelo seu trabalho que eu ainda nem conheço mais admiro pra caramba. Leitora, obrigada por doar um pouquinho do seu tempo para ler esta fic, que é basicamente uma história de amor, de aventura e de magia. Um abraço de estalar os ossos em todos vocês. ;)



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