Finalizado em: 17/12/2020

Repulsa
substantivo feminino
Ação ou efeito de repelir, de repulsar, de repugnar; aversão.
Sensação de ojeriza, de repugnância:
Ato de se opor ou objetar; oposição:



I guess it's no use.
I'm screwing up every little
thing i ever try to do.
I was born to lose.
yeah yeah yeah yeah



Prólogo

Antes de começar a contar minha história, ou parte dela, quero começar falando sobre o ódio de Deus.
Oh, sim! Permitam-me, por um momento, falar uma coisa que será bastante ofensiva para muitos de vocês. Quero falar sobre o ódio de Deus e vou começar perguntando: quantos de vocês — não precisa levantar a mão — já ouviram um sermão sobre o ódio de Deus?
Um, dois, três?
Uau, mais do que eu esperava! Eu sei o que vocês vão dizer: “Mas … Deus não odeia, Deus é amor! Portanto, Ele não pode odiar!”
Errado. Deus é amor e, portanto, Ele deve odiar. E sabe porque eu digo isso? Vou dar um exemplo. Você tem irmã? Eu tenho e eu a amo. A coisa mais difícil na minha vida é ficar longe da minha irmã. Eu não me importo se ela já está grande, chata ou não esteja falando comigo. Ela sempre será o meu bebê. Se eu amo minha irmã devo odiar qualquer pessoa que faça mal a ela, certo? Continuando com os pensamentos. Você ama os judeus? Eu amo. Você deve odiar o holocausto, certo? Você ama os negros? Você deve odiar a escravidão e assim sucessivamente.
Não existe e não vai existir neutralidade em alguns assuntos. E isso é normal e aceitável, quando amamos o que é correto (por nossa perspectiva) aquilo se torna perfeito, bom e, a partir disso, se cria a animosidade e inimizade contra tudo que contradiz o seu padrão. Deus ama tudo o que é certo, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é bom, tudo o que é virtuoso! Eu nunca fui uma pessoa religiosa e depois do caos que foi perder meu pais, piorou muito, mas eu sempre gostei de ler a bíblia e ter minha própria perspectiva, e após umas escritura achei uma passagem que nos diz: seu ódio é manifestado contra a iniquidade. E eu cheguei a uma confusão que no fundo sabia: Eu poderia ignorar. Eu poderia ficar em silêncio. Mas, eu não poderia ser fiel a Deus quando ele fechou os olhos para um filho problemático como eu.
Há mais ou menos três anos eu bani aquela ideia antiga que alguns crentes ainda nutrem e colocam na mente de todos: Deus adora os pecadores enquanto odeia os pecados.
Ideia errada e retrógrada! Não existe pecado fora do pecador. Não existe assassinato sem assassino, adultério sem adúltero, mentira sem mentiroso… O pecado é aquilo que o pecador faz, o pecado é a expressão mais pura do coração do pecador, é por isso que Deus não bota os pecados no inferno, bota o homem.
Mas eu fui abandonado não por pecar, matar, roubar, adulterar, eu não precisei cometer um erro grande para ser abandonado, foi menos que isso…


Capítulo Único

Eu sou um caso perdido.


Sofrimento
substantivo masculino
Ação ou efeito de sofrer, de sentir dor física ou moral.
Essa dor física ou moral; padecimento, amargura.
Vida repleta de desgraças, de pobreza e miséria.




God must hate me.
He cursed me for eternity.
God must hate me.
Maybe you should pray for me.
I'm breaking down and you can't save me.
I'm stuck in hell
and I wanna go home



Moscou - Rússia.



Eu sabia que meu destino não era o céu e, por mais amedrontador que isso pudesse parecer, eu tentava não pensar no que seria da minha alma após a morte. Minha dúvida não era se haveria algum julgamento, era quem o conduziria, quanto dos meus erros apontariam, quais as palavras usariam e que sentença me daria. Eu não acreditava que o inferno poderia ser pior do que a vida, e se fosse eu teria certeza que Deus não era tão bondoso e justo, mas de uma coisa eu tenho certeza: o pior castigo seria não ter a oportunidade de reencontra-los onde fosse, embora eu realmente duvidasse que eles pudessem partilhar do mesmo destino. Meus pais eram pessoas boas e eu não aceitava o destino deles.
Nada doeu mais do que encarar o rosto da minha mãe pálido e sem vida no caixão, buscar seu sorriso maternal e só encontrar seus lábios fechados em um selo mórbido e duradouro. Nada doeu mais do que encarar o rosto do meu pai e, ao invés de encontrar seus olhos verdes e brilhantes, achar apenas o vazio enlouquecedor. Nada doeu mais do que encontrar todo o sofrimento e dor no rosto de minha irmã e desligar como uma máquina programada para não sofrer. E eu me abominava. Três anos que Kimberley não sorria do jeito que me permitia esquecer meu problemas pessoais. Três anos que sua pele não era mais corada, seus olhos não tinham mais vida, seu humor não existia e tudo que eu fiz foi desligar como uma máquina inumana. Eu assumi toda a responsabilidade que me colocaram, eu desisti de todo o luto, abandonei toda a minha dor, deixei de lado os pensamentos de um adolescente, coloquei meus medos e minhas inseguranças no bolso, fui de irmão mais velho para um pai, todavia esqueci o mais importante: do amor. Não me esqueci de amar, mas esqueci de como demonstrar que amava. Virei uma máquina, em meu cérebro tinha uma chave que ligava e desligava toda a humanidade que eu tinha, infelizmente ela estava desligada.
O monstro está na jaula. Preso e abandonado.
Eu estou na jaula.

Em minhas mãos era como se eu tivesse a chave do inferno. Quando me olhava no espelho não via o menino amoroso e feliz, apenas existia uma máscara.
E as coisas pareciam que iam piorar essa noite. Eu não estava me sentindo bem, estava com um daqueles enjoos que me assombravam sempre que algo ruim ia acontecer. Meu estômago revirava e me deixava com uma indisposição infernal como se uma sombra fantasmagórica estivesse me seguindo por todo o lado, e o clima na delegacia não ajudava. Tudo bem que minha mente criava caos onde não existia, qualquer som natural se transformava em um criminoso armado tentando invadir minha vida, qualquer ligação poderia ser um pedido de socorro de Kim, e qualquer notícia me levava para o fatídico dia do assassinato dos meus pais. Eu não conseguia dormir, mesmo estando cansado, a insônia assombrava todos os meus dias e, quando dormia, os pesadelos tomava conta de todas as horas de sono. O típico clichê do garoto problema!
Mas ainda assim era raro sentir esse tipo de enjoo que se assemelhava à ideia de uma premonição, o que era ainda pior, porque eu só o sentir duas vezes em 21 anos. Na primeira vez, perdi meus pais e me perdi junto… O que me restava era esperar. Tomei duas pílulas do calmante - hábito que se tornou preocupante com o passar dos anos - e me limitei a esquecer enquanto andava de um lado para o outro no prédio, eu suava frio a cada som, aroma ou sensação diferente que pudesse levar a um perigo maior.
A cada meio minuto olhava no relógio ansioso para que eu pudesse ir embora e ter a certeza que Kim estava bem, principalmente depois que nós dois não estávamos mais nos falando ou morando juntos. Aparentemente eu era um caso perdido que ela não queria mais cuidar, e eu a dava razão. Apesar de corajosa, inteligente, perfeitamente capaz de cuidar de si e extremamente teimosa, Kim ainda era a minha prioridade, a vida dela era a única coisa que me mantinha são, e minha vida era extremamente perigosa para ela. E eu nunca me perdoaria por causar qualquer mal à Kim.
Mas a sensação de alivio tomou conta de meu corpo quando meu celular tocou e o nome dela apareceu na tela do meu celular.

- "? - fazia exatamente 15 dias que eu não ouvia a voz dela e, pela primeira vez em meses, senti vontade de chorar. - ?"

- Pode falar!

- "Você tirou a chave reserva do lugar? Preciso pegar umas coisas…"

- Se você esperar cinco minutos, eu posso ir… - todo mundo ao meu redor ou no mundo conseguia sentir o desespero em minha voz. - Kim...

- "Eu não quero… Eu ainda não quero ver você… Amanhã quando você for para a delegacia eu passo aqui… - ouvi um suspiro baixo e triste de seus lábios e aquilo partiu meu coração em pedaços. - Se cuide, Alex."

- Kimberley? - ouvi um murmúrio baixo e respirei fundo antes de continuar. Dor não colocava significado no que eu estava sentindo. Era pior, muito pior. - Se cuide… Er, euTe amo!

Finalizei a ligação antes mesmo de conseguir ouvir a surpresa na voz dela. Conhecia minha irmã como a palma da minha mão e sabia que nossa situação estava pior do que o imaginado, mas também sabia como ela sentiu falta de ouvir essas palavras. Os últimos três anos foram os piores de nossa vida e eu me martirizava todos os dias por ter virado uma pessoa fodida.
Ouvi duas batidas insistentes na porta e passei as mãos nos olhos para afastar os pensamentos e as lágrimas que haviam sido formadas, e Cameron não esperou um convite real para invadir minha sala e sentar em minha frente.
- Kim? - balancei a cabeça e desviei o olhar. - Você sabe que vai ter que partir de você, não é? Vá até o alojamento dela, peça desculpas…
- Eu não quero que ela volte a morar comigo, minha vida é arriscada demais para pôr a dela em perigo.
- Porra nenhuma, Alex! Eu sou seu melhor amigo e posso falar com toda propriedade do mundo que você está pior desde que ela saiu de casa, Kim levou com ela o último resquício de sanidade que você tinha…
- Cam, aqui não é o melhor lugar para tratar disso. - eu não precisei olhar em seus olhos para saber que ele estava revirando os olhos e balançando a cabeça em descrença. - Tudo bem… Einstein Lounge mais tarde?
Ele sorriu e balançou a cabeça se levantando vitorioso. Cameron se tornou meu melhor amigo desde a época que eu me inscrevi para a academia de Polícia da Rússia, foi antes do assassinato dos meus pais e, durante esse período turbulento, ele foi um grande pilar para eu não cair em desgraça, mesmo tendo o ar de que escondia um segredo obscuro. Antes da minha vida se tornar fria e mesquinha nós três - Kim, Cam e eu - éramos inseparáveis, mas infelizmente eu me encarreguei de destruir isso também, já que minha irmã se recusava fielmente a falar com ele.
- Existe algo errado? - Cam perguntou aproximou-se lentamente e pondo uma de suas mãos em meu ombro.
- Não… Eu acho que não… Quer dizer, lembra de como estava no dia que meus pais foram assassinados? - ele assentiu e se registou na parede em silêncio. - Estou quase daquela forma…
- Quando você diz daquele jeito, você quer dizer do jeito que você fica quando algo ruim vai acontecer?
- É! Achei que tivesse haver com Kimberley, mas não… Então não tem muita importância.
O celular de Cameron tocou e por um breve instante eu pensei em ter o visto ficar pálido e desconcertado, mas qualquer que fosse o conteúdo da mensagem ou sua reação, não durou mais do que segundos para ele voltar ao normal e ir andando até a porta.
- Vejo que você continua não ligando se a sua vida está em perigo ou não e além disso me irritar me dá ainda mais trabalho...
- Trabalho? - perguntei erguendo a cabeça sem entender.
- Você acha que meus esforços para te manter seguro não valem de nada? - algo no olhar de meu amigo não me deixou desacreditar de suas palavras, por ao contrário, me deixou ainda mais alerta. - Te encontro mais tarde?
- Onde vai?
- Trabalhar! - ele parou no batente da porta e se virou com os olhos perdidos. - Nós somos amigos? - balancei a cabeça em resposta. - Mesmo que eu aparente ser outra pessoa? - antes de conseguir responder, ele já havia saído porta a fora.


Olhar as gotas de chuva escorrendo pelo vidro do carro me deixava contemplativo. Eu sempre gostei de tempos chuvosos, mesmo não acreditando em muita coisa, acreditava que chuva era bom presságio, principalmente em hora do rush como estava. Eu não pude me dar o luxo de passar o dia tentando descobrir o motivo de estar tão alarmado e desconfiado, ou do motivo de achar que Cameron estava mentindo ou omitindo fatos, ou de voltar a pensar em todas as palavras baixas de Kim. O amargor de suas últimas palavras antes de me deixar ainda era doloroso e minha língua ardia com palavras não ditas, mas hoje eu agradecia por não ter falado nenhuma delas, ou então o destino seria ainda pior. Minha irmã me cobrava explicações e palavras que eu não queria dar ou falar, coisas que eu como policial não devia ter aceitado fazer - mesmo sendo pela polícia -, situações que eu não deveria ter que passar… Trabalhos que diretamente não sujava minhas mãos, mas indiretamente… Eu nunca fui um homem de ser, meu estilo era prático: partir com informações certas e probabilidades altas. Esse era o negócio que eu apostava. E não foi/seria diferente dessa vez, mesmo que fosse arriscado e um pouco suicida.
Moscou era o maior centro da máfia mundial, e bobos são aqueles que compravam a ideia de que os negócios foram extinguidos. A máfia continua comandando a cidade toda, e o chefe dessa vez era mais esperto e silencioso do que o último. Foram meses de negociações, investigações de suas transações comerciais para checar a legitimidade e sobretudo papelada para chegar até o chefe: Ded Snake. Meu chefe, meus empregados de confiança da empresa e os advogados estavam empolgados com a conquista, menos eu… Na verdade, eu estava pouco me fodendo para o alarde que estava fazendo pelo herdeiro bastardo, me interessava saber o motivo do nome de meus pais estarem ligados com isso, e esse motivo era quase um fantasma.
Ded Snake - como era conhecido - era o bastardo de Velásques, que morreu envenenado, e devo os parabéns a ele, pois fez um trabalho melhor do que o primeiro dono. Por isso foi tão difícil encontrar qualquer papelada que pudesse servir como base para descobrir sua origem, sua identidade e sua organização, como se denominavam. Na realidade, eu não me preocupava com isso de ser moral ou não o que fazia, mas até mesmo minha banalidade tinha limite, e o limite era o quanto eu estava disposto a pôr minha vida em risco, e foi por isso que minha irmã pulou fora. Quando descobriu onde eu estava me metendo, ela surtou e me cobriu com os mais baixos elogios, mesmo sabendo que eu estava querendo descobrir mais a fundo o motivo da morte de nossos pais. No meio disso tudo eu só me lamentava que ela houvesse descoberto de uma forma tão errada, como se eu fosse corrupto, assassino ou qualquer merda que fosse. Quando na verdade eu estava apenas servindo de um espiãozinho de merda e colocando minha vida em perigo.
Eu tinha duas horas e meia até me encontrar com Cameron, e eu esperava que fosse tempo suficiente para resolver tudo e me ver livre disso. Desci pelas escadas até o subsolo e encontrei o novo subordinado tentando fazer o seu trabalho sujo, ele não moveu um músculo em minha direção e desde que chegou a duas semanas eu tinha em mente que eu estava no topo de sua lista de excluídos, o que era recíproco, já que eu também não nutria qualquer afeto pela pessoa dele, principalmente porque ele era um hacker altamente treinado.
- O seu homem está na segunda porta à esquerda, pode começar com ele, se quiser… O sistema deles está dificultando meu acesso. - era a primeira vez que o menino se dirigia diferentemente a mim, e eu tinha certeza que não escondi a surpresa em meu rosto ao perceber o sotaque em sua voz.
- Você é mexicano? - ele ergueu a cabeça e me olhou com um sorriso debochado nos lábios. - Um mexicano trabalhando comigo?
- Eu imagino que seja emocionante trabalhar com uma pessoa como eu, mas espero que você não esteja surpreso por um mexicano ser inteligente ou por eu saber falar... - se eu tinha dúvidas se ocupava um lugar de destaque em sua lista de inimizades, elas acabaram nesse segundo, mesmo seu tom de voz sendo amigável. - Sou Santiago e acho que você deve ser o temido que todos falam.
- Devo achar que não ocupo um lugar muito amigável na lista de pessoas favoritas no mundo do pessoal! - ele soltou uma risada baixa e continuou olhando para a tela do computador. - Me chame apenas de e, respondendo sua pergunta, nenhuma coisa e nem outra.
Santiago balançou a cabeça em sinal de tanto faz e eu segui até a sala para começar os trabalhos.

Eu não percebi o quão gigantesco era a ameaça que eu sofria até entrar naquela sala, até olhar nos olhos daquele homem e ter a certeza que eu estava morto antes mesmo de abrir a boca, e foi nesse segundos de espera que eu fiz um retrocesso rápido e pensei na coisa mais importante no momento. E, em primeiro lugar, estava família. A minha família era o meu bem mais importante e enquanto estivéssemos unidos, eu tinha algo para lutar. E estava aí o problema, esse pensamento me lembrou que além de não ter mais uma família completa, agora o elo com minha irmã estava partido. E eu percebi que era cedo demais para pensar sobre isso e tarde demais para me lamentar… Não tinha mais volta, não depois de ter ultrapassado a porta e estar sentado em frente a um dos cabeças da máfia local. O futuro dessa conversa iria mudar meus pensamentos, minha forma de ver o mundo e minha vida.
Um psicólogo me disse uma vez que uma experiência traumática pode te modificar para sempre e todas as suas atitudes.
E ele estava certo.
Se o monstro não estivesse na jaula, o homem em minha frente estaria morto, se eu não estivesse na jaula não sobraria um só dedo dele, não depois de olhar para suas mãos e observar a foto dos meus pais mortos, não depois de olhar para seus lábios e ver o sorriso maldoso…
Se eu não estivesse na jaula…
-
Veja se não é o herdeiro do Império dos Mortos… Gostou do presente? Guardei especialmente para você!
- Poderia ter mandado entregar, poupava três anos de espera. - me sentei em sua frente e cruzei os braços sentindo o relicário com a foto de Kim apertar meu peito. - Acho que estamos cientes que tanto você quanto eu estamos na merda, sim?
- Pelo meu ponto de vista, você tem mais coisas a perder do que eu… Ou você acha que não sabemos quem é você? O legado da sua família é grandioso, .
- Não ouse...
- Você acha que não sabemos o que realmente está tentando fazer? Acha que não sabemos que não tem nada a ver com a polícia? Você não é apenas um corrupto, é um mentiroso igual ao seu pai…
- Cale a porra da boca, seu merdinha… Eu não vou cair na sua!
- Você não precisa… - ele virou a cabeça e sorriu ainda mais. - Você está bem onde deveria estar… Será que Kimberley está bem?
Tudo aconteceu muito rápido e eu não consegui acompanhar todas as minhas ações, esse era o grande problema de ter tanta raiva e ódio guardado em meu peito. Quando tudo isso explodia meu cérebro apagava e eu não era responsável por minhas ações e atitudes. Era o monstro. Eu me lembro da pressão de meu pulso em seu rosto uma, duas, três, quatro vezes e assim sucessivamente. Me lembro de sentir seus sangue escorrendo por meus dedos, me lembro de sentir sua carne se abrindo em meus punhos, mas, ao mesmo tempo, não me lembro de nada.
Quando voltei em minha condição mental sã, eu reparei em duas coisas: a primeira era as mãos duras e rápidas de Santiago estavam em meu pescoço me dando um mata leão e me deixando imóvel. A segunda era a mais grave e importante: o braço direito de Ded Snake estava morto… Mas nem isso me trouxe de volta a realidade, eu ainda estava com raiva.

- Me solta porra! Não me toca. – grunhi e tentei empurrar sua mão, xingando a mim mesmo por perder a cabeça e xingando Santiago por não ter me deixado matar ainda mais aquele filho da puta.
- Que porra foi que te deu? Tá maluco? - ele me empurrou em uma sala e trancou a porta.
- Não, não estou, porra! – mas era difícil continuar pensando ou tentando me acalmar, era difícil passar por cima dos meus princípios. – Eu preciso voltar lá e terminar meu serviço.
- Debes estar jugando con mi cara! Terminar o serviço? Creio que não reparou no rosto daquele homem...
- Quem você tá achando que é?
- A única pessoa que você tem no momento, .
A gravidade da situação caiu em minha cabeça igual a tempestade caía lá fora e eu me lembrei de todos os ensinamentos e valores que uma vez achei ter. Minha vida estava tão na merda que eu já não me importava se minhas ações me levariam para casa vivo ou morto, e agora eu tinha certeza que assinei minha maior sentença.
"Estou fodido" foi a primeira coisa que consegui pensar depois dos segundos intermináveis em silêncio naquela sala. O braço direito do chefe estava morto. Eu o matei. Agora eu me tornei tudo aquilo que minha irmã desprezava. Encarei Santiago e senti meu corpo inteiro gelar, eu sabia muito bem o que aquele olhar dizia e agora sabia onde havia metido um inocente, que no momento enchia a sala de palavras incoerentes em mexicano - palavrões que eu jamais pensei em ouvir.
- Santiago…
- Tu hijo de… Você pode ficar calado por mais alguns segundos? Eu preciso pensar exatamente onde eu me enfiei. - o barulho fora da casa chamou minha atenção e o frio em minha espinha me deixou paralisado por alguns segundos.
- Precisamos sair daqui. AGORA!

A gritaria do lado de fora começou assim que subimos para o telhado da casa, o barulho das botas, dos socos quebrando portas e janelas chegavam a ser amedrontador, era algo que aos poucos eu deveria ter me acostumado, mas isso era diferente, agora eu não era o policial, eu era o procurado e ao meu lado estava uma pessoa tão desconhecida quanto a escuridão lá fora, mas que animadoramente sua vida estava em minhas mãos, e a minha nas dele.
- Qual o plano?
- São cinco metros de queda...
Santiago respirou fundo, soltou uma risada baixa e nervosa em resposta e aprumou o corpo esguio no parapeito da janela.
- Te veo ahí abajo, hermano!
O barulho no andar abaixo havia cessado há poucos segundos, eu não ouvia passos, sussurros ou vozes, nem de Santiago e muito menos dos homens que deveriam estar atrás de mim e era isso que me incomodava.
- PULE! - abaixei a cabeça e forcei os olhos ao encontrar a imagem turva de Santiago embaixo de meus pés. - AGORA!
Respirei fundo uma única vez sentindo toda a descarta enérgica que a endorfina causava em meu corpo, eu praticamente me afogava na insanidade que o efeito da endorfina me causava, e adorava isso. A sensação da queda livre era libertadora, mas a dor em meu tornozelo era tão intensa que eu não consegui me manter em silêncio. Santiago me puxou pelos ombros e passamos correndo pelo portão até o carro preto escondido atrás do muro. Antes de meu cérebro processar os passos ou as vozes atrás de nós, meu revólver estava disparando várias vezes junto a pistola de Santiago. Mas as coisas fugiram do controle quando eu ouvi outro disparo e, por incrível que pareça, eu conhecia bem o barulho daquela arma, justamente era ela que lutava ao meu lado na polícia. Antes de entrar totalmente dentro do carro virei a cabeça e encontrei o olhar pesado de Cameron há pouco metros, ele balançou a cabeça e levantou os dois dedos em minha direção levantando até sua testa e abaixando - eu conhecia aquele cumprimento - e deu um tiro no homem ao seu lado que caiu sem vida.
"Mesmo que eu aparente ser uma pessoa diferente?" Uma parte minha agora entendia o que ele queria dizer.
- DIRIGE!
O carro disparou pela rua escura cantando pneu e uma bala estourou a poucos centímetros de minha orelha, eu senti meu sangue gelar primeira vez e uma dor desconhecida atravessou meus ossos poucos segundos depois.
- Mierda... – Santiago gritou - ?
A dor ficou ainda pior e eu demorei apenas alguns segundos para perceber o vermelho vivo em minha blusa. O primeiro tremor passou por meu corpo sem que eu pudesse evitar e ficou ainda pior quando a mão de Santiago apertou meu ferimento com uma pressão descomunal.
- Acordado, hermano! Estamos chegando!
Eu tinha certeza não era uma das pessoas preferidas de Deus, mas me lembro de ter chamado seu nome antes de tudo ficar escuro.


dor
substantivo feminino
sensação penosa, desagradável, produzida pela excitação de terminações nervosas sensíveis a esses estímulos, e classificada de acordo com o seu lugar, tipo, intensidade, periodicidade, difusão e caráter.




Maybe you should pray for me.
I'm breaking down and you can't save me.
I'm stuck in hell
and I wanna go home.




Me arrependi de abrir os olhos na primeira vez que tentei, assim como me arrependi de me mexer quando mexi os braços e a dor me dilacerou ainda mais por dentro. Dor. Frio. Dor. Perda. Dor... Se isso fosse a morte eu fechei todas as minhas dúvidas de que era uma alma perdida.
Tentei abrir os olhos mais uma vez e meu cérebro entrou em alerta ao perceber que eu estava em um espaço desconhecido. Percorri meus olhos recém despertos pelo criado-mudo em busca de qualquer coisa familiar e só encontrei o relógio: quatro e quarenta e cinco da manhã. Ainda estava meio entorpecido pela sonolência e percebi que estava um pouco dopado de algum remédio, o quarto girou angustiante quando fiz um esforço sobre-humano para tentar me levantar, foi quando percebi o curativo próximo de minha clavícula. Puta. Que. Pariu.
O sangue de minha camisa na noite passada brilhou junto a imagens que, sinceramente, eu torcia para que fossem lembranças e que, por milagre, eu estivesse em segurança. Foi quando percebi a segunda coisa da noite, e mais importante. Minha mão esquerda estava ocupada por um corpo minúsculo e adormecido que eu conhecia muito bem: os cabelos loiros desgrenhados, a pele rosada, a veia da testa levantada que demonstrava que mesmo dormindo estava no auge do estresse e o mais importante, os dedos entrelaçados nos meus. Minha irmã, minha salvação.
Suspirei aliviado pela primeira vez em meses.
Às vezes, na verdade quase sempre, quando acordava de madrugada, meu maior medo era estar com 18 anos outra vez, na cama do meu antigo quarto na casa dos meus pais, segurando as lágrimas e oferecendo meu colo para minha irmã chorar. Sentia medo de acordar com um barulho de madrugada e depois encontrar o corpo deles… Minha vida mudou drasticamente nos últimos três anos e eu arrisco confirmar que foi para a pior, e o tiro em cima do coração só demonstrava que eu havia perdido todo o controle - que eu quase não tinha - da minha vida. Observar as lágrimas frescas no rosto da minha irmã mesmo adormecida me doía, isso doía mais do que ter meu corpo completamente metralhado, doía mais do que a morte (eu arriscava pensar).
E antes mesmo de pensar por muito tempo já havia decidido duas coisas e uma delas era viver ao lado dela e fazendo de tudo por nossa segurança.
Me desvencilhei de meus pensamentos ao encarar a silhueta de Santiago, ele estava imóvel e trajado de uma enorme manta felpuda e azul. A primeira palavra que inundou meu pensamento foi gratidão, gratidão porque em minha cabeça parte da minha vida foi salvar por ele e a horas atrás eu estava o desprezando sem motivo algum aparente.
- Pronto para outra, hermano?
- Com um pouco mais de emoção, hermano!



God must hate me.
He cursed me for eternity.
God must hate me.
Maybe you should pray for me.




Alguns anos depois…


As nuvens cinzas sobrevoavam a cidade pequena de Moscou, e o clima naquela parte da cidade era ainda mais sombrio e solitário. Talvez fosse a falta de costume de ir lá...
Fazia anos que eu não visitava o cemitério, anos que não levava flores ao túmulo, anos... O lugar era temido por todos, e por mim... Até agora. O lugar estava vazio, mas ainda sim decorado com as mais inúmeras e coloridas flores da primavera e aquilo me acalentou de uma forma. As flores preferidas de minha mãe era os girassóis e eu demorei mais tempo de colhe-los de seu antigo jardim, do que decidir se deveria vir aqui ou não.
Senti as lágrimas escorrendo antes mesmo de me ajoelhar em frente às lápides e antes de começar respirei fundo soltando todo o peso que guardei durante anos.
- Oi, mamãe... Oi, papai... Já faz anos desde que vocês partiram... E eu sinto muito não ter vindo visitar vocês antes, eu me perdi no meio de tudo isso. Eu não estava bem... Eu não quis aceitar que vocês haviam me deixado... – limpei meu rosto mais uma vez e depositei as flores sob a lápide a minha frente, deixando um beijo nas pétalas. – Tenho algumas notícias... Infelizmente eu não sou mais policial, arrumei um trabalho e sei que vocês podem não estar felizes, mas é com ele que eu sustento minha irmã e eu. Depois da merda que eu me meti, o Cameron sumiu... Eu ainda não entendi e não tenho uma opinião formada sobre isso... Mas devo minha vida a um mexicano autoritário que trouxe a fé e, de sorte, ainda trouxe minha irmã de volta... Mãe... Eu ainda choro tanto por não ter vocês comigo, eu sinto tanto medo de não conseguir... Mas me sinto feliz pela nova família que tenho, hoje eu consigo seguir em frente, pois em meu coração não existe mais tanta raiva ou ódio. Eu as vezes ainda preciso respirar fundo e contar até mil para não cometer mais nenhum erro, as vezes ainda me arrasto para fora da cama a força, as vezes ainda tenho aquelas pesadelos suicidas, mas a cada dia eu consigo diminuir o monstro dentro de mim... Eu não sou bom com as palavras, mas espero que aí do outro lado estejam felizes e em paz. Sinto falta de vocês todos os dias da minha vida...
Comecei a lutar contra o nó que se formou em minha garganta quando as três palavras ficaram ainda mais agarradas dentro de meu peito.
- Pai, você me disse uma vez que chorar é a forma mais pura de demonstrar o quanto ama alguém... - soltei uma risadinha baixa antes de continuar. - Espero que as minhas sejam suficientes... Amo vocês, sempre!
Passei alguns minutos em silêncio antes de me levantar e seguir para fora do cemitério, mas uma coisa me chamou atenção. A frente do túmulo do meus pais ficava um túmulo tão bonito e elegante quanto o deles, mas que há anos não recebia uma flor ou uma vela, o que foi diferente dessa vez. Agora a terra estava completamente coberta de flores com um aroma agradável e no chão duas velas acesas tamborilavam tentando se manter de pé mesmo com o vento contra elas. Eu me perguntava se o barulho em minha direção quando cheguei foi isso, mas minha atenção foi completamente capturada com um barulho de bota há poucos metros de distância, eu não consegui ver seu rosto, mas sabia que era a dona das flores que se distanciava ainda mais pela colina do cemitério.




retorna em Between Secrets!



Nota da autora: Uau! Lá no início do ano quando eu comecei nesse surto coletivo de pegar várias músicas para escrever eu não imaginei que iria conseguir escrever um spin-off de uma história minha. A ideia era distante e fora da minha realidade, mas tudo mudou quando God Must Hate Me caiu de paraquedas em minha mão. Quando li o nome da música e me lembrei de sua melodia e batida, eu automaticamente cismei com ela, porém, só fui parar para ler a letra depois e Deus... Todas as estrofes, cada refrão e cada palavra era como se eu conseguisse ouvir a voz do Alexandre contando sua história e colocando seus medos e desilusões no papel.
Quando eu pensei nisso, meu peito se encheu de felicidade e eu sabia (pela primeira vez) que ia arrasar escrevendo... GENTE! Me enganei muito.
Alexandre foi um dos personagens mais difíceis e complexos para escrever (e olha que ele é o principal de Between Secrets), a cada linha, cada palavra, cada parágrafo, cada coisa que eu escrevia carregava uma bagagem emocional enorme e as coisas começaram a ficar complicadas. Foi diferente escrever meu personagem no passado, descrever todos os pontos negativos, toda bagunça e todo passado conturbado. A linha de acabar destruindo uma história ou não conseguir escrever foi TÊNUE demais. E, no final, eu optei por contar apenas uma época difícil e distante (perdão, Alex, eu te amo).
Apesar de todos os contratempos, escrever sobre um personagem tão importante foi incrível e me deixou realizava... Por fim e bem importante: Obrigada a todos vocês que leram até aqui, que gostaram, que dividiram opiniões porque eu sei a carga emocional da trajetória dele pode ser difícil para alguns, obrigada aos que embarcaram nessa comigo mais uma vez. Vocês são o meu combustível para que eu nunca pare de escrever, então muito obrigada... Eu agradeço todos os dias a vocês. Eu espero de verdade que vocês gostem tanto quanto eu, pois foi feito com muito amor e carinho para o ficstape do Simple Plan.
As minhas outras ficstapes (E SÃO MUITAS) ainda não foram todas postadas (ou eu não tinha o link na hora que enviei essa) e eu vou disponibilizar todas no meu grupo do Facebook, venham!
Sejam bem-vindas a esse mundo louco que eu me meti e vou esperar ansiosa os feedbacks!
Com muito amor e carinho, Analua.




Outras Fanfics:
  • Between Secrets (Originais - Em andamento - Restrita)
  • The Take (Baseado na música de Tory Lanez - Finalizada - Restritas)

    Nota da beta: Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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