Última atualização: 02/02/2018

Capítulo Único


Eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Eu realmente não podia aceitar que meu casamento estava indo para o fundo do poço, enquanto ele sequer se importava.
Joguei o celular em cima da cama ao ter a ligação encaminhada para caixa postal pela quarta vez. Olhei para o relógio em meu pulso: mais de dez da noite, e eu sequer tinha ideia de onde meu marido estava. Ri sem humor, tentando controlar a vontade tola de chorar.
A situação parecia controlada até alguns dias atrás. Não que nosso casamento estivesse excelente – como era no começo –, mas também não estávamos mais discutindo por tudo e qualquer coisa. Eu nem me lembro mais quando foi que passamos a conviver como dois desconhecidos dividindo o mesmo teto. e eu estávamos casados há apenas 2 anos. Enquanto todos diziam que o primeiro ano era o mais difícil, nós passamos por ele sem crise.
Fiquei pensando onde que nós erramos. Será que havíamos nos precipitado em casar tão cedo? Minha avó vivia dizendo que um bom casamento se faz depois de um longo período de convivência, quando ambos conhecem o outro em todos os seus momentos.
Mas estávamos tão... apaixonados. Não conseguíamos ficar distantes um do outro por mais de um dia. me falava coisas tão bonitas, e às vezes me ligava no meio da tarde apenas para dizer um “oi”. Eu me sentia completa quando estava com ele, como se nenhuma dor no mundo fosse capaz de me derrubar. Quando nos conhecemos, eu era uma pessoa totalmente apagada. Eu estava desiludida e magoada por conta de um amor nunca correspondido, mas que ainda assim soube tirar tudo de mim. era bom, amigo, fazia-me rir com facilidade; ele me tornava melhor.
Talvez esse tenha sido o meu erro. Eu havia colocado todo meu ser para se apoiar nele, e agora que ele não parecia mais encantado como no começo, eu estava partindo-me ao meio novamente.
Suspirei. Talvez tenha se cansado de mim, e era isso que mais me machucava. Eu não havia me cansado dele.

~ *
Manhã de domingo. Fazia o típico clima londrino num dia de inverno. Chequei o relógio na cabeceira: oito e meia da manhã. Do outro lado da cama, apenas o vazio. Eu sequer havia percebido quando chegara na noite anterior.
Nas últimas semanas, chegava do trabalho quando eu já estava deitada. Muitos projetos para serem entregues, dizia ele quando eu questionava os seus horários sempre tão tardios. Depois das primeiras noites, eu parei de perguntar. Talvez porque eu temia que um dia ele simplesmente me dissesse a verdade, como “eu conheci outra pessoa”.
É imaturo, eu sei, mas eu não sabia direito o que iria fazer se aquilo fosse verdade. Não que eu dependesse de , eu apenas não estava pronta para aceitar que não era mais amada.
O sono não parecia que iria voltar tão cedo, então me levantei. Vesti um suéter sobre o pijama, descendo para tomar o café e decidir o que eu faria com aquele dia solitário.
Pelo caminho, Silver ronronou. Sorri para o gato peludo que estava deitado no pé da escada. Na bancada da cozinha, um bilhete com a grafia singela de .
Estou em uma conferência em Bromley. Vou ficar na casa de minha mãe, volto amanhã à noite.
– É, parece que seremos só eu e você até amanhã, menino. – Silver miou, esperando que eu o servisse a comida. – Como sempre.
Tomei meu café em silencio, ouvindo Silver ronronar em meus pés. Olhei para a nossa casa, imersa na falta que as nossas risadas faziam. Costumávamos sentar naquele grande sofá e conversar por horas. Eu precisava saber se ele também sentia falta dos nossos momentos. Num súbito, levantei da cadeira, assustando o gato malhado, que correu e se escondeu embaixo da poltrona. Eu não podia mais aguentar aquela situação.
Eu precisava saber se ele ainda me amava.
Tomada por uma onda de otimismo repentina, eu havia tomado uma decisão: iria até a casa de minha sogra, iria esperá-lo voltar da conferência e conversaria com ele. Eu diria tudo. Pediria perdão, se fosse preciso. No fundo eu reconhecia uma parcela de culpa minha naquela situação toda. Muitas vezes eu era tomada pela insegurança e acabava discutindo por besteira. Mas, se ele estivesse disposto, assim como eu me sentia naquele instante, nós poderíamos voltar a ser o que éramos. Eu não ia perdê-lo.
Troquei de roupa enquanto mentalmente eu visualizava o rosto de . De repente, pareceu tão simples resolver todo aquele impasse. Era apenas abrir o coração. ia sorrir e iria me abraçar, e tudo ficaria bem novamente. Seriamos eu e ele – e Silver miando pela casa pedindo atenção.
– Vou trazer de volta para nós. – Eu disse para o bichano que me acompanhava com seus olhos atentos, como se ele pudesse me entender.
Apanhei minha bolsa e fui até a garagem. Dentro do meu carro, respirei com um pouco mais de calma. Pude sentir meu coração batendo apressado dentro do peito.
O caminho não era tão longo. Com um pouco de sorte, se não pegasse congestionamento por causa do mal tempo, eu chegaria lá antes do almoço. Teria tempo para colocar a conversa com Debbie em dia. A mãe de sempre me tratou como uma filha; eu perdi a minha há muito tempo, e ao conhecê-la eu pude ter o aconchego de um abraço materno novamente.
Eu estava me sentindo animada como há muito não sentia. Era como se algo tivesse se renovado dentro de mim, dando-me a força necessária para reconquistar a admiração de meu marido novamente. Para evitar discussões, na maior parte do tempo eu ficava calada. Fiquei tão concentrada em minha mágoa que mal percebera que também podia estar chateado, querendo conversar, e eu agindo daquela maneira, acreditando que estava fazendo algo de bom pelo nosso relacionamento. Só estava afastando-o mais e mais.
Durante todo o percurso, eu só conseguia imaginar o abraço de apertando-me contra seu corpo. Lembranças felizes do nosso passado, que estavam esquecidas, foram substituindo toda mágoa que podia existir.
Não demorou muito para que a estrada que me levaria até a casa onde meu marido cresceu chegasse ao fim. Sentindo as mãos formigarem de ansiedade, estacionei o carro no meio fio, respirando fundo antes de descer.
Fui atendida com surpresa por Debbie, que obviamente não estava esperando pela minha visita repentina. Ela me abraçou demoradamente, afagando meus cabelos. Naquele momento, eu senti uma vontade inexplicável de chorar.
– Minha querida. – Ela finalmente disse depois de nos colocar para dentro. – não me disse que viria.
– Nem eu sabia que viria. – Sorri sem graça, acompanhando-a até a sala de estar.

– Donald ficaria muito feliz em vê-la também. – Debbie afofou a almofada para que eu me sentasse ao seu lado. – Saiu de madrugada para pescar e deve voltar só amanhã.
– Fico feliz em poder ver vocês também.
Eu havia me esquecido como era confortável estar naquela casa. As paredes de uma madeira rústica, a lareira que está sempre acesa, o clima sempre tão calmo. É compreensível que tenha preferido se refugiar aqui.
– E então, como estão as coisas?
Eu deveria mentir para não denunciar que meu casamento com seu filho estava em crise? Dizer que fora até ali apenas para matar saudades e acompanhar meu marido de volta para casa? Não. Debbie me conhecia e saberia. Depois de investigar com atenção o carpete da sala, procurando o que dizer para começar aquele assunto delicado, senti sua mão pousar sobre a minha.
– Sabe que pode confiar em mim, querida.
E então eu contei. Abri meu coração primeiramente para ela. Contei como me senti no primeiro ano junto; como era acordar com alguém tão incrível como . Debbie sorria como se já soubesse tudo o que eu iria contar. Depois comecei a falar dos problemas que estava enfrentando no escritório de arquitetura que decidira abrir por conta própria, e como eu me sentia de mãos atadas por não poder ajudá-lo. Contei dos meus próprios desafios na agência que eu trabalhava, e como o trabalho estava nos sobrecarregando. Falei das discussões por conta do nosso afastamento, e de como todas as tentativas de reconciliação sempre acabavam em mais discussão. Confessei que me sentia culpada por cobrar tanto a atenção de , mas também expus a minha indignação por ele colocar o trabalho sempre à frente de tudo. E por fim, eu disse que fora até lá porque queria saber... Saber se ele ainda me queria na sua vida.
– Sabe, querida, o casamento pode ser desafiador em muitos momentos. Não é como um jogo que depende de sorte, mas precisamos saber jogar com as peças certas. – Debbie sorriu como se tivesse se reconhecido na minha própria história. – é um rapaz que pensa grande. Sempre foi muito dedicado a tudo que se dispusesse a fazer; puxou isso do pai. E você é uma menina que só quer ser amada pelo homem que escolheu amar, independentemente de qualquer coisa. Eu entendo você. Por mais que isso possa parecer uma incompatibilidade no casamento de vocês dois, eu tenho certeza de que meu filho te ama muito.
– Eu gostaria de ter a mesma certeza.
– Vocês só estão passando por uma crise, . Crises acontecem em todo relacionamento. Tenha paciência com ele e consigo mesma. – Pisquei, sem entender. – Eu consigo ver a cobrança sobre seus ombros. Acha que precisa ser como as outras mulheres, esposas sempre impecáveis que exalam autocontrole e confiança.
Corei. Eu não imaginava que fosse tão perceptível assim.
se apaixonou pela menina doce que você é. Não tem porque achar que ele se interessaria por outra pessoa.
Assenti, deixando aquelas palavras se fincarem em meu consciente. Passamos aquela tarde toda conversando sobre nossos casamentos, rindo conforme o tema ia se suavizando.
Por volta das 20h, ouvimos o carro de estacionar em frente à casa de Debbie. Chovia moderadamente, e eu mal conseguia enxergá-lo através da janela da sala.
Debbie apertou suavemente minha mão antes de subir para o seu quarto, dizendo que precisávamos daquele momento a sós. Eu a agradeci, sabendo que tinha muita sorte por poder contar com seu apoio. Dois longos e intermináveis minutos se passaram quando finalmente a porta da frente se abriu. Ajeitei o cabelo, sentindo-me um pouco tola. Esbocei um sorriso sincero ao vê-lo passar pela porta aberta. ficara nitidamente surpreso ao me ver parada ali. Mas, a surpresa não se limitou somente ao seu semblante. Meu sorriso morreu ao perceber uma terceira pessoa também surpresa ao me ver ali.
Meus olhos passaram de para a ruiva parada logo atrás dele. Ela desviou o olhar, parecendo incomodada de estar ali. Olhei novamente para , que permanecia estático com os olhos arregalados. Ri sem humor, dessa vez tendo a certeza de que eu era uma tola.
Eu tinha ido até ali para recuperar meu casamento, mas aparentemente tinha ido para lá com outras intenções.
– Não fala nada. – Eu pedi depois de apanhar as minhas coisas e passar por eles para pegar meu carro e ir embora.
As gotas gélidas ricocheteavam em meu rosto, misturando-se às minhas lágrimas. Ouvi gritar pelo meu nome, mas não olhei para saber se ele viria atrás de mim. Corri até o meu carro, arrancando com ele assim que a porta se fechou.
Se no caminho de ida eu estava confiante de que tudo acabaria bem, agora naquele instante eu já tinha a resposta de que não, nada terminaria do jeito que eu queria. Não sei como consegui dirigir de volta, mas quando percebi já estava de frente para a minha casa. As roupas molhadas estavam geladas, e sem que eu me desse conta, estava tremendo de frio.
Meu medo enfim se tornara real. tinha conhecido outra pessoa. Ele a levara para a casa da mãe. Isso já vinha acontecendo há quanto tempo? Ele iria me contar? Ou continuaria me enganando?
Fechei meus olhos e encostei a cabeça no volante; ela latejava e meus olhos ardiam. Tudo terminara, então.

POV
Um mês havia se passado desde que me deixara. Um mês que eu sinto ainda mais a sua falta. Ela sequer quis me dar uma chance para pedir desculpas ou tentar me explicar, embora o que eu tenha feito não tenha uma explicação coerente. fez suas malas e se foi, deixando um bilhete na bancada da cozinha pedindo para cuidar bem de Silver.
Naquele fatídico dia que ela me surpreendeu na casa de minha mãe, eu queria ter ido atrás dela e explicar que, apesar de Amanda ter demonstrado interesse em mim e de eu me sentir bem conversando com ela, eu não a via com aqueles olhos. Eu só havia a oferecido uma carona depois da conferência até a casa de minha mãe porque ela estava sem carro e chovia muito. Amanda era uma pessoa boa e entendera quando eu expliquei que, apesar da crise no meu casamento, eu ainda amava minha esposa.
É claro que eu podia ter tomado uma atitude diferente. Eu podia ter pago um taxi para ela, mas eu não queria ir para casa e ficar perdido em pensamentos tortuosos sobre o meu casamento, eu só queria conversar como eu sempre fazia com ela. E eu não imaginava que estaria lá.
Eu ia pegar o carro e dirigir atrás dela, mas minha mãe me impediu. “Vocês estão de cabeça quente! Não queira causar um acidente e acabar com a vida de vocês dois. O que foi feito, está feito”. Lembro do olhar duro que ela lançou de mim para Amanda, provavelmente achando o mesmo que . “Dê um tempo para ela se acalmar, depois você conserta isso”.
Eu queria poder consertar aquilo.
Quando me lembro da sua expressão de desapontamento... É quase como morrer um pouco a cada dia. Ela tinha ido até lá por alguma razão especial. Nós estávamos tão afastados nos últimos meses que eu acreditava que ela não me queria mais. Ela mal conversava comigo, e eu não sabia como quebrar aquele gelo. Aquela não era a menina que eu havia conhecido, e vê-la tão indiferente me fazia pensar que talvez eu não fosse o que ela estava esperando. Eu não queria ouvi-la dizer aquilo.
Suspirei, afagando o gato que dormia preguiçosamente ao meu lado no sofá.
– Sente falta dela, hum? – Eu perguntei, observando Silver miar para o nada. – É, eu também.
Apanhei meu celular, no qual o rosto dela ainda preenchia a tela. Se ela ao menos me atendesse...
De repente, fui pego por uma ideia que poderia dar certo. Ela não atende as minhas ligações, mas não vai poder fugir de mim se eu for até o seu trabalho.
Talvez ela me jogasse do quinto andar, mas antes ela teria de me ouvir.
Apanhei minha carteira e as chaves do carro, olhando o relógio na parede da sala antes de sair. Com sorte, eu a pegaria no horário de seu almoço.
Ensaiei alguns pedidos de desculpas que soaram muito sonsos até mesmo em minha mente. Eu tinha que fazê-la acreditar em mim novamente antes que ela me mandasse embora. Dirigi um pouco acima do limite, desejando chegar o quanto antes no prédio onde trabalhava.
Assim que estacionei meu carro no parque em frente ao prédio, visualizei sua figura caminhando calmamente em direção à cafeteria da esquina. Senti o coração bater mais forte ao vê-la depois de um mês.
Desci do carro e caminhei apressadamente para alcançá-la. Ao perceber que alguém se aproximava muito depressa, se virou num súbito, arregalando os olhos ao me ver ali. Abriu a boca e tornou a fechá-la. Seus olhos de repente pareceram mais úmidos do que o normal.
.
– Eu pedi para você não me procurar. – Ela disse, desviando o olhar do meu.
– Eu preciso falar com você.
– Falar o que, ? – Quando olhou para mim, lágrimas escorriam livremente pelo seu rosto. – Nós não temos mais o que conversar.
– Talvez você não tenha nada para me dizer. – Falei, aproximando-me. – Mas eu tenho muito para dizer. Eu tenho que dizer que, por mais errado que eu pudesse estar, eu nunca traí você. O meu único erro foi não ter dito a você o quanto que eu te amo todos os dias, até mesmo nos dias em que você não me queria por perto.
abaixou a cabeça, e eu pude sentir a muralha que ela levantara entre nós desmoronando-se pouco a pouco.
– Eu posso não ser tudo o que você espera, mas eu realmente amo você, .
E sem que eu pudesse prever, ela se atirou em meus braços, soluçando baixinho. Aspirei o perfume de seus cabelos, sentindo seu pequeno corpo aconchegando-se ao meu.
– Como pode achar que não é o que eu espero? – Perguntou-me, colocando sua mão em meu rosto. – Nada nem ninguém se compara a você, .
Sorri, beijando-a com saudades. Seu beijo tinha o gosto salgado de suas lágrimas, mas para mim era o melhor sabor daquele dia. Apanhei seu rosto em minhas mãos, distribuindo beijos por toda parte. riu, entrelaçando seus dedos aos meus.
– Eu te amo, .
~ *
O casamento não é uma perfeição. Há os dias bons e os dias ruins, mas cada dia é um novo dia.
e eu nos acertamos, e sim, estamos muito bem – embora ainda tenhamos nossas discussões rotineiras. Mas, aprendemos a aceitar nossos defeitos, a respeitar nossas qualidades, e o mais importante: aprendemos a conversar sobre nossos problemas. Hoje vejo que é mais forte do que eu imaginava, e ainda assim continua tão doce quanto era antes.
Eu sou grato por ter alguém como ela ao meu lado. Afinal, como ela gosta de dizer, nada se compara a ela. Nada.




Fim.



Nota da autora: Sem nota.



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