Finalizada em: 12/02/2018

Capítulo Único

Acredito que todo homem na vida tenha aquela garota que deixou escapar. A minha era , a mulher que estava há poucos metros de mim e que eu observava pelas últimas duas horas sem a menor coragem de me aproximar. Estudamos juntos durante os últimos três anos da escola e “namoramos” por um ano e meio. Digo isso porque o que tivemos foi mais um jogo de gato e rato em que a fiz correr atrás de mim e não a valorizei o suficiente. Hoje, e pelos últimos cinco anos depois, paguei o preço de ter deixado ir a única mulher que amei.
era meu ponto de encontro, a referência que eu tinha comigo mesmo quando estava no Iraque. Ela era o rosto que eu via ao acordar e ao dormir, ou quando ouvia uma bomba explodir ao meu lado com a certeza que aquele seria meu último sopro de vida. E ali estava ela, na minha frente, depois de tantos anos sem sequer saber como ela estava.
A verdade é que ela estava linda, ainda mais do que eu achei ser possível. Seus cabelos estavam sempre arrumados de um jeito bagunçado e eu nunca soube se eles eram assim naturalmente ou se ela acordava mais cedo todo dia para deixá-los daquela forma. Eu era o babaca que dormia com ela e ia embora antes do amanhecer. Hoje eu daria tudo para saber de que lado da cama ela dorme, se ela gosta de dormir de pijama, ou sem nada. Até mesmo se ela acorda de mau humor. Quando estou em combate gosto de acreditar que ela acorda de bom humor e sorri ao me ver, e eu fecho olhos agradecendo a Deus por ter mais um dia ao seu lado.
É engraçado que, quando somos jovens queremos ter o máximo de mulheres possíveis, mas depois de tudo que vivi e passei eu gostaria de ter tido ela e mais ninguém. Eu voltaria no tempo e faria exatamente tudo como imaginei. Veja bem, quando você tá no meio de uma guerra e não tem ninguém pra voltar, você se agarra a única pessoa que fez sua vida valer a pena. Nos momentos de tédio, eu imaginava como seriam nossos dias se eu tivesse em casa, se ela me desse uma segunda chance.
Nosso primeiro encontro seria na sorveteria que íamos quando ainda estudávamos. Ela adorava pistache e eu sempre fazia a mesma careta quando ela pedia aquele sabor, mas eu fazia porque as caretas de me faziam querer beijá-la. Ela era a esperança que eu tinha a cada amanhecer.
O sorriso da era algo que sempre acabou comigo, quando ela sorria eu mal lembrava como se fazia para respirar. Foi assim que ela me conquistou, com um simples e maldito sorriso. Era o primeiro dia de aula do segundo ano do ensino médio, quando eu, procurando uma forma de fugir da aula de física, entrei na sala de artes e vi uma garota com um macacão jeans todo sujo de tinta e uma blusinha tão justa que eu podia ver todo o contorno de seus seios. Sorri de lado, o sorriso que eu dava quando tinha encontrado uma presa, mas ela se virou e sorriu pra mim, e ali eu percebi que o jogo tinha mudado e a presa era eu.
Eu me assustei quando vi que aquela garota era , nunca tinha parado pra prestar atenção nela no ano anterior, estava mais ocupado em passar o rodo em todas as garotas que eu conseguisse. A gente se falava porque ela era uma líder de torcida e eu jogava futebol, mas nunca era nada mais do que conversas bobas para passar o tempo. sempre me fez rir quando eu mais precisava, ela parecia saber disso e agia como uma perfeita lunática tirando gargalhadas de mim como nunca ninguém havia feito antes, mas mesmo assim eu ainda não a enxergava.
Foi só naquela sala de artes que toda minha vida mudou diante de mim, foi meu começo, foi quem me fez acreditar que eu poderia ser um cara melhor. Ela acreditava em mim como ninguém antes havia feito.
era o meu sol, a minha alegria. Ela me fazia esquecer muita coisa, mas tinha uma coisa que nem nem ninguém conseguia fazer, com que eu me abrisse.
(...)

- Oi! – finalmente criei coragem para falar com ela, quando a vi se aproximar da mesa de bebidas para se servir.
- Oi... Ah meu Deus, ?! – seu olhar e aquele maldito sorriso encheram meu peito de algo que eu nem sabia dizer que estava precisando.
- Eu mesmo.
- Como você está diferente, te vi, mas achei que fosse o namorado de alguém, me disseram que você estava no exército.
- E estou, faz cinco anos, mas não sou do exército, sou da Marinha, faço parte dos SEALs.
- Esse não é o grupo mais difícil de se entrar de todo o exército? – indagou curiosa, me fazendo rir.
- Esse mesmo.
- Uau... Eu…
- Tá tudo bem, eu teria essa mesma reação cinco anos atrás. – ri do jeito incrédulo dela, era assim com muitas pessoas que acreditaram que eu tinha morrido em algum beco, anos antes.
- Como... como tudo aconteceu?
- Eu precisaria de muito mais que alguns minutos na festa de reencontro do colégio na casa da Jennifer e Elliot Baker. – comentei, rindo da bizarrice que era imaginar que as pessoas mais diferentes que eu já tinha conhecido, acabaram ficando juntos.
- Eu sei, nem eu consigo acreditar que eles se casaram, quer dizer, quando tudo isso aconteceu?
- Achei que você tivesse vindo. – falei curioso, já que não costumava frequentar as reuniões por estar em alguma missão ou por simplesmente não ter o menor interesse em reviver meu passado, quando se tem o meu presente.
- Eu estava morando na Califórnia, fiquei lá por um tempo.
- Com o Greg? – perguntei um pouco ansioso e sarcástico e vi que não consegui disfarçar.
- Com o Greg. – baixou o rosto rindo.
- Vocês... ainda estão juntos? Da última vez me disseram que vocês tinham se casado.
- Não! Ainda bem que não. Só moramos juntos, foram três anos e meio. Voltei pra cá faz um ano mais ou menos.
- Ainda bem!
- Ainda bem o quê? – seu rosto se virou em choque pra mim e eu percebi que não tinha sido muito discreto.
- Eu falei isso em voz alta?
- Sim.
- Ainda bem que vocês não se casaram. – dei de ombros.
- E por que não?
- Porque eu nunca te esqueci.
- , eu...
- Quer dar uma volta comigo? – pedi antes que ela pudesse escapar de meu alcance.
- Eu não acho que seria uma boa ideia.
- Por favor!
- Tudo bem. – sorriu cansada, colocando sua bebida na mesa.
A casa de Elliot era enorme, ele era o maior nerd que você podia imaginar, algo com videogames que eu não entendia muito bem, porque chegar em casa e brincar de matar pessoas não era exatamente o que eu chamaria de diversão. Era o meu trabalho. Eu via a morte dia após dia, ano após ano e quando se vê uma vida indo embora diante dos seus olhos, você aprende como ela é preciosa.
- É bom te ver de novo. – confessei depois de termos nos afastado o suficiente da casa.
- Você também, amigo. – repetiu algo que eu falei, quando ela finalmente me prensou contra a parede e cobrou um relacionamento sério.
- Nós somos apenas amigos com benefícios – repeti minhas palavras do passado – Eu fui um idiota, nunca me pareceu certo classificar o que tivemos como “apenas amigos”.
- Foi mesmo. – me encarou triste – Um idiota eu digo, eu... te amei de verdade, .
- Sei que pode parecer que não, mas eu também, . – ver a mulher da sua vida te encarar sem acreditar em uma única palavra do que você diz machuca... e muito. – Fico feliz que esteja feliz, ainda tão linda quanto eu me lembrava de você.
- Obrigada. Me conta? Como você chegou no Exército... quer dizer, Marinha, eu não entendo dessas coisas.
Sobrevivência.
O que nunca ninguém na escola conseguiu tirar de mim, era que o garoto que era malandro, que pegava todas as garotinhas da escola, defendia os nerds dos colegas de time, que arranjava briga com os caras mais fortes e mais velhos na verdade apanhava do padrasto quase todos os dias. Meu pai morreu quando eu tinha apenas oito anos, e pouco depois minha mãe arranjou um namorado e o trouxe pra dentro de casa. Foi naquele dia que minha vida virou um inferno.
Eu arranjava brigas com quem quer que fosse na escola ou na rua, porque era a minha forma de defender a mim mesmo de quem eu não podia. Se alguém visse meu olho roxo, logo imaginava que era porque arranjei uma briga pela rua, não porque esqueci de colocar o lixo pra fora. Todos viam em mim o capitão do time com o cabelo perfeito, com o passe rápido, as notas que por mais que não fossem as melhores, ainda conseguia passar de ano.
O que eles diriam se descobrissem que o cara que todos idolatravam era na verdade o maior perdedor?
- , por que você nunca me disse antes? Quantas vezes eu perguntei o que tinha acontecido, quantas noites não cuidei de você e de seus machucados?
- Vergonha. – abaixei os olhos, lembrando como era difícil não lhe contar a verdade. – Você era maravilhosa, sempre abria a porta com um sorriso no rosto, não importava o quão fudido eu estava, você cuidou de mim todas as vezes.
- Minha mãe dizia que eu precisava começar a te cobrar pelos remédios e curativos. – riu ao se lembrar – Mas toda vez que ia ao mercado trazia um novo estoque pra mim, ela te adorava.
- Eu penso muito na sua mãe também, como ela está? – perguntei nostálgico ao me lembrar da mulher que sempre me olhava com carinho e amor, algo que eu não estava acostumado.
- Você não ficou sabendo? – vi segurar no colar que tinha no pescoço e senti meu coração afundar – Descobrimos um câncer avançado demais, não tinha muito mais a ser feito, já estava em estágio terminal... foi por isso que eu voltei, fiquei com ela em seus últimos meses de vida. – terminou com lágrimas nos olhos e eu me senti, mais uma vez, um grande babaca.
- Eu sinto muito, . – disse honestamente a puxando para um abraço. – Eu estava em combate, mas se soubesse... eu gostaria de ter me despedido. Daria um jeito de ter ligado pra ela.
- Ela sempre me perguntava de você – se soltou de meu abraço, me encarando – Queria saber o que tinha acontecido entre a gente. Sabe, apesar de não termos nos vistos todos esses anos me machuca, me machuca que você passou tudo isso, e por mais que eu tenha te dado tudo de mim, não fui suficiente pra que você se abrisse comigo.
- Se você soubesse o quanto era suficiente, o quanto você ainda é importante para mim, não diria uma coisa dessas. Você era a única pessoa que me via de verdade, que achava que eu era alguém melhor do que eu era. Eu via nos seus olhos o quanto você acreditava em mim, e então eu chegava em casa e apanhava. Não queria que a pessoa mais importante da minha vida não me visse como o herói que ela achava que eu era.
- Eu nunca pensaria isso de você, , olha onde você chegou!
- Diz isso pro garoto de 15/16 anos que tinha um medo irracional de perder seu maior porto seguro.
- E todas as outras garotas…
- Só você, sempre foi só você. – me encarou chocada – Não faz essa cara, , eu posso ter ficado com várias, mas só você me fazia rir, só você cuidava de mim, todas as outras tiveram só meu corpo, você me teve por inteiro. Como eu fui um idiota!
- Todo aquele tempo sem se abrir comigo e nem meia hora e você me conta tudo isso? Onde está o que eu conheço?
- Pode ser a última vez que vou te ver de novo, não tenho nada pra esconder, não de você. Quando você terminou comigo eu fiquei sem chão, eu não queria admitir pra mim mesmo que estava sofrendo… eu chorei pra cacete naquele dia.
- Não exagera, , minha mãe que achou que alguém tinha morrido, de tanto que chorei aquela noite.
- Agora quem está exagerando é você, se livrou do maior fuckboy que você conhecia, deveria ter comemorado. Quando fiquei sabendo que o Gregory finalmente entrou em sua vida, eu fiquei feliz por você. Sabia que se ficasse comigo ia acabar te puxando pra baixo.
- Você nunca nos deu a chance de descobrir, então não fala o que você não sabe. Não é como se eu tivesse com ele hoje, não?
- Fui morar com meu tio, aquele que eu sempre tirava sarro que era o maior caipira do Mundo... ele tinha uns amigos que estavam no exército e você sabe como eu amava ultrapassar todos os limites. Eu precisava ser o corredor mais rápido, o lançador mais forte, levantar o maior peso. Eles me levaram num evento que teve e me alistei.
- E como foi entrar nesse SEAL, como você foi parar lá?
- Você sabe como sempre quis ser o melhor em tudo, na Marinha eu não queria ser o Comandante, o Major. Eu queria ser o melhor dos melhores. Foi um ano e meio de treinamento que se eu te contar vai achar que fui torturado, isso sim. – ri me lembrando de uma das épocas mais difíceis da minha vida – Mas quando se veio de uma casa igual a que eu vim... aqueles testes mais pareciam com algo que eu passei a adolescência inteira me preparando para passar.
- Incrível como, apesar de tudo, não consigo te odiar. Ainda mais sabendo disso. Eu sofri muito com você e sem você, , mas confesso que vim com a esperança de saber como você estava. Sua antiga casa está fechada há anos e quando a Jennifer me disse que achava que você viria...
- Eu só vim porque sabia que você viria. Sabe, , é fácil pra mim me abrir com você dessa forma agora, porque eu tenho feito isso por pensamento desde que fui enviado em minha primeira missão. Sei que parece coisa de maluco, mas quando você vê o que eu vejo, faz o que eu faço, você precisa de uma memória, uma pessoa que te traga de volta pra casa. Mesmo que essa pessoa não faça mais parte de sua vida.
- Eu sou a sua pessoa? – ela me perguntou com os olhos cheios de preocupação.
- Você é a minha pessoa. – respondi sincero – Não quero te assustar, na verdade se só te visse de longe, já estava tudo bem pra mim. Queria uma nova imagem para ter em minha mente quando eu voltar pra lá.
ficou pensativa por um tempo e eu deixei que ela assimilasse tudo que eu tinha lhe dito. Sabia que era muita coisa em pouco tempo, mas fora aquilo que havia lhe dito, aquela poderia ser a última vez que eu a veria, e eu precisava que ela soubesse de tudo.
- Ei, tira sua blusa e essa calça... – pedi ao notar o lago que tinha atrás da casa dos nossos amigos.
- Nem pensar! – ela disse rindo, mas séria – Não temos mais 15 anos, .
- E o que tem demais? Você tá com vergonha de mim? Somos só nós dois e está calor!
- Você está enorme e deve estar tudo em dia aí. Desde que voltei da Califórnia passava os dias vendo TV com a minha mãe e comendo. Eu engordei e tô cheia de celulite, estria... não sou mais a mesma garota.
- Eu só estou ”enorme” porque é meu trabalho estar na melhor forma possível, porque se não tiver, eu posso morrer. – falei vendo não me encarar – Olha pra mim, por favor? – pedi tirando a minha camisa, a vendo ruborizar – Tá vendo isso aqui? – apontei para meu ombro direito.
- O que é isso? – ela perguntou assustada, se aproximando.
- Esse aqui foi um tiro de raspão, ficou só essa marca. Esse foi um tiro que entrou, mas saiu. – comentei mostrando a cicatriz dos dois lados – Nós dois temos marcas de quem somos. Você por cuidar da sua mãe acabou ficando em casa mais do que gostaria, eu por ser minha profissão. Essas marcas contam quem somos, de onde viemos, elas são nossas histórias e sem elas não seríamos quem somos. Fora que eu não estou nem aí para essas coisas, mas eu vou entrar e te esperar de costas, não me deixa lá plantado. – brinquei com ela, tocando em seu nariz, antes de entrar no lago.
Logo ouvi o barulho atrás de mim e me virei, parecia nervosa, mas quanto mais ela entrava, mais seu semblante se acalmava.
- Há quanto tempo eu não faço isso! – exclamou animada – Claro que na Califórnia ia sempre à praia quando dava, mas lembra quando passávamos horas no lago durante o verão? Rezando para que as férias fossem eternas?
- Como eu poderia esquecer? – afirmei, me aproximando dela – A melhor parte daquela época eram as férias, a gente passava o dia todo fora de casa. Eu podia te ver de biquíni o dia todo e isso não era nada mau.
- Eu e todas as meninas, não? – falou séria, mas logo senti um jato de água atingir meu rosto – Eu também olhava o resto do time, acho que estamos quites.
- Você não disse isso! – brinquei me aproximando, espirrando ainda mais água nela.
Passamos longos minutos rindo e nadando pelo local, nossa cidade tinha alguns lagos espalhados por ela e sempre escolhíamos um diferente para nos divertir durante o verão. Às vezes íamos com toda a turma da escola, outras eu a levava para um que fosse somente eu e ela. Eu posso ter feito muita coisa errada, mas quando estávamos juntos, sozinhos, tudo parecia certo, perfeito.
- Voce e o Greg, o que aconteceu? – Gregory era um jogador da escola adversária que sempre gostou de e eu o odiava com todas as forças, mesmo sabendo que eles eram amigos de infância.
- Quando terminamos ele se declarou – senti meu pulso se fechar em raiva – Você estava certo – ela riu da minha cara, me fazendo rir junto – Ele sempre gostou de mim e depois de você eu estava bastante machucada. Ele foi paciente, me esperou. Eu achei que poderia ser feliz com alguém que sempre me fez bem, e fomos felizes, mas não era igual quando estava com você. Mas terminei com ele por causa da minha mãe na verdade, quando ela adoeceu ele quis que ela fosse pra lá fazer o tratamento, mas ela não queria. Pediu para morrer na casa em que nasceu, a casa que meus avós nos deixaram, e ele não entendeu.
- Se não fosse o exército, eu nunca teria aprendido sobre a fragilidade da vida. Eu nunca teria conseguido quebrar esse muro que construí ao meu redor, o muro que nos separou. Mas pensei que pudéssemos fazer isso hoje, . – dei um passo para me aproximar dela.
- Eu acho que talvez seja hora da gente voltar, . Devem estar sentindo nossa falta.
- Eu quero me apaixonar por você de novo, , por você e mais ninguém. Não há uma pessoa nesse Mundo que significa pra mim, sequer metade do que você significou lá trás e mais ainda agora. Juntos a gente pode deixar o nosso passado pra trás, o seu e o meu também. Não vamos olhar pra trás, vamos olhar adiante.
- Não é fácil esquecer tudo o que você me fez só porque agora você mudou, , você acha que eu não te via ignorar minhas chamadas porque estava conversando com a Hillary ou a Jenna? Ou as vezes que foi grosso comigo quando eu cuidava de você e te pedia pra passar a noite? Parecia que era um sacrifício enorme ficar comigo na escola, só faltava sair correndo quando eu te chamava. – resmungou nadando para a beira do lago e a mágoa que tinha de mim até a fez se esquecer que estava com vergonha de ficar sem roupa na minha frente.
- Eu sempre soube que você merecia algo melhor do que eu, , nunca neguei isso. Eu era imaturo, só pensava com a cabeça de baixo. Claro que se eu pudesse voltar no tempo, não faria isso com ninguém, muito menos com você. Eu não sou mais o garoto que você conheceu, eu sou um homem que vive no inferno seis meses ao ano e tudo que eu quero é te pedir uma chance de conhecer quem eu me tornei, quem eu sou agora. Não quero que esqueça o que eu te fiz só porque carrego uma droga de uma foto sua quando estou no meio da guerra. – comentei alterado, colocando minha calça.
- Você tem uma foto minha? – se virou pra mim espantada.
- Tenho. – confessei tirando a foto toda desgastada da minha carteira – É ridículo, eu sei.
- Eu sou mesmo a sua pessoa?
- Eu não menti nenhuma vez hoje, , eu tive alguns casinhos desde que terminamos, mas lá fora não é qualquer pessoa que te traz conforto, que te faz manter os pés no chão. Acredite eu tentei, mas quando fecho os olhos, é você quem eu vejo e mais ninguém. Tentei ver meu pai, minha mãe, mas eu não consigo. É você, entende?
- Eu gosto dessa foto nossa, achei que tivesse perdido. – disse ignorando tudo que eu tinha acabado de dizer, antes de suspirar e me encarar cansada – , nós não nos falamos há cinco anos, somos pessoas diferentes, mas lá no fundo somos os mesmos de antes. Eu nem imagino o que você passa quando está servindo... as coisas que você deve ter que fazer, mas às vezes o passado é melhor ser deixado pra lá.
- Ei, casal! – Elliott apareceu chamando nossa atenção com duas toalhas na mão – Me fizeram ganhar uma aposta, a Jess foi procurar vocês em um quarto, eu sabia que vocês encontrariam esse lago.
- Desculpa. – disse, sabendo que estava abusando da hospitalidade dele.
- Que isso, não precisa se desculpar, só a consultoria que você topou dar pro meu novo jogo é mais que suficiente.
- Que jogo? – perguntou secando os cabelos.
- Sniper Warrior. – Elliot comentou animado – A última vez que o apareceu aqui aluguei ele por algumas horas e trouxe minha área criativa para bolar alguma ideia de jogo nova.
- Ele me paga mais do que ganho por ano pra contar coisas do meu dia a dia – dei de ombros, me explicando.
- É o que considero justo. – o homem se explicou para – Afinal, se não fosse nosso herói aqui, eu provavelmente teria me ferrado muito mais na escola, do que me ferrei.
- Não sou um herói, estou apenas fazendo meu trabalho. – disse a verdade, herói não mata pessoas só porque elas podem ser o inimigo. – E o Mark e os amigos eram uns otários, mereciam apanhar.
Eu tinha perdido a atenção de , sabia que não seria fácil, mas pelo menos aquela festa, apesar de não me agradar em nada, ainda me daria chances para que ela ouvisse toda a minha verdade. Deixei ela se divertir com todas as mulheres e sem fazer a menor questão de virar o centro das atenções de meus ex-colegas de escolas civis, subi para ir ao banheiro e enrolar um pouco antes de descer.
Eu gostava de Elliot, ele sofria bastante na época da escola, o jeito dele o fazia ser um ótimo alvo de pancadas de alguns colegas de escola. De início eu apenas deixava que as coisas acontecessem, até que o vi sem chances alguma de se defender e fiz o que deveria ter feito desde o primeiro dia. Levei uma suspensão porque o diretor disse que não poderia permitir brigas dentro da escola, mas me agradeceu no final.
Depois de algum tempo, ouvi um som conhecido e logo senti a primeira palpitação, era a minha mente me levando para a linha de confronto sem que eu sequer pudesse me controlar. Em seguida ouvi Josh, um de meus companheiros que tinha caído em luta me chamar, e eu soube que me perderia em segundos. Entrei na primeira porta que encontrei e a fechei sem nem me dar conta de onde estava. Não me importava, eu precisava de cinco minutos em paz para que conseguisse controlar minha mente, precisava entender que eu não estava em guerra. Eu estava em meu país, seguro, e o mais importante, estava no mesmo lugar que eu.
Minha respiração pesada fazia com que eu sentisse como se um tanque estivesse me atropelando lentamente, sem conseguir me mexer. Logo ouvi os tiros, as metralhadoras, e então, eu estava em combate.
Se me perguntassem eu não saberia dizer quanto tempo fiquei ali, sem conseguir respirar direito. Sentia meu corpo tremer, sem conseguir me controlar. Minha mente deveria saber que eu estava seguro.
-
O cheiro de sangue é algo que é difícil de apagar da memória, ainda mais quando o cheiro vêm acompanhado de um rosto, ou dois. No meu caso, vi sete grandes amigos caírem em batalha e a dor de não ter conseguido salvá-los, superava a culpa de matar para sobreviver.
- , sou eu, .
-
Alguém já viu uma criança inocente morrer? Já viu um corpo se despedaçar a sua frente? No começo eu tentei contar as crianças, as mulheres, os terroristas, as explosões, mas perdi a conta depois de seis meses. Desisti e aceitei. No Exército, na Marinha ou na Força Aérea você tem que aprender a aceitar a sua realidade, aceitar que muitas vezes é matar ou morrer.
- Ei, , sou eu, ok? Eu vou te abraçar.
.
Eu fechei os olhos e a senti, senti seu cheiro, seu cabelo, sua paz.
Os sons começaram a sumir, o cheiro ficou distante, meu corpo parou de tremer aos poucos.
- Eu trouxe isso pra ele. – ouvi a voz de Jennifer e abri os olhos. Eu estava de volta.
- Quer uma água? – estava ajoelhada a minha frente, seus olhos cheios de preocupação. Elliot e Jennifer me encaravam não com dó, ou pena, mas em conforto.
- Desculpa. – Elliot começou – Eu falei pro Travis que hoje não dava pra jogar nenhum jogo de guerra e quando virei as costas ele foi pra sala de games.
- Assim que ouvimos os sons de tiros tentamos te achar, mas você estava atrás da porta e não se mexia, nós três tivemos que empurrar com força para conseguir entrar, espero que não tenhamos te machucado. – Jennifer falava comigo, mas eu ainda estava inerte.
- Desculpa. – falei me levantando com pressa – Eu preciso ir.
- ? – encarei ainda no chão, me olhando surpresa.
- Acho melhor você não dirigir agora cara, fica aqui, é um quarto de visitas, dorme e descansa um pouco. Você quer algum remédio?
- Eu tô bem, eu... me desculpa. – falei saindo do quarto e correndo escada abaixo.

(...)

O que eu esperei que fosse acontecer? Que viria nessa festa de reencontro dos alunos da minha turma, me daria uma chance e viveríamos felizes para sempre? E quando eu tivesse que voltar pro Iraque? Iria deixá-la me esperando, sofrendo, sem saber se eu estava vivo ou morto?
E se eu voltasse pela metade? Física ou psicologicamente?
Foi depois da minha terceira missão que aconteceu pela primeira vez. Eu estava na casa da minha mãe, brincando com meu meio-irmão, quando um carro passou e fez um barulho, me assustando. Por um segundo eu estava de volta em guerra, não em casa. Aos poucos as coisas foram aumentando, mas eu ainda conseguia me controlar. Fora no último ano que os ataques começaram a aumentar.
- ! – ouvi me chamar e quando me virei, ela corria até mim – Caramba, você corre muito rápido. – disse rindo, colocando as mãos nos joelhos para descansar.
- Desculpa, foi uma péssima ideia vir e te dizer todas essas coisas, . Na minha cabeça parecia melhor do que aqui na realidade. Eu... espero que você seja muito feliz, que encontre um cara que te faça feliz de verdade e possa te dar tudo que um dia eu sonhei. Me desculpe por ter sido o cara mais babaca que você já conheceu, me arrependo todos os dias de como te tratei. E, obrigado. Obrigado por tudo que você já me fez, sem nem saber. Obrigado por acreditar em mim, quando nem eu acreditava.
- Eu posso falar? – ela pediu fechando a porta de minha caminhonete. – Em algumas coisas você não mudou em nada. Precisava sair correndo daquele jeito? – perguntou me dando uma bronca e tive que rir de seu jeito abusado, que também não tinha mudado em nada.
- Já é bastante constrangedor que você tenha me visto do jeito que viu, não preciso que me olhe com pena.
- Eu não tenho pena de você. Passei um ano e meio cuidando de suas feridas, , eu sei que você não é nenhum coitadinho. – disse firme – Quando ouvimos os sons do videogame, Jennifer me puxou e pediu que procurássemos por você, que talvez ouvir aquilo pudesse não te fazer bem.
- Não é sempre que isso acontece, mas não tenho controle. Por isso que prefiro ficar em casa quando volto de alguma missão. Eu tinha ido ao mercado quando tive um desses ataques e me tranquei em meu carro antes que ficasse pior, Elliot me viu e bateu na porta, me tirando do meu transe. Tomei um susto ao vê-lo depois de tanto tempo. Ele me convenceu a vir até a casa dele, basicamente porque eu não aguentava mais ouvir sua voz e se vir aqui ia fazê-lo calar a boca, que fosse. – comentei rindo, mas tinha sua atenção completamente focada em minha história – Jennifer é psicóloga como você sabe e ela tem me ajudado bastante nesse último ano – confessei um pouco tímido – Ela acha que como estava bem no começo quando nos reencontramos, que é possível manter minha insanidade controlada até que eu cumpra todas as minhas missões. Se aposentar pela Marinha não é a coisa mais bem paga do Mundo e o Elliot tem me ajudado a planejar essas coisas. Com esse trabalho de consultoria não preciso me preocupar se acontecer alguma coisa comigo e ficar impossibilitado de trabalhar.
- Não tem graça, , você não é louco. – bateu em meu peito brava - São consequências de sua profissão e não precisa ter vergonha de sofrê-las. Eu ficaria preocupada se você levasse a vida como se nada tivesse acontecido, isso sim. Isso só me mostra que você é um ser humano e por mais que a Marinha tenha tentado te transformar em um robô, sua essência ainda está intacta aí dentro.
- Obrigado, , eu não quero estragar sua festa…
- Por que você está com essa pose de quem perdeu a luta? Horas atrás estava até me pedindo uma chance.
- Eu só me toquei que o que estava tentando fazer é errado, , esse ataque me trouxe de volta pra realidade. Eu devo demais a você pra vir aqui depois de cinco anos pedir uma chance. Eu sou um soldado de guerra, posso morrer, perder um braço. Se um tiro atravessar meu rosto o que eu vou te dar? Dor, sofrimento. Não vou te fazer ficar me esperando sendo que nem eu sei se vou voltar.
- Então você vai ser solteiro pra sempre? Não quer ter filhos, construir uma família?
- Eu sempre quis, mas entre te ver sofrer de novo por mim e sofrer sozinho... mas saber que você é feliz, eu sei qual será a minha escolha.
- Eu não sou a sua pessoa, então? Porque lá no lago você me disse que as lembranças que têm de mim te trazem de volta pra casa. Agora que eu estou aqui na sua frente, não sou suficiente de novo?
- Não é isso, , é que você significa demais pra mim para que eu te faça sofrer de novo. Você tem um jeito comigo, tudo em você acaba comigo, um sorriso seu e eu faço qualquer coisa. Qualquer uma, é só você me pedir que eu faço.
- E um beijo? - me perguntou sorrindo e a encarei confuso.
- Como assim?
- Você disse que um sorriso meu e você faz qualquer coisa, se eu te beijar agora, o que eu consigo?
- ... o que…
não me deixou terminar, ela me beijou. Me beijou como havia feitos anos atrás, mas de uma forma completamente nova. Seu braços passaram por meus ombros e antes que ela se arrependesse, abracei sua cintura a virando contra meu carro. Eu não sabia quanto tempo aquele momento duraria, mas eu o faria durar para sempre em minha memória. sempre seria para quem eu voltaria, mesmo que fosse para a memória que tinha dela e do que um dia fomos.
- Eu aceito. – ela me disse depois de um tempo que passamos abraçados.
- Aceita o quê? – a encarei confuso, mais uma vez.
- Deixarmos todos os passados para trás e olharmos adiante. – disse pegando em minhas mãos.
- Você tá falando sério? – perguntei em dúvida.
- Estou, mas quero ir com calma, não somos mais adolescentes. Talvez pudéssemos ir em alguns encontros, ver se a ideia que você tem de mim é a mesma de quem eu sou agora. Eu mudei bastante também.
- Se isso que você estiver dizendo for verdade e não apenas uma forma de me fazer me sentir bem comigo mesmo, eu prometo que você vai ver como eu mudei, eu juro que…
- Não precisa me provar, , eu acabei de ver. O do passado teria saído nervoso depois do ataque de pânico, teria dito pra que eu cuidasse de minha vida quando te alcancei, fechado a porta emburrado e já estaria em casa essas horas. Você se abriu mais comigo em cinco horas de reencontro do que em um ano e meio de nossas idas e vindas. Se esse for quem você é agora, sincero comigo, eu não vejo motivos para não tentarmos. Eu também senti sua falta, muita e não sou perfeita, tenho meus traumas, talvez a gente possa encontrar no outro a ajuda que precisamos.
- Eu vou fazer tudo certo dessa vez, eu prometo. Sei exatamente aonde quero te levar em nosso primeiro encontro.
- Segundo... – disse enigmática ao me ver sem entender nada – Segundo encontro você quis dizer, hoje foi o nosso primeiro e foi perfeito, porque se antes eu só conhecia o coração do , hoje eu finalmente posso dizer, que o conheci por inteiro.




Fim.



Nota da autora: Essa é a história mais curtinha que escrevi na vida, mas estou seriamente envolvida com esses dois. Peguei esse ficstape faltando 15 dias para entregar e por conta da vida tive apenas 3 dias para escrever algo que eu ficasse feliz, e pra ser sincera gostei muito.
Espero que gostem também e deixem um comentário ;)
Se quiser saber o que mais escrevo, abaixo tem o link para o meu grupo:




Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus