Finalizada em: Jun/2021

dope

Yoongi escancarou a porta dupla com as duas mãos, sem se importar com o aviso prévio da secretária, que entrou em seu encalço enquanto tentava gritar o quão errada era aquela intromissão não permitida. Encontrou a sala impecável e o homem por trás da grande mesa de madeira concentrado em algum material abaixo do nariz, sem mover um músculo com a súbita visita.
— … Não pode fazer isso! — Gritou a mulher de meia idade quando quase tropeçou no tapete grosso ao tentar acompanhar o ritmo do homem — Ele não está…
— Eu me demito! — gritou Yoongi — Não vou mais me prestar a esse tipo de coisa!
— Se demite, é? — respondeu o homem à frente, sem tirar os olhos do que estava fazendo — Trouxe sua carta?
— Eu… — as pálpebras do garoto tremeram — Eu ainda não…
— Mon, pode trazer um chá pro nosso colega? — Namjoon finalmente ergueu os olhos, rápidos o bastante para apenas olhar a mulher ainda parada ao lado de Yoongi. Ela saiu da sala sem pestanejar, fechando a porta atrás de si — Deixa eu adivinhar: de novo?
— Sim, é ela! Acho que a empresa poderia me fornecer sessões de terapia de cortesia depois da última que ela me aprontou, e por todas as outras vezes…
— Por que a empresa te forneceria uma cortesia se está se demitindo? — Namjoon passou uma página.
Yoongi engoliu em seco, desfazendo ainda mais o nó da gravata.
— Namjoon, você não…
— Então sejamos mais específico: você se demite do BTS ou se demite do caso? — Ele suspirou, fechando o livro cheio de marcações com cuidado, guardando sua caneta meticulosamente em algum ponto da mesa — E se alguém te pegar me chamando de Namjoon, acabou os jantares de equipe.
— Tá legal, tá legal — Yoongi suspirou — Desculpa, mas você não acredita no que ela acabou de fazer! Ela é completamente maluca e jamais imaginei que falaria uma coisa dessas, mas o meu estresse não vale essa grana toda. Ela é impossível e totalmente desequilibrada…
Namjoon se levantou enquanto Yoongi deixava os relatos jorrarem sem fim sobre a garota, muitos dos quais já ditos anteriormente em seus relatórios oficiais, e não apenas no dele, como os que vieram antes. O chefe apenas passou para a frente da mesa, sentando-se em cima dela enquanto ouvia Yoongi com atenção, retendo apenas metade do que falava ou ao menos só as coisas novas. Ele estava muito ocupado ficando estressado por dentro por ver aquele maldito padrão se repetir, o padrão chamado e todo cansaço mental que ela instigava em seus funcionários.
Malditas garotas ricas.
— … E daí puf, ela simplesmente sumiu! E sabe onde ela estava? Em Ibiza, Namjoon. Ibiza! Perdendo milhares de dólares em casas de jogos, e ela nem sabe jogar, pelo amor de deus! — Yoongi arfou, passando as mãos pelo cabelo enquanto o amigo apenas levantou uma sobrancelha — Sr. Kim! — corrigiu, apressado.
— O que o pai dela disse? — perguntou ele.
— O que você acha? Que eu era um incompetente, claro. Que não deveria ter tirado os olhos dela e ido buscá-la naquele maldito país assim que percebi seu sumiço! Bom, ele é um grande idiota, isso que é! Tenho que colocá-la para dormir e cozinhar pra ela também? O que ele acha que essa empresa é, um serviço de delivery de babysitter? Francamente…
Namjoon respirou fundo, ouvindo a segunda leva de reclamações enquanto encarava algum ponto fixo de seus sapatos, controlando novamente o nervosismo por toda a repetição. Já tinha se tornado um ciclo, e a constatação de tal coisa o fez trincar o maxilar e precisar segurar a língua para não perder a compostura na frente de Yoongi.
— Já entendi, Yoongi — ele disse, por fim, interrompendo o monólogo do garoto — Você está liberado do caso.
— O-o que? — Yoongi juntou as sobrancelhas.
— Prefere que eu aceite sua demissão?
— Não! Quer dizer… — ele revirou os olhos — Eu sou o que? O sexto cara que designam pra essa garota? E com mais um formulário chegando e o envio de mais um desavisado, sua porta vai ser aberta desse jeito e seu arquivo de relatórios vai estar lotado de novo, não importa se eles oferecerem cinco vezes a mais da grana! Tá entendendo o que eu digo? — gesticulou com as mãos de forma exasperada, enquanto Namjoon não perdia a pose tranquila em momento algum — Essa garota não precisa de guarda-costas, ela precisa de uma camisa de força!
O chefe ainda olhava para os pés, traçando soluções plausíveis para o problema apresentado. Não podia discordar dos fatos, muito menos culpar qualquer um dos caras anteriores que trouxeram o mesmo discurso sobre a garota, com histórias tão ou piores do que a de Yoongi. Racionalmente falando, era uma decisão da mais prudente acabar com tudo aquilo.
No entanto...
— Quer que encerremos o contrato com o homem mais importante do país? — Perguntou ele com certa descrença, como se Yoongi o tivesse dito para abrir a janela do escritório e jogar bilhões de wons pela janela.
— Corta essa, ele não é o presidente da república. E não ligo se ele vai ter o nome estampado em todos os livros de história da próxima geração por construir um maldito acelerador de partículas na Coreia, a filha dele continua sendo uma destruidora de faculdades mentais!
Namjoon revirou os olhos, apertando um dos dedos na têmpora.
— Vou dar um jeito nisso — respondeu.
Yoongi soltou uma risada nervosa.
— Boa sorte para achar seu próximo cordeiro para o sacrifício. Jimin ainda tem sequelas da perna quebrada, lembra que o transferiu para o trabalho burocrático?
— Eu sei…
— Você sabe! E como ainda pretende continuar fechando os olhos pra tudo isso?
— Não vou fechar os olhos — ele ergueu a cabeça para encarar o rosto indignado do amigo — Vou resolver isso pessoalmente.

🌟✨


Beyond the Security é a empresa mais rentável de segurança privada de toda a Coreia. Fornecendo seus serviços para as pessoas mais importantes do país e fora dele, o BTS, como eram chamados, sob a gerência de Kim Namjoon, proporciona rapidez, competência e qualidade. A não ser quando o assunto era .
Acionados pouco antes do início da construção do que seria o maior acelerador de partículas de todo o país, projetado por um dos maiores engenheiros e professores universitários de Seul, o projeto prometia trazer prosperidade e investimento de várias partes do mundo. E, é claro, tentativas de sabotagem.
Temendo pela segurança da única filha, o BTS foi submetido para tal tarefa pelo professor Mark , que estava muito ocupado indo de Oxford à Casa Azul e que fazia questão de assinar cheques gordos o bastante para que continuasse seu trabalho sem qualquer intromissão. Talvez os jornais o pintassem como o homem brilhante e gentil do momento, mas sua negligência mascarada era exposta no comportamento da garota alucinada que deixava a empresa contratada em completo caos.
Caos esse que deveria ser apaziguado por uma intervenção pesada. E se 7 era o número da sorte, Kim Namjoon só queria que fosse o último.
Com a informação recebida e decorada sobre o paradeiro da herdeira depois de sua volta de Ibiza, ele se viu revirando os olhos ao pensar em onde havia se metido. Talvez seus colegas anteriores pensassem algo parecido depois das várias situações estressantes e humilhantes que deviam ter sofrido nas mãos da garota, mas à primeira vista o diagnóstico era o mesmo: era uma garota realmente bonita. Como poderia ser tão problemática?
A resposta vinha meses ou, no caso de Jimin, semanas depois.
Ela não esperou muito para correr atrás de aglomerações sociais quando voltou para casa. O assistente pessoal do doutor Mark havia deixado pelo menos seis recados na caixa postal da gerência antes de obterem o retorno com a confirmação de que mandariam um novo segurança imediatamente, junto com uma melhora significativa do serviço. Namjoon não deixou de trincar os dentes uma vez sequer enquanto observava Ji Won repetir essas malditas palavras.
Porque aquela era a parte chata de se ter um negócio. Quando tinha de colocar em prática a frase “o cliente tem sempre razão.”
Mas aquilo certamente não duraria por muito mais tempo. Afinal, a brincadeira dela estava prestes a terminar.
A boate em Gangnam estava aberta a todo vapor antes mesmo da meia noite, tremendo as paredes com alguma música eletrônica qualquer. Namjoon desceu do carro, dando um meio sorriso para o homem corpulento que abriu a porta para o rapaz. Ele lhe fez uma pequena reverência e então voltou a se prostrar ao lado da porta do motorista, enquanto Namjoon seguia para a entrada barulhenta.
Em poucas palavras para o grandalhão tatuado que ousou lhe perguntar se seu nome estava na lista, ele já seguia o caminho em frente, onde a iluminação ficava mais baixa e a música mais alta à medida que se aproximava da grande caldeira do centro. Ele olhou adiante, varrendo os olhos pela massa humana dançante e alucinada que não repararia em um homem estático, de terno e com expressão intimidante.
— Tudo certo por aí, Namjoonie?
Ele revirou os olhos. Meteu um dos dedos no ouvido, procurando ser o mais claro possível, apesar do barulho:
— Jimin, eu já disse para não me chamar assim.
— Ah, certo, certo, chefe — ele deu ênfase na última palavra e Namjoon sabia que deveria estar rindo — Já conseguiu entrar? Encontrou a garota?
— Ainda não. Ela não parece estar chamando muito a atenção hoje.
— Já tentou os espaços VIP? Ela deve estar torrando dinheiro em alguma sala privada para um bando de desconhecidos, vai por mim.
Namjoon murmurou uma concordância e recomeçou a caminhada tortuosa até as escadas em espiral do outro lado da pista, lutando contra ombros e corpos que insistiam em se chocar contra o seu, até que finalmente parou os pés no meio do percurso, visualizando uma cena incomum.
O cabelo e a roupa eram idênticos às fotos mostradas mais cedo, ainda com as mesmas botas de quando pegou o avião há alguns dias, as mesmas que pisaram com força em cima do celular rastreável e provavelmente deram um chute nas partes baixas de Yoongi.
Ela tinha presença, ele não podia negar. Dançava com energia, bem embaixo da plataforma onde um DJ se movia com afinco. As luzes coloridas batiam, apagavam e voltavam de seu corpo, revelando novas facetas e movimentos da garota. As pessoas em volta mal eram vistas; ela impulsionava todos os olhares para si.
Foco. Namjoon já sabia dessa primeira reação desde que designou Jungkook para aquele trabalho. Apertou os dedos novamente nos ouvidos, dizendo em alto e bom som:
— Bingo.
Não demorou para que ele alcançasse as costas dela. Era esperado que, ao notar uma aproximação daquelas, se viraria no mesmo instante, decidindo o que fazer com tal atitude depois de averiguar a identidade do possível parceiro de dança. Mas ali mesmo, Namjoon teve sua primeira experiência do porquê essa garota era tão imprevisível.
Em um movimento rápido, ela pegou os dois braços parados em suas costas, puxando-os até a cintura, ainda se movimentando enquanto olhava para o homem de cabelo colorido da plataforma. Namjoon se viu surpreso por alguns instantes com o choque brusco contra as costas dela, e a firmeza com que ela havia prendido suas mãos.
— Seu nome? — ela perguntou, a voz coerente por cima da música. Devia estar acostumada com diálogos em festas como aquela.
Ele não respondeu. Ainda estava surpreso, mas conseguia ser mais rápido. Com as mesmas mãos atadas, usou os pulsos para que girasse o corpo em sua direção, tão perto como estavam antes, agora com os narizes há centímetros um do outro.
Ela lhe lançou um sorriso ardente, lascivo. Não moveu um único músculo para tentar se afastar.
— O nome primeiro, por favor — pediu mais uma vez, transferindo suas mãos para os ombros dele.
— Que tal eu te contar lá fora? — ele retribuiu com um sorriso de canto enquanto passava um braço inteiro pela sua cintura, guiando-a lentamente para a direção de onde tinha vindo.
Ela cerrou os olhos, mas o tom de voz dele era doce e sóbrio. Não que ela não estivesse lúcida, mas quem mais estaria num lugar como aquele? Se algo acontecesse, ele se lembraria depois, e isso poderia não ser nada bom.
Ela logo entendeu assim que chegaram ao meio da pista colorida, quando viu o terno preto e caro, o nó da gravata perfeitamente amarrado e um certo ponto transparente no ouvido direito.
— Ah, seu cretino! — ela grunhiu, largando-o com força e se preparando para voltar onde estava, se Namjoon já não estivesse preparado. Ela não foi muito longe.
— Desistiu do meu nome? — ele disse em seus ouvidos, fazendo-a ficar com ainda mais raiva.
— Me solta se não quer que eu faça um escândalo — ela esperneou em seus braços, desferindo socos aleatórios no peito do homem que era alguns muitos centímetros mais alto.
— Acredito que seu escândalo não vai ter muita valia por aqui.
— Você duvida? Conheço cada sócio desse clube, cada segurança do lado de fora, conheço até mesmo o cara que está tocando naquele palco, então acho melhor…
— Querida — Namjoon travou os pés, assim como seus braços em torno dela enquanto mantinha a voz calma — Você não é a melhor de todas na linguagem do dinheiro?
Ela abriu a boca para responder, mas a piscadela debochada que recebeu do rapaz a deixou sem palavras, com a expressão destilando puro ódio enquanto era arrastada para fora como uma criminosa.

🌟✨


— Vocês ainda não desistiram?
Namjoon encarou o par de anéis na mão esquerda, tanto a voz quanto o semblante carregado de tédio ao responder:
— Não é que eu seja como eles.
Ela riu de forma irônica, cruzando os braços enquanto olhava a cidade passar pela janela, já traçando os planos para se livrar de mais um.
— Claro. Meu pai deve desistir.
— Não acho que seja tão simples assim.
Ela virou a cabeça para ele, destilando um sorriso divertido.
— Então vou ter que testar seus limites até que decida parar?
— Você sempre pode tentar.
Ela revirou os olhos, olhando para a frente, se rendendo ao fato de que aquilo não o tiraria do sério nem mesmo se tentasse mais uma vez. Com a mesma feição anterior, deixou os olhos seguirem de forma quase que imperceptível para o rosto do homem sentado a seu lado, com aquela bendita mandíbula trincada que a fazia se questionar se ele realmente tinha algum problema em relação à aquilo ou se era apenas uma mania que havia adquirido ao estar estressado ou durante todo seu expediente.
Ele ainda tinha seu olhar pousado sobre a paisagem escura do outro lado da janela, com os pensamentos longe, mas sentindo o olhar da mulher queimar sobre si. Foi impossível não soltar um suspiro leve e inclinar a cabeça vagarosamente, ainda sem olhá-la.
— Pretende continuar me olhando por quanto tempo? — questionou, quebrando o silêncio. A mulher piscou algumas vezes e virou seu rosto para o outro lado.
Namjoon continuava sério como antes.
— Se isso te incomoda tanto, talvez eu possa fazer isso até que você desista desse caso. — deu de ombros. — Até porque, vamos ser sinceros… Não parece que sua empresa seja muito boa nesse quesito.
Namjoon sentiu seu corpo enrijecer lentamente com aquela especulação e como se aquilo o acalmasse, fechou os olhos de forma breve, os abrindo em seguida com o chacoalhar do carro. Ele queria dar uma resposta a altura e até mesmo pensou em debater, mas olhá-la com aquele sorriso debochado no canto de seus lábios e o olhar de quem havia conseguido zombar com todo o sucesso, o fez desistir. Desistir porque não valeria a pena.
— O que só me deixa confirmar uma coisa: O problema é você, e não a empresa. Agora — ajeitou a gravata, voltando o olhar para o casarão que se aproximava com todas as suas luzes de entrada. — Seja bem-vinda ao lar, .
E com isso, o enorme carro preto passou pelos portões com grades grosseiras e tão altas que seria impossível que alguém conseguisse ultrapassar aquela barreira, nem mesmo se quisesse, sendo recepcionados pela segurança do local, antes que pudessem seguir até a fachada da mansão que os aguardavam. O homem observou, de forma irrelevante e mínima, como o lugar parecia ser bonito demais, quase que exagerado. Havia uma enorme entrada cimentada e iluminada, com arbustos ao redor não só do lugar, mas como do chafariz central que destacava boa parte daquela arquitetura. Deixou os olhos percorrerem por suas paredes encobertas por tijolos brancos, tão branco que pareciam ser limpados diariamente e por um momento, não duvidou daquilo. Além dos tijolos, os refletores estavam espalhados por toda a extensão da mansão, fazendo com que ela tivesse um destaque único por ali.
Não demorou para que seus pensamentos continuassem, já que um resmungo alto e de desprezo o tiraram de seu pequeno devaneio.
— Essa é sua melhor jogada? Me trazer em casa? — ela riu em deboche — Preciso te servir um café também?
Ela abriu a porta de trás por conta própria, sem esperar as regalias do motorista que já se preparava para agir de tal modo. Retirou os saltos em um movimento só, jogando-os nas mãos do homem parado à porta e seguiu para dentro da casa, sem a menor pretensão de esperar pelo cavalheiro.
Namjoon suspirou e esperou pacientemente a porta ser aberta como deveria.
Ele ouviu o grito animado assim que se aproximou da soleira da entrada. Enquanto deixava os sapatos do lado de fora, pode ouvir parcialmente a garota gritar “Pai” enquanto um ruído de risadas animadas vinha dos dois.
— Por que não me avisou que estaria em casa? Eu teria chegado mais cedo — ela disse animada enquanto sufocava o pai com mais um abraço.
— Eu queria te fazer uma surpresa — ele lhe lançou uma piscadinha e olhou para o ponto atrás dela — Sr. Kim! Que prazer vê-lo por aqui. Foi tudo bem para encontrá-la? — ele caminhou em sua direção e então deram as mãos gentilmente.
— Tudo na mais perfeita ordem, sr. . Ou muito perto disso — Namjoon respondeu, olhando de esguelha para a garota.
olhou de um a outro, não gostando nada do que estava entendendo naquele momento.
— Não pode ser — ela riu sem a menor vivacidade; uma raiva começou a cintilar seus olhos — Mandou mais um daqueles cães atrás de mim?
querida, os modos — o homem sorriu sem mostrar os dentes, virando-se para Namjoon — Acredito que estejamos entendidos sobre o novo acordo. O valor mais alto nada tem a ver com uma súplica para que continuem com o trabalho, até porque o último que me mandou deixou ela sair do país — ele desviou os olhos enquanto suspirava pesadamente. Namjoon continuou impassível — Mas não retiro a decisão de que precisa de limites. Tenho mais uma reunião de pesquisas importantes na Inglaterra e não devo voltar até a semana que vem. Não quero apenas a segurança comum guardando a casa do lado de fora, preciso de alguém aqui dentro além desses aparelhos de última geração que podem quebrar ou serem invadidos por um hacker qualquer que não posso ver. Preparei um belo quarto pra você no segundo andar, além do dossiê de todos os empregados — ele se aproximou o bastante para sussurrar: — Só preciso que ela fique em casa e não saia em nenhuma página na internet, muito menos poste alguma coisa no instagram ou em qualquer outro lugar. O projeto está na reta final, então tenho certeza de que o senhor entende o que quero dizer.
Namjoon assentiu às palavras, enquanto ainda encarava a interação boquiaberta.
— Papai… — ela começou a falar, mas não sabia se conseguiria dizer as palavras que pensava — Você vai embora de novo?
Mark suspirou, coçando a barba desgrenhada.
— É o trabalho, querida — ele acariciou sua bochecha, sorrindo docemente — Você entende que estou comandando um projeto importante, não é? Que vou alavancar o PIB deste país, contribuir com a educação e tornar a Coreia um lugar melhor, só pra você. Já marquei um jantar com o filho do presidente, vocês dois podem…
— Eu não quero nada disso! — ela afastou aquelas mãos de seu rosto, dando um passo pra trás — Quantas vezes eu o vi esse ano? Compartilhou alguma refeição comigo nos últimos seis meses? E daí que você é um maldito gênio venerado pela Casa Azul?! De que adianta toda essa merda se não é capaz de cuidar da sua única filha?
— Olha como fala…
— Por que não pega o resto das suas coisas e simplesmente se muda para Londres? Pouparia todo o gasto com seu piloto e jatinho, fora as despesas com essa casa enorme e desnecessária. E perceba que não estou dizendo pra me levar junto. Que seja tudo isso… — ela grunhiu, caminhando rápido até a escada — Se não tem vontade de voltar, não volte! — e desapareceu escada acima.
Mark estalou a língua, olhando as costas da garota com certo cansaço e tédio.
— Peço desculpas pela cena exagerada da minha filha, sr. Kim. Ela não tem quem a ensine desde que minha esposa faleceu, então de vez em quando ela diz coisas desagradáveis como essas — ele suspirou — Recebi a confirmação do contrato por e-mail. Preciso ir o quanto antes para estar em tempo na universidade de manhã. Conto com um bom trabalho desta vez.
— Claro, senhor — Namjoon fez uma breve reverência enquanto acompanhava o homem sair pela porta da frente com mais três engravatados em seu encalço. Ele sabia que não via nada demais no cliente, mas agora tinha certeza de que não tinha absolutamente nada de impressionante mesmo.

🌟✨


Passar os dias em uma linda mansão, recebendo regalias e tratamento de um verdadeiro rei poderiam parecer um verdadeiro sonho para toda uma população em geral. Mas não para Namjoon. As coisas não poderiam beirar mais ao tédio do que estavam.
Os dois zeros a mais no contrato vieram acompanhados de uma rotina que já estava sendo considerada extenuante, com apenas três dias. Porém, acordar e se deitar todos os dias na mesma hora, ter uma mesa farta e uma cama confortável somente para ficar de olho em , mostraram-se um dinheiro para lá de fácil, no fim das contas.
Mesmo que seja fácil demais.
Ficar de olho não tinha o cunho literal da coisa. Desde que subiu trotando as escadas há alguns dias, a garota havia simplesmente se trancado no quarto. As refeições eram servidas em um sistema de serviço de quarto de hotel — apenas uma vez, ao meio-dia —, sem incluir as limpezas diárias. Namjoon poderia facilmente se preocupar com o que ela tramava dentro do cômodo, mas uma herdeira milionária não parecia ter tantos interesses que não envolvesse um computador e um celular, portanto ele estava tranquilo sobre a garota desarmada.
Ele iria ignorar a pulga atrás de sua orelha, que sussurrava periodicamente que alguma coisa estava errada.
Dados os três dias, ele estava começando a aceitar que não a veria mais até que o pai passasse pela porta da frente de novo. Talvez nem assim — talvez fosse aí que a greve de fome começaria de verdade.
De qualquer forma, naquela manhã ele finalmente a viu descer as escadas, trajada de um vestido curto e solto e caminhando preguiçosamente até a cozinha.
— Se tocou da estupidez que é morrer de fome? — Disse ele, sem tirar os olhos do jornal.
— O que você sabe sobre morrer de fome, sr. Kim Namjoon? — ela se sentou do outro lado da mesa, começando a mastigar pequenos pedaços de um pão.
Ele baixou o jornal até a altura do nariz.
— Então descobriu meu nome.
— Como não poderia? É o primeiro homem estranho que meu pai coloca dentro de casa, mesmo que seja por motivos nada agradáveis — ela deu de ombros.
— Teve toda essa dedicação para descobrir o nome dos outros antes de mim?
— De jeito nenhum. Mas me recordo um pouco do bonitinho que caiu escada abaixo. A perna dele está melhor?
Namjoon ergueu as sobrancelhas diante do tom azedo da garota, que apenas sorriu sem mostrar os dentes e se serviu de um gole de café.
— Espero que pretenda fazer algo produtivo hoje. Não quero ter que passar óleo nos seus músculos atrofiados — ele voltou a ler o jornal.
— Conheço uma boa brincadeira com óleos que resolveria esse problema — ela o encarou com perspicácia, e ele sofreu a distração por alguns segundos — Mas prefiro ouvir de você. Quais são as melhores atividades para se fazer em um cárcere privado?
— Limitar o isolamento a uma região não é uma delas.
— Ah, pois é, disse o cara responsável por isso! — ela revirou os olhos, levantando-se com o prato até a pia, se livrando do lixo e começando a retirar a mesa. Namjoon precisou parar seu ritual matinal das notícias para observar a cena: desde quando uma garota como limparia uma mesa de café da manhã? Ele nem havia terminado de ler o dossiê de todos os mais de 100 empregados que poderiam fazer aquilo.
— Minha presença a deixa desconfortável? — perguntou Namjoon, sem a seriedade típica na voz. Como se fosse rir da resposta óbvia que ela lançaria.
— Ah, não. Me deixa excitada.
O sorriso pronto não chegou a aparecer. Ele piscou os olhos, como se ela tivesse falado em latim.
Ao terminar, ela se virou de volta para a porta dos fundos.
— Pra onde pensa que vai? — ele perguntou, fazendo-a parar no meio do caminho.
— Vou descansar na piscina. Quem sabe eu tenha um pico de consciência da minha patética realidade e me afogue de uma vez.
Ele franziu os lábios, vendo seguir jardim afora. Revirou os olhos, sentindo uma breve irritação, mas logo dobrou seu jornal — parcialmente lido —, se levantou e seguiu em frente. Não era nem meio dia; ninguém o irritava antes do meio dia.
Lá fora, o céu azul e o clima silencioso e aconchegante poderiam ser tentadores para gastar os minutos da manhã em plena paz. esticou o corpo por cima da espreguiçadeira, o biquíni azul marinho desenhando seu corpo de tal forma que era impossível não dar uma olhada mais intensa. Namjoon não poderia dizer que passou batido pela beleza estonteante da garota, mas sabia agir com indiferença como ninguém. Notou que aquela visão pode ter sido o começo de quase todos os problemas com seus funcionários anteriores: nenhum deles era tão impassível a ponto de resistir àquilo.
Ele andou devagar, observando-a pegar um sketchbook médio de uma bolsa já deixada ali, intocada. Cruzou as pernas e abaixou a cabeça enquanto rabiscava algo na folha em branco. Ele se aproximou um pouco e pode reconhecer um esboço de um cachorro segurando uma rosa em uma das patas.
— Bonito desenho — ele comentou. Ela virou a cabeça rápido, encolhendo o caderno no peito, claramente surpreendida.
— Você me assustou — ela grunhiu — Sei que precisa me vigiar, mas ainda tenho direito a alguns metros livres? Não quer ir dar uma volta pela propriedade?
— Claro, uma garota como você merece toda a privacidade do mundo — ele estreitou os olhos ao usar o tom irônico, andando alguns passos ao lado até sentar-se na espreguiçadeira vizinha, abaixo de um grande guarda-sol.
Ela o encarou por alguns segundos antes de voltar a se concentrar em sua criação.
Procurou se concentrar nos traços o máximo que pôde, mesmo quando um telefone escandaloso começou a soar.
— Fala, Jimin — ele atendeu quase imediatamente.
— Como anda o serviço de babá? — Namjoon apenas murmurou um “hum” como resposta — Aconselho fortemente a ir verificar o quarto, chefe. tem mais cartas na manga do que você imagina.
— Acho que isso não é necessário — ele deu uma breve olhada para a garota, que parecia extremamente serena naquela posição — O jardim dos fundos é um ambiente bem agradável. Fresco e arborícola.
— Ah, vocês estão na piscina! Deus do céu, não me diga que ela está usando um biquíni…
Namjoon revirou os olhos, coçando a garganta. Ele não olharia aquilo de novo. Não gostava de dar razão aos subordinados quando não deveria.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou ele.
— As câmeras da sacada estão em frangalhos. Ela as destruiu completamente.
Os dentes trincando de Namjoon fizeram barulho do outro lado da linha. Ele observou o perfil angelical mais uma vez, agora movendo o lápis freneticamente pelo papel.
— O pai dela deve achar que você é onipresente. Logo ele, um defensor dos avanços tecnológicos.
— Acredite, ele parece ser muitas coisas — o chefe disse, e não se arrependeu nem um pouco — Tem um jeito de resolver?
— É só tirar ela do quarto por meia hora enquanto mando um dos técnicos.
— Ok.
— Amanhã.
— Como é?!
— Desculpa, eles são assalariados e batem ponto. É um emprego comum, sr. Kim. Eles vão pedir para agendar.
Namjoon suspirou, desacostumado à vida pacata de jornadas de trabalho fixas e monótonas. Isso não existia quando se envolvia o dinheiro. Estava prestes a sugerir que Jimin arrumasse um autônomo naquele instante e que pagariam bem pelo serviço e discrição quando ouviu os pés descalços da garota batendo no chão e ela começar a andar em direção à piscina.
Ele não soube por quanto tempo ficou sem falar.
— Chefe? — Jimin chamou do outro lado — Namjoon? Você está aí?
— Sim… Sim — respondeu ele, preocupado da primeira resposta não ter saído alta o suficiente — Eu dizia… — um branco. Ela olhou para trás por um instante antes de curvar o corpo bem em sua frente e pular para a água — Pode marcar o conserto para amanhã. Bem cedo.
Ele limpou a garganta e desviou os olhos para os arbustos. As plantas não o fariam ter pensamentos inadequados. E o comportamento anti-social da garota o deixava propenso a esperar mais um dia.
Ele ouviu a gargalhada de Jimin.
— Ela deu um mergulho, não foi?
Ele apenas revirou os olhos e desligou o telefone.

🌟✨


Namjoon estava quase adormecendo.
A grande TV da sala de estar não exibia nenhuma programação interessante. Não que ele estivesse realmente assistindo; normalmente, ele apenas ouvia as coisas, focado nos sons ao redor. Não era à toa que Hoseok costumava chamá-lo de camuflagem.
Ele olhou as horas no painel à frente. Já ia dar meia-noite e ele certamente já deveria estar na cama, se não fosse aquele embrulho estranho no estômago que o acompanhou pelo restante daquele dia. Como se tivesse tempo de ficar incomodado com uma coisa daquelas.
A coisa em questão era o desenho gravado na página do sketchbook, que ela havia largado na espreguiçadeira logo após seus meros dez minutos de natação. Não era o desenho final; estava mais para um rascunho, um rabisco de primeira tentativa, transformada em uma bola amassada e descartada. Porém, algo o dizia que não era bem assim.
A bola agora era uma folha A4 drasticamente espancada, defeituosa. Apesar dos detalhes da arte ainda estarem visíveis, não era nada bonito de se ver.
Mas ele tinha a sensação de que precisava devolvê-la. Não deveria haver tanto problema assim com isso. Afinal, ela parecia calma e sem pretensão de acertá-lo com um abajur.
Quando se aproximou da porta dela, o silêncio era pesado. não parecia ser o tipo de pessoa que dormia cedo, mas o tempo trancafiada deve ter lhe rendido alguma mudança no relógio biológico. Bateu uma vez, não obtendo resposta. Pensou em deixar o surto de gentileza para o outro dia, quando ouviu um impacto do outro lado. E pés firmes no chão.
Correndo, era a palavra certa.
Ele girou inutilmente a maçaneta, ansioso para ver o que estava acontecendo.
! O que aconteceu? Abre a porta! — ele disse entre dentes, não esperando necessariamente que ela respondesse, mas ficando nervoso pelo fato do mesmo jeito.
Apertou a folha de papel em uma das mãos enquanto usava uma das pernas para chutar a porta. Sem sucesso da primeira vez. Depois da segunda e da terceira, o trinco se desfez em uma explosão e ele correu em linha reta até a sacada de vidro aberta, a tempo de ver as costas da garota já no meio do jardim.
Ela parou por um instante e olhou para trás, se dando ao luxo de lhe lançar um sorriso vitorioso enquanto erguia o dedo do meio.
— Desgraçada!
Ele deu meia volta, usando toda a velocidade para descer os degraus de dois em dois, apanhando a chave dentro do casaco jogado no sofá. Não sabia porque estava tão nervoso; ela não passaria do portão. Em qualquer um dos portões. Havia seguranças em todos os lados, ela não seria capaz de colocar os pés para fora.
Mas Namjoon não conseguia ficar tão convincente disso. Se não estivesse na porta de seu quarto, ele jamais a escutaria do lugar onde estava agora.
Correu para o carro estacionado há alguns metros do chafariz, ciente dos gritos e mãos imediatamente postas nos coldres do smoking vindo dos diversos seguranças totalmente alertas. Isso o fez ficar ainda mais furioso; ou teria de bater palmas para as habilidades de ou recomendaria uma nova empresa de segurança para Mark.
— Não deixem ela sair! — ele berrou para ninguém em particular, enquanto girava a chave com rapidez.
Ele arrancou com o carro, observando o primórdio do alvoroço entre os funcionários antes que se retirasse dali. Colocou na cabeça de que, mesmo se conseguisse sair, ela não iria muito longe. Afinal, ela não era mais rápida do que um carro. Mas novamente, sentiu que aquilo estava além do esperava.
Levava alguns quilômetros para se chegar ao portão principal de entrada, por mais que isso irritasse Namjoon. Parecia que estava migrando de uma extremidade a outra da cidade. Não encontrou a mesma confusão deixada para trás, o que só poderia significar uma coisa.
— Abram o portão! — ele gritou da janela, desacelerando por tempo suficiente para ser obedecido. Os demais o olharam com certo espanto pela chegada repentina, mas não se demoraram a ficar parados quando notaram a expressão de pura raiva do chefe. O portão se escancarou lentamente enquanto a mensagem da balbúrdia chegava aos ouvidos de um dos seguranças da guarita.
Namjoon não esperou para ver o resto da movimentação. Cantou os pneus do Volvo no asfalto e seguiu pela rua estreita.
A propriedade dos ficava relativamente afastada do tráfego inquietante de Seul à meia noite. Os olhos do rapaz giravam depressa por todos os lados, atentos a qualquer movimentação enquanto ainda dirigia pelo trajeto parado e escuro. Ele não viu nada além de um gato em cima do muro que marcava um dos quilômetros quadrados da grande casa.
A entrada da rua estreita dava para um cruzamento direto na Ikseon-dong. Os podiam ter mais dinheiro do que o próprio prefeito, mas nem todas as famílias abastadas precisavam acordar com o sol de Gangnam para mostrarem que o são. Namjoon diminuiu a velocidade, ainda encarando cada canto visível quando finalmente viu os tênis e o mesmo cabelo preso que atravessaram o jardim há alguns minutos, agora cruzando a rua bem à sua frente, correndo em direção a um Mustang 1987 estacionado ao meio fio, já com a porta aberta para receber sua passageira.
Como ela ultrapassou os portões em completo silêncio e profissionalismo, ele não sabia e não se importava no momento. Ele pisou no acelerador rapidamente, acionando os freios logo em seguida pelo borrão furtivo de um carro que passou bem em frente aos seus olhos. A porta do carona se fechou e o veículo arrancou para a frente, soltando fumaça pelo cano de descarga ao deixar o local. Namjoon sentiu o grunhido nascer na garganta; ele não podia perdê-la de jeito nenhum.
Seguiu em frente, passando de raspão por um outro veículo que vinha à sua esquerda, ignorando o sinal ainda verde na avenida com uma loucura desenfreada. Passou o carro para a outra pista, cortando um companheiro de trás, que buzinou e xingou o Volvo maluco que havia costurado o trânsito como um bêbado, mas Namjoon não o ouviu por muito tempo. Tratou logo de sair da linha mais uma vez, ultrapassando o carro da frente, os olhos fixos no Mustang com para-choque enferrujado.
Ele não tinha tempo para pensar, mas mesmo assim o fez: ele estava com raiva. Com muita raiva. E não era nem dela propriamente, mas dele mesmo por não ter notado os sinais. Por não ter se preparado, como sempre fez. Seu ego havia sido terrivelmente ferido e ele não sabia como controlar a compostura quando finalmente a pegasse.
Por um momento, ele achou que havia perdido-a. Havia pelo menos três carros na frente e ele não se importava nem um pouco se ela estava tentando despista-lo; aquilo não funcionaria, não desta vez. Mas então, o Mustang virou em uma rua estreita, em seguida num beco e então foi diminuindo a velocidade até parar no topo de uma escadaria úmida.
Namjoon desatou os cintos e se preparou para sair alucinado do carro, ainda com raiva, ainda desejando parar na primeira loja de departamentos e comprar cordas de aço para mantê-la presa até que seu maldito pai voltasse, quando sentiu o bip no painel. Ele observou as portas do carro à frente se abrirem quando tocou no botão vermelho que rejeitava a ligação. Tudo que menos precisava no momento eram cobranças.
Ela se movimenta rápido demais, pensou ele quando via a garota já no meio das escadas, juntamente com outra pessoa. Uma mulher de cabelos vermelhos e presos em um rabo de cavalo. Ele suspirou e então saiu do carro.

🌟✨


O portão de metal rangeu atrás de quando ela o fechou.
Seguiu Cecilia enquanto esta cruzava o pequeno jardim, desviando dos caminhões de controle remoto e das peças de Lego espalhadas até o batente da porta. Rita não devia estar presente para exigir, com sua autoridade inata, que as crianças guardassem os brinquedos antes de dormir. E Cecilia era despreocupada demais para isso.
A sala estava limpa, apesar do dia livre e pesado que as crianças devem ter tido no lado de fora. Os tênis de Cecilia estavam sujos de lama nas solas, e se perguntou se ela não deveria estar tão cansada quanto eles naquele momento.
— Preciso ser rápida — disse quando uma luz amarelada se acendeu sobre sua cabeça. Agora estavam na cozinha, que cheirava a leite e massa de bolo — Eles não vão demorar a me achar.
Cecilia fez um sinal de silêncio com os dedos.
— Vamos lá pra fora — ela sussurrou.
A portinhola da cozinha dava para os fundos da casa. Uma pequena varanda contemplava a visão da moita densa e dos grilos cantando alto o bastante para calar qualquer pensamento. Haviam mais brinquedos nessa parte, agora acompanhados de folhas rabiscadas em cima da mesa retangular ao lado do quadro branco onde dava suas aulas. O teor dos desenhos indicava que as crianças sentiam falta da professora ausente.
Ela não olhou o cenário por muito tempo. Abriu a pequena bolsa-pasta que atravessava seu tronco em diagonal e retirou de lá um envelope gordo. Mas não tão gordo quanto queria.
— Aqui. É tudo que eu consegui.
A mulher abriu o envelope.
! Você não precisa…
— Está tudo bem, vocês precisam mais do que eu. Foi tudo que eu consegui vendendo meus desenhos em Ibiza, e alguns pela internet, e não é muito. Mas deve dar para fechar esse mês.
Cecilia pensou em protestar, mas contra fatos não havia argumentos. Decidiu apenas concordar com a cabeça e manter o envelope.
— As crianças sentem a sua falta. Como andam as coisas na sua casa?
— Péssimas. Meu pai deixou um estoque farto de homens de preto em meu encalço e, além disso, colocou um deles de cortesia dentro de casa.
— Você está sendo vigiada a esse nível?
— Sim, e quase pensei que não conseguiria sair hoje. Tive de ficar os últimos três dias trancada no quarto enquanto olhava as plantas antigas de minha mãe para traçar a melhor rota de fuga. Daqui a pouco vou ficar sem ideias.
— Ah, aquele Mark, um tremendo filho da p…
— Controle-se, Cecilia. Ele ainda é meu pai — respondeu com uma expressão dura, porém pouco firme. Parecia uma frase pronta e ensaiada, carregada de uma verdade dolorosa — Acho que ele anda desconfiado sobre o que estou fazendo. Ele finge uma preocupação midiática na frente de seus empregados, quando na verdade está suando frio por pensar que estou fazendo esse trabalho. O mesmo que minha mãe fazia.
— Ele finge várias coisas — Cecilia murmurou, dando de ombros — É um homem atormentado. Mas é inteligente, se soube enxergar através de sua personagem de herdeira barulhenta.
— E isso não é nada bom. Eu teria mais esperanças se ele se preocupasse apenas com os números — baixou os olhos, puxando algo dentro da bolsa ainda aberta — Aqui. Dê isso para Lupe. Não mencione Ibiza, mas diga a ela que veio de um lugar muito especial.
Ela estendeu a pulseira de contas, perfeitamente enfileirada agora nas mãos de Cecilia. Um brilho forte cintilou nos olhos da garota; ela sentia um calor imenso no peito por saber que o presente finalmente chegaria às mãos da pequena e ao mesmo tempo uma tristeza por não poder presenciar o momento.
— É lindo, ! Ela vai adorar. Com certeza vai perguntar como consegui isso já que você ainda continua em sua viagem, sabe como ela é inteligente.
— Mas você vai conseguir driblar aquele cérebro esperto, eu confio — ela sorriu em resposta; um sorriso que logo se desfez — Quando sai a embarcação?
Cecilia franziu os lábios, assumindo um tom de preocupação.
, eu não acho que…
— Você sabe que eu não vou desistir, Cecilia. Já me inscrevi há dois anos, e estou mais do que pronta pra ir. Não vou mais adiar meus objetivos, nem se meu pai enviar a Interpol atrás de mim.
Cecilia encarou a garota com compaixão. Não pena; era apenas uma dessas certezas repentinas que ela tinha quando se tocava do quanto gostava de alguém, mas não podia fazer mais do que isso por ela. era especial, um verdadeiro tesouro escondido, mas que era submetida a tantas forças acima de si que Cecilia não tinha tantas esperanças de que ela conseguisse o que sonhava. E seus sonhos eram tão simples e nobres, afogados por homens ambiciosos e controladores que fez com que a mulher parasse de acreditar em justiça, por mais que ensinasse isso às crianças diariamente.
Mesmo assim, ela disse:
— O próximo sairá em…
Um ruído alto o suficiente para que Cecilia se calasse surgiu de algum ponto da vegetação densa à frente. Ela pensou logo que fosse mais um cão abandonado que estaria procurando seu jantar àquela hora e estava pronta para retomar o assunto, quando viu o rosto de ficar branco e seus olhos fixarem em um ponto branco que saía no meio das árvores.
O ponto branco se tratava de um suéter de linho fino que vestia um homem de 1,80 e um rosto bem presente. Sua expressão estava impassível, muito diferente da de , que demonstrava raiva.
— Droga! — ela disse entre dentes, um pouco surpresa pela presença, mas não aterrorizada. Cecilia levou as mãos ao peito, olhando de um a outro.
— Quem é você? — ela perguntou à figura que ainda se aproximava. Sentiu enrijecer os músculos e se prostrou na frente dela — Pare onde está! Perguntei quem é você!
— Quer responder a pergunta, ? — ele olhava fixamente para os olhos raivosos, com um tom zombeteiro — Diga a sua amiga quem eu sou e o que estou fazendo aqui.
— Cecilia, tudo bem — ela sussurrou às costas da amiga, puxando seu braço gentilmente para seu lado — Esse é o Namjoon, meu mais novo Robocop. O que está tirando uma folga na minha casa.
— Esse daí? — Cecilia encarou o sujeito de cima abaixo — Não é nada parecido com o último.
— Devo dizer que o Yoongi era mais legal. Apesar do meu preferido ter sido o Jungkook, ele se preocupava mais com a comida à sua frente do que comigo — deu de ombros, fazendo Cecilia soltar uma risada engasgada.
Namjoon arqueou as sobrancelhas, genuinamente surpreso. Afinal, ela se lembrava bem de todos eles.
Pelo visto, sua ótima memória não era a única coisa que ela escondia. Ele não estava parado atrás de um caule grosso de árvore por tão pouco tempo assim. E tinha ouvidos quase biônicos.
Eles se encararam como num desafio. Ele esperava que ela corresse, e ela que ele avançasse. A ideia de correr era plausível; Cecilia poderia dar-lhe cobertura até que alcançasse a porta da frente. Mas ela não tinha garantias de que não encontraria mais capangas do lado de fora. E todo o barulho de seus pés sobre o piso velho de madeira poderia facilmente acordar as crianças.
— Acho que preciso ir — ela murmurou para a amiga, sem tirar os olhos dele — Por hoje.
Ele encolheu os ombros, finalmente alcançando-a. Toda aquela raiva louca e egocêntrica que sentira do lado de fora não existia mais. Não desde que havia achado o percurso para os fundos e se infiltrado a tempo de escutar as palavras mais confusas que já ouviu. Ele olhava para ela como se fosse outra pessoa, não apenas pela falta de maquiagem no rosto, os jeans largos e gastos, a blusa de flanela e os tênis sujos. Até seu olhar pertencia a outra , uma que definitivamente não fosse .
Ele não disse nada. Apenas viu a garota dar as costas e caminhar pelo trajeto anterior por dentro da casa pequena, acompanhada da mulher ruiva ao seu lado, que olhou para Namjoon com certa curiosidade. Ele adivinhava que ela esperou mais escândalo e dentes rangendo vindo da parte dele; bem, ele também esperou.
No batente do lado de fora, abraçou Cecilia com força, colocando ali toda a esperança restante, torcendo para que fosse tão forte a ponto de sumir com suas incertezas de quando a veria de novo. Para todos os efeitos, ela estava incomunicável, e aquele contato humano com a amiga valia mais do que qualquer ligação.
— Diga a Lupe que logo vou vê-la de novo — ela disse ao se separar, forçando um sorriso, esperando que ele fosse convincente.
Cecilia acenou com a cabeça, entendendo o que ela sentia sem dizer uma única palavra. O novo Robocop havia visto, e muito provavelmente ouvido tudo. Só de olhar para ele, Cecilia sabia que era diferente dos outros; mais esperto, mais centrado. Mais profissional, no melhor sentido da coisa. Ele abriria a boca para Mark sobre o orfanato, sobre o trabalho de e a ruína poderia começar assim que o sol nascesse.
Mas Cecilia sabia que morreria para que nada disso se concretizasse.
— Te vejo na próxima — Ela sussurrou para , vendo-a endurecer a feição antes de atravessar novamente o jardim. Viu o rapaz dar uma última olhada para trás, avaliando o ambiente antes de fazer uma pequena reverência de despedida e sair pelo portão.

🌟✨


Ela estava em completo silêncio até o meio do caminho.
Namjoon jogava os olhos de esguelha vez ou outra, esperando enxergar algum movimento da garota no banco do carona. Ela parecia uma estátua de mármore, e ele poderia confundi-la com tal se não flagrasse um movimento ínfimo nos lábios de vez em quando. Parecia mais do que pensativa; parecia estrategista. Concentrada em pensamentos demais para que lembrasse de se mexer.
Ele coçou a garganta antes de perguntar:
— Você está bem?
Desta vez, ele não tirou os olhos do trânsito. Ela fez o mesmo movimento sorrateiro, avaliando-o ao lado, sem necessariamente virar a cabeça.
— Aparentemente sim — respondeu, em um tom duro e seco.
Ele apenas franziu os lábios e balançou a cabeça como se aceitasse a resposta.
— Não vai começar a gritar? — perguntou ela novamente, agora torcendo um pouco mais o pescoço para olhá-lo.
— Costumo aprender com os meus erros — pontuou. — Isso não vai acontecer de novo, de qualquer forma.
Ela riu, cruzando os braços. Não pareceu uma risada muito verdadeira. Talvez porque daquela vez ela realmente poderia estar acreditando.
Pensar nisso a fez fechar a cara de novo, por todo o resto do trajeto. Geralmente era cheia de respostas na ponta da língua, prontas para refutar qualquer arrogância vinda dos subordinados que seu pai metia em seu encalço, mas naquele momento não conseguia pensar em nada. Começava sinceramente a pensar que Namjoon era uma ameaça a todos os seus planos, uma ameaça real.
Ela não tinha se preparado para ameaças reais.
Uma verdadeira correria acontecia quando ele dobrou os portões e estacionou em meio a uma aglomeração de rostos desesperados dentro de ternos pretos. Gritarias como “vou perder o meu emprego” e “aquela garota é como um demônio” eram parte do cotidiano de , e engraçado na grande maioria das vezes, mas não naquele dia. Nada continha teor cômico naquele dia.
Ela se preparou para abrir a porta e entrar na casa com sua expressão carrancuda, mas sentiu a mão dele sobre seu pulso, fazendo um sinal calmo para que esperasse. Em seguida, ele saiu do carro, sendo engolfado pela massa de homens enquanto gesticulava com as mãos e explicava alguma coisa, provavelmente para que eles voltassem a seus postos e parassem de se lamentar sobre suas patéticas vidas. Não demorou muito para que eles prontamente obedecessem; um líder era assim?
Feito isso, ele mesmo contornou até a porta do carona e abriu a porta para ela, que saiu sem grandes mudanças na expressão. Olhou para ele antes de começar a caminhar a passos fortes para dentro da casa, começando a se irritar só de olhar para aquelas paredes de novo.
— Não está com fome? — ele perguntou assim que passaram da porta. Seu tom de voz era calmo; calmo até demais. E gentil. trincou os dentes.
— Qual é o seu problema?! — ela virou-se bruscamente para ele, a frustração queimando no peito — Vai continuar se fazendo de desentendido sobre hoje? Eu sei que você viu tudo! Não precisa fazer esse papel de bonzinho só porque agora sabe que nunca mais vou sair daqui.
— Por que você nunca mais vai sair daqui? — ele disse descontraído. Colocou as mãos nos bolsos, olhando para ela com atenção.
— Sei que vai contar pra ele — ela disse quase em um sussurro — E isso vai me ferrar em todos os níveis possíveis, mas não que te importe. Afinal, é o seu maldito trabalho, não é?
Ela deu as costas e foi em direção às escadas. Namjoon se inquietou em seu lugar. Encará-la como fez deu abertura para que sentisse um sentimento desagradável, que não pegava nada bem em seu lado profissional.
… — ele tentou, mas ela já corria para o topo.

Ele não pode deixar de reforçar a segurança no dia seguinte. Se não o fizesse, teria uma série de questionamentos do alto escalão, fora as perguntas extra oficiais, já que cada funcionário do BTS já estava sabendo da fuga repentina da garota na noite passada. Com as câmeras da sacada enfim consertadas, a herdeira se viu sem saída. Nem se arrumasse um helicóptero ou um exército, os métodos de Namjoon eram literalmente implacáveis.
Mesmo que ele tentasse ignorar com todas as forças o sentimento estranho que já começava a apertar seu peito.
Não era apenas um interesse por saber o que ela estava fazendo. Parecia mais uma vontade, um incômodo por quem era . De verdade, aparentemente. Ele já tinha muito trabalho a fazer e muitas coisas a se preocupar para se dar ao luxo de perder uma noite de sono onde o último olhar machucado que ela lhe lançou rodopiava em sua cabeça como uma dança no gelo.
Sabendo disso, o almoço do dia seguinte estava em seus braços, em vez dos de Una. Com uma inclinação leve da cabeça, ele dispensou o segurança grandalhão ao lado da porta do quarto, que fez uma reverência antes de se retirar. As batidas na porta foram seguidas de um “não estou com fome, Una”. Ele suspirou e tentou de novo, com mais afinco desta vez, demonstrando que não desistiria. Ele ouviu a garota bufar e passos pesados atravessarem o quarto.
— Eu já disse que não estou… — ela parou ao abrir a porta — O que você quer?
— Una disse que seu prato favorito é bibimbap — ele deu de ombros, segurando o riso. Os outros herdeiros de conglomerados que havia conhecido comiam carne bovina todos os dias e nem sabiam o que era lámen, mas gostava de comida que se comprava em barraquinhas de rua.
Ela pareceu perceber ler todos esses pensamentos no rosto dele. Só serviu para deixá-la ainda mais irritada.
— Pode levar de volta. Já disse que não estou com fome — ela se preparou para fechar a porta, mas as mãos espalmadas dele sobre a madeira foram mais rápidas — O que está fazendo?
Ele entrou no quarto à trotadas, depositando a bandeja no primeiro móvel liso que visse. Ela fechou a porta, se enchendo de fúria ao andar até ele.
— Tenho certeza absoluta de que seu contrato não inclui visitas ao meu quarto, senhor Kim — ela disse entre dentes, ignorando a vontade de empurrá-lo para fora.
Ele fez uma vistoria rápida pelo ambiente, a vistoria que não conseguiu fazer na noite passada pela correria frenética da fuga. Só serviu para confirmar o quanto havia enganado-o como uma criança. O quarto poderia facilmente ser do tamanho de seu apartamento, mas não havia praticamente nada nele. Os móveis eram os mais modernos possíveis, mas sem grandes decorações. Havia uma parede com folhas A4 sobrepostas, com desenhos variados e alguns que não passavam de rabiscos infantis. Talvez fossem literalmente isso. Uma grande cesta ao lado de uma cômoda mostrava um bolo de roupas coloridas ainda na etiqueta; roupas brilhantes, estonteantes, caras. Naquela posição, pareciam lixo.
— Tem razão, , preciso fazer o meu maldito trabalho — disse ele ao terminar sua inspeção — Por isso mesmo preciso entendê-lo. Mas sinto que meu cliente mentiu em algumas linhas do contrato.
Ele arqueou as sobrancelhas e ela permaneceu estática, sem saber como responder de imediato.
— Não sei do que…
— O que foi tudo aquilo ontem? — ele se aproximou a um passo, baixando o tom de voz, como se desconfiasse minimamente de um aparelho de escuta escondido em algum vaso de plantas do ambiente. Ele não estava disposto a desconsiderar qualquer coisa — Pensei que fugiria do país, para uma boate ou para a casa de algum traficante de armas qualquer, mas de repente te pego dando dinheiro para uma garota em um orfanato. Pode me situar?!
— Quer montar um relatório completo pro meu pai? — ela perguntou, afiada.
— Pode esquecer o seu pai por alguns minutos? — ele respirou fundo, tentando buscar o tom gentil que se usava para comunicação com crianças e idosos — E esquecer do BTS também…
Ela suavizou a expressão, podendo sentir a sinceridade de suas palavras, e a dificuldade com que eram ditas. Ele parecia estar ultrapassando alguma regra, correndo algum risco.
Ela não tinha muitas expectativas. Só esperava que ele não contasse ao seu pai.
— Só fui levar uma grana que arrecadei no último mês — respondeu, segurando uma barra da camisola enquanto pensava em suas palavras — O orfanato é pequeno e se sustenta por doações, então deve imaginar a situação precária em que vivem na maioria dos dias. Às vezes as crianças só podem fazer duas refeições, que dirá os adultos. É uma realidade que talvez não conheça, sr. Kim.
— E como você a conhece?
— Aquele é o orfanato em que minha mãe nasceu — ela baixou o tom de voz — E cresceu também, visto que a mulher que a deu a luz foi embora assim que conseguiu se manter de pé. Toda aquela casa está impregnada de mais lembranças da minha mãe do que aquelas fotografias que meu pai insiste em manter na sala de estar. E se está se perguntando porque ainda faço tal coisa, bom, saiba que era a mesma coisa que minha mãe fazia. O orfanato viveu seus melhores anos enquanto ela estava viva, para depois cair na ruína com todos os investimentos retirados à força pelo macho inescrupuloso que assina o seu cheque.
não pretendia, mas sentiu sua voz sair com certa ferocidade. Sentiu a conhecida ardência no nariz, uma ocorrência que já não lhe acometia há um tempo, porque chorar jamais era a solução. E Namjoon não soube o que dizer. Não tinha mais a expressão impassível — ele parecia sinceramente surpreso.
— Então você… — Ele tentou, mas palavras embaralhadas eram bem mais difíceis de sair. Seu dedo se moveu involuntariamente por todo o quarto, como se estivesse questionando como uma garota como aquela vivia em um antro daqueles; como se ela fosse uma peça errada de um quebra-cabeça.
— Você gostou deles? — Ela inclinou o queixo para a parede de desenhos — Alguns são meus, outros das crianças e também da minha mãe. Ela era uma ótima artista.
Ele se virou para olhar melhor. Infelizmente, ele não tinha olhos suficientes para admirar todos, mas o borrão unificado de todos eles formavam uma bolha de cores e formatos que se transformava na obra de arte mais linda que ele já havia visto.
— Como escondeu tudo isso? — Ele disse tão baixo, como se pretendesse ser retórico. Não sabia se era prudente descobrir as habilidades escondidas de ; ele poderia ser fisgado e querer saber mais.
— Meu pai é um homem difícil, Namjoon. Sei que ele amou minha mãe de verdade, como nunca amou ninguém na vida, mas perdeu ela muito cedo. Ele ficou sozinho antes de saber o que era isso, mesmo me tendo por perto. Mas eu não fui o bastante para ele, nunca fui. Perder algo importante o tornou cego pelo controle. Tudo que ele queria era fazer dinheiro e se livrar de tudo aquilo que a remetia; até mesmo sua herança deixada em mim.
Ele se virou para ela novamente, a tempo de vê-la exibindo um pequeno sorriso de canto.
— Não faço nada disso em respeito à memória dela ou para garantir um lugar na lista do Nobel da Paz. Faço porque faço; porque sou assim. E só sei ser assim. É um pensamento simples, mas muito complexo para o meu pai. Porque ele conseguiu vestir uma máscara de ferro e se tornar outra pessoa quando seu verdadeiro eu estava acabando com ele mesmo. Eu convivo bem comigo mesma porque sei que estou fazendo o que acho certo, seguindo a minha verdade. E, quando desisti de tentar explicá-lo, decidi seguir o seu jogo. Percebi que existe um limite para convencer alguém. Se não deu certo, temos que seguir em frente, achar novos caminhos que nos levem ao resultado desejado. E tem sido assim.
— Que belo caminho você arrumou — Ele deu uma risada curta, fazendo-a segurar uma também — Então todas aquelas fugas, as jogatinas, escândalos…
— Precisava dar aulas de desenho para as crianças — Ela deu de ombros, contida. Como se estivesse admitindo com um grande “ops” — E tinha que me livrar dos seus seguranças. Mas não se engane, eles deram o seu melhor no trabalho. É que eu já faço isso há bastante tempo.
Ele acenou com a cabeça, pondo uma das mãos na cintura e encarando-a pensativo. Como se estivesse absorvendo a nova pessoa que estava à sua frente.
— Por que simplesmente não vai ao banco mais próximo e seca um dos cofres do seu pai para dar ao orfanato? Garanto que ele não daria grande falta de 1 bilhão de wones a menos. Seria o orfanato mais despreocupado de toda a Coreia.
— Você disse bem, dinheiro do meu pai, Namjoon. Não tenho o menor interesse em declarar essa guerra com ele. Se descobrir que doei míseros 50.000 wones para aquele lugar, ele enlouqueceria. Certamente me mandaria para o exterior e nunca mais me deixaria pisar aqui, muito menos perto daquele lugar. Prefiro que ele pense que eu perdi a cabeça e agora sou como uma garotinha carente de amor filial porque pelo menos assim ele se sente ainda mais retraído. Eu o amo, mas nossas vidas não estão em sintonia há muitos anos. Sei que, muitas vezes, ele não suporta olhar para mim porque lembro minha mãe. À medida que fui cometendo loucuras, isso ficou mais fácil, mas ele tem medo de se aproximar demais; tem medo que, se der o que eu aparentemente quero, eu volte a ser a garota que queria ajudar o orfanato e construir casas no Haiti.
O silêncio se instaurou por um instante após ela ter terminado. Como se tivesse encerrado o assunto, de forma mais branda possível. Ela não pretendia contar mais do que isso; não era como se confiasse em Namjoon.
Já ele, ainda segurava as perguntas ferventes em sua mente. Sobre a última frase que ela disse para Cecilia, sobre como pretendia levar seus planos adiante com uma estadia prolongada de Mark na Coreia, como manteria seu disfarce naquela situação atual que…
Ele ergueu os olhos depressa, como se ela tivesse escutado seus últimos pensamentos. E que tipo de pensamentos eram esses? Ele estava cogitando realmente…
— Se não tem mais perguntas, pode sair agora — Ela disse, com uma expressão estranhamente cabisbaixa. Ele levou alguns segundos para entender.
Ela andou até a bandeja, agarrando a colher e remexendo no bibimbap. Levou uma grande porção à boca, deixando Namjoon aliviado por saber que pelo menos aceitaria a refeição.
— ele chamou, dando meia volta antes de sair porta. Ela o olhou, ainda mastigando — Mark não vai saber de nada disso.
Uma troca de olhares acendeu uma pequena chama dentro de cada um deles, que não souberam o que era no momento. Mas, ao sair do quarto, Namjoon sabia que agora tinha algo a defender — ou alguém.

🌟✨


Estava quente.
Namjoon cumprimentou a alta segurança do grande portão de aço com os olhos. O Volvo atravessou sem problema e seguiu pela rua estreita até o cruzamento de entrada. Trânsito vem e vai e o sinal vermelho da avenida finalmente se acende, dando liberdade para que ele pisasse no acelerador e curvasse para a esquerda.
Ele ouviu um grunhido.
— Mais 1 quilômetro — ele respondeu, descontraído, falando consigo mesmo. Uma música animada tocava baixinho no aparelho de som, e ele tamborilava os dedos no volante, dando uma rápida olhada pelo retrovisor. Nenhum sinal de estar sendo seguido. Esperou mais um pouco até que o muro largo e infinito da mansão terminasse, dobrando em mais uma rua até que coçasse a garganta e dissesse em uma cantoria: — Venha para a luz…
A cabeça de surgiu no espelho retrovisor interno, erguendo o corpo de algum ponto dos bancos traseiros do carro. A enorme capa preta sob a qual se escondera havia deixado seu cabelo com um efeito eletrostático e ela se sentou para esticar as pernas.
— Confortável? — Ele disse brincalhão. Ela ainda mantinha uma expressão irritadiça.
— Foi como passear em uma sacola plástica — ela murmurou, erguendo o corpo para o banco do carona, se acomodando em um movimento ligeiro.
Encarou as horas no painel.
— Estamos quase atrasados.
Ele a olhou pelo canto do olho antes de soltar uma risada. Verificou novamente se nenhum dos carros se comportava de forma suspeita e então pisou no acelerador, girando o volante para ultrapassar seu vizinho logo à frente, começando uma costura perigosa em alta velocidade.
Não dava para dizer que Namjoon já não estava acostumado a fazer tal coisa. Em poucos minutos, ele estacionava no topo da escadaria, a mesma de duas noites atrás, em frente ao portão de ferro da grande casa com jardim lotado de brinquedos.
— Tem certeza que ninguém vai questionar sua saída? — Ela perguntou, novamente. Na noite passada, o tom da pergunta havia sido desanimador; como se ela esperasse que ele desistisse ao se tocar de quão estranha seria a situação para os demais. Agora, sua voz carregava um certo desespero; como se percebesse algo urgente tarde demais.
— Eles vão questionar — ele repetiu a resposta — Entre si, é claro. Se eu disse que preciso resolver algo importante no BTS, então é porque preciso, e isso gera curiosidade. Eles não vão pensar demais. E as câmeras já estão todas funcionando de novo.
Ela soltou uma risada, lembrando-se de sua entrada abrupta na noite anterior e da montagem do plano maluco que a levou a estar retornando para aquele lugar mais cedo do que esperava — do que jamais teve a chance. Abriu a porta, ajeitando a bolsa atravessada pelo peito novamente e viu-o desligar o motor e sair logo em seguida.
Ela parou no meio do caminho, olhando-o com as sobrancelhas juntas.
— Não leve a mal, — ele guardou as chaves — Ainda preciso ficar de olho em você.
Ela revirou os olhos, mas segurou uma risada. Ela não iria reclamar se ele quisesse ficar no seu pé pelo resto do dia, não depois de tudo que havia feito. Os dois passaram pela porta enferrujada e entraram no ambiente que agora explodia de vozes. Não demorou muito para que o ranger da porta chamasse a atenção delas. Em questão de minutos, o nome de foi entoado como um coro e a garota foi engolfada por um ataque de pequeninos que correram em direção às suas pernas e braços, enquanto ela se agachava para ficar em sua altura e desaparecer no meio deles.
Namjoon ficou hipnotizado por um tempo indeterminado ao observar tal coisa. As crianças nem pareciam notá-lo, e ele sentiu que não deveria. Deu alguns passos para trás, deixando a multidão livre para celebrarem a chegada da garota. Olhou para a frente a tempo de ver Cecilia surgir correndo para a entrada, curiosa com a recente aglomeração. Quando conseguiu enxergar os olhos e cabelo de camuflados no meio dos abraços, esta também sorriu e baixou os ombros, parecendo aliviada.
Quando finalmente conseguiu emergir do tsunami de crianças, ela caminhou até o abraço da mulher, e Namjoon seguiu-a devagar.
— Meu deus, , o que faz aqui? Por um momento, eu achei que… — O olhar de Cecilia finalmente pousou no homem alto que acabava de chegar à entrada — O que ele faz aqui?
se soltou e seguiu o olhar dela.
— Está tudo bem — ela sorriu — Ele só está fazendo o trabalho dele.
Ela deu uma piscadinha para o rapaz, que riu em desdém. Cecilia encarou de um a outro confusa, mas não perguntou. Estava muito ocupada sentindo uma felicidade imensa por ver a amiga de novo — o que já julgava impossível na outra noite. Aquele Robocop era realmente diferente dos outros.
— Então, prontos pra nossa aula de hoje? — gritou para o amontoado de pequeninos a seus pés, virando-se para dentro e sendo acompanhada pelas perninhas curtas e gritaria animada até a outra varanda, logo após a cozinha, onde seu quadro branco intocado esperava por suas criações.
Cecilia encarou novamente o rapaz, que seguia tudo com os olhos, na mais perfeita diligência.
— Você quer um café? — ela perguntou.
— Não precisa se incomodar comigo — ele respondeu, sem se preocupar exatamente com ser educado. Cecilia ergueu as sobrancelhas, um pouco surpresa.
— Então sugiro que vá assistir a aula. Pelo tempo que ela não aparece, existe um risco sério das crianças tentarem sequestrá-la para mantê-la aqui.
Cecilia lhe deu uma piscadela e entrou na casa. Namjoon suspirou e voltou ao jardim, contornando a casa pelo lado de fora até sair pela vegetação densa dos fundos, onde conseguia observar puxando traços geométricos que se transformaram em uma girafa de patins.
Ele vagou por alguns instantes pela grama e por fim se acomodou em uma das cadeiras de madeira na outra extremidade da garota, procurando permanecer distante o bastante para que ela não se sentisse tão observada. Não fazia bem parte do trato, mas Namjoon não queria causar nenhum desconforto. Nada que pudesse tirar o sorriso largo que ela não parava de estampar naquele momento.
A girafa de patins se transformou em um arranha-céu, e então em Saturno, e depois em uma laranja que cumprimentava gentilmente um cacho de uvas. As crianças celebravam os avanços; era impossível não ouvir as risadas e ser atingido por elas. Ele observava outras delas correndo pelo gramado, brincando em duplas isoladas pelo restante da casa. Um garotinho rabiscava cálculos difíceis um pouco ao seu lado. Uma outra garotinha, usando um boné esfarrapado com a aba virada para trás e joelhos ralados correu até sua direção.
— Com licença — ela estava ofegante pela corrida. Namjoon levou alguns segundos para perceber que ela falava com ele — Minha pipa… Ela ficou presa naquela árvore. E o senhor tem pernas longas.
Ele olhou ao redor, procurando algum sinal de Cecilia ou alguma orientação de . Ela continuava concentrada agora numa linha reta horizontal que resultaria em uma faixa de mar. Ele não estava pretendendo se envolver.
Ele encarou a garotinha, que ainda esperava sua resposta. Tinha a impressão de que, se negasse, ela lhe daria um belo pontapé. Ou cairia no choro, o que seria pior ainda.
— Tudo bem, me mostra a árvore.
Ela sorriu e recomeçou a corrida até o lado de fora. Namjoon pensou em dizer para que ela não corresse ou ralaria o outro joelho, mas ela já estava longe. Ele apressou os passos atrás dela, parando logo abaixo do galho longo e esguio por onde pendia a pipa colorida.
Resgatar um brinquedo e salvar o sorriso de uma criança poderia ser o saldo do dia, e o último. Mas, ao observarem o homem alto e corpulento pegar a pipa em um movimento ligeiro e digno dos agentes de série de TV, as crianças enlouqueceram. De repente, ao fim da aula de , mãozinhas pequenas puxavam a calça preta do rapaz, vozes falavam ao mesmo tempo enquanto faziam pedidos aleatórios; desde subir em suas costas até juntar as rodinhas de um caminhão quebrado.
Namjoon não esperava mas, olhando para e o sorriso que ela lhe lançava enquanto era contornado por pequeninos, ele não conseguia dizer não. Nunca foi bom com crianças e acreditava que, dando o que queriam, elas não chorariam - por Deus, que elas definitivamente não chorassem!
Em algum momento, ele se sentou na grama enquanto ajudava um garotinho gorducho a montar uma pista de lego, ao mesmo tempo em que penteava os cabelos de uma boneca logo à sua frente. Ele era tomado por sensações novas a cada instante; nunca sequer pensou em passar uma tarde divertida servindo de babá para crianças, literalmente crianças.
Em um certo momento, se levantou com o chamado de Cecilia, e as duas se afastaram até certo ponto do jardim. Ele observou os passos dela, até que sentiu um toque em sua cintura, bem em cima do coldre que era escondido pelo casaco.
Ele se afastou de imediato, pegando os olhinhos surpresos em flagrante.
— O que é isso? — a voz perguntou, e ela ergueu as mãos novamente.
— Não é nada! — ele ralhou, abaixando os braços dela de forma quase gentil. Algo brilhava em seus pulsos, uma familiar pulseira de contas, e ele logo se recordou da última vez que esteve ali — Lupe, certo?
— O senhor sabe o meu nome?
— Sei o nome de todas as crianças levadas que tentam pegar algo sem permissão — ele deu um sorriso falso.
— Eu não estava tentando pegar! Acha que posso pegar uma arma?
Agora foi a vez dele arregalar os olhos.
— O que você disse?
— O senhor é um agente ou coisa assim? — ela olhou para os lados, sussurrando — Trabalha para o governo?
— Não — ele respondeu devagar, olhando na direção de novamente. Ela ainda conversava com Cecilia, e pela sua expressão, parecia ser sério — Tenho meu próprio negócio.
— Então é assassino de aluguel?
— Shiu! — ele fez um sinal de silêncio, olhando para os lados e verificando se as crianças continuavam em sua bolha de inocência, porque a daquela garota já havia estourado faz tempo — Eu não sou assassino, ok? Não mato ninguém — quando não era necessário, mas ele jamais diria isso.
— Ah, eu sabia! nunca namoraria um assassino.
— É, pois é, eu também ac… — ele se interrompeu, juntando as sobrancelhas — Ei, calma aí, eu não sou…
— Tudo bem, senhor alto e bonitão. Eu sei guardar segredo — ela lhe piscou um dos olhos e voltou a se concentrar na boneca, tranquila e confiante com cada palavra dita.
Ele piscou os olhos várias vezes antes de desviá-los até novamente. A garota o olhou ao mesmo tempo, forçando um sorriso assim que se encontraram. Namjoon sentiu algo pesado naquele sorriso; tanto no ambiente quanto em seu próprio peito. E talvez, algo totalmente novo nasceu dentro dele novamente.

🌟✨


Era a última noite.
Toda a mansão se encontrava em um silêncio ensurdecedor, podendo deixar evidente o barulho ao lado de fora do pouco vento que passava pelas janelas e do andar dos seguranças que, mesmo longe, deixavam notório que ainda estavam por ali de alguma forma. Namjoon tinha os dedos tamborilando de forma calma em sua mandíbula, quase como se seus pensamentos estivessem em outro lugar. E, de fato, realmente estavam. Como nos dias anteriores em que estava ali, tão agradáveis e fora do comum, o oposto da realidade que costumava ter antes de tudo. Antes de conhecer quem verdadeiramente era , o que jamais poderia imaginar que fosse um dia e entender o porquê de toda a rebeldia e indisciplina que demonstrava ter.
Ele não só não entendia. Na verdade, havia se questionado algumas vezes nos últimos dias, desde que esteve com no orfanato, presenciando uma parte da vida da mulher que estava escondida, o porquê de sentir que, mesmo depois de tudo o que haviam conversado e presenciado, ela estava voltando a ser o que era antes. Não no quesito de voltar a ser a irônica, sarcástica e debochada , mas sentia que ela estava se distanciando. Sentia como se nada daquilo tivesse sido parte de seus planos, nem mesmo como se ela realmente quisesse que ele soubesse do que acontecia em sua realidade. Namjoon percebia que para ela, talvez, tivesse sido um erro. E, para ser sincero, talvez pudesse até mesmo ter sido, um erro que ele sabia que não teria outro jeito porque, bom, havia acontecido o que o rapaz jamais imaginava acontecer algum dia.
Não em seu trabalho, não com um cliente.
E muito menos com a .
Namjoon queria se praguejar por todos aqueles pensamentos inoportunos, queria tentar parar de olhar para o topo da enorme escada que recepcionava quem quer que fosse pela entrada da mansão e queria, ainda mais, fazer com que toda a preocupação e vontade de saber sobre como ela estava, se dissipasse de um segundo para o outro, como em um passe de mágica, mas era claro que aquilo não iria acontecer. Claro que não era daquela forma.
Ele fechou os olhos brevemente, como se aquilo o fizesse relaxar não só seu corpo como sua mente, mas aquela sensação ainda tilintava dentro de si, aquele sentimento não sumia e a cada vez que ele desejava parar de pensar no assunto, a vontade de subir os degraus ressoavam o mais claro possível para o mesmo, e aquilo só o fez bufar. E, com um resmungo não tão alto e rouco, resolveu por ceder à vontade que tanto estava tendo e com isso, ergueu o corpo do enorme sofá que se encontrava sentado, ajeitando o blazer de seu terno quase como se não precisasse daquilo, decidido a seguir até ao quarto de .
Na medida em que caminhava pelo corredor do segundo andar, sentindo que a cada passo que dava as pernas iam ficando mais pesadas e por um momento, rolou os olhos se comparando à um adolescente por se sentir tão ridículo daquela forma. Por que era tão difícil, naquela noite, se certificar de que ela estava bem? Ou se estava precisando de alguma coisa, qualquer coisa? Claro que ele sabia prontamente qual a resposta, mas não queria entender que, na real, aquilo era a última coisa que deveria estar acontecendo naquele ponto. Não era para estar acontecendo.
Com um suspiro baixo e com o abaixar de cabeça breve, Namjoon deu alguns toques na porta de madeira, notando o silêncio que ainda continuava e quando o mesmo permaneceu, sentiu a respiração ofegar em alerta.
? — bateu mais uma vez, agora um pouco mais forte para se certificar de que ela ouviria. Não houve barulho algum. — Ela só pode estar brincando…
O rapaz esticou a mão em direção à maçaneta, pronto para adentrar o cômodo quando a mesma se remexeu, dando lugar a figura de .
— O que? Achou que eu tinha fugido outra vez?
— E você acha isso engraçado? — indagou.
— Não. Eu diria que, divertido. Não vai dizer que a última fuga não foi memorável? — levou o indicador em direção ao queixo e o olhou mais uma vez, sorrindo para Namjoon de forma leve. Antes de respondê-la, o rapaz pôde perceber que havia algo mesmo com toda aquela expressão confiante e desdenhosa. Não era como se ela nunca tivesse sido daquela forma, mas naquela noite em específico, tinha algo a mais. Algo que ele se sentia tentado a decifrar, mas no fundo, sabia que talvez o certo fosse não ousar fazer aquilo.
— E então, a que devo a honra de sua visita? — perguntou, dando as costas para o rapaz enquanto voltava para dentro do quarto para continuar fazendo o que fazia antes, sem se importar que Namjoon estivesse a vendo daquele jeito, não só fazendo algo que só ela sabia, mas por estar com algo de menos, que ele só pôde perceber depois de muito tempo, quando caiu em si do que realmente estava acontecendo.
caminhava de forma despreocupada pelo quarto com um blusão de manga folgado, que tomava conta de quase metade de seu corpo e aquilo o fez a observar de forma tão natural que era quase como se a mulher não se importasse mesmo por ele estar ali.
— O que foi?
A pergunta o voltou para a realidade, fazendo com que Namjoon soltasse um pigarro fraco, um tanto desconcertado. Desviou seu olhar do dela, como se aquilo fosse resolver a forma sem graça com que tinha ficado e colocou uma das mãos no bolso da calça social.
— Você está bem? Não te vi pela residência o dia inteiro, eu pensei que…
— Você pensou? Ah, já sei. — virou o corpo, ainda com algumas folhas na mão, mas ao invés de demonstrar uma feição séria e de poucos amigos, tinha um sorriso contido no canto de seus lábios. — Pensou que eu tramava algum plano ardiloso de fuga ou que escondesse mais alguma coisa que você ainda não descobriu?
— Não foi bem isso… — ele começou, mas não soube mais como responder. Não era bem uma mentira. Não que descartasse 100% a hipótese de que ela fugiria de novo, mas agora parecia não querer que isso acontecesse — O que está fazendo aí?
— Organizando algumas coisas, alguns desenhos… — levantou uma das folhas que tinha em mãos para o mostrar, voltando a ficar de costas para ele. Antes que pudesse continuar, suspirou encarando os esboços espalhados pela escrivaninha, pensando consigo mesma que, na verdade, não era apenas organizar. Ela estava os guardando, da forma mais delicada possível. — Sabe desenhar?
Namjoon arqueou uma das sobrancelhas, olhando das folhas espalhadas para ela.
— Nunca tentei, só alguns rabiscos, mas nada realmente interessante. — deu de ombros, caminhando vagarosamente em direção à ela. não pareceu se importar com sua aproximação, já que apenas balançou a cabeça com sua resposta. — Já você, parece que tem o dom para tal.
— É algo que me orgulho muito, para ser sincera. — sorriu de canto. — Foi uma das muitas coisas que herdei da minha mãe e sou muito grata por isso. — respirou fundo, erguendo o olhar em direção à ele. — E saber que isso de alguma forma pode levar alegria à todas aquelas crianças não tem preço algum.
Namjoon a observou por alguns segundos depois de sua resposta, analisando meticulosamente a feição de , um tanto nostálgica, mas ainda assim, satisfeita pelo que falava. Parecia não se arrepender de nada que tinha feito, nenhuma fuga, nenhum problema que havia se metido. Não era como se importasse diante do objetivo principal.
— Eu entendo como deve ser significante para você.
apenas soltou um murmúrio baixo em concordância, mas voltou a olhá-lo, desta vez de um jeito curioso. Vê-lo tão interessado daquela forma, quase como se nunca, nem ao menos uma vez, tivesse sido tão rigoroso a ponto de nem olhá-la direito, a fez se perguntar quais os pensamentos que agora rondavam sua mente.
E aquilo a fez sorrir um pouquinho mais.
— O que acha de me mostrar um pouco dos rabiscos que sabe fazer? — arqueou uma das sobrancelhas, estendendo algumas folhas em branco em direção ao rapaz e ele olhou para sua mão, seguindo para seu rosto, achando graça em sua atitude. Nunca que algum dia chegou a pensar que naquele ápice de seu trabalho, faria algo parecido ao que estava disposto a fazer naquela hora. Cederia aos seus princípios no trabalho, as regras que antes não haviam sido quebradas e a proximidade que, um mês atrás, sequer pensaria em ter com ela. Justo com ela.
Não pensou também que se sentiria tão leve como se sentiu no decorrer daquela noite, na troca de palavras e risadas nasaladas que ecoavam pelo quarto de , muito menos confortável em contar sobre algumas coisas de seu dia-a-dia, de seu trabalho, sobre ele. Namjoon sabia que poderia ser complicado, ele sabia bem, mas não importava. Não importava porque ele teve a chance de conhecer a verdadeira face da mulher, sua alma, suas intenções que eram inteiramente contrárias ao que deduzia. Não fazia ideia de que ela poderia guardar tantos segredos e tanta força por trás de uma feição firme.
Quando o rapaz viu se levantar, ajeitando a blusa pelo corpo enquanto colocava de forma sutil os papéis novamente em cima da bancada no canto do quarto, a observou caminhar lentamente em direção a sacada de seu quarto, que era grande como ele e quase de forma imperceptível abraçou seu corpo, tendo os cabelos balançados pelo mínimo vento que passava por ali e aquela cena, de certa forma, o fez sentir que deveria ir a seu encontro, que deveria acompanhá-la mesmo que fosse apenas para ficar em silêncio, e sem pensar uma ou duas vezes, ergueu seu corpo, passando uma das mãos pelo cabelo e caminhou em sua direção ao parapeito claro onde se encontrava recostada. De início não levou seu olhar em direção ao dela, apenas focou em um ponto qualquer da paisagem ampla que o descomunal jardim arborizado lhe fornecia. Namjoon respirou fundo quase no mesmo instante em que ouviu um suspiro pesado escapar da mulher ao seu lado.
— Sabe, sr. Kim, às vezes chego a pensar se não foi loucura de minha parte confiar em você. — soltou, puxando o olhar do mesmo em sua direção. apenas deu de ombros. — A primeira coisa que pensei foi que, com toda certeza, você ferraria com tudo o que eu tinha conquistado e, vou ser sincera, a minha maior vontade era de socar a sua cara.
Namjoon franziu o cenho, se questionando o porquê de todas aquelas palavras, mas ao notar a expressão pensativa, mas risonha de ao seu lado, só conseguiu deixar uma risada fraca escapar de seus lábios. Ela o acompanhou.
— Não me surpreende que sua vontade tenha sido essa, até porque, você conseguiu descontá-la nos meus seguranças. — sorriu.
riu como ele.
— Nenhum que estava aqui aguentou tanto, mas eu não sei… Naquele dia, quando você apareceu no orfanato a ponto de colocar tudo por água abaixo, seu olhar dizia outra coisa. Como se não me reconhecesse.
— Acho que fui bem pouco surpreendido durante toda a minha vida, então achei que você merecia o crédito de confiança. Pelo menos para se explicar.
— Então ficou curioso sobre meu outro lado? — perguntou ela, sorrindo.
— Pra ser sincero, ainda estou. — Namjoon parou seu olhar sobre o dela por alguns instantes, apenas se deixando levar pelo brilho que eles emanavam naquele momento. Não era como se tivesse visto aquilo alguma vez nos olhos da mulher, mas parecia surreal, como se fosse a primeira vez que algo o tirasse tanta atençao. — Eu realmente estou curioso quanto à você, .
Aquela havia sido a frase que fez com que os pensamentos da mulher se embaralhassem tão rapidamente que a única coisa que se fixou em sua mente era o fato de que não queria saber se ele era seu segurança, se aquela atitude resultaria em alguma consequência ou se pudesse afetar a droga do trabalho do seu pai. só queria saber das suas mãos emaranhadas no cabelo e nuca do homem à sua frente sem pensar em qualquer outra coisa, apenas naquilo.
E sem que qualquer outra palavra pudesse ser dita, ela o fez, sentindo seu corpo colar ao de Namjoon, os dois iniciando um beijo sedento e desesperado, quase como se estivessem esperando aquilo desde a primeira conversa sincera que haviam tido. Pôde sentir as mãos firmes do rapaz espalmadas em sua cintura, a puxando para si um pouco mais enquanto mordia seu lábio inferior, fazendo com que Namjoon soltasse um suspiro vagaroso, quase como um gemido e aquilo a fez sorrir, mesmo que minimamente. Mas, antes que pudesse fazer alguma outra coisa, seus olhos foram direcionados à câmera que estava fixada à parede um pouco mais acima dos dois e aquilo a fez empurrá-lo de súbito, enquanto jogava seu corpo para trás para que se escondesse. Namjoon franziu o cenho, sem entender a repentina reação da mulher. — O que…
— A câmera. Alguém pode ter visto, está ligada. — ergueu o indicador para o aparelho, observando a pequena luz vermelha. Namjoon continuou a encarando, se praguejando por algo como aquilo ter prejudicado o que acontecia enquanto sentia o coração bater mais rápido dentro do peito. — Droga, eu sabia que não… Ele não a deixou continuar, seu corpo se virou com rapidez dando um pequeno passo em direção à câmera e sua mão, sem esforço algum, segurou os fios alinhados meticulosamente. Com um puxão, os arrancou, fazendo com que a pequena luz avermelhada apagasse e se certificou que nenhuma outra coisa acontecesse, nem mesmo que outra palavra saísse pelos lábios de . O corpo do rapaz seguiu até o dela, segurando sua cintura mais uma vez, fazendo sua boca ir de encontro à da mulher, o que fez com que os braços da mesma enlaçassem o pescoço de Namjoon em uma intensidade que só eles dois estavam entendendo. Nenhum dos dois queriam arrumar uma explicação, muito menos queriam pensar no que aconteceria quando acordassem na manhã seguinte e se encarassem pela primeira vez depois do furacão de emoções que estavam experimentando.
A única coisa que importava naquela hora era o caminho até a cama de e o fato de que desarrumariam ela por completo.

🌟✨


O quarto estava silencioso. Não havia barulho, nem mesmo o som do despertador que Namjoon comumente costumava ouvir pela manhã, mesmo já estando acordado. Namjoon tinha seu corpo descansado pela camada, o lençol escuro desarrumado pela metade de seu corpo, quase o deixando despido por parte dele estar no chão. Ele se remexeu até abrir os olhos, encarando a luz forte que entrava pela varanda já tão cedo. Piscou algumas vezes até notar o lugar inusitado em que havia acordado e aquilo o fez dar um pequeno sorriso ao se lembrar da noite anterior, se recordando de como tudo tinha sido tão louco a ponto de, para ele, ter sido incrível, inteiramente fora do normal. Não fazia ideia de que o surpreenderia daquela maneiro e pensar sobre aquilo o fez se questionar, ao olhar o espaço vazio a seu lado, onde é que ela estava.
Deixou que os olhos vagassem por todo o quarto, tendo a pequena impressão de vê-lo mais vazio, mas deixou esse pensamento divagar já que o mesmo era grande demais e tinha muitas coisas minimalistas. Namjoon ergueu o corpo, se sentando na cama e deixou um suspiro pesado escapar, pressionando seus lábios. Olhou mais uma vez para os lados, em direção ao closet e ao banheiro, franzindo o cenho por tudo estar tão silencioso.
? — a chamou. Não houve resposta.
O rapaz fechou os olhos brevemente, resolvendo se levantar pronto para colocar uma roupa qualquer e procurar pela mulher pela casa. Onde é que ela estava tão cedo? Será que… Namjoon parou enquanto terminava de colocar sua blusa, sentindo o coração descompassar por alguns segundos. Não pensou muito ao terminar de vestir o tecido e virou o corpo até o banheiro, parando na porta e o vendo vazio. O mesmo com o closet. Não havia ninguém.
Não queria pensar na pior das hipóteses. Não queria pensar que , depois de tudo o que havia conversado e vivenciado na noite anterior, teria feito algo que Namjoon com toda certeza fazia ideia e não concordava. Deixou o olhar cair de volta para o quarto e com isso seguiu para o corredor, tentando não deixar transparecer sua confusão e alerta. Algo dentro de si o agitava, para a mansão estar tão vazia, tão silenciosa… Porque parecia que alguma coisa estava faltando?
Não demorou muito para que sua pequena busca, olhando por cada pequeno lugar da residência fosse mal sucedida, o fazendo se frustrar minimamente ao colocar as mãos no parapeito do segundo andar da casa. Namjoon sentia seu peito subir e descer com rapidez, sentia o punho se fechar, a respiração falhar. Por que? Por que tinha que ter sido tão silenciosa? Ele ao menos percebeu…
Olhou para o lado, podendo avistar a enorme janela dando vista para a parte lateral da casa, onde algumas árvores chamavam atenção pelo verde tão nítido que pareciam não serem verdadeiras. Ele tentou pensar, tentou focar em apenas uma coisa, mas não conseguia. Não conseguia já que seus pensamentos só estavam na mulher e no que ela tinha arrumado daquela vez. Por todo lugar que Namjoon tinha estado, não havia nem sinal dela.
Ele não queria entender, no fundo ele sabia. Ele sabia o que tinha acontecido.
Engoliu em seco, voltando para o quarto de , onde estava anteriormente e andou até o meio do mesmo, olhando ao redor. Não era possível que ela havia conseguido sair com tanta facilidade, tanta destreza. Ela não podia ter fugido mais uma vez… Os olhos do rapaz percorreram por todo pequeno canto do quarto, cada quadro, cada móvel, cada objeto que ali continha. A cada olhada passada pelos materiais, sua cabeça maquinava, seus pensamentos rodopiavam e as dúvidas iam surgindo cada vez mais. Ela tinha motivos, era o que não lhe faltava, mas Namjoon não queria compreender. Ele não queria acreditar.
Passou as mãos apreensivas pelos cabelos já desarrumados como antes e puxou todo o ar que lhe restava, o soltando depois, sentindo o coração ainda descompassado. A verdade era que Namjoon não sabia o que fazer primeiro, não sabia se deveria acionar o restante de sua equipe primeiro, ou se deveria comunicar ao seu cliente… Ele não fazia ideia.
Não fazia até bater seus olhos em uma parede específica. De primeira, o rapaz franziu o cenho, tentando focar seu olhar nos poucos desenhos ali deixados, se lembrando bem que àquela parede em si era repleta de folhas coloridas, até mesmo um pouco amassadas, se lembrou que o havia mostrado seus desenhos, mas agora… Não havia restado muitas coisas. Não tinham mais os esboços multicolores, os desenhos de suas crianças do orfanato. Não.
Ali, na parede inteiramente, haviam pouquíssimas folhas espalhadas, pareciam ter sido deixadas de propósito, quase como se fosse para que Namjoon as visse. Ele engoliu em seco, se aproximando um pouco mais. Quando seus olhos bateram nos rabiscos de , algo esquentou em seu peito. Eram traços incompreensíveis para outros olhos, puxavam algumas linhas perpendiculares, outras paralelas, mas cada uma tinha seu objetivo. Namjoon inclinou a cabeça minimamente, pressionando os lábios após soltar um resmungo fraco por perceber o que havia acontecido. O que ela tanto havia planejado.
Ele conseguiu entender tudo.
Namjoon entendeu quando seus olhos captaram, naquele desenho abstrato e emaranhado, a base de algo que parecia uma estátua, o começo dos membros inferiores, os rabiscos na parte superior, as mãos. Observou que em outra folha haviam outros traços, o que quase chegavam a formar um casarão. E continha uma bandeira no topo. Aquilo faz Namjoon sorrir satisfeito. Ele soube no exato momento onde estaria.
E tinha a plena certeza que não mediria esforço algum para ir até ela.


FIM.



N/A FIXA 📌: Obrigada por ter lido :)


OLÁ! DEIXE O SEU MELHOR COMENTÁRIO BEM AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus