FFOBS - 08. Better Man, por Anmi

Finalizada em: 29/09/2019

Capítulo Único

p.o.v.
A primeira vez que o vi estava extremamente fora mim. De um jeito que nunca estive. Louisiana tinha me convencido que seria maravilhoso ir à Hot Summer. Até chegar aquele dia, eu não queria sair de casa por dois motivos: seria obrigada a levar os seguranças e não queria ser vista por nenhum paparazzo. Agora estava tão fora de mim que nem sabia mais por onde Louisiana estava ou em qual rua da cidade eu me encontrava. Meus pés doíam e já não sabia mais por quanto tempo eu estava caminhando. Não tenho costume de beber e com certeza não uso nada ilícito.
ꟷ Olha por onde anda!
Foi a primeira coisa que ouvi da boca dele. Sua voz parecia um trovão de tão forte que me atingiu. Lembro de lhe pedir desculpas baixinho e seguir adiante. Em nenhum momento olhei em seus olhos, mesmo que o fizesse não saberia dizer a cor de sua íris devido a escuridão de onde nos encontrávamos.
ꟷ Ei, você está bem?
Foi a segunda coisa que ele me disse após deixar que eu desse mais uns passos. Apertei mais ainda meus braços em torno de mim e continuei a andar o máximo que podia em linha reta. Eu o ignorei porque não podia passar por mais nada naquele dia.
ꟷ Eu estou falando com você! Tá me ouvindo não?
Essa foi a terceira e última coisa que ouvi ele falar para mim pouco antes d’eu desfalecer no meio da rua úmida por causa da chuva.
Qualquer coisa que vivi com ele após esse dia, sei porque vivi de corpo e alma. Assim como vivo até hoje.

Uma semana atrás
ꟷ Você precisa ir naquele evento na Hot Summer.
ꟷ Não tenho motivos para pisar lá.
Louisiana tinha o nome do estado em que foi concebida. Cresceu junto comigo em meio as loucuras do meio político. O que ela tinha de agitada e exibida, eu tinha de calma e recatada.
ꟷ Você passa seus dias indo de casa para a faculdade. Se deixar passa as vinte e quatro horas do dia trancada no quarto lendo. Quando sai é só para ir ao cinema ou para o voluntariado.
As botas de salto que ela usava ecoavam pelo meu quarto conforme ela movimentava seus pés. Seu andar em círculo traduzia a sua avidez em provar que eu tinha necessidade de sair de casa e viver como uma jovem de 20 vinte anos qualquer.
ꟷ Não adiante falar nada. Eu não vou!
A bufada que escapou de seus lábios pintados de rosa choque era digna de uma criança mimada. Louisiana sabia que sempre tinha o que queria desde que era bem pequena.
ꟷ Como você não vai em uma festa que é em homenagem a sua melhor amiga, ?
Desvio os meus olhos da página do livro que estava lendo e me volto para a mulher parada em frente à minha janela.
ꟷ Louisiana, eu prometo pensar em ir, mas não garanto nada.
A alegria que ela tinha em ouvir um simples talvez foi o que eu precisava para concordar em ir.

No dia da festa
Louisiana me fez cumprir todo o cronograma feminino usual para que eu a acompanhasse à boate. Fizemos desde massagens até cabelo e unha em um dos melhores salões de beleza da cidade. As roupas já tinham sido escolhidas desde o dia em que ela obteve o meu “vou pensar”. Ela usaria um vestido ousado demais para o meu gosto e eu optei por algo de cores claras e mais comportado.
No momento em que concordei em ir a tal festa em homenagem à Loulou sabia que teria que lidar com os seguranças e com os paparazzi. Talvez essas duas coisas fossem os maiores motivos para me prender dentro de casa. Afinal ser filha de uns senadores mais importantes do país vinha com o seu preço. Meu pai, o senador Van der Waals do estado da Louisiana, era uma figura bem pública. Eu cresci sabendo de quem ele é dentro e fora de casa, no entanto quando minha mãe nos deixou ele se tornou um estranho para mim. Por minha própria escolha preferi não aparecer mais nos seus eventos de campanha que geralmente íamos os três juntos como a família que éramos. Depois que mamãe se foi não tinha a mesma graça ir em festas e bailes. É claro que aos eventos em que ele necessitava passar uma imagem familiar eu era convocada para fazer presença ao seu lado. O fato d’eu ser muito educada, tímida e fazer trabalho voluntário só cresceu aos olhos, pois nunca fiz algo que atentasse à sua imagem de homem de família. Era vista como a filha perfeita.
Portanto o que Louisiana disse para o meu pai eu não sabia, porém sabia que hoje não teria que lidar com os seus seguranças. Apenas por uma noite não teria duas sombras maiores que eu me seguindo por onde andava e isso era um alívio. Por isso, o meu riso estava mais sincero e frouxo enquanto nós duas seguíamos com o motorista dela para Hot Summer, uma das melhores boates da cidade que se localizava em uma região que estava sendo revitalizada.
ꟷ Eu estou muito feliz que você concordou em vir comigo.
ꟷ Bom... o seu poder de persuasão me convenceu.
ꟷ O que posso dizer se realmente tenho uma boa lábia.
ꟷ Pode dizer obrigada, já que eu larguei meu livro em um baita momento importante para estar aqui.
ꟷ Obrigada, ! ꟷ Ela disse com a voz uns tons acima do normal demonstrando a sua ironia. ꟷ Quanto ao seu livro, eu sei bem que você tem uma versão em PDF no seu celular e que na primeira vacilada minha você vai encontrar um canto para se sentar e lê-lo.
ꟷ Gostaria de me ofender com a sua fala, mas o que eu posso dizer para você que me conhece tão bem?
ꟷ Pois é, não sei até hoje como viramos melhores amigas. Somos tão diferentes.
ꟷ Os opostos se atraem, Louisiana. Funcionou assim.
ꟷ Espero então nunca deixar de ser uma das suas metades do yin-yang.
ꟷ Pelo menos no campo da amizade você é, minha cara metade.
ꟷ Pelo menos em algo na sua vida você está completa.
Ri mas sabia bem sobre o que ela estava falando. Minha vida amorosa era o que ela chamaria de fiasco. No auge dos meus vinte e poucos anos eu ainda não tinha arrumado nenhum namorado ou ficante. Ela dizia que eu era muito na minha e isso afastava os homens. Meu pai achava maravilhoso e sempre me apresentava aos filhos de seus amigos políticos na esperança de que algum deles me conquistasse.
ꟷ Não quero ter que me repetir sobre os motivos que me levam a estar solteira.
ꟷ Ah, pelo amor dos deuses, ! Você é bem grandinha e sabe que nenhum homem será como os seus personagens de livros. Eu digo sempre que o que estraga os homens para você são os seus livros e essas histórias que te dão expectativas irreais da vida.
ꟷ Agora eu que tenho que dizer a você que não quero um homem como os que eu leio. Longe disso. Apenas não conheci algum que me interessasse. Não quero saber de mais almofadinhas que vão seguir os passos de seus pais ou de hipsters cujo o único objetivo é ser quem é sem nenhuma pretensão de nada durante a vida toda.
ꟷ Resumindo a sua ladainha: eu quero alguém perfeito. News flash, baby, esse alguém não existe.
ꟷ Tanto faz. Morro sozinha, mas não vou me contentar com homem meia boca.
ꟷ Ai, , até parece que eu não morreria juntinho de você. Seremos amigas para sempre.
ꟷ Eu sei Loulou. Eu sei. ꟷ Disse com um sorriso sincero em meus lábios.
Mais alguns momentos confinadas dentro do carro e logo chegamos à boate. Hot Summer estava repleta de pessoas em volta da entrada. Desde famosos chegando a adolescentes com suas identidades falsificadas tentando enganar o bouncer. A atmosfera era de agito puro e estar envolta nesse ar não me faria bem, porém me convenci que seria algo feito em amor para uma pessoa que me ama também então até o fim da noite eu resistiria ao que quer que fosse para ficar com minha amiga-irmã.
É claro que Louisiana fez com que eu parasse ao seu lado enquanto ela respondia aos repórteres que estavam de plantão na porta. Ela dava minientrevistas ao responder de três a cinco perguntas feitas por eles. Eu me resignei a ficar calada com a minha melhor poker face, certamente usei as técnicas que aprendi ao longo dos anos por sempre estar acompanhando meu pai.
O bouncer era um homem alto de terno com uma estrutura corporal um tanto intimidadora para mim. Ele não ofereceu empecilho algum quando minha amiga e eu nos aproximamos da porta dupla do estabelecimento. Poderíamos ser menores de idade, mas se tivéssemos status nada mais importaria. Só deus sabe o que se passa na mente dessas pessoas para não se importarem com nada disso.
A discrepância entre a rua e o interior do estabelecimento era enorme. Enquanto lá fora eu achei que ficaria cega pelo excesso de luzes e flashes, aqui dentro eu realmente achei que pudesse estar cega dada a ausência de luzes exceto por uns alguns pontos neons espalhados pela área ao redor da pista de dança.
Louisiana soltou um gritinho animado ao chegar a um local reservado que eu apenas poderia deduzir ser a área VIP. Várias outras mulheres igualmente lindas estavam lá a espera de minha amiga. Cada uma delas mais perfeita que a outra e com certeza todas já estiveram em capas de revistas ao redor do mundo. Ao seu lado eu era apenas uma garota normal, embora tenha autoestima suficiente para reconhecer que sou tão bela quanto embora não compartilhasse do corpo magro em excesso que em sua maioria elas tinham.
Loulou foi educada para me apresentar a suas amigas top models, mas logo vi que seriamos boas amigas se elas soubessem falar em algo que não fosse dietas e contar vantagem sobre o quão irreais deveriam ser para conseguir vagas nos melhores projetos.
Desde o primeiro brinde que elas estavam fazendo eu tinha em meu copo uma água com gás de preço obsceno. Não tinha a menor intenção de beber algo naquela noite, principalmente quando ainda estava tonta de toda afobação antes de entrar.
É claro que os mais belos homens chegaram em nossa mesa com as mais variadas cantadas, mas até o presente momento nenhuma de nós estava interessada nas frases de efeito deles. Contrariando do que eles esperavam, revezamos o nosso tempo entre as nossas bebidas e dançar a cada música que ecoava pela boate.
Em um dado momento, já exausta de dançar com as meninas e precisando de alguma bebida para me refrescar, deixei que minhas pernas me levassem da pista de dança para o bar mais próximo. Ao chegar lá pedi ao barman o meu copo de água gaseificada aromatizada. Enquanto aguardava o meu pedido, um homem se aproximou de mim. Primeiro foi gentil e simpático quando perguntava como a minha noite ia e o porquê d’eu estar sozinha no bar. Fui curta em muitas respostas que dei a ele, mas o que não podia imaginar era que ele com o seu papo mole iria me fazer beber todo o meu copo d’água.
ꟷ Olha eu estou vendo nos seus olhos que a minha presença está te incomodando. Deixa eu me redimir por ter enchido o seu saco com um novo copo da sua bebida.
Pensei bem e achei que estava segura afinal era só um copo d’água que ele estaria me comprando. Não tinha riscos. Então concordei com isso. Até que o meu novo copo de bebida fosse estivesse em minhas mãos mantive meus olhos nas minhas amigas que ainda estavam se mexendo sob as luzes coloridas da pista de dança.
ꟷ Prontinho, moça. Aqui está o seu copo de... ꟷ Ele parou esperando que eu completasse com o nome da minha bebida.
ꟷ Água com gás saborizada.
ꟷ Água com gás saborizada, então. ꟷ Ele falou com um sorriso esquisito nos lábios.
ꟷ Obrigada. ꟷ Disse ao pegar o copo, decorado para imitar um drink, da mão do cara.
Com certeza não deveria ter aceito nada. Principalmente de um estranho em uma boate. Nunca duvidar do potencial de um macho escroto em ser inescrupuloso para atingir seus objetivos, foi a lição que aprendi naquela noite.
No primeiro gole que dei no meu novo copo da bebida não achei esquisito o gosto diferente porque já estava tomando a água saborizada com algo, então inicialmente achei que esse sabor distinto fosse do sabor do que estava misturado. No segundo gole, nada não mudou. Ainda sentia o tal gosto, mas não quis continuar tomando mais porque estava lotada de líquido em algum momento toda a água que bebi deveria sair. Não queria exagerar e passar a noite toda indo ao banheiro. Logo após deixar o copo no bar, fui de encontro as minhas amigas na pista para continuar dançando.
Em alguma hora tudo começou a girar e achei que pudesse ser algo relacionado com o excesso de dança sem nenhuma comida no estômago.
Louisiana notou que eu estava meio pálida e manifestou a sua preocupação.
ꟷ Você está bem?
ꟷ Meio enjoada mas vou sentar na nossa mesa. Vai passar logo.
ꟷ Tem certeza? A gente pode voltar para casa agora. É só você falar.
ꟷ Sim. A gente fica. Eu vou sentar um pouco e depois volto para dançar mais. Pode ficar aí. ꟷ Eu lhe ofereci o meu melhor sorriso para assegurar que estava tudo bem. E fiz o meu caminho até a mesa sob o seu olhar meio desconfiado. Assim que me sentei sabia que Loulou ainda me olhava e por isso estendi ambas as mãos fazendo um thumbs up para representar que estava tudo certo comigo em uma clara tentativa de afirmar que realmente estava bem.
Sentei e automaticamente peguei a minha bolsa e a segurei em meu colo. Inicialmente tudo girava. Depois uma onda de calor veio fortemente sob mim. Comecei a suar bastante. De repente muita sede. Bebi todos os restos de bebida que estavam pelos copos que ocupavam a mesa. Então me veio uma falta de ar enorme, uma sensação de que morreria sem conseguir respirar. Agarrei a bolsa e sai em direção ao local mais arejado que podia achar dadas as circunstancias que me encontrava.
O meu andar estava incerto. Vacilava em direção a porta mais próxima que mais pudesse me salvar daquelas sensações estranhas para mim.
ꟷ Gatinha, oi. Para onde está indo?
De algum canto ressurge o mesmo cara que me pagou uma bebida. Eu não sabia se estava tão mal ou se ele na verdade tinha um irmão gêmeo, pois tinha certeza que diante dos meus olhos tinha duas pessoas.
ꟷ Você não está bem, né. Vou te ajudar. Vem comigo.
O sujeito me acolheu em seus braços e me conduziu até a porta de uma saída de emergência. Assim que chegamos do outro lado da porta, em um beco, me vi cercada de caçambas de lixo encostadas em paredes de tijolos de alvenaria úmidos. Devia ter chovido em algum ponto da noite, pois o chão também se encontrava úmido como a parede com algumas poças d’água.
ꟷ Você está melhor agora?
ꟷ Eu acho que sim, mas agora estou muito enjoada.
ꟷ Vem cá. Encosta aqui. ꟷ Com isso ele me guiou até a parede, me escorou lá e ergueu a minha cabeça. ꟷ Respira fundo. Eu seguro a sua bolsa. Pode ficar tranquila.
Ele pegou a minha bolsa e então podíamos ouvir apenas o som abafado da música da boate se misturar com os barulhos urbanos. Respirei fundo o máximo que pude, porém logo passei a me sentir tonta outra vez.
ꟷ Está tudo girando.
ꟷ Eu já sei como te ajudar com isso.
Ao ouvir essas palavras vindas dele abaixei a minha cabeça até pudesse encara-lo frente a frente. Pisquei algumas vezes e a cada piscada as minhas pálpebras se pesavam mais ainda. Aos poucos se tornavam difícil manter os olhos abertos.
O homem que estava comigo se aproveitou da minha vulnerabilidade para demonstrar como ele podia me ajudar a superar a tonteira. Ouvi um baque de algo caindo no chão. Deduzi que era minha bolsa porque logo senti ambas as mãos dele passearem pelos meus braços nus por conta da falta de manga da roupa que usava. Sua boca falava coisas que me soavam desconexas para logo então derramar saliva pela extensão do meu pescoço e todo rosto enquanto me deixava com seus beijos. Seu toque era áspero, forte, invasivo e acima de tudo indesejado por mim.
Eu sei que teria lutado contra tudo o que ele fez comigo, porém estava fora de mim. Era como uma experiência pós morte daquelas que vemos em filmes. Meu espirito estava fora de mim e assistia a tudo em agonia, pois meu corpo não conseguia me defender daquele cara.
Quando ele se satisfez com “ajuda” que me deu, largou-me lá no sereno. Assim que ele sumiu da minha frente virei para o meu lado direito e vomitei. Estava enojada de toda a situação. O que quer tenha saído de mim naquela hora devia conter parte de quem eu era antes daquele troglodita cruzar meu caminho.
Olhei ao redor e vi que estava só. De repente o vento da noite me parecia mais frio e cortante. Observei que essa sensação provavelmente podia ser explicada por conta do rasgo na minha roupa. O beco que antes apenas tinha cheiro de lixo agora ganhava um cheiro novo que vinha do que eu havia expelido.
Continuar ali parada não era uma opção. Voltar para a festa e encarar as meninas não era uma opção. Então lentamente me abaixei para recolher a minha bolsa. Com ela em mãos sai andando pela noite.
Vaguei sem destino por muito tempo. Saindo de regiões escuras para novas regiões escuras sem nunca perder o vacilo no andar e desgrudar as mãos em volta de mim para esconder a fenda aberta pelo cara. Me esgueirava pelas sombras e evitava aglomerações no meio da madrugada porque temia ser reconhecida por alguém ou pior por algum abutre midiático maluco por fotos. Tudo o que não queria naquela hora era que o flash de uma câmera fosse disparado em minha direção e que no dia seguinte meu pai cuspisse o seu cappuccino na primeira página do jornal da cidade.
Andei o suficiente para que esbarrasse com uma pessoa. Segui o meu caminho após pedir desculpas, ignorei qualquer coisa que ele me disse e tentei ao máximo aparentar que estava bem afinal de contas não queria criar alarde. Aquela pessoa podia ser um paparazzo e eu não poderia dar mole. Meu plano estava indo muito bem até que tudo ficou preto diante dos meus olhos e meu corpo desligou completamente.

p.o.v.
Chamar uma ambulância naquela banda da cidade não era uma boa ideia, mas não daria para levar a menina para a emergência mais próxima de moto. Naquele momento me arrependi de não ter dado ouvidos a qualquer adulto da minha família sobre a aquisição da motocicleta, no entanto se tivesse feito isso não estaria ali com podendo ajudar a moça.
Por algum motivo aquela pessoa me chamou atenção. Se fosse em algum outro momento da minha vida teria seguido o meu caminho sem nem olhar na sua direção por mais uma vez. Porém o fiz e penso que foi o melhor que pude fazer, já que eu vi o exato momento em que a mulher subitamente caiu desacordada no chão da rua.
Corri para o seu lado e logo chequei por um sinal de que ela ainda respirava. Ainda o fazia, porém de forma fraca. Desesperado olhei ao meu redor e vi que estava só. Rapidamente tirei o celular do bolso traseiro da minha calça e disquei o número da emergência. Implorei para que uma ambulância fosse mandada até a nossa localização para que a vida da moça fosse salva.
Enquanto devolvia meu celular para o bolso da jaqueta de couro que usava, uma música pop começou a soar muito próximo de nós. Por sorte era o celular da mulher caída que tinha começado a tocar naquele instante. No visor o nome “Louisiana” piscava. Sem pensar duas vezes atendi a ligação.
, onde você está? ꟷ Foi a primeira coisa que ouvi vindo do outro lado da linha. A voz era feminina então deduzi que era sua amiga.
ꟷ Oi, você conhece a dona do celular? ꟷ Perguntei. Não tinha nenhuma experiência com esse tipo de situação pois meus amigos nunca deram PT assim desse jeito na rua.
ꟷ Quem é você? Cadê minha amiga?
ꟷ Eu sou . Sua amiga está comigo. ꟷ Contei de uma vez.
ꟷ Cadê a ? O que fez com a minha amiga? ꟷ A voz dela exprimia todo o seu desespero e preocupação com a menina que estava na minha frente.
ꟷ Eu não fiz nada com a sua amiga. Ela acabou de desmaiar na minha frente. Já chamei uma ambulância. Devemos ir para o hospital público mais próximo.
ꟷ Ai meu deus! Fiquei aí! Me diz onde vocês estão eu vou encontrar vocês!
Quando eu ia começar a lhe dizer o endereço de onde estávamos, a sirene da ambulância soou muito alto. Ergui meus olhos da face da estranha caída para o lado de onde o barulho parecia mais próximo.
ꟷ Não vai dar tempo de você chegar. O socorro já está aqui.
ꟷ Okay. Pede para eles levarem ela para o Hospital Saint Peter. Vá com ela na ambulância que eu encontro com vocês lá. Se você entendeu repete nome do hospital.
ꟷ Hospital Saint Peter. Tudo bem. ꟷ Confirmei a Informação a ela e ouvi a linha ficar muda.
Assim que os paramédicos chegaram com os seus aparatos eu me afastei do corpo dela. Assisti eles fazendo as primeiras checagens de sinais vitais, dentre outras coisas. Quando a levaram para dentro da ambulância declarei que iria com ela para o hospital pedido por sua amiga.
Não era muito religioso, mas estar ali dentro de uma ambulância com uma completa estranha me fez pedir para o que quer que fosse divino pela proteção da vida daquela mulher.
A viagem até o tal hospital foi rápida como deveria ser. Ao chegar lá, a emergência já nos aguardava. Vários médicos a rodearam e foram colhendo informações sobre a mais nova paciente da noite direto com os paramédicos que fizeram os primeiros socorros. Um médico, arrisco dizer que podia ser residente, veio até mim perguntar o que tinha acontecido e se eu estava bem. Contei a ele o ocorrido e logo eu fui encaminhado por ele na direção oposta de onde a estranha seguia.
ꟷ Espera para onde estão levando ela?
ꟷ Senhor fique calmo em breve alguém lhe trará notícias. Enquanto isso você precisa preencher os papeis na recepção.
ꟷ Eu não posso deixa-la sozinha. Ela não pode ficar sozinha.
ꟷ Ela estará em excelentes mãos. Venha por aqui por favor.
Vi a sua maca passar por portas duplas. Com um andar derrotado caminhei até a recepção.
Logo um bando de folhas apareceu na minha frente. Pisquei várias vezes enquanto tentava compreender a quantidade de coisas que deveria escrever nos espaços. Como poderia responder alguma coisa quando acabei de descobrir que essa mulher existia?
Permaneci encarando os papeis até que uma mulher de cabelos loiros usando um vestido colado demais para um ambiente hospitalar apareceu na recepção perguntando pela .
ꟷ Oi, você é a Louisiana?
ꟷ Depende de quem é você.
ꟷ Eu sou o cara que encontrou a sua amiga. ꟷ Ergui a bolsa dela que estava comigo para que ela visse. ꟷ Isso é dela, né?
Nos seus olhos vi um certo tipo de alívio aparecer de maneira muito rápida. Ela assentiu com a cabeça e começou a chorar quando pegou a bolsa da minha mão.
ꟷ Ei, vai ficar tudo bem. Eu não queria deixar ela só, mas me falaram que ela está em boas mãos. ꟷ Disse como se essas simples palavras pudessem oferecer algum consolo a ela.
Louisiana usou uma mão livre para secar as lagrimas.
ꟷ Olha eu sei que não é um bom momento, mas poderia me ajudar a preencher isso aqui? ꟷ Apontei para os papeis que descansavam no balcão.
ꟷ Sim eu faço isso. ꟷ Ela se aproximou de mim e fizemos uma troca, as bolsas passaram para mim enquanto ela pegava a caneta.
Passados alguns minutos, ela devolveu os documentos para a moça que se encontrava do outro lado do balcão. Então eu e ela seguimos para a área de espera de familiares. Ao chegarmos lá, Louisiana se sentou em um dos sofás e coloquei ao seu lado as bolsas que estavam comigo. Escaneei o local para fazer um reconhecimento dele e me deparei com uma máquina de café e um bebedouro. Resolvi pegar um chocolate quente para ela.
ꟷ Aqui. Trouxe para você. ꟷ Lhe disse ao me aproximar com o copo da bebida. ꟷ É chocolate quente para reconfortar.
ꟷ É a bebida favorita dela. ꟷ Ela me contou quando aceitou o copo.
ꟷ Já avisou a alguém da família dela? ꟷ Perguntei.
ꟷ Quando estava vindo liguei para o pai dela. Ele vai me matar quando chegar.
ꟷ Tenho certeza que ele deve estar mais preocupado com a filha do que com você.
ꟷ Sim, eu sei. Acontece que ela é minha responsabilidade hoje. Eu gastei toda a minha lábia para que a gente saísse e agora ela está num hospital...
ꟷ Não se preocupe. Vai ficar tudo bem.
Não sabia dizer mais nada além de “vai ficar tudo bem” porque na realidade era tudo que eu repetia para mim mesmo. Ela tinha que ficar bem.
Ficamos em silencio durante um tempo até que ela o quebrou com: ꟷ olha eu não entendi até agora como você encontrou ela. Nós não estávamos nem um pouco perto dali. Quer dizer, estou confuso.
ꟷ Vejo que cheguei na hora certa.
De repente uma nova voz preencheu o local. Erguemos os nossos olhos na direção dela e nos deparamos com um homem que usava um terno. Ele estava cercado por outros três homens.
ꟷ Senhor Van der Waals, me desculpe. Foi um erro ter saído com ela essa noite. Eu nunca deveria ter deixado ela sozinha. Me perdoe de verdade. Eu não sei o que dizer.
ꟷ Louisiana, minha menina, depois nós conversamos. Agora eu quero saber do rapaz sobre o ocorrido. ꟷ Sua voz tinha um tom paternal. Ele deixou de encara-la para se voltar para mim. ꟷ Vamos, conte-me. Como você estava com a minha filha?
Respirei fundo e contei a eles como conheci . Desde o esbarro até o seu desmaio. Não poupei nenhum detalhe de nada que envolvia os momentos que passei com a menina.
Quando terminei de relatar tudo, um dos homens que estava com o pai da chegou até mim.
ꟷ O senador Van der Waals agradece a sua ajuda, mas a sua presença não será mais necessária aqui. Pode ir, por favor.
Automaticamente minhas sobrancelhas se erguem em surpresa com a audácia daquele almofadinha ao falar comigo. Quem ele achava que é? Poderia ser rei da Espanha, mas eu não permitiria que ele me expulsasse dali daquela forma.
ꟷ Eu não vou embora.
ꟷ Bom, creio que algum dos seguranças terá que cuidar disso então.
ꟷ Eu só saio daqui depois de receber notícias de . ꟷ Disse decido enquanto me sentava em uma poltrona enfrente a ele apenas para provar o meu ponto.
ꟷ Devo chamar os seguranças? ꟷ O mesmo cara disse isso para o pai de .
Então foi nesse momento que liguei os pontos. O tal senador Van der Waals era a mesma pessoa que o pai de . É claro que já tinha imaginado que a garota tinha dinheiro porque o seu celular era o mais moderno e também achei que o seu pai fosse alguém importante, afinal ele andava com seguranças como alguém que não sai sem relógio. Agora pensar que ele era um figurão da política não tinha nem cruzado a minha mente.
ꟷ Não precisa. O rapaz merece saber como minha filha está, é o mínimo que podemos fazer por ele após ter salvo a vida da .
O tom dele era calmo. Provavelmente estava acostumado a lidar com situações estressantes a todo momento. No entanto, isso não tornava a situação mais confortável, pois a sua frieza me fazia pensar que ele não era tão boa pessoa assim.
ꟷ Se você quer ser útil, Chad, vá até a cafeteria mais próxima e me traga um bom café expresso. Ah, não esqueça de trazer algo para Louisiana e o rapaz.
Chad saiu da sala em busca dos pedidos feitos pelo senador. Ele pediu aos seguranças para ficarem na porta da sala de espera. Ambos assentiram e foram ocupar o novo posto. Depois disso o pai de se sentou próximo a Louisiana que ainda segurava a bolsa de como se sua vida dependesse disso. Dava para ver que a mulher se importava muito com a sua amiga.
Respirei fundo e retirei meu celular do bolso da jaqueta. Mandei mensagens para um amigo meu ficar de olho na minha moto já que eu iria ficar ali até descobrir se estava bem.
ꟷ Obrigado por permitir que eu fique. ꟷ Disse ao senador.
ꟷ Chad é esforçado demais como assistente, mas as vezes ele se intromete em assuntos na hora errada. ꟷ Ele me disse.
ꟷ De qualquer modo eu agradeço.
ꟷ Bom, de todas as coisas que você me falou hoje eu não me recordo de ter ouvido o seu nome.
ꟷ É porque eu não disse.
ꟷ Poderia então me dizer? Acho que mereço saber o nome do salvador da minha filha, não?
ꟷ Me chemo , Williams.
ꟷ Muito prazer, . Acho que Chad me introduziu como Senador Van der Waals, porém meu nome é Paul.
ꟷ O prazer é meu, senador.
ꟷ Por favor, meu jovem, eu já sou chamado tantas vezes de senador que ultimamente me pergunto se minha mãe não deveria ter escolhido logo esse nome para mim. ꟷ Rimos fracamente com a graça feita por ele. ꟷ Pode me chamar de Paul ou se você se sentir mais confortável de senhor Van der Waals.
ꟷ Tio Paul, me perdoe. Eu juro que não queria que nada disso acontecesse com a . Se eu soubesse nunca teríamos saído de casa. Eu juro... ꟷ Mais uma vez Louisiana estava em prantos sobre o ocorrido. Se culpava pelas incertezas do destino.
ꟷ Louisiana, minha filha, eu não tenho do que te perdoar. Não tinha como ninguém aqui saber o que iria acontecer ao longo da noite. ꟷ Paul a confortou com um abraço. Eram íntimos de um modo que eu nunca saberia, pois aquele não era nem lugar e nem momento para que as minhas perguntas curiosas fossem feitas.
Enquanto ele conversava com a amiga da filha eu me permiti desligar daquele momento. Entrei em minha mente e pensei em como a minha noite estava terminando. Começou em um pub com as pessoas erradas e agora terminava em um hospital de cinco estrelas ao lado de um senador. Nunca poderia imaginar que conheceria um senador, sua estimada filha e a amiga modelo dela. E tudo isso em uma noite.
Ou seja, aquela noite estava sendo um ponto fora da curva na minha vida de várias maneiras. Primeiro fui o herói do dia quando apenas chamei uma ambulância para socorrer uma desconhecida. Logo eu que estava acostumado a ser o vilão em todos os momentos da minha vida.
Tudo era esquisito demais. O pai da sendo um cara todo importante não fazia diferença de tratamento mesmo que eu não tivesse um visual muito amigável para as pessoas mais conservadoras. Isso era uma novidade para mim, pois meus pais que eram pessoas interessantes, não do nível do senador é obvio, e me desaprovavam grandemente em tudo.
Fui tirado da minha zona de pensamentos por Chad que estava me chamando para entregar para mim um copo de uma bebida fumegante.
ꟷ Obrigado. ꟷ Lhe respondi.
ꟷ Chad, descubra se algum médico já pode nos informar sobre minha filha. Já passamos tempo demais esperando por alguma notícia.
Chad assentiu e se retirou. Reparei que os pedidos de Paul foram naturais como se sempre estivesse costumado a dar ordens.
Ao esperar que Chad ou alguém da equipe medica aparecesse comecei a me sentir esquisito. Não sabia como me sentir e o que pensar. Só queria que alguém me dissesse que ficaria bem e que iria para casa o mais rápido possível.
Quando eu pensava em usar a desculpa de ir ao banheiro para na verdade procurar informações sobre , Chad voltou acompanhado de um homem que usava um jaleco branco.
ꟷ Vocês são os responsáveis pela paciente Van der Waals? ꟷ Ele perguntou ao mesmo tempo que checava o nome dela em um papel preso a uma prancheta.
ꟷ Sim, eu sou o pai dela. ꟷ O senador se pronunciou. Inconscientemente fiquei mais próximo de Louisiana pois sabia que caso as notícias não fossem as melhores poderíamos nos apoiar. ꟷ Pode nos dizer o que ela tem?
ꟷ Pois bem, eu não sei bem como começar a contar isso...
ꟷ Pode começar pelo começo. Fale logo por favor.
ꟷ A paciente chegou aqui desacordada. Como não sabíamos o estado dela, ou seja, o que provocou o desmaio, conduzimos uma espécie de check up. Fizemos os exames necessários e também checamos as suspeitas dos paramédicos.
Naquele momento eu havia entendido o porquê daquele hospital ser considerado um dos melhores.
ꟷ Suspeitas dos paramédicos? O que isso significa? ꟷ Louisiana mais uma vez se pronunciou.
ꟷ Os paramédicos relataram que ela tinha marcas nos braços e o seu vestido estava rasgado. Eles suspeitaram que ela foi abusada sexualmente.
Ninguém na sala estava preparado para ouvir aquelas palavras. O clima pesou na hora. Como alguém teve a capacidade de ser tão monstruoso com uma mulher? Uma raiva que eu nunca havia sentido antes se apossou de mim.
ꟷ Com todo respeito, pare de enrolar doutor. ꟷ Foi a minha vez de demandar alguma informação dele.
ꟷ Sinto muito, mas eles estavam certos. A paciente foi abusada sexualmente.
ꟷ Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser. ꟷ Louisiana passou a andar de um lado a outro na sala em claro desespero enquanto repetia sem parar para si mesma o que acabara de dizer.
ꟷ Nos exames sanguíneos constaram álcool e uma droga muito comum usada para nas festas para dar o famoso” boa noite Cinderela. ” Então acredito que ela foi vitima disso também. ꟷ Ele disse por fim. A sua voz e o seu semblante não eram dos mais felizes. Não tinha como manter uma cara neutra após dar e receber esse tipo de notícia. ꟷ Sinto muito por isso.
Soltei uma respiração que não sabia que estava prendendo. O ar estava pesado feito chumbo. Olhei ao me redor em busca de um escape e acabei me sentido enclausurado pelas paredes. Eu sentia raiva, muita raiva. Sentia também tristeza.
ꟷ Agradeço. ꟷ Finalmente ouvimos a voz do pai de . ꟷ Será que podemos ver minha filha?
ꟷ Sim, ela está em uma suíte adequada.
Seguimos todos para o andar onde a menina se encontrava. O pai de entrou primeiro, saiu do quarto quando Chad disse que tinha algo de extrema urgência para tratar com ele sobre aquele momento. Louisiana olhou em minha direção antes de entrar e seu olhar claramente dizia que ela não queria entrar só naquele quarto. Não foi preciso entender mais nada. Apenas peguei em sua mão e entramos juntos.
Louisiana desatou a chorar assim que pôs os seus olhos castanhos na sua amiga. estava deitada na cama hospitalar. Tinha soro alimentando as suas veias e um aparelho medindo os seus batimentos cardíacos. Estava pálida e estranhamente aparentava estar serena com os seus fechados. Parecia que estava dormindo em sua casa.
Louisiana chegou mais perto e pegou em sua mão. Lhe disse coisas afetuosas em meio ao seu choro. Quanto mais observava as duas amigas, mais tinha certeza que tinham muita história vivida e acima de tudo tinham muito amor, mesmo que não estivesse acordada para demonstrar o afeto recebido de volta.
Caminhei até o lado oposto ao que Louisiana ocupava e parei para observar bem a moça. Ela tinha os cabelos negros como a noite e cílios longos. Tinha marcas de unha pelo antebraço que confirmavam a toda a violência que ela passou antes de cruzar comigo naquela rua escura.
ꟷ Ela é muito bonita. ꟷ Disse sem pensar em voz alta. Não era mentira, mas também não era algo que eu gostaria que sua amiga me ouvisse confessando. Van der Waals é uma mulher muito bonita mesmo estando naquele lugar horrível.
ꟷ Sim, ela é maravilhosa. ꟷ Ouvi a voz a da sua amiga concordar comigo.
Ficamos um tempo em silencio apenas assistindo ela existir naquela condição. Ocasionalmente as maquinas que estavam no local produziam algum barulho e nos fazia lembrar que nós estávamos em um hospital e não em sua casa dormindo tranquilamente como se fosse em uma noite qualquer. Quanto mais a observava, mais tinha vontade de pegar em sua mão e fazer algum tipo de carinho. Uma vontade de protege-la vinha com grande força, porém não me sentia no direito de fazer nada sobre isso, afinal eu não a conhecia e depois de tudo o que ela passou não poderia fazer nada sem o seu consentimento. Não que antes eu fosse fazer. Esse tipo de coisa não é algo do meu feitio
ꟷ Chad, chame alguém do time de PR para lidar com isso. Agora eu gostaria de ficar com a minha filha. Só me chame se for extremamente importante. ꟷ Ouvimos Paul falar com o seu assistente enquanto entrava no quarto novamente.
A sua presença me alertou. Não queria, mas me forcei a sair de perto dela. Eu não podia ocupar o lugar de um familiar e nem tinha direito. Eu mal a conhecia e com toda certeza estar tão próximo dela não era algo apropriado, então deixei o meu lugar – se é que eu poderia chamar aquele lugar de meu – para em seguida ver o pai dela o ocupar. Ele passou a mão sobre o sua cabeça fazendo carinho em seus cabelos.
Assisti um pouco aquela cena, todavia com o passar dos minutos foi me sentido um invasor. Sei que fui de grande ajuda aquelas pessoas, no entanto já havia obtido as informações que queria. Sabia que a garota estava bem e tinha prometido que iria embora assim que tivesse notícias sobre a saúde dela. Agora que já sabia até demais, sentia que estava ultrapassando os limites para um estranho. Eu era um invasor daquela bolha afetiva e não continuaria ali mais nenhum segundo.
Tentei sair de fininho, mas fui percebido pela melhor amiga da mais nova paciente do grandioso Hospital Saint Peter.
ꟷ Aonde você está indo?
ꟷ Ah... eu vou embora. ꟷ Com o nervosismo de ter sido pego passei a mão pelos meus cabelos.
ꟷ Mas já? ꟷ Ela pergunta. Sua face estava uma bagunça. Embaixo dos seus olhos claros e vermelhos estava indícios de que ela já tinha chorado bastante em um curto espaço de tempo.
ꟷ Para falar a verdade, eu já fiquei mais tempo do que deveria. ꟷ Confessei sem graça.
ꟷ Imagina. Você é bem-vindo. ꟷ Ela foi logo dizendo. Em nenhum momento ela soltou a mão de . ꟷ Nós devemos a vida da a você.
Eu sorri com a fala da mulher, porém sabia que não era verdade, pois tinha a convicção que qualquer ser humano decente teria feito o mesmo que eu. Foi um acaso do destino ter sido eu, Williams, a pessoa de bom coração e mente nublada que a encontrou naquela rua escura.
ꟷ Imagina. Fiz o mínimo. Eu só fiz o que qualquer pessoa faria. ꟷ Fui sincero ao expressar meus pensamentos.
ꟷ Meu jovem, acho que Louisiana está correta. ꟷ Dessa vez foi o senador que falou. Seus olhos deixaram a feição da filha para me observar. ꟷ ficaria feliz em conhece-lo. Se quiser, é claro, pode ficar por quanto tempo desejar.
ꟷ Quando tudo isso acabar eu quero marcar um almoço em agradecimento a você. Sabe-se deus o que mais poderia ter acontecido com a minha amiga se você, , não tivesse cruzado o caminho dela naquele momento. ꟷ E agora Louisiana estava com a palavra.
Era muito para eu processar. Nunca havia sido tão considerado assim como estava sendo. Nem minha própria família me tratava daquela maneira, mesmo quando eu me comportava conforme eles me pediam.
ꟷ Não é necessário. ꟷ Insisti. Não queria sentir mais ainda que estava abusando da bondade deles.
ꟷ Deixa disso, vai. Se não quer ficar até que ela acorde, vai me prometer que assim que ela tivrr alta você vai comparecer no almoço que em sua homenagem. – Louisiana era muito insistente e tinha muito carisma. Algo que eu mais tarde iria descobrir ser o seu ponto forte para fazer com que qualquer um não resista aos seus encantos e pedidos.
ꟷ Não tenha medo. Aceite. É um convite honesto e de boa intenção. ꟷ Quase ri ao ouvir a palavra honesto sair da boca do pai de , mas consegui me controlar e manter uma feição neutra. A graça estava apenas em ver um político usar uma palavra que reflete um valor que muitos não têm atualmente. Não sei se Paul era ou não aquilo que alegava ser o tal convite porque não acompanho fielmente as notícias de política.
Respirei fundo e com um misto de sentimentos no meu peito e um bolo de pensamentos se misturando na minha mente, assenti com a cabeça de maneira positiva. Sabia que no dia em que o tal almoço fosse marcado eu iria me arrepender de ter concordado em ir, mas naquele momento não me pareceu justo ser tão indelicado com aqueles dois.
ꟷ Eu apareço quando marcarem o tal almoço. Estou aceitando porque Louisiana insistiu muito. ꟷ Soube que tinha sido muito sincero em minhas palavras quando percebi a cara que cada um deles fez. Era algo que refletia uma certa sensação de que eles pensavam que eu estava sendo forçado a ir. Como não havia nada que eu pudesse dizer que retirasse o que disse apenas me mantive de cabeça erguida. Já que havia dito o que disse deveria assumir as consequências.
ꟷ Já que você aceitou, mesmo que sob pressão da Louisiana, fico feliz. também ficará feliz em te conhecer. Tenho certeza disso. ꟷ O senador Van der Waals demonstrou ter um bom controle de crise com a sua fala. Soube me alfinetar sem deixar de ser educado comigo. Foi uma coisa tão inusitada para mim que nem quis ficar chateado com ele.
As últimas coisas que lembro foi de Louisiana pegando meu número de celular e prometendo que me avisaria assim que sua amiga-irmã, em suas próprias palavras, estivesse bem e em casa. Além de dizer que usaria o número para me avisar quando nos encontraríamos para o almoço. A forma como ela falava era adorável e cada vez mais me fazia querer sufocar as vozes da minha mente que me diziam que era tudo dito apenas por pura educação. Minha mente fala com todas as letras e de todos os jeitos possíveis que Chad seria o porta voz de qualquer notícia sobre o assunto e que eu voltaria a ser um estranho para aquelas pessoas. O que na verdade eu entenderia plenamente. Eu não era, nunca fui e nunca seria do mundo daquelas pessoas.
Antes que eu deixasse o quarto de ouvi seu pai mais uma vez me agradecendo pelo que fiz.
Ao pisar na entrada do prédio do hospital quase fiquei cego com a onda de flashes que vinham da calçada da rua. Uma série de repórteres e fotógrafos estavam lá garantindo as melhores fotos e furos jornalísticos para contar sobre o caso que envolve a filha do senador. Naquela hora percebi que a vida deles tinha um preço para aquela gente toda e custava o salário delas e a perda de privacidade deles. Dei sorte das minhas roupas totalmente pretas e minha cara de poucos amigos não serem dignas da desconfiança deles, logo não fui importunado para dizer qualquer coisa que pudesse virar manchete afinal de contas quem eu era perto do filho de um político?
Segui meu caminho até o local mais próximo onde eu poderia arrumar um cigarro. Precisava desestressar e seguir com a minha vida. Por isso retomaria a atividade que eu estava fazendo antes de virar o herói da noite.

Um mês depois
p.o.v.
Todos os dias quando acordo a primeira coisa que lembro é da sensação de acordar no hospital pós o segundo evento traumático da minha vida. Foi horrível. Então todos os dias após aquele dia acordar é algo horrível. Eu admito que durante a maioria das manhãs quando eu aperto o botão soneca do despertador e eu espero que a soneca seja mais duradora do que ela deve, porém, o meu desejo nunca se torna realidade porque eu continuo acordando após os cinco minutos.
O calendário me confirmava ser domingo. O relógio me dizia ser oito horas da manhã. O bilhete preso no espelho da penteadeira me avisava que era hoje.
08 de agosto. Meu aniversário. Completaria vinte e três anos e em uma semana começaria o último semestre da faculdade.
Permaneci sentada na minha cama até ouvir duas batinhas na porta do meu quarto. Era o jeito que Dorothy anunciava a sua presença.
ꟷ Pode entrar.
A minha voz era rouca, pois ainda não tinha tomado nada após abrir os meus olhos.
ꟷ Senhorita Van der Waals, bom dia! ꟷ Ela disse adentrando o meu quarto tendo Louisiana em seu encalço que segurava uma bandeja de café da manhã.
ꟷ Bom dia, ! ꟷ Foi o que minha melhor amiga desse assim que pôs os olhos em mim. Depositou a bandeja do lado vazio da cama e tratou de acender a vela que estava enfiada em um dos mufins de mirtilo. Assim que as chamas começaram a trepidar, uma Louisiana empolgada demais para o meu gosto tratou de me desejar o mais empolgado de todos “feliz aniversario” que eu poderia ouvir naquele dia.
Soprei logo a vela antes que ela pudesse puxar um coro de “parabéns para você”.
ꟷ Amei o seu excelente humour nessa belíssima manhã de domingo.
Seus lábios logo se fizeram um sorriso em linha fina. Desde que sai do Hospital Saint Peter, Louisiana praticamente se mudou para minha casa. Todos os dias ela fazia questão de me dizer bom dia e tentar colocar um sorriso no meu rosto. Em alguns dias ela tinha algum sucesso em outros ela chorava comigo. Ela era a melhor pessoa que eu podia ter ao meu lado.
A maior surpresa que a minha mais recente tragédia me deu foi a aproximação que obtive com o meu pai. Não sei o que mudou na mente dele, mas deixei que ele se achegasse a mim. Acho que a falta da sua presença durante a minha adolescência fez com que eu cedesse aos seus afetos mais facilmente do que eu teria feito há uns dois meses atrás.
ꟷ Obrigada por tudo isso. ꟷ Disse enquanto passava os olhos pela farta bandeja. ꟷ Eu sei que a ideia foi sua, mas a execução foi de Dorothy. Então também te agradeço, Dorothy.
O sorriso de ambas era genuíno assim como a minha gratidão. Logo Dorothy pediu licença e retornou aos seus afazeres do dia.
ꟷ E aí como você está se sentindo mais velha?
ꟷ Um caco.
ꟷ Caco? ꟷ Assenti com a cabeça já que estava com a boca cheia de frutas. A bufada de Louisiana não era para esconder nenhum um pouco da sua irritação com a minha resposta negativa. ꟷ Você faz terapia todos os dias para me responder com “um caco”? Eu acho que não, mocinha.
ꟷ Vou substituir um caco por normal, pode ser? Vossa excelência aceita essa resposta?
ꟷ Bom, não é a resposta que eu quero, mas é a melhor que eu terei, por isso a aceito de bom grado.
Sorri de leve com a sua resposta. Essa é a amiga que eu conheço. Sempre com uma resposta na ponta da língua para qualquer coisa que alguém a diga.
Comemos a bandeja de café toda em meio a um silencio reconfortante. Para que nós ficássemos à vontade com a presença da outra demorou um tempo. Fizemos umas sessões de terapia juntas. O processo não foi fácil e demandou muito de ambas. Ela teve que entender que não era culpada pelo o que houve e eu tive que aprender a lidar com os seus olhares de tristeza. Depois continuamos com as terapias, mas separadas. Os resultados para Louisiana eram nítidos porque em apenas um mês ela já tinha praticamente voltado a sua essência. Já para mim era uma outra história, eu me esforçava para me abrir em cada sessão, porém fui partida em tantos pedaços que o meu processo de cura é algo mais demorado.
ꟷ Hoje sabemos que é o seu aniversário e também sabemos que a senhorita não quer nenhuma comemoração, mas...
A forma como ela falava era algo extremamente perigosa. As suas palavras mostram que ela tinha um plano. Plano esse que eu muito provavelmente detestaria.
ꟷ O que você aprontou?
ꟷ Antes que você proteste mais uma vez, quero declarar que não planejei isso sozinha. Seu pai é meu cumplice.
ꟷ Eu sabia que vocês dois de conversinha pelos cantos era alguma coisa. Desembuche logo. Conta o que vocês dois aprontaram comigo.
ꟷ Como eu ia dizendo a gente sabe que você não quer fazer nada comemorativo hoje, só que a gente não pode deixar esse dia lindo em branco.
ꟷ Para de me enrolar, Loulou!
ꟷ A gente só quer fazer um almoço em família com os mais chegados.
ꟷ Vocês organizaram um banquete?
ꟷ Banquete? De onde você tirou isso?
ꟷ Meu é um político prestigiado. Sabe o número de pessoas “chegadas” que ele tem? É muita gente. Vocês são loucos.
ꟷ Você que está louca. Chamamos os mais íntimos. Não a cúpula do partido. Pode ficar tranquila.
ꟷ Ah que bom. Respiro mais aliviada. ꟷ Disse a ela em ironia. É claro que eu não estava nada bem com a novidade. ꟷ Louisiana, seus pais estão viajando. Quem mais vocês poderiam ter convidado?
ꟷ É uma surpresa. ꟷ A olhei extremamente desconfiada. Antes do ocorrido eu até gostava de surpresas, mas agora só de ouvir essa palavra eu ficava desconfiada. ꟷ Uma boa surpresa, eu prometo.
ꟷ Olha você e o senador Van der Waals estão me saindo uma duplinha do barulho. ꟷ Eu tinha um sorriso no rosto conformado com a situação que ambos criaram.
ꟷ De nada, meu bem! ꟷ É obvio que ela veria como um elogio. ꟷ Vou deixar você tomar um banho relaxante e daqui a pouco eu apareço novamente para te ajudar a escolher uma roupa e se arrumar para o almoço.
ꟷ Não senhora. Se você vai me fazer uma surpresa, pelo menos eu devo surpreender vocês com o modelito escolhido para hoje.
Eu estava confiante de que ela compraria as minhas palavras. Na verdade, o que eu mais queria é um tempo sozinha antes de enfrentar toda a parafernália que ela e o meu pai tinham aprontado no meu aniversário. Enquanto eu esperava por uma resposta da mulher sentada ao meu lado ponderava sobre o que eu podia usar.
ꟷ Olha, desde que você não apareça usando pijamas eu não me importo em deixar você se virar com o look do dia. Tenho certeza que qualquer coisa que você usar vai ficar incrível.
Agradeci a gentileza dela e tão logo ela deixou meu quarto eu comecei a fazer uma lista de atividades que cumpriria até que alguém me pedisse para descer para o almoço.
Primeiro um banho relaxante. A água da banheira estava morna. Tinha escolhido uma música calma, acendido uma vela aromática e enchido a água com espuma perfumada. Passei todo o tempo que pude dentro da banheira. Respirei fundo, meditei de olhos fechados e chorei. É normal que eu fique emotiva e nostálgica no dia do meu aniversário, mas o de hoje tinha um gosto diferente na minha boca.
Segundo fazer a maquiagem. Sentei diante do espelho e perdi um tempo me encarando. Observei a forma como a minha boca ainda parecia estar puxada para baixo mesmo enquanto eu sorria. Preso em um dos cantos do espelho tinha a fotografia mais recente da minha família – meu pai, minha mãe e eu –, algo que eu gosto de olhar em todos os momentos, especialmente hoje no meu aniversário. Antes de usar qualquer cosmético para disfarçar olheiras e “imperfeições” respirei fundo. Não era como se eu fosse criar uma maquiagem incrível, só queria que o meu básico saísse bom o suficiente para convencer Louisiana que eu realmente estava tentando.
Com o rosto arrumado decidi que era a hora de abrir o closet e escolher a roupa do dia, ou seja, partir para o passo três da lista. Parte de mim queria por pijamas apenas para implicar com Louisiana, porém o outro lado queria aproveitar o momento com a família. Não queria arriscar parecer desarrumada demais ou, o pior para mim, arrumada demais para um almoço na minha própria casa. Escolhi um vestido preto com alguns bordados coloridos e uma sandália de salto.
O quarto e último passo era criar algum tipo de penteado. Como não tenho muita habilidade com isso apenas penteei os meus cabelos e prendi um pedaço deles com um grampo bonito.
Devidamente arrumada me olhei no espelho. Não me reconhecia mais. Não era a mesma pessoa de um mês atrás e nunca mais voltaria a ser ela.
Gastei tanto tempo paralisada em frente ao espelho que só notei que precisava descer quando o toque característico de Loulou ecoou pelo autofalante do meu celular. Eu atendi para ouvir ela dizer que todos estavam me esperando e quando perguntei quem eram todos ela apenas disse “desça aqui e você verá”.
Pela última vez voltei meus olhos para o espelho. Eu provavelmente arrancaria algum elogio de papai e Loulou, porém não me importava com isso. Contei até dez o mais devagar que eu pude. Respirei fundo pela milésima vez desde que tinha aberto os meus olhos naquela manhã. Abri um sorriso falso, mas que deveria convencer a qualquer pessoa que não fosse da família.
Ao sair pela porta do meu quarto, não sabia o que me esperava. Ou melhor quem me esperava. Tentaria ser a melhor pessoa do mundo em homenagem ao meu pai e a minha melhor amiga-irmã que eu poderia ter.
Ao chegar no corredor principal de casa não foi difícil identificar o casaco da visita em meio aos casacos nossos perto da porta. Eu sei que não era convencional para um senador não viver em uma casa um pouco mais moderna, porem nenhum de nós dois queríamos deixar a casa onde vivemos os nossos melhores anos como uma família. Em uma das paredes perto da porta tinham os ganchos onde pendurávamos os casacos para sair. O sobretudo azul marinho era do meu pai, a jaqueta neon era de Louisiana, meu casaco era moletom da minha universidade e ao seu lado se encontrava uma jaqueta de couro preta. Estranhei a peça, pois não lembrava de nenhum amigo próximo da família com esse tipo de gosto fashion.
Poderia ficar encarando aquela peça estranha, mas as vozes vindas da sala da minha casa me chamaram a atenção. É claro que reconheci primeiro a risada de Loulou, depois o meu pai falando algo e então uma outra voz totalmente desconhecida para mim. Meus pés foram guiados pela curiosidade em descobrir quem era o estranho e possível dono da jaqueta até o local onde eles se reuniam. Foi aí que o conheci.
A princípio ninguém tinha reparado a minha chegada. Ter feito ballet por muito tempo me ajudou a ter um andar mais leve independente do sapato escolhido, então mesmo de salto não perceberam que eu estava observando a cena.
Louisiana já estava com um look totalmente diferente de quando tomamos café juntas. Meu pai ainda não tinha falado comigo naquele dia, mas ele certamente não estava em pijamas. Tinha o seu jeans casual e uma blusa de botões mais confortável como modelito escolhido. Sentado de costas para mim estava o homem desconhecido. Ele usava uma blusa branca e calças pretas.
O meu pigarro forçado foi o suficiente para que eles cessassem o papo e se voltassem para a fonte do barulho, no caso, eu. Meu pai e Louisiana se colocaram de pé para falar comigo, porém nenhuma palavra saiu da boca deles. O estranho também se levantou e continuou a dar as costas para mim.
ꟷ Bom eu espero que essa roupa seja melhor que o pijama cinza que eu pensei em colocar. ꟷ Disse tentando parecer engraçada.
eu estou tão maravilhada com a sua beleza que nem sei o que lhe falar. ꟷ Ouvi isso dos lábios cor de cereja de Louisiana.
ꟷ Eu digo o mesmo para você.
ꟷ Está muito bonita minha filha. ꟷ Ouvi de meu pai enquanto ele me abraçava. ꟷ Feliz aniversário.
ꟷ Muito obrigada, senador Van der Waals. ꟷ Disse num tom mais formal do que necessário. Meu pai riu e me ofereceu uma de suas mãos quando eu aceitei fui levada para o meio da sala e finalmente pude ver quem era o homem desconhecido para mim e muito intimo deles.
ꟷ Hmmm... olá.
ꟷ Quem é ele? ꟷ Perguntei depois de nós dois termos tido uma intensa troca de olhares.
ꟷ Este é Williams. É o amigo da família que eu falei que viria. ꟷ Louisiana prontamente me disse.
Nas mãos do tal Williams tinham um buque de flores. Eram girassóis, as minhas flores favoritas. Podia sentir o perfume delas de onde estava.
ꟷ Eu trouxe essas flores para você. ꟷ Ele timidamente me disse ao estender na minha direção o buque. ꟷ Me falaram que é o seu aniversário, então meus parabéns.
ꟷ Obrigada, senhor Williams.
ꟷ Senhor? Por favor eu tenho praticamente a sua idade. ꟷ Ele certamente queria descontrair o ambiente. No entanto, eu não estava tão aberta as suas tentativas.
ꟷ Bom, eu estava sendo educada, mas se você não pode reconhecer isso, sinto muito. ꟷ Não o poupei da minha língua afiada. Deixaria uma primeira impressão marcante seja para o bem ou para o mal.
Van der Waals, não foi essa a educação que eu te dei, minha filha. ꟷ Meu pai disse assim que terminei a minha frase.
ꟷ Está tudo bem. Já tive palavras bem mais rudes do que essas ditas para mim. – disse com um riso nos lábios.
A sua aparência não era a que eu esperava para um amigo do meu pai. A pessoa mais jovem e mais próxima de – talvez – ser um amigo dele era Chad, o assistente. Então todo aquele visual de rebelde arrumadinho de estava me irritando profundamente.
ꟷ Com todo o respeito, você não parece ser um amigo da família. Eu saberia sobre você porque sou um dos poucos membros ativos da família. ꟷ Eu disse em clara referência ao fato de sermos somente eu e meu pai depois da morte de mamãe.
você está sendo muito indelicada com a visita. ꟷ Meu pai disse com pena do homem. ꟷ De fato, é um novo amigo da família. Ele esteve conosco diversas vezes, no entanto você não quis se juntar a nós em nenhum desses momentos. É por isso que você não o conhece tão bem.
De fato, o senador vinha recebendo visitas desconhecidas para mim. Então, Williams poderia muito bem ter vindo em minha casa milhares de vezes e eu nunca teria o visto. No entanto eu duvido que meu pai teria se tornando amigo de alguém tipo . Tatuagens, piercings e itens semelhantes não são do gosto do seu pai, ou pelo menos era isso que eu pensava antes de ver em pé na minha frente.
ꟷ Eu disse que não seria uma boa ideia ter aparecido hoje. ꟷ Ouvi dizer em direção a minha amiga.
, você não pode tratar ele assim.eu sei que aparentemente ele é um estranho, mas...
ꟷ Ele é um estranho sim. Nunca o vi antes. E agora ele está no meu almoço de aniversário. ꟷ Disse sem medo de esconder minha indignação.
ꟷ Esse é o problema você já viu. ꟷ Louisiana disse com a voz baixa.
Dei uma boa olhada para . Não havia nele um traço que a minha mente achar familiar. Os seus olhos azuis não lembravam de nenhum momento. A forma como ele estava vestido apenas me trazia a memória pessoas com estilo alternativo, mas certamente não me fazia recordar de , não um visual que eu atribuiria a ele em princípio.
ꟷ Eu insisto que não o conheço.
ꟷ Eu acho que é melhor contar a ela de uma vez como nos conhecemos. ꟷ disse a eles dois.
ꟷ Finalmente alguém falou algo que fez sentido. ꟷ Exclamei aliviada. Talvez agora alguém ali pudesse dar algum sentido a presença daquele homem no meio da sala de casa.
Williams foi quem te encontrou desmaiada no meio da rua na noite em que você foi... ꟷ Meu pai não conseguiu terminar a frase.
ꟷ Estuprada. ꟷ Mrs. Thompson, minha terapeuta disse que usar o nome do que aconteceu comigo não era algo ruim. Ela disse que com o tempo deveria se tornar mais fácil admitir em voz alta que fui vítima disso. Seria um processo que cada um de nós na casa passaríamos em um determinado tempo, uns mais rápidos e outros mais lentos. Por isso sabia que para o senhor Paul Van der Waals levaria um tempo para digerir o que aconteceu comigo.
ꟷ Exatamente, blue. Foi ele ajudou a te levar para o hospital e nos avisou que tinha te encontrado. ꟷ Ouvi de Louisiana.
A princípio eu sabia que alguém havia me levado até o hospital. Nunca tinha pensado de fato em quem foi essa pessoa, quem teria sido a alma caridosa que se compadeceu da estranha desmaiada no meio da rua.
Agora que eu sabia que o ser humano era podia dizer que estava chocada. Acredito que o meu subconsciente esperava que uma mulher fosse a pessoa e não um homem.
De repente as flores pesavam o mesmo que chumbo e meus braços cederam. O baque delas no chão foi surdo. Caíram diretamente sobre os meus pés. Provavelmente algumas flores perderam pétalas, mas diante daquele homem e pós a revelação que tive, o buquê é a última coisa que me importava.
Era algo facilmente percebido que tanto Loulou quanto meu pai estavam esperando que eu dissesse algo relevante ao rapaz que agora se encontrava apreensivo diante de todos. Porém para romper a situação esquisita que ficou Dorothy surgiu anunciando que o almoço estava pronto e servido. O seu timing era perfeito.
ꟷ A gente vai indo na frente. ꟷ Meu pai disse e levou Louisiana consigo. A mesma só conseguiu me pedir para convidar ele para ficar para comer o bolo com o mover de seus lábios.
Sabia que ambos tinham ido primeiro para me dar aquele momento a sós com . Realmente os entendia. Fazia muito sentido pensarem que poderiam fazer com que a gente pudesse conversar e talvez se entender. O fato é que eu queria isso, mas não agora.
ꟷ Olha... você pode ficar para o almoço. Eu acho que a gente precisa conversar e gostaria de fazer isso depois de comer algo. Se você quiser, é claro. ꟷ Sim, eu havia, do meu próprio modo, hasteado a bandeira branca.
ꟷ Eu aceito. ꟷ Essa foi a simples resposta dada por ele.
Definitivamente aquele foi o aniversario mais estranho que tive. Durante o almoço a conversa foi guiada pelo meu pai e Loulou. Depois com a chegada do bolo fizemos conforme a tradição e eu apaguei as velas ao som da velha canção de “parabéns para você”. Houve a entrega de presentes também. Louisiana me deu um par de Manolos e um livro em branco para que eu usasse como diário. O senhor senador Paul Van der Waals me deu uma pulseira de brilhantes. Já sorriu sem graça dizendo que não tinha sido informado com antecedência o suficiente que presente era algo necessário. Após umas risadas de histórias contadas pela Louisiana sobre nossas aventuras em outros aniversários meus, pedi licença a eles para que apenas e eu, , pudéssemos conversar sobre o que nos levou a vida um do outro.
Nossa conversa foi sincera demais para mim. Ele deixou que eu fizesse todas as perguntas que eu precisava e queria fazer. Ele também não me poupou de detalhes quando eles se faziam necessário. É obvio que pedi desculpas pela forma que agi quando o vi pela segunda primeira vez. A verdade é que depois do ocorrido era mais fácil eu agir ariscamente antes mesmo de saber quem era a pessoa. Pedi a que me contasse como se aproximou tanto da minha família e sem me esconder nada ele explicou sobre a conexão doida que se criou. Aparentemente meu pai achou ele um bom garoto, mesmo que ele tivesse tatuagens, piercings e fumasse. Louisiana não tinha muito preconceito com nada, portanto não teria motivos para que eles não se tornassem amigos.
A partir daquele meu aniversário e eu nos tornamos amigos.

Dois anos depois
p.o.v.
Eram duas e quarenta e cinco da madrugada. O vento frio da madrugada não me atingia por conta da minha inseparável jaqueta de couro. A moto estava parada de qualquer jeito na entrada da garagem da casa dos Van der Waals. Eu sabia que nesse horário as minhas mensagens de texto para deveriam ter sido ignoradas, porém o azulzinho da verificação indicava que ela havia visualizado. Não tinha recebido uma resposta dela, contudo tinha certeza de que ela abriria a porta para mim.
Estava escorado em um dos batentes da porta com o meu cigarro acesso enquanto esperava que me atendesse. Eu não estava bêbado, mas também não estava sóbrio. Tanto cheiro do excesso de bebida quanto do cigarro iriam irritar a mulher e eu com cem por cento de certeza iria amar ver a carinha de irritada dela. Com os meus olhos fechados já podia ouvir em minha mente a voz dela brigando comigo por estar ali tão tarde.
, o que você está fazendo aqui na minha porta tão tarde da noite?
Nesse momento achei que de fato talvez tenha exagerado nas doses ou que talvez pudesse estar alucinando. Agora, a voz de parecia muito real era como se eu pudesse tocá-la tamanha a proximidade que ela parecia estar.
ꟷ Eu não acredito que você dormiu em pé enquanto fumava na minha porta. ꟷ Ouvi ela bufar irritada. Senti uns cutucões no meu braço, mas não abri meus olhos. Queria ver até onde ela iria para me tirar dali. ꟷ , eu sei que você está fingindo. Eu sei que você não dormiu porque o cigarro ainda está acesso. Pode ir abrindo os olhos.
Não resisti a sua voz e obedeci ao seu comando. Abri meus olhos e me deparei com uma que vi poucas vezes em dois anos de amizade. A real estava diante de mim. Seu cabelo preso em um coque frouxo, em sua face o par de óculos que ela usava para ler e em seu corpo um moletom largo de cor vinho com o nome da universidade em que se formou, os pés estavam escondidos em um par de meias roxas.
ꟷ Você está me olhando com uma cara esquisita. Aconteceu alguma coisa? ꟷ Ela disse depois de se enfadar do meu olhar apreciativo. Ou pelo menos eu achava que ele é apreciativo.
A verdade é que durante esses dois anos de amizade eu pude conhecer a pessoa que é Van der Waals de um modo que nunca imaginei. Entramos na vida um do outro do modo menos convencional possível, mas todos os dias eu agradeço aos seres divinos por terem posto esse anjo na minha vida. Inicialmente ela estava ainda muito magoada e ferida por conta do que passou, porém, com o passar do tempo e com muita terapia (que eu sei que ela ainda faz porque já liguei no meio de algumas sessões) minha amiga seguiu com a vida da melhor maneira que pode. Agora ela era professora de inglês em uma escola de ensino médio e eu era ainda era o amigo problemático dela.
ꟷ Boa noite, senhorita Van der Waals. ꟷ Eu disse exatamente na hora em que um vento frio soprou. Observei que ela apertou os seus braços contra si em uma tentativa de reter algum tipo de calor. ꟷ Não vai me convidar para entrar ou quer congelar aqui comigo?
Ela rolou os olhos e logo deu espaço para que eu entrasse. A casa estava quente e aconchegante. Apenas a luz do corredor de entrada ainda estava acessa com certeza por conta da descida de para me atender. A mulher rapidamente ativou o alarme de segurança enquanto eu seguia o ritual de sempre quando ia na casa dela. Tirar os sapatos, pendurar a jaqueta no gancho e me livrar do cigarro. Quando estava tudo certo, ela apagou a luz e eu segui no seu encalço para o quarto.
O quarto de Van der Waals era perfeitamente confundido com uma biblioteca. Havia tantos livros que eu sinceramente já tinha desistido de contar quantos tinham, apenas ela se entendia naquele universo. As paredes também tinham um tom de azul que apenas um bom olho treinado saberia nomear, eu mesmo chamava de azul . Outra coisa que me chamava muito atenção era a cama dela. O modelo era antigo de ferro, mas muito imponente, bonito e delicado tal como a sua dona. Por esses e tantos outros motivos, como o simples fato daquele espaço ser cem por cento ela e dela, é que aquele era o meu cômodo favorito da casa da sua família.
ꟷ Vamos, Williams, me diga o que te trouxe até aqui. ꟷ Ela perguntou após se sentar confortavelmente na sua cama
ꟷ Você sabe que eu estava em uma festa por aqui perto... resolvi te ver. ꟷ O que lhe disse era uma meia mentira. A festa era do lado oposto da cidade, porém a vontade de vê-la era real. Sempre no meio da noite, principalmente quando alguma outra mulher vinha para cima de mim, eu me lembrava do rosto de e todas as formas que eu a amava sem que ela soubesse.
ꟷ Uhum... acredito muito nessa sua fala. Nos dois sabemos que esse bairro não é considerado ideal para criar uma familia atoa, né?
ꟷ Qual é, . Voce sabe que eu não perderia a chance de te ver caso eu estivesse por perto. ꟷ Dessa vez não tinha uma palavra falsa fora da minha boca. Essa era a mais pura verdade. Cada vez mais queria estar perto dela e as desculpas convincentes para isso estavam indo embora porque cada vez mais eu as gastava.
ꟷ O que você não perderia é a chance de ir em uma festa mesmo que ela seja do outro lado da cidade. ꟷ Poderia fingir estar supresso, mas o carimbo da boate ainda estava no dorso da minha mao esquerda. ꟷ Vai ficar parado perto da porta para sempre?
Movimentei a minha cabeça em negação e entrei mais ainda dentro do quarto. Cada vez mais o perfume dela se impregnando em mim ou cada vez mais eu arruinando a atmosfera do seu mundo. Era engraçado o quanto eu era um ponto preto no meio da claridade que era o quarto dela.
ꟷ Eu vou voltar para o meu livro e você pode ir no banheiro se livrar desse cheiro de festa. Quando você tiver limpo pode se explicar o que veio fazer aqui.
Fui em direção ao banheiro do seu quarto e tomei banho. Em dois anos de amizade a gente já tinha essa intimidade, muito mais porque essa não era a primeira vez que eu aparecia no meio da madrugada na casa dela. Ainda não sabia como o pai dela continuava gostando de mim mesmo depois desses momentos.
Sai do banheiro usando o roupão dela e cheirando a lavanda. Ao me ver de volta no quarto ela esticou a mao para a cabeceira da cama e jogou em minha direção uma cueca limpa que ela pegou de lá. Ri comigo mesmo e voltei para o banheiro.
ꟷ De onde você tirou essa cueca? Já arrumou um namorado e nem me falou? ꟷ É claro que era a coisa mais sem noção que eu poderia perguntar a , já que desde que nos conhecemos ela ainda não tinha ficado com nenhum cara. Louisiana já tinha me alertado – ao menor sinal de que eu estava me apaixonando por sua amiga – de que ela não dá ideia para caras sem perspectiva de vida, ou seja, eu nunca deixaria de ser apenas o seu amigo problemático.
ꟷ De alguma loja, pois eu estou cansada de ter você deixando um cheiro esquisito na minha roupa de cama. ꟷ O volume de sua voz era abafado pela porta enquanto me trocava. O meu reflexo no espelho continha um sorriso diferente. Meu subconsciente queria espalhar pelo resto do meu cérebro que aquele gesto dela significava mais do que as palavras dela tinham a dizer.
ꟷ Você sabe que se a Louisiana visse essa cena ela diria que a gente está namorando. ꟷ Eu disse já de volta ao quarto.
ꟷ Bom então sorte nossa que a Loulou não está assistindo essa cena, né? ꟷ Ela disse ainda com os olhos voltados para o livro que estava em suas mãos.
ꟷ Qual é o livro da vez?
ꟷ O pequeno príncipe. ꟷ Ela disse virando a capa na minha direção. Os desenhos eram familiares, mas a forma como as letras estavam dispostas para formar o título não era, provavelmente estava em uma língua que eu não conhecia. ꟷ Agora, você fala o que veio fazer aqui.
ꟷ Só quero te ver. Vai negar a sua companhia para o seu melhor amigo?
ꟷ Apenas Loulou tem esse posto, sinto te informar. ꟷ Ela tinha os seus olhos sobre mim e aparentemente observava meu rosto. Soltou um suspiro pela boca e novamente me pediu para que eu lhe contasse o real motivo para estar ali às três da manhã.
ꟷ Briguei com o meu pai e fui encher a cara numa festa. Não quis transar com uma mulher que estava dando em cima de mim e resolvi vir para cá. Satisfeita com resposta?
O tempo todo em que lhe dizia a verdade fiz questão de olhar bem nos seus olhos para que ela pudesse ver que dentro de mim existia apenas cacos quebrados. Já fazia um tempo que não queria mais acordar com uma mulher desconhecida ao meu lado da cama de um motel vagabundo. Esse estilo de vida já tinha começado a me cansar faz tempo, porém só para irritar os meus pais ainda o mantinha como se eu fosse aquele mesmo aborrescente de anos atrás.
ꟷ Obrigada por ter sido honesto consigo mesmo e com a sua amiga aqui. ꟷ Ela disse. Nessa hora o pequeno príncipe já estava esquecido em seu colo enquanto eu era o detentor da sua incondicional atenção.
ꟷ Então, só para oficializar... eu posso ficar aqui, né?
ꟷ Como sempre, não deveria poder, mas você já está aqui e eu não vou te expulsar no meio da madrugada. Só Deus sabe do que você é capaz de fazer quando está magoado.
A sua última frase ecoou na minha mente por uns minutos que ficamos em silencio. Desde muito jovem o meu mecanismo de defesa para a minha dor era me afundar em festas, cigarro e bebida. Todos os luxos adicionais que tinha era porque em algum momento eu tive que fazer concessões com meus pais. A moto era um “cala boca” de quando eu descobri uma das amantes do meu pai. A grana das tattoos eu consegui porque volta e meia topava fazer parte do teatro de família feliz para parentes e amigos. O meu diploma em uma faculdade só saiu porque meu pai ameaçou me deserdar, ou seja, o safado agora tinha a cara de pau de encher a boca para dizer que tinha um filho advogado.
ꟷ Qual foi a pauta da discussão dessa vez? ꟷ Ouvi a voz mansa de me indagar.
ꟷ O de sempre. ꟷ Falei do modo mais casual que podia, quase como alguém que em uma bela noite decide ir ao seu restaurante favorito para pedir o que sempre come por lá.
O de sempre pode ser traduzido como algo tipo “minha mãe quer que eu trabalhe para o meu pai e abandone a vida de festas enquanto ela se submete aos ‘caprichos’ do meu pai” misturado com “meu pai é um cretino controlador que acabou com a vida da minha mãe quando destruiu os seus sonhos de ser pintora”. Eu não lidava bem com a realidade dos meus pais. Eu sei que os filhos não devem se meter no problema dos seus pais, afinal não são seus problemas, porém quando você cresce num ambiente infeliz, você tem muitas chances de ser infeliz. Então a minha rebeldia vem da enorme vontade de quebrar o padrão que eu tinha certeza que em algum momento iria reproduzir. Esse era um dos principais motivos pelos quais eu ainda não tinha virado “alguém careta” como , segundo a Louisiana. Tinha medo de quem eu poderia ser quando deixasse de lado a rebeldia. Será que seria como meu pai? Será que seria como minha mãe?
ꟷ Ah, é.... o de sempre.
ꟷ É, o de sempre.
ꟷ Olha. , eu não sei o que te dizer mais. Inclusive já te passei contatos de alguns psicólogos. E na minha opinião de leiga você está precisando de terapia.
ꟷ Não, muito obrigado.
ꟷ Olha, eu vi e conversei com os seus pais pouquíssimas vezes. Posso afirmar que sua mãe é genuína quando diz que quer que você abandone a vida festeira. Eu tenho que concordar que já passou da hora de você se atentar a realidade. ꟷ Em todo o momento em que ela falou não tive coragem de olhar em seus olhos para ouvir essas verdades, no entanto podia sentir seu olhar em mim, pois minha pele ardia onde o seu olhar pousava.
ꟷ E qual seria essa realidade, senhorita Van der Waals? Me conte mais sobre ela. ꟷ Disse num tom irônico.
ꟷ Pode recolher esse tom irônico para si mesmo, pois eu não vou brigar com você. Sei que você tem condições de ser um homem melhor do que é. E tem mais... eu me recuso a acreditar que você é o mesmo homem que me ajudou naquele dia. Me recuso a crer que você regrediu em maturidade ao longo dos anos. ꟷ Ela disse ainda com a voz inalterada. Como ela se mantinha calma eu nunca seria capaz de compreender.
ꟷ Se eu mudar de estilo de vida você finalmente vai me dar uma chance? ꟷ Perguntei logo depois de deitar com a minha barriga para baixo e usar um dos meus braços para segurar firme a minha cabeça na direção de onde ela estava sentada. Seria a minha melhor tentativa de descontrair o clima.
Já tinha um tempo que eu não conseguia mais não soltar frases como aquela. Sempre que ela perguntava sobre o significado real delas eu desconversava ou dizia ser apenas brincadeira. Fazia de tudo para disfarçar como eu me sentia, mas ultimamente até as baratas se tivessem poder de fala entregariam como eu me sinto de verdade.
ꟷ Você sabe que eu sou casada com os meus livros. Se não fosse eles, eu até poderia tentar te dar uma chance e se a tivesse seria uma muito pequena, muito remota, mesmo, de conseguir algo comigo. ꟷ Era muito fofo a forma como ela ia diminuindo o espaço entre o dedão e o indicador da mão direita para ilustrar o quão pequena as minhas chances eram. Gestos bobos como esse eram os que mais cativavam o meu coração.
ꟷ Já entendi o recado e pelo visto o posto de marido da filha do ex-senador eu não vou poder ocupar. ꟷ Disse fingindo estar magoado. Nunca poderia estar magoado de verdade, pois nunca tinha assumido para ela que todas as brincadeiras tinham um real embasamento nos meus sentimentos.
O silêncio que se segui após o meu comentário não foi algo que nos incomodou. Naturalmente, ambos soltamos um bocejo. Esse era o sinal que esperávamos para que o apagar das luzes fosse feito. Ajeitei-me confortavelmente em baixo das cobertas do lado da cama onde havia me jogado enquanto ouvia o barulho dela se despindo do par de óculos. Para qualquer pessoa de fora, parecíamos um casal de namorados indo dormir. Para qualquer pessoa de dentro, também parecíamos um casal de namorados. Deitamos com o nosso rosto de frente um para o outro.
ꟷ Eu não acredito que pela milésima vez antes de você dormir eu vou pedir para você...
ꟷ Considerar as coisas que eu já te disse hoje e outras vezes e tomar uma atitude positiva em relação a isso. ꟷ Completei a frase já conhecida para mim com a minha melhor imitação da voz dela em um tom monotono. A risada que ela deu foi linda, do tipo que preenche o ambiente, tinha o tamanho exato do vazio do meu peito.
Passamos mais uns minutos nos encarando. Conseguia ver que em sua mente os pensamentos não paravam de correr. Iam de um lado ao outro carregando coisas que eu nunca saberia.
ꟷ Uma moeda pelo seu pensamento, . ꟷ A minha voz saiu como um sussurro.
Williams você cansa o meu emocional com esse comportamento. ꟷ Ela disse sem o menor pudor.
ꟷ Eu? Como assim? Sou um anjo. Quando eu morrer serei canonizado e tudo. ꟷ Disse rindo. Sabia muito bem sobre o que ela estava falando. A minha inconstancia e meu comportamento confuso, até para mim mesmo, eram o principal motivo para dar dor de cabeça a mulher deitada ao meu lado.
ꟷ Eu gosto demais de você e não aguento mais te ver tendo essa vida mediocre porque quer ser rebelde.
ꟷ Ei, eu gosto dessa vida mediocre. Tenho tudo o que quero.
ꟷ Você é adulto o suficiente para saber que há outros modos de ser rebelde. Já tem as suas tatuagens, a moto, o cigarro e a cara de badboy, mas ainda mora com seus pais e usa a grana deles. ꟷ Ela disse sem medo. É por isso que gosto dela, nunca dá voltas quando precisa me dizer algo.
ꟷ Você ainda mora na casa dos seus pais, não pode falar muito de mim.
ꟷ Meu pai não mora mais aqui porque se mudou para mais perto do seu trabalho, sem contar que eu tenho um emprego, okay? Eu não me mudei porque gosto dessa casa e do bairro. ꟷ Ela me explicou os seus motivos. De fato, não havia nada nela que pudesse ser um defeito aos meus olhos e o simples fato d’eu pensar assim entregava o quanto o amor me fez cego.
O silencio se fez presente mais uma vez. Não era desagradavel. A luz do luar me dava a chance de observar os traços do rosto dela com um filtro azulado. Seus olhos já estavam fechados, mas ainda não estava dormindo. Sua mente estava chegando ao lugar onde o sono poderia ser achado.
ꟷ Tudo bem. Eu mudo por você. ꟷ Eu disse quase como num sussuro esperando que ela não ouvisse.
ꟷ Não faça por mim. Eu digo o que eu digo por ser sua amiga e querer o seu bem. Não mude por mim, afinal de contas, eu estarei aqui independente de como você estiver. ꟷ Quando ela terminou de dizer isso se virou para o outro lado.
Entendi ali que não teriamos mais nenhuma discussão sobre aquele assunto. O que mais me reconfortou é que eu sempre a teria comigo. Não importava quem eu fosse eu ainda seria o seu amigo. Porém eu queria mais que a sua amizade e isso signifacava que não dava mais para continuar levando a vida que eu levava. Era hora de mudar e conquistar o amor daquela mulher que me fazia desistir de todas as outras e me arrepender dos meus erros.

Três anos depois
p.o.v.
Eu tinha uma pilha de trabalhos e provas para dar nota me esperando em casa. No entanto, quando recebi a mensagem de me chamando para um piquenique no parque da cidade nesse dia ensolarado de sábado eu não hesitei. Apenas larguei a caneta vermelha, coloquei uma roupa apropriada e sai.
Nunca estive nesse estado de nervos para falar com ele, por isso julgo que isso seja saudade acumulada somada ao calor que estivesse fazendo com que minhas mãos suem e que meu coração bata mais rápido. Williams depois que dormiu na minha casa sumiu por umas semanas. Quando reapareceu estava do outro lado do mundo. Eu o chamei de louco e ele me agradeceu. Rimos por uns segundos e em seguida ele me viu chorar. Eu briguei com ele por simplesmente sumir e ter ido para longe de mim. As respostas para a sua repentina viagem nunca existiram para mim, porém hoje ele iria me explicar tudo muito bem explicadinho.
Ao chegar no parque municipal fui diretamente ao ponto onde combinamos, embaixo de uma arvore com sombra. Percebi que o Williams ainda não tinha chego e automaticamente me arrependi de ter escolhido um vestido para usar porque agora estava tendo que esperá-lo em pé já que todas as posições que eu escolhesse me sentar seria desconfortável.
Aproveitei que o céu estava em uma das suas melhores formas e tirei uma foto para mandar para Louisiana. Eu não tinha um livro comigo e por isso ela seria a minha distração.
“Olha que dia lindo! 😊😊😊”
Trocamos mais algumas mensagens até que ouvi alguém tossir perto de mim. Me virei para ver quem era e me deparei com um homem. Ele me lembrava o , mas não achava que poderia ser ele pois aquele cara na minha frente era muito diferente do que me lembrava.
Van der Waals, você não mudou nem um pouco! ꟷ Ele disse.
? Williams é você mesmo? ꟷ Eu perguntei. Ele me confirmou com um sorriso e um aceno. Não pensei duas vezes em correr para os braços dele. Ele me retribuiu o abraço e senti lagrimas de felicidade e alivio escorrerem pelo meu rosto. ꟷ Eu não acredito que você voltou! E nossa não é mais aquele cara que eu vi por chamada de video há um tempo atrás.
Ele estava usando uma calça preta, blusa branca e tinha uma cesta de piquinique em uma mão enquanto na outra tinha uma sacola parda.
ꟷ É as pessoas mudam em alguma hora. Menos você, você continua a mesma de sempre. ꟷ Ele disse com um sorriso tão sincero em seus lábios que os seus olhos azuis brilhavam.
ꟷ É porque a minha mudança eu fiz tem bastante tempo. ꟷ Eu disse um pouco mais séria.
Nossos olhos se encontraram e mesmo sem dizermos uma palavra rimos como se não houvee amanha. Quem olhasse de fora diria que estavamos nos comportando como adolescentes. E estávamos.
Quando nos recuperamos dá risada decidimos arrumar o piquenique. Juntos forramos a toalha tipicamente xadrez, tiramos as comidas da cesta e as bebidas tambem. Ele trouxe sanduiches, tortinhas doces e para beber agua, vinho e suco.
Nos sentamos e começamos a contar sobre o que fizemos durante esses tres anos sem se ver. Ocasionalmente a gente trocava mensagens, mas o fuso horario e as nossas rotinas quase nunca permitiam. Ele falou que foi para o outro lado do mundo sair da bolha que vivia. Me contou que estudou mais, viajou, aprendeu uma nova língua e principalmente começou a fazer terapia para se descobrir e realmente mudar o que era necessário.
ꟷ Deixa ver se eu entendi bem: você não fuma mais, não vai mais para festas todo dia, não troca de mulher toda noite, não pilota ou dirige bebado, tem amigos de verdade, ou seja, basicamente virou um careta como você dizia. É isso?
ꟷ Sim, . Eu virei o que o meu eu antigo chamaria de careta.
Não pude esconder a surpresa. De fato, o homem que eu conheci anos atrás não era aquele que agora me oferecia mais vinho.
ꟷ Agora é a sua vez de me contar o que andou aprontando durante esses anos?
Eu contei todas as minhas aventuras desde sobre como agora estava dando aulas para a universidade que estudei até sobre o meu próprio projeto de voluntariado envolvendo vítimas de abuso sexual. Ambos crescemos muito. O que mais me surpreendeu foi ter o visto realmente mudado. Ainda tinha as tatuagens e forma de se vestir, mas não o mesmo discurso e comportamento.
O silencio se fez presente, no entanto ele não durou muito porque estava curiosa para saber o que tinha na outra sacola que ele trouxe consigo.
, eu tenho que admitir que estou morrendo de curiosidade para saber o que tem nessa outra sacola.
ꟷ Ah, claro que pode saber. ꟷ Ele disse rindo. Logo pegou a sacola e abriu. De dentro saíram outros três sacos com aparência de presente. ꟷ Olha, eu sei que perdi três anos de aniversario seu, mas você não pensa que eu esqueci dele de onde eu estava. Sempre comia um cupcake e comprava um presente. Eu guardei eles até que eu voltasse para te ver.
O sorriso que dei era enorme, tão grande que se um cartunista o desenhasse com certeza só teria dentes onde meu rosto deveria estar.
ꟷ Quero abrir por ordem. Qual foi o primeiro que você comprou? ꟷ Eu perguntei extremamente ansiosa para descobrir o que estava embrulhado nos papeis coloridos.
Ele me apontou o primeiro e eu peguei o pacote com muita delicadeza já que não sabia se o seu conteúdo era frágil. Rasguei o papel e me deparei com uma caixa repleta de itens fofos de papelaria. Ele me contou que durante a ida para as aulas sempre passava em frente a uma lojinha e sempre que via algo que o lembrasse de mim comprava. No final do semestre juntou tudo na caixa e embrulhou para presente.
ꟷ É tudo tão fofo e lindo que nem sei o que dizer... quer dizer, eu sei muito bem o que dizer... muito obrigada, red.
ꟷ Espera para agradecer no final, depois de abrir todos. Você ainda está no primeiro.
Assenti com a cabeça e logo parti para o segundo embrulho. Como sempre o papel era colorido, porém não durou muito nas minhas mãos. Encontrei um casaco de moletom com o nome da universidade em que Williams estudou. Ele comentou que lembrou que eu usava o meu casaco da faculdade mesmo depois de formada. Na hora lembrei da última vez que nos vimos pessoalmente, naquela noite eu estava usando o meu casaco de moletom.
O terceiro embrulho era mais fino que os outros dois anteriores. Abri e me deparei com uma carta e uma caixa de veludo pequena. Ao abrir a caixinha não pude evitar que os meus olhos se arregalassem e que a minha boca se abrisse em choque. Dentro daquela caixa estava um anel tão perfeito e lindo que só poderia significar uma coisa. Era um anel de casamento.
ꟷ Antes que você se assuste mais do que já está, eu quero dizer que sim, esse anel é o que você está pensando, mas ele por si só não faz o menor sentido se você não ler a carta que veio com ele.
ꟷ Você tem noção que eu estou pensando que esse anel significa um casamento?
ꟷ Sim, eu imaginei que fosse achar isso. ꟷ Ele disse leve como se fosse corriqueiro comprar e dar anéis de noivado para mim ou qualquer pessoa. ꟷ Você vai entender, eu espero.
ꟷ Eu quero entender... ꟷ Disse já pegando o envelope para abrir e descobrir do que aquilo se tratava, mas não pude concluir a missão porque logo as mãos dele me impediram.
ꟷ Essa coisa de presente você entende depois. Vamos só continuar curtindo o dia enquanto você não volta para casa para fazer coisas de professora.
Naquele momento eu concordei e foi um verdadeiro teste de paciência, pois a todo instante minha curiosidade estava gritando para que eu simplesmente ignorasse o pedido dele e lesse o rápido possível a carta para entender o que aquele homem estava aprontando.
Mais tarde dentro do meu quarto, na quietude de estar em um ambiente agradável e seguro foi que eu entendi o que Williams queria me dizer com aquela carta. Cada palavra, frase escritas por ele transbordavam um sentimento que até então eu apenas achava ser uma brincadeira da parte dele. Na carta eu também descobri que fui um dos principais motivos para que ele mudasse, quer dizer, eu não e sim o meu amor, disse que queria estar à altura de mim, disse que deveria ser um homem melhor para que um dia talvez ele merecesse alguém como eu.
Ao terminar de ler fui tomada por uma onda de sentimentos diferentes e ao mesmo tempo me pareciam ser velhos conhecidos para mim. Quando partiu na sua viagem sem mencionar a ninguém foi um grande choque para mim e todos os nossos conhecidos em comum. Eu sofri demais com a saudade dele, na época me convenci que era algo que apenas estava ligado com o fato dele ter me ajudado anos atrás e no meio disso tudo termos nos tornado amigos. Durante umas boas sessões de terapia eu discuti isso com Mrs. Thompson. Debati o mesmo assunto com Louisiana e a mesma também achava que não era mais amizade e que só eu queria me iludir do contrário. Agora com aquela caixinha perto de mim e aquela carta na minha mão eu tinha certeza do que queria e sentia.

p.o.v.
Assim que me mandou a mensagem no meio da madrugada eu larguei tudo o que estava fazendo e fui correndo ao encontro dela. Agora já não morava mais com os meus pais, era sócio em uma empresa de advocacia e se compararmos a minha vida de hoje com a de uns anos atrás, eu realmente tinha me tornado uma nova pessoa. Porém essa nova pessoa ainda mantinha velhos hábitos, como por exemplo usar minha moto para ir correndo atrás da sem nem pensar duas vezes.
O endereço dela ainda era o mesmo. O seu pai agora explicito tinha se juntado aos pais de Louisiana nos negócios e não morava na cidade. A carreira de modelo da melhor amiga da tinha decolado de vez e Loulou mal tinha tempo para voltar nos Estados Unidos para visitar sua família e amigos. Ou seja, tínhamos garantia de que estaríamos sozinhos naquela noite.
Estacionei a moto no mesmo lugar que a deixei quando estive na casa dela pela última vez. Estar ali novamente trazia um mar de lembranças para mim. Enquanto esperava ela descer para abrir a porta para mim me encostei no mesmo batente de porta. Ri comigo mesmo ao rememorar as diversas vezes que apareci de madrugada sem avisar, foram tantos momentos que se me pedissem para contar eu não conseguiria.
Estava perdido em meus pensamentos e não percebi de cara que ela estava ali.
ꟷ Vai entrar ou vai me fazer congelar com você aqui fora? ꟷ Foi a primeira coisa que ela me disse. Ao ouvir isso sorri. Ela deu espaço e eu entrei. Fiz todo o ritual que nunca havia esquecido, era como se eu nunca tivesse viajado para lugar algum. Agora mais do que nunca sabia que tinha ido, mas que meu coração tinha ficado guardado com ela. Me livrei da jaqueta de couro e do sapato enquanto trancava a porta e acionava os alarmes.
Seguimos em silencio para o quarto dela. Ao chegar lá, eu parei na porta e observei tudo que compunha o cômodo. Poucas coisas mudaram e quando me dei conta disso não pude evitar e sorrir. De verdade ela estaria ali para mim não importando quem eu fosse.
ꟷ Bom eu vim ao seu encontro então acho hoje sou eu quem tem que te perguntar o que você quer de mim no meio da madrugada.
ꟷ Quero que a gente tenha aquele momento intimo que tivemos na última noite que conversamos. Aquele antes de você viajar. ꟷ Ela disse com a voz mais baixa do que o normal.
Esse pedido dela me chamou a atenção para o fato de muitas coisas estarem parecidas com aquele dia. A roupa dela era um moletom de universidade – dessa vez era o que eu tinha dado – e nos pés um par de meias pretas. O cabelo em um coque frouxo e no rosto o par de óculos.
ꟷ Tem certeza?
ꟷ Sim.
Não tinha motivos para não atender ao que ela propôs então fiz como naquele dia, fui até o seu banheiro e me livrei da roupa que usava ficando apenas com a minha cueca. Ao sair dela me deparo com deitada na cama e logo me juntei a ela.
ꟷ Podemos conversar agora? ꟷ Perguntei e ela concordou, mas antes apagou as luzes. Tínhamos somente a lua e o seu brilho para nos fazer companhia.
ꟷ Eu li sua carta.
ꟷ E o que achou?
ꟷ Tirando uns erros bobos de gramatica, eu amei. ꟷ Ela disse com um sorriso provocador.
ꟷ Eu não acredito que de tudo o que eu escrevi para você, você ainda conseguiu reparar nessas coisas gramaticais. ꟷ Eu disse com um sorriso bobo. É claro que ela notaria coisas desse tipo.
ꟷ Desculpa foi mais forte do que eu. Culpe o fato d’eu ter lido várias vezes e a minha profissão por isso. ꟷ Ela disse de um jeito fofo.
ꟷ Quando vou ter uma resposta sobre ela, senhorita Van der Waals? ꟷ Perguntei com muita curiosidade.
ꟷ Agora mesmo.
Não tive tempo de pensar em nada porque mal ela terminou a frase e já estava me beijando. Foi o melhor beijo que eu tive na minha vida. Foi bom e genuíno porque tinha amor de verdade nele. Não era algo que passaria quando eu acordasse sóbrio na manhã seguinte. Era o beijo que eu esperei por anos e não me arrependia por isso.
ꟷ Você está doida, mulher? Quer me matar do coração?
ꟷ O que eu fiz? Como assim? ꟷ Ela me perguntou confusa.
ꟷ Simplesmente está me dando uma das maiores alegrias do mundo nesse momento. Você não tem ideia de quanto tempo eu esperei por esse beijo. ꟷ Expliquei ao som de suas risadas. ꟷ Confesso que não imaginaria você tomando essa atitude, mas...
ꟷ Mas eu acho que se você se tornou careta por mim, eu consigo me tornar um pouco rebelde por você. ꟷ Ela completou a frase por mim de um jeito que nunca tinha pensado.
ꟷ Você sabe que eu mudei porquê de fato não aguentava mais ser aquela pessoa presa no passado. Você leu isso na carta, né? ꟷ
ꟷ Li isso e também li a parte que você comenta sobre como esse cara novo seria alguém que eu poderia me apaixonar. E li a nota de rodapé que dizia que o meu amor te fez um homem melhor. Eu li tudo, .
ꟷ É, leu mesmo...
ꟷ Você tem que saber que eu já gostava de ti antes mesmo de você mudar. Nunca tinha pensado em dizer nada sobre os sentimentos porque eu não os aceitava como algo além de pura amizade e atualmente vejo que foi a melhor coisa para nós dois foi termos esse tempo separados. Tanto eu quanto você colocamos nossas vidas no eixo e somos pessoas melhores para nós mesmos, ou seja, teremos a tendência de sermos melhores parceiros nos relacionamentos em que nós nos envolvermos.
ꟷ Entendo e você está coberta de razão. Aquele não era o momento. Eu sempre fazia aquelas brincadeiras, mas nunca tentei nada porque eu sabia que seria se desse “certo” não seria do jeito correto. A gente se magoaria e não sairia nada de bom.
ꟷ Exatamente.
Ficamos em silencio porem de mãos dadas. Era um sentimento puro e verdadeiro que nos envolvia. Nunca tinha imaginado que amar alguém e ser amado de volta era algo complexo que se trabalhado do jeito certo seria algo belo.
ꟷ Você vai querer mesmo o anel? ꟷ Eu pergunto meio nervoso com a possibilidade de a resposta não ser positiva.
ꟷ Sim, mas não agora. A gente precisa namorar um pouco, recuperar o tempo “perdido”. Depois de um tempo você ressurge com ele e a gente casa se for o que ainda nós dois quisermos. ꟷ Ela disse e logo me beijou.
Concordei com cada palavra dita por ela e fiquei mais feliz ainda do jamais imaginei que poderia ficar. De todas as coisas erradas que eu já fiz na vida tenho certeza que todos esses erros me levaram de encontro a . Não foi no melhor momento das nossas vidas, mas estarmos ali juntos mesmo depois de anos e ainda estarmos declarando o nosso amor não havia preço. Agora, envolto nos braços dela, mais do que nunca tinha a certeza de que morreria e viveria pelo amor daquela mulher. Esse amor de fato tinha uma grande participação em eu ser um homem melhor hoje e para sempre seria grato a isso.

Meses depois
p.o.v.
– Já que estou tendo a oportunidade de ser pai, quero dizer que se esse bebe for uma menina, minha filha vai ter o nome Violet. ꟷ Ele disse sem me encarar, pois estava ocupado demais pintando a parede do quarto do futuro bebê. Não consegui segurar o riso após processar o que ouvi dele.
ꟷ Está rindo do que? ꟷ Ele perguntou após ouvir as minhas gargalhadas. A gravidez não era mais segredo, porém o sexo do bebê era. Parece que o bebê dentro da minha barriga não queria mostrar o que tinha no meio das pernas. Não que a gente se importasse com isso, era mais para fazer com que Louisiana, a madrinha do bebê, parasse de comprar todo tipo de mimo para recém-nascidos por onde passasse.
ꟷ Você não percebeu?
ꟷ Perceber o que? ꟷ Ouvi o seu tom de voz superconcentrado.
ꟷ O nome da sua futura filha.
ꟷ O que tem?
ꟷ Violet.
ꟷ É, Violet. Qual é o problema?
ꟷ Violeta é a mistura de vermelho e azul. ꟷ Eu declarei como se fosse a coisa mais óbvia de todo o universo. Não é possível que ele não tinha tido aulas básicas de artes escola quando criança. Qualquer um sabia disso.
ꟷ E o que tem isso?
ꟷ Nós somos vermelho e azul. ꟷ Falei de uma vez referenciando os nossos nomes enquanto apontava dele para mim. Ele é e eu sou .
Eu sei.
Ouvi da boca de Williams coisas românticas desse tipo e saber que não era só uma brincadeira já tinha se tornado uma rotina. Algo que eu nunca esperaria de nós dois. Seja da forma que foi a nossa junção e mesmo que eu constantemente negasse os seus argumentos sobre muitos assuntos, gostava de saber que do nosso modo a gente se completava. Agora com a vinda do bebe, seriamos oficialmente a melhor mistura de nós dois.
Ao observar o meu marido me amando e cuidando de mim, cuidando de si mesmo e fazendo o possível para ser sempre a melhor versão de si mesmo, me deixava extremamente inspirada a seguir esse exemplo, a sempre que der sair da zona de conforto. Ele havia me ensinado isso. Eu demorei para me entender como pessoa depois da morte da minha mãe, e depois quando fui estuprada demorei a me refazer como pessoa. Poder olhar ao meu redor e ver tudo o que consegui era uma benção. Só tinha um pequeno detalhe: se é um homem melhor por conta do amor que sente, bom eu devo admitir que eu também sou uma mulher melhor por causa desse amor. Um amor já era e sempre seria maior do que nós dois podíamos imaginar.




Fim



Nota da autora: Olá!
Better Man foi uma surpresa para mim, pois nunca escrevi algo desse tipo e principalmente algo como cena de estupro. Foi uma revelação e tanto para mim. Me surpreendi de verdade em como todo o enredo veio até a minha mente criativa, então quero compartilhar algumas curiosidades sobre o meu processo criativo.
- O nome da personagem principal é Blue por causa da minha prima Jady que deu esse nome a ela já que eu não conseguia escolher um nome para ela. Ou seja, muito obrigada a esse anjo de luz. Te adoro.
- O sobrenome da família da personagem principal é Van der Waals em homenagem as forças intermoleculares ou forças de Van der Waals porque a autora aqui faz faculdade de exatas e estava estudando muito no meio da criação da história. Vai entender, né!
- Eu sei que mistura de vermelho com azul é roxo, mas violeta é uma licença poética minha para manter a cena fofa que me veio à cabeça.
- O dia 08 de agosto que é o dia do aniversário da personagem principal durante a história foi sugerido por um dos meus amigos da sala de aula, porém só no ano de 2021 dia 08/08 vai cair num domingo.
Antes d'eu terminar a nota, quero agradecer muito a beta, Lígia, que foi um amor em deixar eu entregasse esse trabalho totalmente fora do prazo. Leiam as fics (Face to Call Home, Treat You Better) que essa mulher escreve que são MARAVILHOSAS.
Quem quiser ler mais alguma coisa vinda da minha autoria é só checar.
Obrigada de verdade por ler Better Man e não esqueça de comentar! ;)





Outras Fanfics:
LiveSOS: The Memories (Longfic)
01. Here We Go Again (Ficstape Here We Go Again da Demi Lovato)

Anmi! Confesso que eu tive muita muita dificuldade para ler a cena de estupro, então peço desculpas se eu deixei passar qualquer erro nela. Sua história está incrível! E muuuuito obrigada por indicar algumas das minhas histórias na sua nota. Você é um amor. ♥
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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