Finalizado em: 08/11/202

00. Did I mention there's nothing I can do?

Naquele dia, o setor de Criatividade e Desenvolvimento havia amanhecido calado. A sala, que usualmente estaria preenchida por fofocas e risadas altas, estava em completo silêncio pela presença inesperada dos proprietários do escritório, principalmente quando a coordenadora do time havia sido convocada para uma reunião.
A tensão era geral, mas os que mais sentiam a pressão eram os funcionários de cargos mais baixos da linha de hierarquia da agência. Apesar das reuniões de última hora estarem associadas aos cortes de gastos e possíveis demissões em piadinhas internas dentro da empresa, ninguém ali era autossuficiente para dormir tranquilo sabendo que poderia levar um chute na bunda em breve.
Quando a porta da sala de reuniões se abriu um tempo depois, a coordenadora foi a única a sair. A primeira coisa que todos da produção fizeram foi analisar o semblante da superior, alguns mais discretos do que outros. O rosto de estava marcado por linhas de expressões duras, que em palavras informais significava: ela estava puta.
- Está tudo bem, ? – uma das favoritas de do time sussurrou temerosa, recebendo uma risada forçada.
- Entrei achando que seria demitida e saí sendo a mais nova babá do sobrinho dos diretores.


01. I met this girl that rocked my world

Ao deixar o veículo importado, com a mochila nas costas, congelou nos primeiros passos ao reparar que não estava sendo acompanhado pelo tio. Deu meia volta e se inclinou até ficar no mesmo nível dos vidros do carro.
- Ué, você não vem?
- A diretoria e o financeiro da empresa ficam na torre do outro lado, . Saio no final da tarde, se por acaso ainda estiver no escritório nesse horário, mande-me uma mensagem se quiser carona.
segurou a vontade de suspirar e agradeceu pela última vez do dia ao tio pela oportunidade de emprego. Aquela não era bem a forma que idealizou de ser introduzido na Design (OD). O universitário tinha sonhado que subiriam juntos e o tio o apresentaria a todos com calma. Ao invés disso, ele tinha meia dúzia de instruções de vagas e nomes no celular a quem ele deveria recorrer.
A experiência abaixo da linha de expectativa continuou ao ser barrado pela atendente do balcão do andar onde tecnicamente deveriam estar esperando por ele.
- Você não está entendendo, sou , sobrinho de Terrence , um dos donos disso tudo aqui. – usou o dedo indicador para apontar para tudo que os cercava. A mulher, constrangida, mudou a postura no instante seguinte.
- Ah, desculpa. – riu forçadamente, passando a mão nos cabelos alisados por química – Claro! O pessoal deve ter se esquecido de me passar essa pequena informação insignificante. Só isso. – ofereceu um sorriso amarelo – Aguarda só mais um minuto que irei confirmar.
Alguns olhares de pesar, poucos sussurros e a atendente finalmente desligou tendo a história dele confirmada.
- Perdoe a nossa desorganização, senhor . Alguém já está vindo para recebê-lo.
balançou a cabeça e nada mais disse. Percebendo que a atenção da mulher não estava mais em si, mas na tela do computador, o garoto aproveitou para analisar todos os cantos do pavimento. Antes, fez uma nota mental de avisar ao tio sobre as eventuais melhorias que poderiam aplicar na OD, era pouco aceitável que em dias atuais ainda ocorresse esse tipo de desencontro de informações. Se eles quisessem crescer e não serem engolidos pela concorrência, teriam que aperfeiçoar processos.
Paredes claras, decoração limpa e bem minimalista. Ele gostava. Um ambiente menos distrativo e funcional era perfeito para um bom rendimento.
- ? – assim ele virou para analisar quem o chamava.
- Sou eu.
- Vamos? Estamos atrasados e o dia está bem corrido.
só soube pensar que a culpa não era dele.
- Você que é a coordenadora do setor? – indagou à moça que o acompanhava pelos corredores e tateou o celular no bolso para procurar pelas últimas mensagens favoritadas.
- Ah, não. Sou uma das estagiárias novas da OD.
Estagiária. Mandaram realmente uma novata para atendê-lo?
- E quem seria... – deslizou os dedos pela tela do celular para buscar o nome – ? É... – assentiu para si – Onde ela está?
- é a nossa chefe, . Ela fala contigo até o final do dia sem falta. – garantiu a outra – Ela está resolvendo alguns problemas de última hora em uma chamada de vídeo com alguns clientes e me encarregou de auxiliá-lo nesse primeiro momento.
- Qual é o seu nome mesmo?
- Ai, desculpa a minha distração. Me chamo Emilia.
- E a quanto tempo está na OD, Emilia?
- Um pouquinho mais de meio ano, eu acho. – os orbes dela miraram o teto, como se ainda estivesse fazendo as contas.
- E o que acha da empresa?
Ela o encarou com suspeita, imaginando que tipo de testes seria aquele. claramente havia mencionado que ele era uma das crias dos superiores. Emilia é que não seria a louca de reclamar do lugar para quem poderia fazer fofoca direta e ser determinante para a chutarem dali.
- Eu gosto daqui. Pretendo ficar até quando eles me quiserem. – riu – Tenho aprendido bastante coisa que não passam na faculdade. Está estudando, ?
- Administração de empresas e você?
- Design de produto.
- Hum.
Assim, a conversa morreu.
Chegando à sala reservada para a equipe deles, não houve uma apresentação geral.
- Depois você vai conhecendo e decorando o nome do pessoal aos poucos, ‘tá? Estamos com várias entregas de projetos para fechar hoje e se me vir parando todo mundo para fazer social, vai sobrar para mim.
- Ela é chata? A chefe... – perguntou direto na lata.
- Não! – Emilia tratou de negar, aparentemente chocada por ele ter cogitado aquilo – Ela é reconhecidamente como uma das melhores líderes de setor da OD. Óbvio que ser uma das melhores não quer dizer que é melhor amiga de todos e ser só risadas, mas posso dizer que estamos bem servidos.
não deu muito crédito para aquela defesa.
À medida que iam passando pelas pessoas nos cubículos para chegar ao canto que reservaram para ele, o sobrinho dos proprietários ia dando cumprimentos rápidos e analisando os espaços.
- Prontinho, ! Essa vai ser a sua mesa a partir de hoje. Do lado da sala da chefe. – a estagiária indicou com o queixo para a sala de paredes de vidros cobertas pelas persianas no momento – Pode ir ligando o seu computador que eu já volto para te mostrar os caminhos das pastas e o nosso sistema de trabalho.
Sem nem tempo para obter uma resposta, Emilia saiu caminhando para buscar alguns papeis na própria mesa. limitou-se a apertar o botão de ligar dos monitores e do CPU e esperou. Mirando soslaio, reparou em alguns olhares crescentes sobre si. A pessoa de frente para cubículo dele principalmente.
- Olá! – viu o garoto acenar exageradamente para em seguida se inclinar para frente – Sou Mathias!
- .
- É mesmo o sobrinho do Terrence?
Aquela pergunta forneceu a confirmação do que ele suspeitava: a notícia foi espalhada. Deu os ombros. O tio sempre alertava de que exposição demais poderia ser prejudicial, porém ele não via consequências. O máximo seria ter que aturar pessoas interessadas no sobrenome que carregava. No entanto, isso não era bom ao mesmo tempo? Tinha orgulho do sobrenome representava. Ter gente puxando o saco poderia ser bom também.
- Pronto! Podemos começar a ver as coisas! – Emilia voltava à cena, arrastando a cadeira de rodinhas para sentar ao lado dele.
A manhã foi passando e nada da tal dar as caras. Foi somente quando o horário do almoço começou a se aproximar que a porta ao lado da mesa dele foi aberta. As primeiras impressões? Ela tinha o nariz empinado e muita postura para quem nem ao menos se vestia apropriadamente para alguém daquele cargo. foi só acompanhando com a cabeça o trajeto dela pela sala. A coordenadora seguira justamente para o lado oposto da mesa dele. Naquela velocidade, ele acabaria sendo o último da linha e assim se confirmou.
- ? – o universitário girou-se pela cadeira até ficarem de frente – Seja bem-vindo à Design! Sou , responsável por tudo que desenvolver aqui dentro e a pessoa que pode recorrer sempre que precisar.
- Prazer. – estendeu a mão em educação para um aperto – Não tenho muito que falar, você já sabe quem eu sou.
- Ah, claro. Com o tempo vamos nos conhecendo melhor. Espero que tenham te recebido bem e Emilia tenha te dado algumas direções.
- Deu, sim. Obrigado.
- O primeiro dia é mais para vocês conhecerem e sentirem o fluxo de trabalho. Emilia deve ter te mostrado alguns dos nossos projetos de mais sucesso para que fosse analisando as etapas de trabalho, mas não se sinta obrigado a guardar tudo, até porque é impossível. – riu em compaixão e aquele foi o instante que realmente parou para reparar na mulher – No fim, dá tudo certo sempre. – ergueu a mão em um positivo.
tinha um sorriso doce e olhos muito brilhantes. Quando os lábios dela formaram uma linha fina amigável, reparou que os olhos se fechavam em pequenas fendas, quase como se também soubessem sorrir. Eram pensamentos assim que começavam a querer mudar a primeira impressão que teve dela. Contudo, seria teimoso.
- Espero que sim. – ele retribuiu o sorriso inconscientemente.
- Bom, você está familiarizado com a região onde o escritório está localizado, já? Precisa de alguma direção para almoçar? Estou saindo, mas não queria sair sem garantir que você fica bem.
- Conheço, sim. Passo bastante com os meus amigos e as vezes o tio Terrence.
- Sendo assim... – deu os ombros – Nos vemos depois. Não cheguei a combinar a sua carga horária com o senhor , mas independente disso: tem uma hora de almoço, .
- Ok.
- Depois conversamos melhor.


02. I never thought that it could happen

Duas batidas e a porta da sala dela se abriu.
- Me chamou? – questionou para a mulher sentada diante da mesa da sala.
- Sim. Baixei do sistema os arquivos do primeiro projeto que está desenvolvendo e queria fazer algumas considerações. Arrasta uma cadeira para o meu lado, por favor.
era reconhecida no currículo e principalmente na empresa por ser uma profissional direta e transparente. Muitas vezes, essas duas características que se sobressaíam acabavam sendo confundidas com arrogância por pessoas que não eram do convívio próximo e aquele estava sendo o caso.
Era a segunda reunião para considerações que fazia com o sobrinho de Terrence e pelo tom da discussão, a mais velha podia sentir que ele ainda não lidava bem com as críticas.
- Nas etapas para o desenvolvimento de um design, não tem jeito certo ou errado se formos chegar a um mesmo resultado, , mas se tiver um jeito de otimizar o trabalho, vou preferir que faça assim.
- Você está se contradizendo, . Acabou de dizer que não tem certo ou errado, mas estou errado?
- Estou querendo dizer que está sendo teimoso. Se estou te mostrando uma solução que facilita a execução é porque quero que comece a aplicá-la para os próximos projetos. Tinha te dito a mesma coisa na primeira reunião e percebi que não seguiu.
- Não achei que seria preciso, porque...
- Para. – levantou as mãos pedindo por tempo. – Para e me escuta. – viu as narinas de inflarem de nervoso – Por que está tão relutante em seguir minhas recomendações?
- Posso ser honesto?
A coordenadora colou as costas no encosto acolchoado da cadeira, preparada para o que viria.
- Manda. – entrelaçou os dedos por cima da barriga.
- Suas recomendações são vagas. Parece muito mais um teste para me adestrar do que qualquer coisa.
Com os olhos esbugalhados, incrédula com o termo que ouvira, se limitou a piscar pesarosa para soltar o ar pela boca em seguida.
- É isso que acha? – apoiou um cotovelo no braço da cadeira para usar o braço para sustentar a cabeça – Acha que numa empresa séria como essa, num cargo como o meu, estamos brincando de cachorrinho, ?
deu os ombros, cauteloso, sentindo que estavam entrando em um campo minado.
- É o que parece. Você não é uma pessoa maleável. Quer tudo do seu jeito, quer todo mundo seguindo suas ordens o tempo todo.
À medida que escutava as palavras saindo daquela boca, só sabia balançar a cabeça. era imaturo e mimado, Terrence havia a notificado, mas não sabia que seria tanto. Obviamente, o incêndio ficava para ela apagar.
- Pois segue uma das respostas mais ignorantes que poderia te dar, garoto: não está de todo errado. Eu sou a chefe e você o subordinado. Eu mando, você obedece. Entretanto, reitero que não é esse o caso. Acha que estou falando merda para perdermos tempo? Se estou recomendando que faça de um jeito, é porque tenho experiência e entendo a visão dos clientes que nos contrataram. Se estou te pedindo para fazer do meu jeito é porque vi vários colegas seus que já foram pela mesma solução e falharam. Está bom assim para você, ou está pouco?
ficou sem resposta por uns instantes e apelou para os recursos restantes que tinha:
- Esqueceu quem sou eu?
- Claro que não. Você, , é um universitário prestes a se formar em Administração, selecionado pelo tio para estagiar na Design. Foi o último a chegar no escritório e ainda tem muito que aprender. Engana-se se acha que vou me deixar intimidar pelo sobrenome da sua família. Para chegar ao topo, precisa pegar muito no pesado antes, tenha isso em mente. Não ache que por carregar o nome da empresa, pode chegar aqui, no meu setor, e mudar tudo.
- Vamos ver.
tinha consciência de que poderia estar sendo um pouco infantil em levar aquele atrito para outro nível. havia o advertido e era isso. No entanto, o sentia que já havia tacado muita merda no ventilador para parar por aí. Pediu para marcar um horário com o tio e naquele dia acabaram almoçando juntos.
- Então... – limpou a garganta após um gole de suco – O que você e seus sócios acham da , tio? – iniciou a conversa de forma descontraída, com aquela dúvida para sentir a grama em que pisava.
- Não deveria falar da sua superior nesse tom, sobrinho. Um pouco mais de respeito, por favor. Algum problema com ela?
- É. Posso dizer que tive alguns.
- foi um dos maiores acertos da OD, . Ela é uma máquina de resolver problemas. Fico até um pouco envergonhado de revelar, mas a verdade é que sabemos pouco dela. O departamento de vocês raramente tem problemas em níveis que chegam aos nossos ouvidos. Não imagino quais impressões ela tenha deixado em você, mas é uma profissional que todos sonham em ter.
- Está exagerando. – o mais novo desdenhou – Ela não aparenta ser tudo isso.
- Está no time dela há duas semanas. Tem certeza de que viu tudo? Quando digo que o nome dela é pouco falado entre os diretores, estou ressaltando a pró-atividade ela em lidar com problemas. consegue dar conta de tudo em um nível que não respinga nada em nós. Você viu pouco do mercado, mas posso te garantir, meu sobrinho, que existem poucos como ela que estão dispostos a dar o sangue pela empresa. Não tenho o mínimo de interesse nos atritos que tiveram, são adultos para resolver. Ainda assim, peço para que reveja seus conceitos.
- Ela é quem deveria...
- Certo, certo. Conversarei com a senhorita também.
Foi só com aquela confirmação que pôde sorrir satisfeito.
O que foi tratado em conversa entre Terrence e , não ficou sabendo e nenhum dos mais velhos pareceu se importar em dividir. Seja lá o que foi discutido, pareceu ter algum efeito sobre a coordenadora, visto que a forma dela de tratá-lo mudara da água para o vinho.
não era de levar desaforos. Receber uma chamada de atenção dos superiores para cuidar melhor do sobrinho de um deles foi uma piada. Mesmo que Terrence tivesse dito que estava do lado dela, era vergonhoso saber que precisou ir chorar para o mais velho por causa dela. Vergonhoso para .
Ela mudaria a estratégia com ele.
Se o universitário fazia tanta questão de que as coisas seguissem a linha dele, assim seria. Contudo, ela lavava as mãos de qualquer problema que pudesse ser desencadeado disso. Se o trabalho retornasse a eles trinta vezes, por regras que o mais novo insistiu em ignorar, ele mesmo arrumaria os arquivos nessas trinta vezes.
- Muito maduro da sua parte reclamar com Terrence sobre meu estilo de conduta no setor, . – ironizou na primeira oportunidade que tiveram de trocar palavras após a reunião com os diretores, no elevador.
- Hum, se deu muito mal? – um sorriso presunçoso começava a surgir no rosto do estagiário.
- Na verdade? Não muito. – ela comprimiu os lábios em um sorriso falso – Temos quase dez anos de diferença, . Precisa ser muito mais que um bebê chorão para me afetar. Aliás... – começou a remexer na própria bolsa – Toma isso para te ajudar.
assistiu ela empurrar de maneira rude uma caderneta e uma caneta contra seu peito.
- O que é isso? – folheou o item, deparando-se somente com páginas em branco.
- Uma ajuda para você anotar todas as vezes que julgar que me comportei mal. – caçoou – Assim pode levar um dossiê bem alimentado para seu tio na próxima vez.
Como se o tempo conspirasse a favor dela, as portas do cubículo se abriram naquele instante, permitindo que fizesse uma saída dramática. queria dizer que estava irritado com a coragem dela de continuar batendo de frente, mas sua única vontade era rir.
Depois do episódio no elevador, não recebera mais nenhuma crítica nos projetos. Ele achava que a superior chegava até ser apática em momentos em que eram obrigados a interagir. As ordens eram curtas e robóticas, mas o trabalho dela estava sendo feito. Enquanto isso, pelo canto dos olhos, o futuro administrador via só sorrisos e conversas descontraídas com os demais colegas.
Besteira.
Até parece que ele iria querer ser um deles para poder conhecer melhor aquela versão da coordenadora.
podia não ser a pessoa favorita dele, contudo tinha que dar o braço a torcer pelo profissionalismo. Conforme os dias iam passando, ia descobrindo o lado que os diretores tanto enalteceram da coordenadora. era imbatível. Mesmo que raramente se dirigisse a ele mais do que o necessário, tinha os ouvidos bem abertos para as conversas que corriam pela sala. Na intenção de evitar mais atritos, rearranjou os lugares dentro do escritório, colocando Emilia para acompanhá-lo de perto. Apesar de pouco tempo de casa, era evidente que a estagiária detinha da total confiança daquela mulher.
Discretamente, assistia à superior arranjar tempo e paciência para cada um dos 15 funcionários que compunham aquele time. Havia dias em que o cansaço era evidente, mas lá estava ela arrastando a cadeira de cubículo em cubículo para acompanhar a produção.
Ela tinha realmente ideias brilhantes e justificativas boas.
- Não, doida! – tinha uma linguagem diferente para cada indivíduo dali. No geral, ela conversava de igual para igual com os subordinados – Por que quer refazer tudo?
Sem parar o que estava fazendo, acompanhava interessado na discussão bem ao lado dele.
- Porque esse foi o retorno dos clientes.
- Ainda assim, salve uma versão do projeto com tudo que já temos. Agora, olhe mais atentamente para a tela. Esse, esse e esse... – apontava com o indicador para o monitor da estagiária – Se girados, podem ser reaproveitados. – o semblante de choque em Emilia, como se a ficha estivesse caindo, fez querer rir – E se você arrastar essa parte para o lado, é possível aproveitar mais espaço da embalagem e ainda remeter ao conceito que eles pediram, pois a caixa de texto vai cumprir a função de completar o desenho. O que acha?
Enquanto Emilia alternava os olhos arregalados entre a tela do computador e , com admiração, o olhar de cruzou com o da mais velha por um milésimo de segundo e ele desviou, sem saber o porquê de estar se sentindo tão encabulado.


03. I'm living just for her

Era sexta-feira e os amigos haviam marcado de ir a um bar próximo do trabalho dele. Restavam três pessoas no escritório, se contasse com ele. Com o computador desligado e os pertences guardados, apenas aguardava o relógio marcar o horário combinado para sair em busca da cerveja gelada. Sair de lá para ir para casa e ir sair de casa para quase refazer o trajeto do trabalho soava como muito empenho para um encerramento de semana. O sobrinho do proprietário preferia definhar na cadeira, deslizando pelas atualizações no Instagram.
- Ainda está aqui? – a voz de Emilia soara.
girou a cadeira até ficar direcionado totalmente para a colega.
- Te faço a mesma pergunta. – replicou, observando-a anotar algo no caderninho.
- Diferente de alguns nessa empresa... – Emilia finalizou a nota – Eu trabalho de verdade. – alfinetou em tom de brincadeira, quase socando o caderno contra a mesa de trabalho – Mas já estou indo. E você? Por que não foi embora?
- Esperando.
- Espero que não seja pela . Se eu estou reclamando do horário, ela deve estar chorando.
- Não! Que motivo eu teria para estar esperando-a?
- Sei lá. Vou indo. – a garota arremessou a bolsa sobre o ombro – Bom final de semana, .
- Tchau. Para você também.
Estamos quase chegando. Será que tem lugar para estacionar?”, a mensagem brilhou na tela do celular, fazendo-o levantar poucos instantes depois que Emilia deixou o escritório. Antes, apagou todas as luzes e checou se as janelas estavam devidamente fechadas, então olhou ao redor pela última vez e passou a mão bagunçando os cabelos ao reparar em quem seria a última pessoa a sair. Arrastando-se, foi até a sala da coordenadora para avisar que ela ficaria sozinha, mas as palavras desapareceram quando a encontrou sentada diante dois monitores, com as pálpebras quase grudadas.
Ela estava quase dormindo ali.
limpou a garganta e o som repentino fez com que desse um pequeno pulo do assento. Ainda que tentasse disfarçar a situação, voltando a clicar em qualquer coisa na tela, o bocejo que se sucedeu a entregou.
- Precisa de alguma coisa, ? – indagou com as mãos ainda cobrindo a boca.
- Nada. Vim só avisar que estou saindo. Você fica bem sozinha?
- Ah, sim. Tudo bem. – a réplica arrastada deixou um pouco incerto.
- Que horas pretende sair daqui? – franziu o cenho – É sexta-feira...
- Enquanto não fechar e enviar a campanha, não tem final de semana para mim.
- Mas é sexta-feira! – o universitário reiterou – Se você mandar hoje ou na segunda, não vai mudar. Duvido que o cliente esteja do outro lado esperando até essas horas para fazer coisa do trabalho.
- Um combinado dentro de um contrato continua sendo um contrato. Sempre fomos elogiados pela pontualidade. Até 23:59 ainda é sexta-feira.
- Falta muita coisa para você fazer? – a testa dele ficou ainda mais marcada pelas rugas de preocupação e isso arrancou risadas da mais velha.
- Por que a pergunta? – mordeu a língua – Por acaso estaria se oferecendo para me ajudar? – caçoou.
- ‘Tá maluca? Não.
- Foi o que imaginei. Tchau, . Bom final de semana e um bom descanso. – foi breve, ajustando a postura na cadeira e voltando aos dados no computador. Entendendo que estava sendo expulso, começou a dar as costas, então se virou outra vez para ela:
- Não se esforce demais e nem abuse muito de si mesma.


04. You at got down on my knees

Havia boatos de que quanto mais a criatividade fosse exercitada, mais fluída ela ficaria. Por exaustão, não conseguia distinguir se era apenas uma semana ruim, a TPM, ou se a utilidade dela dentro da OD acabara, contudo as campanhas não paravam de retornar com comentários insatisfeitos dos clientes.
Ela estava desesperada, e não era pelo emprego. Doía deitar na cama todas as noites tendo na consciência de que o que produzia já não criava tanto apreço. Ninguém gostava de fazer as coisas abaixo da expectativa.
Com a cobrança excessiva sobre si, que evitava a todo custo transparecer para a equipe, a mulher sentia que poderia colapsar a qualquer instante. A falta de noites bem dormidas estava a deixando ranzinza e sem capacidade de focar. Há pouco, acabara sendo mais dura do que usualmente era com um dos estagiários. conseguia discernir estupidez de rispidez e ainda que estivesse exercendo o papel de líder, ela pôde sentir os olhares de estranheza queimarem suas costas.
Seria infantil se uma mulher na casa dos trinta simplesmente fosse de encontro ao chão para chorar como forma de lidar com os problemas? Enquanto se descabelava, a equipe de Criatividade e Desenvolvimento cochichava.
- Hoje é um péssimo dia para falar com a chefe! – alguém cantarolou na rodinha.
- Droga, acho que o meu pedido para faltar na próxima semana vai ter que esperar mais um pouco. – outra lamentou.
- acordou um cão. – Mathias, o garoto que sentava na frente de e era sempre desbocado, comentou.
- Deem um desconto. – Emilia desaprovou a falta de consideração dos outros – carrega esse setor nas costas e é sempre muito compreensiva. É normal que ela tenha picos de estresse. A mulher é humana!
- Puxa-saco! – Mathias disparou rápido, disfarçado em uma tosse, arrancando risadas.
- Repete. – Emilia se levantou do lugar disposta a lutar aquela guerra se Mathias insistisse.
Alheio à briga infantil entre aqueles dois que o cercava, os orbes de pousaram involuntariamente em direção à sala da coordenadora. Quis suspirar em frustração. Ele odiava com todas as células do corpo o poder que emanava para encantar e ganhar todos, mesmo sendo rude.
Emilia tinha razão.
estava sempre se sacrificando e ele não conseguia ficar indiferente. Ela o fazia querer ser mais do que era ontem todos os dias. Ele queria melhorar e ser mais para poder dizer que estava à altura do time de elite que a mulher merecia ter. pensava e pensava, porém no final acabava com os pensamentos voltados sobre quão maravilhosa a superior era em público e sem holofotes também.
O dia em que ele ouviu a conversa dela com os demais estagiários foi a data que marcou internamente como o dia que começou a arrastar a asinha por ela.
- Como estão as aulas na faculdade? – a viu se juntar pelo time que ela nomeara temporariamente como D para discutirem um projeto. Em resposta, recebera chiados e vaias de cansaço, arrancando risadas – Vocês estão horríveis mesmo. Vejo as olheiras à quilômetros. – zombou, com a intimidade que já era normal.
- Você também. – devolveram na mesma moeda, servindo para aliviar um pouco o ambiente.
- Touché.
Não são as palavras que definem que tipo de pessoa é cada um, mas as ações e nesse quesito, tinha todos os créditos. Todavia, o show de dedicação não tinha fim. O dia do grande café da manhã que combinaram de montar no grupo de conversas do setor também ficou marcado na mente de . Todos haviam topado e o motivo de todos estarem com vontade de comer muito e bem pareceu o suficiente para que cada um se encarregasse de trazer um prato.
A mesa com os quitutes foi improvisada em um ponto do andar que ficasse equidistante para todos beliscarem durante todo o período do expediente. Apesar de ter aprovado e contribuído com os comes, mal teve tempo para se lembrar do evento que acontecia fora de sua sala. Fornecedores deixando-a na mão em último instante tornavam comer a última prioridade dela. Mais uma vez, a ausência foi percebida.
Emilia começava a montar um prato para a mulher, quando tomou a frente, segurando-a pelo pulso com delicadeza para pedir:
- Deixa que eu levo. Já tinha algumas coisas para acertar com ela.
- Você que sabe. – a garota deu os ombros, enfiando um pão de queijo na boca de uma vez.
Quando pisou para dentro da sala, com as duas mãos estendendo o prato descartável com uma seleção duvidosa e nada harmônica dos lanches, se deparou com digitando furiosamente no computador. Não era como se ela estivesse brava... Só parecia que ela tinha muito a dizer, seja quem fosse o destinatário do e-mail.
paralisou por um instante, ponderando se dava meia volta e retornava em um momento mais apropriado, ou se deixava o que trouxera na mesa dela, em silêncio, e se retirava sem trocarem uma palavra sequer.
- Precisa de alguma coisa?
virou o rosto em direção dele, sem parar de escrever o e-mail e o mais novo achou a cena um tanto quanto assustadora.
- Parece um robô trabalhando tanto assim. – o que era para ser um pensamento, acabou escapando.
- Se eu não fizer dessa maneira, não vai ter tempo suficiente no dia para dar conta de todas as pendências, .
- Posso ajudar em alguma coisa?
foi quem congelara agora.
- Posso estar velha e com muitas coisas para resolver para ontem na cabeça, mas não é por isso que vou me esquecer de que você já está com uma lista relativamente grande de tarefas para entregar até o fim da semana, rapaz. Quem tenta fazer tudo, acaba não fazendo nada.
O estagiário achou graça naquela tentativa de lição de moral. Ela, por acaso, tinha um espelho para ver a própria situação?
- Isso não se aplica mais para você?
Ela ficou quieta.
- Toma! – depositou a comida sobre a mesa dela, empurrando uma pilha de livros grossos para o lado – Tem certeza de que não pode repassar nada para nós, os reles mortais? – descontraiu.
- Existem coisas que são da minha responsabilidade. Todos aqui... – acompanhando o olhar dela até pousarem na porta aberta onde era possível ver os colegas conversando, comendo e trabalhando. Não necessariamente naquela ordem, ou ao mesmo tempo. – Todos já me ajudam bastante. – foi sincera.
- Não deveria ter receios de delegar. Lembra o que me disse nos meus primeiros dias aqui?
- Hum... Desembucha.
- Você é a chefe e eu o subordinado. Pode mandar bala, que eu aguento o tranco.
precisou rir. Nada de deboche, apenas uma reação genuína.
- Existem coisas que não devem ser delegadas. Perco meu emprego fazendo mal, ou não fazendo, mas vocês não devem se envolver.
- Eu moveria montanhas, faria a revolução dentro daqui para que não te demitissem.
A constatação repentina e pura fez o ambiente mergulhar em silêncio por breves segundos.
- Existem informações sigilosas que não devem parar na mão de vocês. – a coordenadora replicou.
- A empresa é do meu tio, não há sigilo nenhum entre nós.
Agora, ela gargalhou.
- Pois então retorne com uma procuração de Terrence que conversamos melhor.
- A gente tenta e tenta, mas tem gente que não quer ser ajudada. – provocou, dando as costas, pronto para retornar ao posto.
- O que há com você hoje, garoto? Está insistindo muito para trabalhar... – indagou cheia de desconfiança – O pão de queijo estava com algum ingrediente especial por acaso?
virou mais uma vez para encará-la.
- Estou insistindo para te ajudar. – corrigiu – Eu acho que estou começando a me interessar por você. Isso é um bom motivo?
- O quê? – a expressão de foi de confusa para terror em milésimos do segundo – Eu sou sua superior e muito mais velha...
- Estou disposto a trabalhar muito para provar que sou digno de ficar ao seu lado. Até lá, intérprete minha confissão como admiração apenas.
Aquilo não daria certo.
- É muito grande para estar ciente das suas decisões, , mas informo desde já que será um sentimento unilateral. Agora, ou daqui uns anos: nada vai acontecer. – assegurou sem pestanejar.
- Ainda bem que o ser humano está suscetível a mudar de opinião.
- Se isso sair daqui ou do meu controle, serei obrigada a tomar providências com Terrence, . – alertou séria.
- Trabalharei duro para manter minha posição, . Por favor, lembre-se de comer.
Dito e feito, começou a chegar mais cedo todos os dias no escritório, parou de reclamar por coisas pequenas e tratou de entrar e absorver melhor os projetos que estavam acontecendo, oferecendo suporte a todos, visto que era o mais novo da casa.
- O que há com você? – Emilia quis saber – Está chegando antes e saindo depois que todo mundo! Está precisando tanto de dinheiro assim?
- Se quiser saber o motivo, pergunte à .


05. My love for you is ridiculous

Era o último dia dele naquele setor.
mal podia acreditar.
Sentado dentro da sala que pertencia à coordenadora, aproveitava para botar para fora o misto de sentimentos que era concluir essa etapa na vida.
- É sério, parece que estou saindo daqui como outra pessoa. – o olhar dele estava desfocado em um ponto aleatório do chão – Não que precise ouvir isso de uma pessoa como eu, mas é uma profissional que inspira com pouco.
- Fico feliz que tenha conseguido evoluir dentro da minha equipe, . – desviou os olhos do contrato que assinava para encará-lo brevemente – Mais feliz ainda por saber que te motivei a amadurecer. Porém, daqui para frente, deve buscar motivações dentro de si. – sorriu sentindo um nó subir a garganta – Lembre-se de que toda transformação deve partir de você e somente você. – deslizou sobre a mesa os papéis que validavam o tempo de estágio dele dentro da Design.
- Estar trocando de setor para trabalhar com meu tio de perto... – tamborilou os dedos sobre o tampo da mesa – Implica também que eu não sou mais seu subordinado, não é?
não compreendeu onde ele queria chegar com aquela pergunta, mas assentiu com a cabeça.
- Imagino que sim. Então, é esse o momento que você se levanta e começa a se rebelar? Vai disparar tudo que ficou entalado nesse período de trabalho?
- Minha visão sobre você mudou. – vendo que ia protestar, se apressou em emendar – Já mencionei que estou apaixonado por você?
- ... – o tom dela era de alerta.
- Não posso fazer nada. Eu sonho com você e isso não é uma escolha minha. A diferença é que não preciso mais me esconder. Não existe mais a barreira do trabalho que me impede de gritar bem alto sobre quão grande meu amor é por você... – soltou o ar pela boca – Chega a ser ridículo.
- ... – se antes queria o notificar, agora parecia ter pena.
- Nós ainda vamos nos cruzar bastante nessa empresa. Nas próximas vezes que nos esbarrarmos, espero que possa me enxergar como o real homem que sou. Obrigado, .




Fim.



Nota da autora: Oieeeee! Se você está lendo isso, obrigada por chegar até aqui <3 O parto que foi para fazer essa ficstape sair, meu deus KKKKK Sofro e lembro que tenho que tratar a compulsão por pegar músicas para escrever. De qualquer forma, aqui ficam os meus eternos agradecimentos por terem reservado um tempinho para a história!

Beijos,
Ale

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