Última atualização: Fanfic finalizada.

Introdução

Hoje era o aniversário de 28 anos de , mas ela não tinha ninguém com quem quisesse comemorar. Na verdade, a única pessoa que ela queria que estivesse ao seu lado, não podia mais estar…

12 anos atrás...

nem sempre foi aquela garota solitária e depressiva a qual se transformara. Com seus 16 anos, ela era uma garota cheia de energia, falava com todo mundo da escola, adorava fazer atividades ao ar livre e, ao contrário de algumas meninas, ela não usava maquiagem e nem se importava em ficar suada durante a atividade física, ela só queria ser feliz correndo de um lado para o outro.
Após as férias de verão do primeiro ano do ensino médio, um garoto novo foi transferido para sua sala de aula. Ele era moreno, de cabelos enrolados e pele clara, também era alto e tinha uma covinha no queixo quando sorria. Desde o primeiro dia, ele se sentou ao lado dela. Apesar de parecer descontraído, ele não era muito comunicativo e isso atiçava a falar com ele a qualquer custo. Paul era seu nome. O nome do Beatle favorito dela.
— Você conhece os Beatles? — perguntou pra ele.
— Não. O que é isso? — ele disse curioso. — Alguma coisa da escola? — riu.
— Eles são o fenômeno da música... — E foi assim que eles começaram a conversar, e logo estavam próximos.
Alguns meses se passaram, era noite do baile de primavera. vestia um vestido amarelo, solto, com flores, e era acompanhada de Paul, com sua bermuda tectel azul e camiseta laranja. Uma banda tocava uma música animada e todos dançavam animados.
— Eu já volto — disse Paul, de repente, e sumiu entre as pessoas. continuou dançando, até que a música parou e todos olharam pra ela. Um caminho no meio das pessoas surgiu até o palco e ela viu que Paul estava lá, olhando pra ela enquanto segurava o microfone. Uma música calma, que ela conhecia muito bem, ecoou pelo salão. You really got a hold on me, do Beatles, foi cantada na voz suave de Paul, que, enquanto cantava, caminhava até seu encontro. Quando a música acabou, Paul pediu em namoro.
Os dois eram o casal da escola! ia com Paul a qualquer lugar e eles sempre procuravam fazer algo diferente e radical juntos, como pular, patinar no gelo, acampar em uma ilha deserta, rapel, rafting... e enquanto voltavam de uma dessas aventuras, Paul dirigia em uma rodovia vazia, era tarde da noite e estava chovendo forte, então um caminhão entrou em sua frente e ele tirou o carro da pista, batendo em uma árvore. Paul, que sorria pouco tempo antes, ao lado da pessoa mais especial de seu mundo, agora tinha seu peito todo esmagado pelas ferragens do carro. desmaiou com o impacto e só acordou horas depois no hospital com a perna engessada. Quando recebeu a notícia de que seu namorado tinha morrido, ela gritou e chorou tanto que até desmaiou. Por dias ela não conseguiu comer. E devido ao seu estado, foi recomendado que ela fizesse terapia até que melhorasse.

Depois de alguns meses fazendo terapia todos os dias, voltou para a escola. Ela queria tentar continuar a vida como todos diziam pra ela fazer. Mas desde o acidente, ela nunca foi a mesma. Ela conseguia se sentar entre os olhares piedosos sobre ela e fingir prestar a atenção na aula, mas isso não queria dizer que ela não via Paul ali na cadeira ao seu lado, com o semblante franzido enquanto prestava atenção na aula. Ela o via todos os dias. Ela não praticava mais atividades físicas, não falava mais com todo mundo, não se arrumava pra ir à escola e tinha passado a se esconder atrás de seus óculos de grau. Seu brilho tinha se apagado. Ter que ir todo dia para a escola era uma tortura pra ela, mas ela queria mostrar aos pais que ela estava melhorando, mesmo que ela se sentisse vazia como uma pena sendo levada pelo vento.
ficou tão aliviada quando se formou no ensino médio que nem mesmo foi à sua formatura. Ela não foi pra faculdade. Depois de formada, ela entrou em um trabalho como operadora de caixa no mercado e é lá que ela trabalha até os dias de hoje. Seus pais pegaram o dinheiro da poupança da faculdade e compraram um apartamento para ela morar.
não tinha expectativa de vida, na verdade, ela vivia com medo de se apegar a algo ou alguém e essa pessoa ir embora de uma forma trágica de novo. E isso trazia um aspecto depressivo para ela.


Um

Atualmente...
sentou à mesa e ficou olhando para sua cozinha perfeitamente organizada e lembrou de quando se mudou…

Quando me mudei, minha vida era uma verdadeira bagunça. Eu era jovem e não conseguia dormir sem meu antidepressivo. Acordava entre as roupas e comidas espalhadas por todo canto do apartamento e com cara de zumbi ia para o trabalho. Não sentia fome e era magra, e ainda sou, como uma anoréxica. Desde que comecei a trabalhar no mercado, não fiz muita amizade com os funcionários, na verdade eu só dizia um "oi" pela convivência. Quando meu expediente acabava, eu pegava minhas coisas, caminhava para casa e assistia tv enquanto comia alguma coisa antes de tomar meus remédios e deitar pra dormir. Hoje, nada mudou.
Enquanto o tempo passava, eu via a vida mudando entre meus ex-colegas de escola. Eles entraram na faculdade, outros se casaram, alguns tiveram filhos. E eu parecia um hamster correndo na esteira redonda. A mesma rotina todo dia. Mas, como minha psiquiatra mesmo dizia:
— Continue paciente.
Então tudo que eu tenho que fazer é continuar paciente. Talvez um dia algo diferente e especial aconteça e eu possa florescer de novo e ser como aquela garotinha que eu era. Mesmo que eu não me lembre de como eu era.
Talvez eu deva continuar esperando que a vida me traga algo diferente, ou talvez eu tenha que fazer alguns rearranjos e me dar um pequeno empurrão para experimentar algo diferente.
Foi quando avistei o dado de pelúcia que Paul me deu quando fomos ao parque de diversões e tive uma ideia.
— Vamos sortear o que será minha nova aventura — falei em voz alta. — Quero que você me ajude a escolher — eu disse, olhando o dado como se falasse com Paul. Escrevi em um papel uma lista de coisas que queria fazer com Paul antes de toda merda acontecer e as separei por números, combinando com os números do dado. Rolei o dado e voilá! Minha próxima foi selecionada.
— Bela escola, Paul! Bungee jumping!
Entrei no computador e pesquisei um lugar mais próximo para poder praticar o tal esporte radical. Preparei tudo para o fim de semana e até me senti animada.

No sábado de manhã, acordei cedo, me arrumei e fui com um carro alugado para o lugar combinado. Era longe de casa e eu dirigia pela primeira vez em anos, eu estava com medo, mas valeria a pena. Eu estava fazendo isso por nós. Eu precisava ser forte.



Encontrei um pessoal que também ia pular e me ajudou com o equipamento. Quando estava pronta pra pular da ponte, olhei pra baixo mais uma vez e tentei me acalmar.
— Fique calma! Tudo que você precisa fazer é ser paciente — sussurrei pra mim mesma.
— Se você quiser, eu posso pular com você — um dos caras que me ajudou disse.
— Não. Obrigada, mas eu preciso fazer isso sozinha — respondi, com a voz trêmula. Respirei fundo e dei o sinal que estava pronta e então pulei. Meu grito foi tão alto que eu pensei que ficaria sem voz. Quando encontrei o pessoal, todos disseram que fui bem e que levo jeito pra coisa. Se eu quisesse pular outra vez, era só falar com o grupo de novo. Eu com certeza tinha me apaixonado pela adrenalina de novo. Talvez esse era o empurrão que eu esperava.


Dois

Depois, era a vez de fazer paraquedismo. Eu não entendi como eu gostava tanto de voar. 80 por cento da minha lista de esportes radicais envolvia eu voando de alguma forma. Mas eu gostava assim. Subi no avião, ansiosa para a sensação de liberdade ao voar.
Quando vi as pessoas pulando do avião, fiquei tão animada que só pulei sem checar meu equipamento. Quando comecei a cair, percebi que tinha algo errado. Não conseguia mexer meu corpo. Eu só podia sentir o vento bater em meu rosto e pensar que logo iria ver Paul. Quando cheguei perto do chão, bati em algumas árvores e me enrosquei em uma cerca. Eu estou presa na cerca. O que era aquilo que eu estava sentindo no peito? Eu estou feliz ou queria estar morta?
De qualquer forma, foi maneiro! O problema é que a adrenalina está passando e eu estou ficando triste e deprimida de novo, além de sentir o corpo todo cortado pelo arame da grade. Eu estava amando aquela sensação. Não era dor, mas era algo que lembrava. Eu me sentia humana de novo. Depois de alguns minutos, alguns caras apareceram perguntando se eu estava bem. E começaram a me tirar dali. Era muita sorte minha cair na cerca da base do exército. A ironia é inestimável.

Depois de alguns dias no hospital, meus pais me levaram pra casa deles. Dessa vez, eu não tinha só quebrado a perna. Eu tinha quebrado o braço direito, deslocado o esquerdo, e tive alguns órgãos perfurados. Sem falar no fato de ter quebrado a confiança deles. Eu tinha voltado a morar com meus pais e tudo que eu fosse fazer tinha que pedir ajuda de um dos dois. Minha vida virou uma bagunça de novo. Eu não tinha mais minha liberdade de ir até minha varanda, ficar olhando para as luzes do térreo, admirar a escuridão na rua e minha cama agora era o sofá da sala. Aquilo tudo me deixava perturbada e eu amava aquilo.
Não sabia se estava tão morta por dentro a ponto de preferir sentir estar machucada, ou se estava feliz por só estar viva para voltar à minha vida vazia.
Olhei pro meu braço e sorri, mas sem saber o porquê. Eu estava amando tudo mesmo que 99% do tempo parecesse que eu estava deprimida.
Não percebi que estava sendo observada...
— Você vai ficar se arriscando e caindo do penhasco agora que já tem 28 anos? — Minha mãe me olhou séria. Fazia tanto tempo que não via esse olhar nela, parecia que ela podia arrancar meu fígado a qualquer momento.
— Filha, você não tem mais idade pra ficar fazendo essas estrepolias — meu pai concordou, com seu jeito amedrontado de dar bronca. Era visível que eles estavam decepcionados, mas aquela era a minha vida. Eu podia fazer o que quisesse dela e com certeza eu não iria parar por aqui. Não depois daquela sensação de ser uma pena voando.
Lembrei de quando fui patinar no gelo pela primeira vez, com Paul, e eles fizeram um sermão parecido com esse. O que posso fazer, eu adoro esportes radicais!
— Mãe, pai — interrompi o que eles diziam. — Aceitem! Apenas chamem isso de vida, porque ainda estou viva. Eu não tentei me matar. Não se preocupem. É só o jeito que escolhi viver minha vida. Os ossos quebrados fazem parte. Mas isso não vai acontecer de novo. Vocês não vão precisar me levar ao banheiro de novo.


Três

LONGOS MESES DEPOIS...

Quando voltei para meu apartamento, tudo estava em seu perfeito lugar, mas eu sentia que estava bagunçado. Aquilo estava errado. Liguei uma música alta e, como quando me mudei anos atrás, comecei a deixar as roupas jogadas em qualquer canto, sentei no sofá e caí no sono. Na verdade, não sei ao certo se estava dormindo ou tendo uma visão do acontecido, mas eu estava lá, presa na cerca de novo. Eu olhava meu corpo por cima e eu estava sorrindo e depois gargalhando. Eu parecia feliz.
Então eu estava na minha sala e Paul apareceu ao meu lado no sofá e estendeu a mão, me chamando. Levantei e comecei a segui-lo. Quando dei por mim, estava na beirada do parapeito da minha varanda, olhei para baixo e tinha uma escuridão inestimável. Paul subiu no parapeito e o vento balançou seus cabelos e sua roupa branca que lhe caía toda solta. Ele estendeu a mão para mim mais uma vez e me ajudou a subir. Eu tinha estado ali tantas vezes e ele nunca esteve comigo assim. De repente, ele disse:
— Se você quiser pisar nesse vão, vai levar um soco na cara. — Apesar das palavras duras tão repentinas, eu sabia que ele estava sendo fofo comigo. Ele colocou uma mecha de meu cabelo atrás da minha orelha e me levou para a sala. Me abraçou e eu deitei no sofá. Abri meus olhos para outra realidade. A porta da varanda, que antes estava fechada, agora ventava gelado na sala.
Eu nunca tinha o visto ser tão bruto com as palavras antes. Mesmo que tenha sido um sonho, desde aquele dia, como se eu estivesse obedecendo seu pedido, eu não chegava mais perto do parapeito da varanda.


Ficar em casa, enquanto terminava de me recuperar, estava me deixando ansiosa. Eu não conseguia ir à varanda porque lembrava de Paul. Então desci para tomar um ar na calçada. Quando passei pelos carros no estacionamento, lembrei que tinha comprado um Toyota Hilux GR Sport do ano, antes de me acidentar, e ele estava na garagem parado. Olhei aquele lindo carro, parecido com o antigo carro de Paul, e resolvi dar uma voltinha. Eu nunca tinha dirigido um carro tão grande, então comecei com cautela entre as ruas do bairro, depois fui para uma rota deserta, onde poderia dirigir com mais liberdade. Coloquei um rock alto e gritei a letra da música enquanto sacudia a cabeça no ritmo. Energizada pelo ritmo da guitarra, acelerei o carro. Conforme as coisas em volta do carro se transformavam em um borrão, eu percebi que não tinha mudado nada. Eu ainda era aquela jovem louca por uma adrenalina. Eu não podia mudar em um dia.
Em alta velocidade e com uma música ensurdecedora, comecei a ver algumas luzes azuis e vermelhas piscarem. Em vez de parar, segui meu coração e acelerei mais ainda. Aquela avenida não aparecia ter fim. Talvez eu consiga escapar. Fingi que não vi a viatura na minha cola e muito menos ouvi as sirenes.
Tentei manter minha distância da lei, mas esse não era o meu destino.
Corri por uns 5 minutos e o carro começou a fazer um barulho estranho e a desacelerar. O ponteiro do velocímetro caiu e uma luz no painel mostrou que eu estava sem gasolina. Isso nem tinha passado pela minha cabeça. A viatura entrou na minha frente e eu freei o carro só para não bater.
— Mocinha, sabia que andar acima da velocidade é perigoso? — o policial disse, quando se aproximou da minha janela. — Cadê seus documentos? — Agora vem a cereja do bolo! Não disse nada, só lhe entreguei minha habilitação. — Sua habilitação está vencida há 6 anos. Seu carro será apreendido ou você terá que chamar alguém para retirá-lo.
E lá fui eu ligar para meu pai, torcendo para que minha mãe não atendesse. Ela falaria tanto que minha orelha iria sangrar. Por sorte, meu pai atendeu de primeira e, depois de eu implorar, ele disse que não iria contar pra mamãe.
Enquanto ele me levava para minha casa, depois de ter conversado com o policial, ele olhava fixo para a estrada, com o maxilar apertado. Ele queria dizer alguma coisa, mas não falava. Então bufei alto.
— Posso saber desde quando você tem um carro? Você nunca quis que eu lhe desse meu antigo carro, eu tive que vender, e agora me parece com esse carro de última geração.
— Eu só comprei. Ele parecia com um carro que vi um tempo atrás. — Eu não quis dizer que era um modelo de carro parecido com o de Paul, porque em vez de meu pai ficar bravo comigo, ele poderia acabar se desculpando. E isso não era o certo.
— Você sabe o que sua mãe vai dizer quando descobrir? — ele perguntou e eu o olhei com os olhos arregalados como se perguntasse "você vai contar?” — Sim, eu vou ter que contar pra ela porque eu saí uma hora dessa da noite.
— Ah, pai! Por favor. Diz que você foi à loja de conveniência comprar alguma coisa, inventa uma história, mas não conta pra mamãe. — Juntei as mãos embaixo do queixo. — Eu juro que não faço isso de novo.
— Hum! — ele resmungou. — Promete que não vai mais fazer nenhuma loucura?
— Sim, prometo! — Mostrei as mãos para que ele visse que eu não estava fazendo figas com os dedos.
— E você vai dirigir devagar e só depois de renovar a Carteira de Habilitação?
— Sim! sim!
— Jura, juradinho?
— Sim!
— Então vou ver uma história para dizer à sua mãe por que fiquei 2 horas fora de casa. Mas se você me decepcionar mais uma vez, vou dar ouvidos para sua mãe e te internar em um manicômio.
— Ai, pai! Só de ouvir essa palavra, me vem um arrepio.

Naquela noite, meu pai me deixou em casa. Eu subi para meu ap. Enquanto caminhava para o quarto, me despi, pulei na cama e adormeci.


Quatro

ALGUNS DIAS DEPOIS…

Quando eu saí do trabalho, minha mãe me esperava com seu semblante nada bom.
— Entre no carro — ela disse, quando me aproximei. Fui em direção a ele. — Vamos dar uma volta no shopping, acho que você precisa de uma roupa nova. — Aquilo com certeza era uma desculpa para ela de alguma forma dizer que eu sou louca. Mas eu não sou louca. Por mais que seja horrível me sentir dopada, eu tomo meus antidepressivos, meus remédios para ansiedade e às vezes até remédio para dormir. Mesmo que eu deixe de tomar alguns comprimidos, eu gasto cada segundo cuidando do meu cérebro. Eu sei que não sou louca.
Quando desci do carro, estava me sentindo ansiosa. Eu sabia que algo ruim aconteceria. Minha mãe se aproximou de mim e tocou meu cabelo.
— Suas pontas estão duplas e seu cabelo ressecado. Que tal um corte novo? Essa franja está enorme, quase não dá pra ver seus lindos olhos. — Minha franja é grande pra esconder minhas olheiras. Mas uma hidratação seria ótimo.
— Tá bom, mas não quero cortar minha franja.
Depois do salão, minha mãe disse que eu precisava de roupa nova e fomos entrando em lojas. Ela me dava as roupas para eu vestir, mas eu não gostava nada daquele estilo de roupas apertadas que ela insistia que caía bem em mim.
— Você já experimentou diversas roupas e sempre fica com essa cara. Parece que não gostou de nada — ela disse, brigando comigo no meio das vendedoras. Peguei uma peça qualquer.
— Eu gostei dessa. — Mostrei pra ela. Era um macacão curto, que com certeza eu não usaria porque minha cicatriz na perna ficaria à mostra. Mas foi o suficiente para sairmos da loja.
— Agora vamos ver alguns acessórios. Será que isso te anima? — minha mãe disse. Eu só queria ir pra casa. Será que ela não percebeu que eu odeio fazer compras? — Olha esse colar, ele tem a pedra do equilíbrio psicológico, acho que combina perfeitamente com você. — A pedra era rosa, com certeza não combinava comigo. Eu sei que ela disse aquilo pra falar mais uma vez que eu estou fora do normal.
— Essa é a quartzo rosa, ela ajuda a superar coração partido, ajudando na cura do estado emocional — a vendedora disse. Parecia até combinado.
— Mãe, mesmo que eu pareça depressiva, eu estou bem. Talvez eu poderia preencher todo o vazio com pedras, diamantes e correntes de prata, mas eu ainda continuaria assim. Então para de ficar dizendo que sou louca — eu disse, tentando ignorar a vendedora.
— Então você acha normal seu pai ter que sair no meio da noite pra ir salvar você da polícia?
— Os filhos não são perfeitos, ninguém é — eu disse, já de saco cheio. — E quer saber, eu vou embora. — Saí andando, deixando-a bufando. Peguei um táxi e desci em frente de casa.
Por que minha mãe sempre diz que eu sou louca? Eu só sou traumatizada, marcada pela insônia e, agora, perseguida pela grande vontade de praticar esportes radicais. Eu não sou louca! E depois de tantos anos de terapia, agora eu estou finalmente enfrentando meus fantasmas… Acho que isso era pra ser considerado uma coisa boa.


Cinco

Enquanto subia para meu apartamento, lembrei de quando caí em cima da grade meses atrás. Esse foi o melhor acontecimento dos últimos anos da vida. Aquela sensação de pele rasgada e sangue escorrendo, misturado a uma sensação estranha no meu estômago. E eu sem saber se estava feliz ou queria estar morta.
Abri a porta do apê e vi que não podia um dia chamar alguém para me visitar. Minha casa, além de bagunçada, agora era fedida. Entrei na sala e vi resto de comida na mesinha de centro. Antigamente, esse lugar era minha vida. Eu tinha planejado comprar um apê com Paul, quando éramos jovens e inocentes. Depois que ele se foi, eu ainda insisti nessa ideia, deixei todos os móveis organizados e o ambiente limpo por muito tempo, mas agora acho que está melhor assim. Eu prefiro assim!
Minha vida estava uma bagunça. Mas estou feliz assim!
Vi a lista das atividades radicais que eu queria seguir, simplesmente joguei o dado mais uma vez, e li a opção que caiu.
Patinação no gelo. O primeiro passeio que fiz com Paul. O problema é que não tinha gelo nessa época do ano. Talvez eu deva tentar patinar na rampa atrás da escola. Lembro que era super badalado quando eu era jovem.

Dois dias depois, era sábado, meu dia de folga. Peguei meus patins novos, que comprei pela internet, e peguei um táxi até a rua em que ficava a rampa de skate, onde as pessoas também andavam de patins. O lugar agora era uma construção inacabada, onde tinha um muro de alumínio o cercando para que não invadissem, mas não valia muito, no muro mesmo tinha um buraco, que foi por onde passei. A grande e alta rampa ainda estava lá, mas agora tinha algumas pilastras e partes de paredes de tijolos inacabadas. O lugar era caótico, tinha cinzas por todo lado. Eu até que me senti à vontade com tanta sujeira, aquele lugar dava uma sensação calma de estar em casa. Vesti os patins e meus protetores, como joelheiras, cotoveleiras e capacete, antes de ficar de pé na rampa. Era tão alta que eu podia ver a escola, agora pintada de outra cor. Também podia ver o caminho que eu percorria da antiga casa dos meus pais até ela. Tudo estava diferente de como eu me lembrava.
Olhei para a rampa, que ainda era a mesma, e algumas lembranças vieram à tona. Como o meu primeiro beijo no 4⁰ ano do fundamental, ou quando eu e minhas colegas de sala fumamos cigarro e bebemos cerveja ali no canto, escondidas atrás da velha árvore da escola. Lembrei dos meninos descendo na rampa de skate e lembro que eu tive vontade de descer daqui de cima, mas tinha medo de me machucar e meus pais brigarem.
Agora, é minha vez de pular!
— Essa é pra você, Paul — eu sussurrei, antes de respirar fundo e pular na rampa. Eu desci e subi do outro lado, desci de novo, mas não sei o que aconteceu que voei longe, bati em alguma coisa dura e caí. Deu branco. De repente, pisquei e uma névoa ficou nítida. Tinha poeira pra todo lado e algo me impedia de respirar. Dor, sem dor. Tinha um tijolo no meu peito. Eu não conseguia me mover, mas sentia algum inferno segurando minhas pernas. E ao meu lado uma pilastra de 3 metros de altura, que estava meio torta e balançando devagar. Mas, honestamente, não parecia ser uma ameaça.
Será que quebrei algo dessa vez? Minha mãe vai me deserdar! Hahaha
— Hahahahaha — eu comecei a gargalhar.
— Moça, você está bem? — Escutei a voz ao longe. Onde quer que eu esteja, alguém vai aparecer pra cuidar de mim.
Lembrei onde tudo começou.
Aquela bagunça que me trouxe a essa vida radical. Aquele dia quando me cortei com os arames da grade. Aquele dia, aquela experiência, aquela aventura, me trouxe a minha própria vida. Eu finalmente posso me sentir feliz por ser eu mesma hoje. E eu amo isso, mesmo que eu pareça deprimida, eu não me arrependo de nada. E tudo isso é graças a você. Sim, você, Paul.
Obrigada!


FIM



Nota da autora: Sem nota.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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