Envio: Março de 2022

Capítulo Único

She said, it's all your fault, I said, it always is
She sang my favorite song, but with a little twist
Her lipstick, you collar, don't bother, angel

I know exactly what goes on


Ela disse, é tudo culpa sua, eu disse, sempre é
Ela cantou minha música favorita, mas com um pequeno toque
O batom dela, seu colar, não se incomode, anjo
Eu sei exatamente o que se passa




– Será que sou escrito por um homem ou uma mulher? – a interceptou no corredor, surgindo de repente a seu lado, com um sorriso curioso e seus cachos balançando ao ritmo de seus passos.
– Hã?
– É. Sabe, se eu fosse um personagem, seria escrito por uma mulher ou um homem? – Ele repetiu a pergunta enfatizando sua ansiedade com o movimento agitado das mãos, como sempre fazia, gesticulando e com os olhos brilhantes.
– Onde você viu isso? Não está gravando vídeos para o Tiktok de novo, está? – Ela riu, o provocando e olhando para ele, que ainda caminhava a seu lado.
– Não. Só em caso de necessidade. – Ele balançou os ombros com indiferença.
– Okay. – pensou por alguns instantes. – Seria escrito por um homem. Óbvio.
– O que? Por que? – uniu as sobrancelhas e abriu a boca, contrariado.
– Você tem essa coisa engraçada, cheia de piadas péssimas, autoconfiança e lida com seus traumas fazendo piada. Sabe quem escreveu o Jake Peralta? Pois é, filhos do mesmo criador. – piscou, se divertindo da expressão frustrada do amigo.
– Ela diz como se soubesse quem escreveu o Peralta. – balançou a cabeça, mas deu de ombros em seguida. – Preciso cuidar disso.
– O que vai fazer? – Ela perguntou assim que notou a aproximação com a porta da sala de aula.
– Preciso me transformar em um personagem escrito por uma mulher.
– O que você está aprontando desta vez? – Ela o dirigiu um olhar incerto.
– Katherine. – Contou sorrindo empolgado e erguendo as sobrancelhas duas vezes. – Estou investigando tudo que ela gosta e ela gosta desses livros escritos por mulheres.
– Não acredito nisso. – rolou os olhos, caminhando atrás de até seus lugares na sala. – Primeiro, você mal lê placas de trânsito. Segundo, se quer indicações de livros, devia falar comigo e não com ela. Ela tem um gosto péssimo.
– De fato. – Ele assentiu, levantando os ombros. – Mas eu sou uma pessoa insistente. – sorriu, tirando da mochila um exemplar de Corte de Espinhos e Rosas. – Isso aqui, querida, é meu manual.
– Você está lendo fantasia pornô? – o encarou incrédula. – Por causa de uma garota que estuda há anos com você e que nunca te notou?
– Eu quero me transformar nesse cara. É fazer isso, e tudo vai mudar. – Ele apontou para o livro, depois se recostou preguiçosamente na cadeira, observando a melhor amiga tomar seu lugar.
– Tenho uma péssima notícia. – falou, cruzando as pernas e olhando para trás. – É por isso que está solteiro.
– É um projeto. Vai dar certo, você vai ver. – Garantiu, sussurrando um pouco, inclinando-se para que apenas ela pudesse ouvi-lo. – No final do semestre, vou estar com Katherine, como sempre quis.
– Claro, vai ser bom e muito engraçado te assistir tentar. – sussurrou um pouco quando percebeu o professor se levantar e dar início a aula de fisiologia. – Estou curiosa para descobrir como vai fazer a garota que nunca te notou e que não tem nada a ver com você, se apaixonar por causa de um livro.
– Ela tinha namorado e eu não sabia o melhor método. – Ele respondeu confiante. – Mas agora, tenho tudo que preciso bem aqui. – sussurrou de novo, dando suaves tapinhas na capa do livro.
– Isso é a coisa mais idiota que já fez, . – resmungou, rolando os olhos. – O que significa muito, considerando o número de coisas idiotas que você faz por dia.
– Idiotas ou não, você estava presente em cada uma dessas situações. – Ele a provocou, e a garota lhe mostrou a língua, depois sorriu. – E é óbvio que não é idiota. Vai dar certo. – Retorquiu ele, dando início a uma pequena discussão.
– Não, não vai. – Ela respondeu.
– Vai, pare de ser pé frio. – reclamou.
– Vocês dois, querem compartilhar o assunto com o resto de nós? – O professor indagou, de braços cruzados e só então os dois perceberam os olhares da turma sobre eles.

não respondeu, apenas apertou os lábios, sorrindo sem graça e baixou a cabeça.

– Não é nada demais. – explicou. – estava dividindo comigo sua empolgação sobre o livro que está lendo. – direcionou a amiga um olhar mortal, mas ela continuou. – É realmente empolgante como ele tem passado noites em claro com a leitura. – precisou usar todo seu talento de atriz para não ter uma crise de risos.
– Bom, fiquei curioso. – O professor apoiou o corpo a mesa e sorriu.
– Não é nada. – Ele tentou desconversar, inclinando-se sobre a carteira e balançando a cabeça negativamente. – E o livro não está aqui. Está em casa.
– Ah, , não seja tímido. – continuou a falar, olhando para o professor enquanto dizia. – Não precisa se envergonhar, tenho certeza que todo mundo ficou curioso.
– Com certeza. – O professor incentivou. – Fique de pé, qual é o livro?

se levantou e sorriu incrédulo, prestes a matar sua melhor amiga, ainda estava com a cabeça baixa. Não havia nada mais sobre sua mesa além do livro arroxeado, não tinha escolha.

– Eu vou matar você. – Sussurrou com um movimento de lábios quase imperceptível e ergueu o rosto, envergonhado e sorriu fechado, contemplando sua desgraça.
– Mostre a turma, . – provocou. – Nos presenteie com essa dose saborosa de literatura.

expirou profundamente, passou a língua na bochecha, sorriu nervoso e incrédulo, e então, ergueu a capa do livro. Houve silêncio por alguns instantes, e ele baixou a cabeça mais uma vez, balançando-a negativamente e ainda sorrindo, internamente desesperado.

– Você tá lendo fantasia pornô? – Uma colega apontou e como uma onda o resto da turma gargalhou.
– Pois é, né. – Ele assentiu apertando os lábios, e planejando mil formas de torturar enquanto ela mordia as bochechas e os lábios, fingindo estar séria e admirar a literatura escolhida por ele.
– Bom. – O professor tossiu, sem jeito. – É melhor o senhor guardar seu livro, a aula sobre esse assunto ainda será no mês que vem. – Ele sorriu. – Agora, vamos nos concentrar em bioeletrogênese e o senhor pode ir lá molhar o rosto, se quiser.
– Pode ir molhar o rosto, senhor. – repetiu, debochando.
– Valeu, . Valeu mesmo. – resmungou ao se sentar, enquanto a amiga tentava não perder o fôlego com sua crise de risos.

[...]




– Traga o livro da disciplina certa na próxima aula, senhor van de Berg. – O professor falou quando percebeu pelo canto dos olhos que deixava a sala no final da aula.

apertou os lábios e sorriu fechado, baixando a cabeça, enquanto tentava não ter outra crise de risos.

– Sabe que é suicídio se tornar inimiga do seu melhor amigo, não sabe? – indagou assim que saíram da sala e fora possível puxar a amiga para o canto do corredor. – Sabe que eu sou vingativo, não sabe? – Ele endireitou a postura, arqueou uma sobrancelha e cruzou os braços na frente do corpo, tentando parecer mais intimidador, mas manteve sua postura não tô nem aí de sempre, aquela pose não a afetava.
– O que? Não tive culpa...– Ela desdenhou. – Achei que estivesse amando o livro...
– Sua sorte é que homicídio ainda é crime. – estreitou o olhar, irado. – Mas bem que podiam abrir uma brecha para um caso como esse.
– Eu tranquei direito no primeiro período, mas sei que não é assim que funciona. – cruzou os braços e recostou-se a parede, rolando os olhos. – Fala sério, . Você viu a reação do pessoal, pretende mesmo continuar com isso? É definitivamente a coisa mais idiota que já fez. E essa garota, se ela não te reconhece por quem você é, não merece que goste dela. Você não devia se tornar outra pessoa para impressionar alguém...- Falou ela, saindo de seu tom tedioso.

abriu a boca e ergueu o dedo indicador, pronto para falar por duas horas interruptas sobre as vantagens de sua empreitada, mas foi interrompido pela chegada de alguém.

– Oi. – virou o pescoço e se esticou para procurar a origem da voz.

E lá estava ela.
Katherine.
O cabelo estava lindo, os cachos armados, formando uma coroa que margeava o rosto delicado e reluzente. A maquiagem bem-feita complementava a aparência de princesa, assim como o sorriso grande e doce. quase babou e desmaiou em seguida, quando percebeu quem era a pessoa a se aproximar dele.

, não é? – Ela perguntou e baixou os ombros, olhando para a garota como se ela brilhasse.
– Eu...– Ele suspirou derretido, para em seguida se dar conta do que estava acontecendo, endireitar a coluna e balançar a cabeça. – Eu sou. . Prazer. – Cumprimentou, engrossando a voz e o encarou chocada.
– Eu sou Katherine. – A outra sorriu, colocando as mãos no bolso traseiro da calça jeans e rolou os olhos.
– É, eu...eu sei. Claro. – assentiu sorridente.
– Vi que está lendo a Corte de Espinhos e Rosas.– Katherine sorriu. – É minha saga favorita.
– Que coincidência. É a minha também. – Mentiu ele, olhando rapidamente por sobre o ombro, em direção a uma impaciente e mal-humorada.
– É verdade?
– É, claro. Eu amo a Feyre, ela é tão forte. – mentiu de novo, e precisou de muito autocontrole para não o chutar, ou vomitar.
– Eu amo a Feyre. – Katherine sorriu mais aberto e passou a mão no cabelo, apertando alguns cachos e afastando-os do pescoço. – Eu não sabia que mais alguém da turma gostava dos livros. Por que nunca conversamos antes?
– É uma boa pergunta. – não sabia o que fazer com as mãos, ora as colocava na cintura, ora coçava o queixo ou a nuca, ou só ficava se mexendo como se estivesse com algum tipo de alergia.
– Eu estou indo almoçar, mas queria continuar conversando. Será que...você vem? – Katherine apontou para trás com o polegar e sorriu.

ficou estático por dois segundos, depois, como um robô, ajeitou a mochila nos ombros e assentiu, seguindo Katherine pelo corredor, deixando para trás uma estática e boquiaberta. Quando estava a certa distância, ele virou o pescoço e ergueu uma sobrancelha para a amiga, empolgado, depois seguiu em frente, com seu pornô de fadas debaixo do braço.

[...]




deixou a bolsa cair ao lado da porta do quarto e se jogou na cama, o dia havia sido pesado, muitas aulas e prova prática que a fizeram ter uma crise difícil de enxaqueca. Tudo que queria era tomar um bom banho relaxante e depois comer algo bem gorduroso, depois sorvete. Muito sorvete. Aquele era o planejamento tradicional para uma noite junto a , principalmente depois de dias ruins ou muito cansativos. Havia um código entre eles, e aqueles momentos eram religiosamente sagrados. escorreu pela cama e se esticou até alcançar a bolsa, de lá tirou seu celular e digitou rapidamente uma mensagem para o melhor amigo: “Nossa noite. Meia hora”. Depois, deixou o aparelho sobre a cama e foi tomar um banho.


A noite estava limpa, estrelas encrustavam o céu de um lado e de outro, como pequenos pontilhados brilhantes que ora formavam figuras engraçadas. olhou pela janela lateral de seu quarto, com vista privilegiada para uma das janelas de um dos quartos da casa vizinha, a casa dos van de Berg, o quarto do . A janela estava fechada e o quarto escuro, não havia nenhuma resposta a mensagem que havia enviado. Em situações normais, já estaria debruçado a sua janela, aguardando o sinal para se juntar a melhor amiga, mas ele não estava ali.
resolveu tentar mais uma vez e ligou, mas não obteve nenhuma resposta.
Percebendo seus planos se desmontarem como um castelo de cartas, ela buscou um pote de sorvete de menta na geladeira e se dirigiu ao terraço, onde geralmente os dois se reuniam. A noite estava agradável, não muito quente, não muito fria, mas com a mudança daquela rotina, tudo pareceu ficar cinza e desconfortável.
subiu os degraus devagar, arrastando os pés pela escada. Mal podia acreditar que em apenas um dia, já a tinha deixado de lado por causa de seu plano ridículo e de uma garota que sequer valia a pena. Já era inacreditável que ele ainda insistisse em alguém que nem mesmo se dava conta de sua existência, pior ainda alguém tão diferente dele, que provavelmente acharia seus gostos idiotas, que não saberia de sua alergia a pistache, ou que não entendesse seu medo de borboletas.

– Está atrasada. – provocou, jogando um papel amassado na direção da amiga, que pulou com o susto.
?
– O que? Estava esperando outra pessoa? – Ele riu de lado, depois inclinou a cabeça para trás, jogando uma batata frita para o alto e pegando com a boca. – Eu trouxe comida. – Disse com a boca cheia, esticado sobre uma das espreguiçadeiras do terraço.
– Eu...achei que não viria. Não me respondeu. – explicou, se aproximando dele.
– O que? Tá brincando? É claro que eu viria, esse é o nosso lance. Overdose de comida no terraço é o nosso lance desde...sei lá, desde que tínhamos sete anos?
– Algo assim. – riu e se sentou na espreguiçadeira ao lado de , esticando as pernas paralelas as dele. – Trouxe seu sorvete de menta.
– O que está esperando? Manda pra cá. – esfregou as mãos.
– Não vi você depois da prova prática. – Ela comentou, oferecendo uma colher e o sorvete a ele.
– É, acho que fui o último a terminar e depois precisei ficar até mais tarde, implorando para que o professor tivesse piedade. – Contou com a boca cheia de sorvete. – Eu fui muito mal. Me diz, por que não estudei para prova?
– Porque você estava jogando RPG enquanto eu estudava. – riu pelo nariz e fez careta. – Eu já te disse que não tem como improvisar em provas práticas.
– Sabe por que eu escolhi fazer psicologia?
– Para saber detalhes sórdidos da vida de outras pessoas?
– Isso também. – assentiu. – Eu escolhi porque eu posso improvisar. Me diga, onde vou usar os conhecimentos da prova prática de patologia geral? Freud não olhava um microscópio, olhava as pessoas.
– Achei que você fizesse mais a linha Jung. – o empurrou pelo ombro.
– Eu faço, o Jung era mais bonito. Eu devia criar uma petição online sobre isso. – pensou alto, depois enfiou outra colher cheia de sorvete de menta na boca.

Os dois ficarem em silêncio por um tempo, como era comum. Os anos de amizade tornavam o silêncio confortável, as vezes apenas saber que um estava do lado do outro, que se apoiavam eram o suficiente para trazer algum conforto após um dia de cão.
Depois de pensar um pouco enquanto mordia o interior das bochechas e beliscava batata frita, se pronunciou.

– Então...– ergueu o olhar para olhá-la. – Você almoçou com a Katherine.
– Ah, é. – Ele sorriu largo. – Dá para acreditar? E eu nem me lembrei de agradecer. Eu te disse que o livro funcionaria.
– Para. – riu e sacudiu uma das mãos na direção do . – Até parece que foi só por estar lendo o livro.
– Sei lá. – , ainda sorrindo, escorreu o corpo, deitando-se e apoiando as mãos atrás da cabeça, olhando para o céu. – Tudo que eu sei é que até hoje de manhã a garota dos meus sonhos nem sabia quem eu era, e aí, de repente ela me chamou para almoçar com ela.
– Do que vocês falaram? – perguntou, o imitando e deitando ao lado dele.
– Sobre o livro e depois fiquei ouvindo ela falar sobre coisas aleatórias. – contou e girou o rosto para observá-lo, gostava de como o perfil do amigo ficava bonito a meia luz. – Eu poderia ficar o resto da vida ouvindo ela falar sobre o dia a dia dela.
– Que bobo. – Ela implicou.
– Não é bobo. – riu alto. – Você me escuta falar de cada segundo do meu dia desde que tínhamos sei lá quantos anos. – Lembrou ele, sorrindo.
– É, mas é diferente...
– É, eu sei. Somos amigos. – Ele completou. – Irmãos.

respirou e voltou a encarar as estrelas.

– É, somos. – Disse ela num fio de voz.

She said, I'm walking alone this time, I'll be waiting all my life
Did it ever cross your mind just what you're doing?
All you ever had to see was love me unconditionally

Ela disse, eu estou andando sozinha desta vez, estarei esperando a vida toda
Alguma vez passou pela sua cabeça, apenas o que você está fazendo?
Tudo o que você tinha que ver era me amar incondicionalmente




Os alunos entravam devagar na sala de aula, ocupando seus lugares aos poucos, como formigas operárias. Daisy, Kylie e estavam entre as dúzias de alunos do sexto semestre de psicologia que havia chegado mais cedo para a primeira aula da tarde de quarta-feira. As três garotas se sentaram uma ao lado da outra, a primeira, Daisy, com seus cabelos loiros cacheados ocupou a ponta da fileira, seguida por Kylie, com seu suéter amarelo e cabelo preto e curto, revelando sua nuca. Depois, , com sua camiseta de banda, franja e cabelos longos um pouco desalinhados, a garota olhou para sua esquerda, para o lugar onde costumava ocupar, mas estava vazio. As amigas perceberam o olhar demorado de e se entreolharam, também estavam confusas com a ausência do com alma de cachorro que sempre fora sombra da amiga com semblante bravo.

– Esqueceu seu cachorro em casa, ? – Daisy inclinou-se sobre a carteira, fitando a amiga.
tem novos amigos agora. – respondeu sem se importar em disfarçar seu tom enciumado.
– Como assim? – Fora vez de Kylie perguntar, com uma ruga entre as sobrancelhas e deu de ombros.
– Katherine. – Falou, ajeitando-se em seu lugar sem delicadeza.
– Espera, ele está com ela? – Daisy indagou boquiaberta.
– Se ele não está aqui...
– Acho que alguém não está muito feliz com isso. – Kylie cutucou Daisy, sorrindo de canto e atraindo o olhar contrariado de .
– É claro que não. faz o que quiser, não é problema meu. – deu de ombros. – Não temos outro assunto para falar? – Questionou e as amigas ergueram as mãos em rendição, ainda sorrindo.
– Qual é a fofoca? – perguntou assim que se juntou a elas, surgindo em seu lugar como o mestre dos magos.
– Nenhuma. – Kylie fingiu, sorrindo de canto. – Mas está mau humorada hoje, cuidado. – Avisou e rolou os olhos, apoiando os pés na carteira da frente.
– Está? – encarou a melhor amiga com um sorriso leve nos lábios. – Hoje? Não disse a elas que o mau humor é seu humor diário? Que é parte do pacote?
– Que pacote? – bufou.
– O pacote garota do rock com delineador borrado e botas pesadas. – Apontou ele, escorrendo em sua cadeira e apoiando os pés junto aos da amiga. – Esse visual emo de 2007.
– Eu não tenho um visual emo de 2007. – o mirou, pasma e sorrindo incrédula.
– Claro que tem, você usa meia arrastão, olhos pretos de manhã e finge que na sua playlist não tem Doja Cat. – Acusou , sussurrando para que só ela o ouvisse. – A fase patricinha que se inspirava na Cady Heron de Meninas Malvadas acabou quando você tinha quinze anos. Hoje em dia está mais para dez coisas que odeio em você, mas no seu caso são bem mais de dez.
– Idiota. – o empurrou com o ombro, sorrindo com ele, odiava e amava na mesma medida o fato de que sabia absolutamente tudo sobre ela.
– Viu com quem vai ser o próximo jogo do Blackhawks? – arqueou uma sobrancelha, sugestivamente.
– Quem? – Ela perguntou, enquanto tirava os fones da bolsa.
– Red Wings. – Ele contou animado. – Vai ser O jogo. Temos que comprar os melhores lugares. Acha que seu pai consegue aquelas cortesias outra vez?
– Posso implorar e dizer que você prometeu cortar a grama no verão. – piscou sorrindo e baixou as sobrancelhas e apertou os lábios numa linha fina.
– Tarde demais, já prometi isso da última vez. – O deu de ombros.
– Meu pai nunca está em casa, não vai se lembrar disso.

deu de ombros, prendendo rapidamente sua atenção na movimentação de alunos na sala, até que o ofereceu um lado de seus fones. O aceitou e se aproximou mais da amiga, relaxando na cadeira e fechando os olhos, aproveitando a música. Quando os primeiros acordes de Unconditionally de James Arthur começaram a tocar, riu abafado e balançou a cabeça negativamente.

– Tsc, tsc, tsc...quem te vê por aí, andando com essa postura, não imagina que tem James Arthur na sua playlist. – Ele implicou.
– Você precisa decidir se vai implicar por eu só ouvir metal, ou por eu ter uma playlist variada. – riu, empurrando-o pelo ombro, para depois se aninhar junto ao , aproveitando a presença dele.

A dupla ficou em silêncio por alguns instantes, de olhos fechados, o braço de sobre os ombros de , afagando a cabeça dela, enquanto a loira respirava serenamente, aproveitando o momento com o amigo, que nos últimos dias se tornava cada vez mais raro.

– Se lembra da primeira vez que ouvimos essa música? – indagou, sorrindo.
– Não. – Ela mentiu.
– Qual é!? É claro que lembra. – Ele fez cócegas, até que segurasse suas mãos com brutalidade, afastando-se dele. – Ou a memória é tão traumática assim que reprimiu? – Ele arqueou uma sobrancelha, com um sorriso leve e desafiador, enquanto ela rolava os olhos. – Estávamos saindo daquele baile frustrado, o reencontro com a turma da escola. Você vomitou no meu blazer.
– Você quem vomitou no meu blazer. – Ela negou.
– Eu tenho a clara lembrança de chegar em casa cheio de vomito. – torceu os lábios, discordando e voltando a relaxar na cadeira, abrigando a amiga entre os braços.
– E chegou mesmo, mas o vomito era seu. Totalmente.
– Temos um histórico de momentos embaraçosos com músicas legais. – Ele pensou alto. – Não precisamos de namorados para estragar músicas, nós fazemos isso. Nós mesmo. – Sorriu e o acompanhou.
– A culpa é sua.
– Sempre é. – riu. – Lembra da gente no meu quarto, fazendo aquele trabalho terrível de biologia? – negou com a cabeça, erguendo o olhar para ele. – Quer que eu desperte sua memória instantaneamente? – Perguntou e ela maneou a cabeça, alarmada e se preparando para qualquer besteira que o melhor amigo pudesse dizer. – Simple Plan, Your Love Is A Lie. – sentiu o estômago gelar. – Foi um beijo horrível, eu parecia um pug, babando tudo. – gargalhou.
– É, foi...foi péssimo mesmo. – afastou o olhar, incomodada.
– Nunca confie em Simple Plan quando o assunto é motivação para um beijo. – O falou, ainda rindo alto. – Que memória horrível. – balançou a cabeça negativamente. – Só não é pior do que quando transamos. Você se lembra disso?
! – o repreendeu, afastando–se dele.
– O que foi? Faz parte da nossa história. – Falou ele, divertindo-se. – Estávamos meio bêbados, éramos dois virgens vindo para a faculdade...
– Nós tínhamos prometido nunca mais falar sobre isso. – Ela disse entredentes, com os músculos do queixo tensionados, encarando-o em pânico.
– É, eu sei...– O apoiou a mão atrás da cabeça, despreocupado. – Eu só me lembrei disso agora. E além do mais, o que tem de errado? É vergonhoso, horrível e foi bem estranho, mas não é como se nunca mais tivéssemos feito isso...com outras pessoas, obviamente.
– Cala a boca. – o empurrou, ajeitando-se em seu lugar e cruzando os braços sobre o peito.
– Fizemos isso com outras pessoas, não é, ? Fizemos, certo? – Ele a encarou, com olhos arregalados, mas ela não respondeu. – Está brincando? Espera. Tá brincando? Você nunca mais...? – tinha um sorriso surpreso no rosto, estava chocado.
– Você devia calar a boca e cuidar da sua vida. – rosnou. – Onde está seu novo chaveiro? Vá atrás dela e me deixe em paz.
– Nós temos que resolver isso, nós vamos resolver isso. – Ele garantiu. – Vamos arrumar um encontro para você, nesse fim de semana.
– Eu não quero um encontro, . Me deixe em paz. – negou.
– A gente consegue achar um cara legal. – Ele inclinou a cabeça sobre o ombro, fazendo com que seus cachos s caíssem sobre seus olhos. – Não tem ninguém por quem tenha sentimentos? Alguém que queira sair? – Perguntou.

o olhou, permanecendo em silêncio por alguns instantes, tantas coisas se passavam em sua cabeça, tantas palavras se aglomeravam em sua garganta, presas.

– Não, não tem ninguém. – Respondeu sem se importar em ser educada, virando-se para o outro lado bruscamente.

[...]


! – Katherine o chamou, aproximando-se dele. – Onde estava? Estava te procurando.
– Eu só...– apontou para trás de si, para onde ficava o banheiro, com um sorriso torto nos lábios.
– Não, não importa, deixa para lá. – Ela sorriu balançando a cabeça. – Eu e as garotas estamos gravando vídeos para o tiktok.
– Uau. – ergueu as sobrancelhas e sorriu, mesmo que de modo falso, não sabia exatamente como reagir a aquilo.
– Vem, preciso da sua ajuda. – Intimou ela, arrastando-o para junto das amigas. – Nós vamos fazer a coreografia da música e você filma, okay?
– Claro...deixa comigo. – Ele piscou, hesitante.
– A propósito. – Katherine se aproximou dele outra vez, apoiando as mãos espalmadas em seu peito e capturando toda atenção dele. – No sábado tem uma festa. A festa da Abbie Kay, ela é simplesmente a maior influencer de Chicago e eu preciso ir a essa festa.
– Nesse sábado? – mordeu os lábios, lembrando-se de seu compromisso com a melhor amiga.
– É, nesse sábado. – Kath enfatizou de forma dura. – Sabe como são essas coisas...e nós precisamos sair juntos, para você conhecer mais das coisas que gosto. Você não tem nada marcado, não é? – Miou, mudando o tom de voz e o olhando por debaixo das sobrancelhas.
– Eu? Não, claro que não. – negou sem pensar. – Não, eu...eu vou adorar ir com você a essa festa.
– É sério?
– É, mesmo. Eu vou amar. – sorriu grande.

Oh, I won't go. I will live till it's over
Oh, I won't go. Until hell freezes over and I'll be yours and you'll be my supernova
Oh darlin', why was it so hard to see? Just love me unconditionally

Oh, eu não irei. Eu vou viver até acabar
Oh, eu não irei, até o inferno congelar e eu serei seu e você será minha supernova
Oh querida, por que era tão difícil de ver? Apenas me ame incondicionalmente




– Já te disseram que você devia investir no branco? – A voz de surgiu de repente e abriu os olhos, buscando a figura do amigo, que estava com os braços apoiados na cerca do quintal, com os cachos s soltos e óculos de sol. o olhou e depois baixou o olhar para si, prestando alguma atenção ao biquíni branco que usava.
– Cala a boca, . – Ela deu de ombros, sorrindo de canto.

também sorriu, e sem se importar com o fato de não ter sido convidado, jogou-se sobre a cerca, entrando no jardim da casa ao lado e estirando-se em uma espreguiçadeira, ao lado da amiga, à beira da piscina.
– O que foi? Não tem programação com sua nova amiga hoje? – Ela indagou, enciumada.
– Não, hoje é dia de spa. – Contou ele, arrancando a camisa que usava pela cabeça e apoiando a cabeça nos braços cruzados, deitando-se de modo mais confortável. – Ela é ótima, do jeito que eu imaginei. Nós conversamos sobre várias coisas que ela gosta, me chama para acompanha-la, ela me levou para fazer várias coisas com ela.
– Tipo?
– Ah, tudo. Fomos a cinema, fomos ao shopping, fomos a um bar no centro que serve café gelado. – Contou ele.
– Mas você odeia café gelado. – arqueou uma sobrancelha.
– É, eu sei. – O maneou a cabeça. – Mas a Kath gosta e eu...
– Kath? Já tem um apelido para ela? – estava surpresa e tentava, embora de modo falho, esconder sua irritação.
– Nós estamos nos conhecendo melhor, é normal. – Ele deu de ombros. – Ela me apresentou as amigas dela, nós saímos todos juntos, é bom. É bom olhar para o lado e ver uma garota bonita, uma princesa comigo. – Disse ele, encantando, enquanto , sutilmente, encarava as unhas com esmalte descascando há semanas, as estrias na coxa, o cabelo ressecado e o biquíni velho.
– Você acabou de conhecer ela, não pode saber de tudo isso, e eu duvido que ela saiba alguma coisa sobre você. – Ela devolveu.
– Eu não me importo, desde que eu esteja ao lado dela, tudo está perfeito.
– Claro. – rolou os olhos, e riu abafado e em seguida, aproximou-se dela, a apertando num abraço.
– Não fique assim, a Kath tem um irmão, vou apresenta-lo a você. – Sugeriu empolgado. – Podemos fazer encontros duplos. Seria incrível.
– Eu não quero um namorado, . – o encarou, depois que sua tentativa de o empurrar para longe falhou. – Quero meu melhor amigo de volta.
– Mas eu estou aqui, continuo sendo seu melhor amigo. – Respondeu, estreitando um pouco o olhar, surpreso com as palavras dela.
– Claro, quando Katherine te despensa. – Ela rolou os olhos outra vez, mas não pareceu se divertir como antes, o suspirou e baixou a cabeça, ficando em silêncio por alguns segundos.
– Olha, é diferente, eu sei, mas é normal. Se fosse você apaixonada, também teríamos nos distanciado um pouco. – Ele falou, e arregalou os olhos, chocada ao ouvir a palavra “apaixonado” sair da boca dele. – E a gente não precisa ficar falando disso, tá? Eu tô aqui agora, vamos deixar o resto pra lá.

pediu, mas sentia a o sangue esquentar e não possuía muitas habilidades de controlar seus impulsos quando sentia raiva.

– Como estão as coisas com você? E por aqui? – Ele quis saber, voltando a sua posição inicial na espreguiçadeira.

A luta interior travada por ela sobre começar a falar tudo ou não durou apenas dois segundos. Estava enfezada e gostaria de mostrar isso a ele, mas não conseguia, queria contar tudo, ver suas reações. No final ou início do dia, a única pessoa com quem queria falar era , e nada mudava isso.

– Tudo normal. Meus pais parecem os Estados Unidos e a Rússia, estatística está me matando e eu ainda não pensei no tema da minha pesquisa. – Contou, esforçando-se muito para se conter.
– Eu posso te ajudar com estatística. – Ofereceu ele, deitando-se de lado, a observando. – Qual o motivo das brigas entre eles agora? – Quis saber.
– O de sempre. – expirou pesadamente. – Minha mãe diz que meu pai trabalha demais e meu pai diz que minha mãe reclama demais. Ele tem chegado tarde quase todo dia, ela diz que não suporta mais estar sozinha em um casamento.
– E o Charlie? – fez menção ao irmão adolescente de .
– As notas dele caíram, e agora está andando com uma galera estranha na escola. – contou, chateada, sentindo as barreiras que tentava erguer contra caírem aos poucos, tijolo por tijolo.
– Mais estranhas que você? – O brincou, fazendo-a rir brevemente. – Posso falar com ele se quiser.
– Tudo bem, eu já falei. – Ela ergueu os ombros. – O problema não é ele, mas sim os nossos pais. Ele só quer aliviar a angustia de alguma forma.
– E você? – arqueou uma sobrancelha.
– Bom, meu pai me deu aqueles ingressos pro jogo do Chicago Blackhawks. – Ela sorriu de canto. – Eu supero.

sorriu, mas não era um sorriso realmente feliz ou verdadeiro, e só levou um segundo até que ela percebesse que havia algo errado.

– O que foi, tonto?
– Como assim? – Ele tentou disfarçar.
– Vai, diz logo. Você não me engana. – se sentou, dirigindo a ele um olhar ameaçador.
– Eu...é que surgiu um imprevisto e não vou conseguir ir ao jogo. – Contou receoso, e não conteve a expressão frustrada que estampou seu rosto.
– Como assim?
– É, eu sei que nós sempre vamos juntos, e que eu disse que ia, mas eu não posso adiar esse lance.
– Que lance? – Indagou com dentes trincados.
– É um jantar, uma festa e é muito importante para Kath que eu vá junto com ela. – estava receoso, já que assistir aos jogos com era uma espécie de tradição que perdurava por anos, mas torcia para que ela entendesse. – Eu queria muito ir, muito mesmo. Mas é que eu prometi que iria à festa. Você pode levar o Charlie com você, aposto que ele vai amar. – Sugeriu.

não era a melhor pessoa quando o assunto era demonstrar emoções, geralmente a única emoção que conseguia externar, proposital ou despropositadamente, era a raiva. Mas se havia algo em que ela era boa, era em reprimir suas verdadeiras emoções. Estava desapontada, triste e frustrada com o amigo, nos últimos dias, a única coisa que a motivava em meio ao caos que sua vida estava era a ideia de planejar a ida ao jogo com . Mas agora, tudo desmoronava. assentiu e voltou a se deitar na espreguiçadeira, cobrindo os olhos com o antebraço, sob olhar atento do amigo.

– E então? – tentou sondar.
– O que quer que eu diga? Aproveite a festa? – Falou de forma dura.
– Não está brava? Não vai me xingar por furar com você?
– Não.
– Não?
– Não. – Repetiu ela. – Vou convidar outra pessoa e assistir ao melhor jogo da temporada. Não vou deixar de ir ou ficar chateada só porque você não vai. Não nasci colada a você.
, sempre graciosa. – Ele ironizou.
– Agradeça, pelo menos você só precisa me suportar como amiga, já que tem alguém como a Katherine ao seu lado. – Ela implicou, mas talvez ele não tenha entendido o rancor em sua fala.

[...]


Os comentaristas faziam a análise pós-jogo, a TV estava ligada mais não prestava atenção, encarava um ponto qualquer na parede, pensando na vida. No quanto era estúpida por não ter ido ao jogo, mesmo sozinha, para mostrar a que realmente não se importava. Pensava também sobre quão chateada estava por ele ter apenas furado, sem se importar com sua tradição. Tinha prometido a Katherine, mas também havia um compromisso entre eles, mais antigo e mais forte do que uma paixonite qualquer por uma garota qualquer.
Enquanto pensava, resolveu buscar o último pote de sorvete de menta e ir ao terraço, comer e se sentir triste, enquanto ouvia a playlist mais melancólica que pudesse encontrar. Assim que pôs os pés na área aberta, sentindo o vento gelado cortar o rosto, percebeu que mais alguém se aproximava. Passava da meia-noite, mas reconheceria aquela silhueta em qualquer lugar do mundo, era .
Ele se aproximou, sorridente, com talvez um dos sorrisos mais grandes e bonitos que já tivesse visto em seu rosto. Ela não pode evitar e sorriu de volta, enquanto ele se aproximava, suado e despenteado, com um sutil cheiro de vodca.

– Eu beijei a Katherine. Ela me beijou. Nós estamos juntos mesmo. Eu beijei a Katherine. – Contou de uma vez, empolgado e sem pausa. – Meu Deus, dá para acreditar? Eu consegui a garota! – Falou enquanto passava a mão no cabelo, ajeitando-o.

não soube o que dizer ou falar, estava estática, congelada, chocada. Então era real, os dois estavam juntos e aquilo era de fato realidade, não um sonho. Não conseguindo dizer qualquer coisa que realmente quisesse, incapaz de gritar e expressar seus reais sentimentos, sorriu, mesmo que seu olhar dissesse outra coisa.

– Eu não acredito que isso está acontecendo. Eu estou tão feliz. – anunciou, e em seguida gritou de felicidade.
– Você conseguiu, conseguiu a garota. – Foi tudo o que pôde dizer, ferida e sangrando como estava.
– Consegui. – Ele assentiu. – Eu tenho tanta coisa para te contar. Vem, senta, vai durar a noite toda. – Empolgado, a puxou, sentando-se ao lado dela e começando a contar detalhes de sua noite mágica. – Isso é sorvete de menta? , já disse que te amo hoje? – Brincou, surrupiando o sorvete das mãos dela.
– Não, não disse não. – respondeu num fio de voz, lutando para manter o sorriso dolorido nos lábios.
– Então, nós fomos a essa festa...

[...]


Um dos inúmeros professores daquele departamento compartilhava mais um exemplo de tudo que podia dar errado na prática clínica, enquanto parte da turma, com empatia, ainda fingia prestar atenção no que o homem com barriga protuberante e cabelo ralo dizia. Quando o professor perguntou se a turma entendera seu exemplo e ninguém respondeu, ficou claro que seus corpos poderiam estar ali, mas suas mentes vagavam em qualquer outro lugar do mundo. Era segunda, a última aula do dia, após um longo e cansativo cronograma de aulas diárias e ninguém tinha qualquer força mental para estar ali.
Com um aceno e um sorriso leve, depois de conferir o relógio duas vezes, o professor liberou a turma de método experimental de comportamento dez minutos mais cedo. juntou as poucas canetas que tinha sobre a mesa e as jogou de qualquer jeito dentro da bolsa, ajeitando a alça em seu ombro, ignorando todo contexto a sua volta.

– Um sorvete ou um café? – Dayse surgiu ao lado de , sorridente e com seus cachos loiros completamente livres.
– Estudar para a prova de fisiologia ou terminar o projeto de metodologia? – ironizou, tentando copiar o tom florido e alegre da amiga.
– Credo. – Daisy tocou o peito, surpresa e ressentida pelo tom da outra. – Que bicho te mordeu desta vez?
– Nenhum, eu só não quero deixar tudo para última hora, procrastinando. – deu de ombros.
– Onde está seu espírito animal e impulsivo? – Kylie se aproximou, ajeitando a mochila. – Aquele com cachinhos s que te deixa mais sociável e bem-humorada? – Perguntou, enquanto tocava os próprios cabelos pretos com uma das mãos.
– Qual é?! Tudo é sobre o agora? – bufou e girou em seus calcanhares, saindo da sala apressada. – Até ontem vocês reclamavam porque ele vivia grudado em mim, agora reclamam porque ele não está. – Observou, rindo sem qualquer traço de humor.
– Pelo menos, quando ele andava com a gente, você tentava fingir ser simpática. – Daisy falou, seguindo-a, e rolou os olhos.
– Você não pode descontar nas suas amigas o fato do estar te deixando de lado, . – Kylie pontuou e parou de andar, e devagar virou para trás, buscando o olhar da morena. – Só estou dizendo. – Disse ela depois de uma longa expiração. – Você está incomodada, é claro para quem vê, mas é que...
– Não, Kyie, hoje não. – balançou a cabeça negativamente. – Não me analise, não hoje e não agora, e não você.
! – Daisy esbravejou, batendo o pé no chão e atraindo a atenção das duas. – Pode parar com isso? Não estamos em 2013, e ser a grossa com personalidade forte não é mais legal. Por que você não conta para o que gosta dele e resolvemos isso, e aí, quem sabe se com isso resolvido, você volta a fingir que somos um trio?

encarou os olhos redondos e castanhos de Daisy, sentindo-se envergonhada e acuada, pega em flagrante. Nervosa por estar sendo confrontada e com medo do que viria a seguir, vendo a situação sair totalmente de seu controle.

– Ah, por favor...ficou maluca de vez? – Respondeu , na defensiva, cruzando os braços sobre o peito.
– Não, você quem parece ter ficado. – Daisy apontou. – Está mais dark do que nunca, mais isolada e ainda mais quieta. Além disso, fica encarando o quando ele não está olhando. Precisa de mais algum sinal? Posso falar de como você só se move se ele se mover, de como você ri olhando para ele, ou quem sabe sobre como sempre devota toda sua atenção ao .
– Você está maluca. – negou outra vez, sorrindo nervosa. – Totalmente.
. – Kylie se aproximou, tocando o ombro da loira, usando seu tom mais dócil. – Nós não queremos te por contra parede, só estamos com saudade e preocupadas com você.
– Preocupadas? Não parece.
– Você que é uma babaca. – Daisy acusou.
– E você é fútil e superficial. – devolveu, assistindo a amiga abrir a boca, chocada.
– Gente, ei. Espera aí, essa não é a ideia. – Kylie se pôs entre as duas loiras. – , atacar a gente porque se sentiu acuada não é a solução. Daisy, tente respeitar os processos da , okay?
– Olha, nem sei porque eu estou aqui ainda. – afastou-se, ainda sorrindo nervosa. – Eu não tô nem aí. Quero mais é que todos se danem. Eu não gosto do e ele não faz diferença nenhuma para mim, assim como vocês. Divirtam-se no sorvete.

Assim que as palavras saíram de sua boca, se arrependeu, mas não podia voltar atrás, só queria sair dali e fugir do olhar das amigas o mais depressa possível.

And after all your flaws I still stay in this
There's no Santa Claus, I know it don't exist
Her lipstick, you collar, don't bother, angel

E depois de todas as suas falhas, eu ainda fico nessa
Não há Papai Noel, eu sei que ele não existe
O batom dela, seu colar, não se incomode, anjo




e eram amigos desde sempre, e não conseguiam se lembram de quando ainda não se conheciam. Em todas as experiências boas e ruins, as legais e as constrangedoras estavam juntos, dividindo e sendo co-protagonistas um do outro. Não havia sem sua sombra de cabelos s e sorriso fácil, mais malandro, mais simpático, que sempre sabia o que dizer, o que as velhinhas e animais gostavam. Também não havia sem sua parceira de confusão, sem sua defensora, sempre pronta a socar alguém que implicasse com as sardas dele, sem a mais enfezada e ranzinza fã de hockey e rock pesado, sem aquela que sempre topava todas suas ideias, até as que não tinham qualquer sinal de possível sucesso.
Eram o oposto um do outro, se podia ser descrito como um dia de verão, de sol quente e vento fresco, era uma tempestade de inverno, daquelas mais fechadas, onde não se dá para enxergar um palmo a frente dos olhos. Se era amarelo, era preto, se ele fosse uma grande vasilha de sopa quentinha no inverno, ela era o sorvete mais gelado, se ele porta aberta e coração escancarado, ela tinha trinta fechaduras diferentes, cada uma com um cadeado reforçado.
Olhando de fora, não havia chance de funcionar, mas quem os conhecia sabia o quão firme era a ligação dos dois, ao menos até aquele momento. Enquanto os sentimentos de pareciam começar a se escancarar até mesmo para quem estava de fora, a ligação sempre tão forte entre os dois parecia se fragilizar. Talvez o quase relacionamento de com sua grande paixão estivesse ressoando mais longe do que deveria.
sempre nutrira sentimentos pelo melhor amigo, mas até pouco tempo antes, era fácil mascarar, não precisava lidar com a ausência de , com seus relatos sobre como beijar Katherine era maravilhoso e todas aquelas coisas terríveis, que cortavam seu coração em mil pedacinhos.
Era assim que chegava em casa naquela noite, dividida em pedacinhos por causa de , culpada pela briga com as amigas e completamente confusa sobre seus sentimentos.
Ao passar pela porta, encontrou os pais sentados, cada um em um sofá diferente, ambos a encarando. Não era comum que os dois estivessem em casa juntos, muito menos em uma hora como aquelas, perto da hora do jantar. parou onde estava, encarando os dois com expressão confusa e ressabiada. A mãe suspirou e ficou de pé, aproximando-se da janela e dando-lhe as costas, enquanto o pai ainda a encarava, em completo silêncio.

– O que foi? Eu fiz alguma coisa? – Perguntou ela, sorrindo de modo nervoso.

Fora vez do pai de suspirar, depois ele passou as mãos pelo cabelo, parecia pensar antes de dizer, e então ficou de pé, aproximando-se de .

– Nós precisamos conversar, todos nós. – Disse ele.
– Já estamos conversando.
– É uma conversa séria, delicada. – Ele começou a explicar. – Por que não se senta?
– Não quero me sentar para ouvir que vocês vão se separar. – Falou ela, de uma vez, explicitando o que se passaram em sua cabeça assim que se deparou com aquela cena.
– Querida, nós...– O mais velho tentou dizer.
– Não, não precisa disso. – negou com a cabeça, erguendo o queixo e afastando o cabelo dos olhos. – Eu não sou uma criança, tá? Não vou chorar porque papai e mamãe estão se separando.
– Mas nós precisamos conversar sobre isso. – Alertou ele.
– Vou ter que me mudar? – Ela arqueou uma sobrancelha, esforçando-se muito para transmitir as emoções de alguém que não se importa.
– Bom, nós ainda não...– O pai hesitou quando a mãe soltou uma gargalhada fria, ainda de costas para os dois.
– Quando decidirem, estarei no meu quarto. – Anunciou , e mais que depressa se afastou dos pais, se dirigindo ao quarto o mais depressa que pode.

sabia, no fundo, que aquele momento não ia demorar a acontecer, mas não sabia se estava preparada para que fosse tão logo. Não conseguia se lembrar de quando o casamento dos pais não se resumisse em ausências, brigas e horas e horas de tratamento de silêncio, mas não significava que em seu coração, na parte que não gostava de admitir ter, quisesse que fossem um casal comum de pais, felizes e amorosos.
Naquele momento, apenas um rosto veio a sua mente.
Apenas uma pessoa com a qual queria contar, desabafar, talvez chorar um pouco, xingar e ficar bêbada com vodca barata e quente. Queria colocar tudo para fora, o alivio por saber que as brigas acabariam, o luto pelo casamento dos pais que nunca fora um casamento de verdade, todas incertezas e coisas bizarras e aleatórias que se passavam por sua cabeça naquele momento, precisava de .
Antes de qualquer coisa, assim que fechou a porta atrás de si, puxou o celular do bolso e digitou uma mensagem para .

WHATSAPP

visto por último hoje às 19:35

Ocupado? Me encontra no lugar de sempre?

Foi mal, ...shopping com a Kath )=

Alguma coisa importante?

Não.

Divirta-se com sua garota.

I know exactly what goes on
Eu sei exatamente o que se passa



Depois de uma semana conturbada e caótica, depois de ajudar o irmão a entender seus sentimentos, enquanto enfrentava os seus próprios, lidando com a separação dos pais, estava de volta às aulas. Era mais uma das entediantes aulas de metodologia científica, a aula do dia era sobre os assustadores comitês éticos, e ninguém parecia realmente interessado no assunto.
– Alô, quem fala? – brincou, jogando suas coisas sobre a carteira atrás de e atraindo um olhar reconfortado e ansioso da loira. – Marilyn Manson pediu o lookinho dele de volta. – Implicou, sacudindo o dedo indicador em direção as roupas que usava naquela manhã. Um vestido cinza até os joelhos, meia-calça preta, botas pretas de solado tratorado e uma jaqueta de couro, além da maquiagem, talvez um pouco carregada no lápis de olho preto.
– Vai ver se estou na casa do...– estava prestes a xingar quando o aproximou seu rosto do dela, sorrindo aberto.
– Você não estava prestes a me xingar por dizer a verdade, não é? – parqueou uma sobrancelha. – Nem foi uma crítica.
– Você devia parar de implicar comigo e compensar o tempo que me deixa abandonada. – Reclamou ela, e viu o amigo inclinar a cabeça sobre o ombro e sorrir com doçura.
– Mas é o que estou fazendo. Quero dizer, eu demonstro amor implicando com você. É assim desde que tínhamos três anos.
– Algo está errado, eu demostro com sorvete e você com implicâncias? – sacudiu a cabeça negativamente, em seguida dobrou os dedos, como se fingisse ter um telefone nas mãos e levou a mão a orelha. – Alô? Central de cancelamento e devoluções? – gargalhou.
– Vou para sua casa depois da aula, e é muito bom que tenha sorvete de menta. – Ameaçou com dedo erguido e apontado para , que ria abafado.
! – Alguém o chamou de repente, atraindo a atenção dos dois. – Vem sentar aqui comigo. – Katherine chamou, do outro lado da sala.
– Sentar aí? É que eu...– hesitou, sorrindo sem jeito e coçando a nuca.
– Por favor. – Katherine fez beicinho.

Enquanto rolava os olhos, prestes a vomitar, derreteu. O olhou da melhor amiga para seu interesse amoroso algumas vezes, depois sorriu amarelo para , como quem pede desculpas e percebendo o rumo daquilo, a loira apenas deu de ombros e girou o corpo, ajeitando-se na carteira.
mudou de lugar no exato momento em que a professora dava início a aula.
Não demorou muito para que toda pressão e sentimentos reprimidos em todos aqueles dias quisessem escapulir pelos olhos de . Ver deixando seu lado para se sentar perto de Katherine não fora uma das piores coisas se postas em escala, mas naquele momento, era a gota d’água no balde transbordando.
Discretamente, ficou de pé e caminhou para fora, até o banheiro, o mais rápido que pode. Chegando lá, escolheu a última cabine, sentou-se sobre a privada fechada e não tentou mais conter as lágrimas que já lhe tomavam os olhos. Tantas coisas haviam acontecido naqueles dias, o fim do casamento dos pais, as aulas da faculdade, o melhor amigo e sua paixão platônica que já não podia controlar, tudo tão intenso e ao mesmo tempo, que a deixava tonta, sufocada.
Seus soluços deviam ser altos demais, pois só se deu conta de que haviam mais pessoas dentro do banheiro quando alguém bateu na porta.
– Está ocupado. – Disse em tom nada amistoso, ainda com os olhos molhados e voz embargada pelo choro.
– A gente sabe, por isso estamos aqui. – ergueu os olhos quando reconheceu a voz das duas amigas, e surpresa como estava, fragilizada, abriu a porta.

Kylie tinha no rosto a expressão compreensiva de sempre, enquanto Daisy, assim que a porta fora aberta, ajoelhou-se no chão, tomando as mãos de entre as suas. Com aquela visão, o choro voltou como uma enxurrada, e não tentou se controlar.

[...]


– Será que você pode andar mais rápido? – Katherine chamou, incentivando o a se apressar.
– É, eu poderia se não estivesse com essas mil sacolas. – Ele reclamou, erguendo as sacolas que tinha nas mãos. – Precisa mesmo de tudo isso?
– Bom, foi você quem disse que me acompanharia para qualquer lugar. – Katherine deu de ombros.
– Eu sei, eu sei. – sorriu derrotado. – Só estou cansado. Já fomos em quase todas as lojas do shopping.
– É o que minha mãe sempre diz ao meu pai, se quer uma mulher bonita ao seu lado, precisa investir nela. – Piscou, enquanto continuava sua epopeia apressada pelos corredores iluminados do shopping.

Enquanto seguia a negra, foi capturado pelo som de uma TV, que apresentava imagens do jogo de hockey que estava acontecendo ao vivo. Os Blackhawks estavam jogando. Os últimos dias haviam sido tão cheios que mal tinha tempo de assistir as partidas do time, nem se lembrava de quando fora a última vez. Amava hockey e teria entrado para o time se fosse um pouquinho melhor praticando o esporte, mas infelizmente, a restava apenas assistir os jogos na companhia de uma das maiores fãs, .
Um sorriso saudoso cobriu os lábios do quando se lembrou da melhor amiga, sentiu falta dela. Queria ligar e perguntar o que estava achando do jogo, ouvir as piadas dela, observar sua expressão fechada e concentrada durante cada segundo da partida.

– Hey! – Katherine o chamou, estava alguns passos adiantada. – O que foi? Se perdeu?
– Eu só...me perdi no jogo. – Explicou ele, apontando para a Tv com um sorriso nos lábios.
– Anda, não quero em atrasar. – Chamou ela, impaciente.
– Você e eu podíamos ir um dia...sabe, ao jogo? – Sugeriu , mas Katherine franziu o cenho.
– Eu detesto hockey. Achei que já soubesse. – Falou ela, enquanto seguia seu caminho com em seu encalço. – Acho que realmente temos poucas coisas em comum...

quis assentir, concordar e dizer que preferia estar assistindo ao jogo, que preferia com todas as suas forças estar fazendo qualquer outra coisa que não andar em círculos pelo shopping carregando um mundo de sacolas, mas resolveu se calar.

Seguindo o corredor, Katherine entrou em mais uma loja de sapatos, e enquanto escolhia um entre milhares, se permitiu observar a imensidão de sapatos coloridos, com ou sem salto, salto fino ou grosso, transparente ou colorido. Eram muitas opções, mas quase todas feias, verde fluorescente, amarelo neon, rosa bexiga de festa, enquanto analisava as cores, se perguntava que tipo de pessoa usava aquilo.

– Cuidado aí. – Alguém reclamou quando o pisou, sem querer, no pé mais próximo.
– Foi mal. – Sorriu educado, e ao virar o corpo em busca de sua vítima, encontrou Daisy, uma das amigas de . – Você? – Sorriu mais aberto.
– Você. – Daisy cuspiu, rolando os olhos.
– Opa, eu pedi desculpas. – Ele tentou se justificar.
– E eu quero que você vá para o inferno com suas desculpas.
– Tá bem, isso foi rude. – torceu os lábios em uma careta.
– E eu ligo? – Daisy cruzou os braços sobre o peito e encarou o , que estava chocado. – Kylie pode conseguir ser educada com você, mas eu não. Não depois do que você está fazendo com a minha amiga.
– Oi? – arregalou os olhos.
– Não se finja de bobo, você não tem talento para ator. – A loira rolou os olhos.
– Mas eu não sei mesmo sobre o que está falando. – Ele tentou se justificar, sentindo-se ansioso e nervoso repentinamente.
– Claro, vocês homens nunca sabem, não é? – Disse ela, balançando a cabeça negativamente. – Enquanto a está mal, você está no shopping com sua namorada nova. Você a ignorou quando ela mais precisou por causa da sua namorada nova. Os pais dela se separando, o mundo desabando e você só consegue se preocupar com sua namorada nova.
– O que disse? Se separando? – Repetiu ele, chocado.
– Não se finja de inocente. Você devia ter vergonha, babaca. – Daisy xingou, e depois de jogar os cabelos cacheados na direção dele, saiu, deixando-o pasmo, confuso e sozinho.

[...]


Um dos maiores eventos no campus era a festa que acontecia no final de cada semestre. A festa era aguardada por todos estudantes, tudo era minimamente pensado, desde as roupas, bebidas, decorações, era a festa, definitivamente. E a festa daquele ano não estava sendo diferente, passava das nove horas e a área verde do campus estava lotada de estudantes, uma grande fogueira estava acesa no centro e haviam pessoas bêbadas por todo canto.
Depois de muita insistência por parte de Daisy e Kylie, resolveu que seria uma boa ideia ir, ao menos uma vez. Aproveitar a noite, beber até ficar tonta e aproveitar a noite com as amigas, extravasando todo estresse que guardava. Por sorte, talvez encontrasse por lá, sentia falta dele, queria conversar, contar a ele tudo que estava acontecendo, mesmo que seu orgulho gritasse para que não fizesse.
já havia bebido algumas cervejas quando sentiu que precisava ir ao banheiro. Banheiros femininos em festas era semelhante a tortura, sempre lotados e com filas gigantescas, mas para sorte de , o banheiro escolhido estava vazio, nenhuma outra viva alma parecia ter tido a mesma ideia. Mas assim que entrou em uma das cabines, ouviu passos e risos, outras garotas povoavam o pequeno espaço.
Não demorou muito para que a estudante de psicologia reconhecesse a voz de Katherine, que ria e fazia piadas, fazendo as amigas rirem também. Talvez, se quisesse manter sua amizade com , precisaria aceitar o fato de que ele havia escolhido Katherine e tentar se tornar amiga dela também. Já estava perdendo a estabilidade de sua família, não queria perder também.

– O que acharam? Minha escolha de look foi boa? – ouviu Katherine perguntar depois de risadas altas.
– Eu amei, amei a bota. Adoro essa tendência de cores vibrantes em sapatos. – Alguém respondeu.
– Sim! Eu amo! Precisei andar por todo shopping até encontrar. – Katherine contou.
– Seu novo fã foi com você? – Outra pessoa perguntou e a atenção de foi subitamente capturada.
– Ah.– Katherine suspirou. – Sim, ele tem me acompanhado para todo lugar. – Contou entediada, atiçando todos os sentidos de , que ouvia tudo em silencio.
– O que foi? Não parece muito contente. – Alguém sorriu com deboche.
– E não estou. – Confessou a negra. – é até legal, mas já estou enjoando dele. Ele é...bem, tudo é sempre ótimo para ele. Ele nunca se impõe, sempre aceita tudo que eu digo, faz tudo que eu mando, não parece ter personalidade, e além disso, não temos quase nada em comum.
– Em resumo, ele é um chato. – A primeira pessoa tornou a falar, e as garotas riram.
– É. Ele é. – Katherine confirmou.
– Bom, acho que já já teremos outra amiga solteira. – Alguém brincou, causando risos entre elas.

Nesse momento, escapuliu pela porta, precisava contar tudo a o mais rápido possível. Precisava abrir os olhos do amigo para o que lhe aguardava. Sentia raiva de Katherine e precisou de todo seu controle para não enfiar a cabeça dela na privada, mas tinha que se manter estável se quisesse que acreditasse nela.
Quase correndo entre a multidão, encontrou perto de um galão de cerveja, sorrindo enquanto enchia seu copo. Rapidamente o alcançou.

. Precisamos conversa. – Falou rápido, e viu o semblante do amigo mudar com sua aproximação.
– Hey, . – Ele suspirou. – É, eu sei, preciso me desculpar. Estava te procurando.
– Se desculpar? Do que você está falando? – franziu o cenho.
– Sobre eu não ter ido naquele dia, sobre seus pais...– também franziu o cenho, inclinando a cabeça sobre o ombro, confuso.
– O que? Não, não é sobre isso. É mais urgente. – enfatizou, colocando as duas mãos sobre os ombros dele.
– Okay, você está me assustando agora. – Disse ele, sorrindo fraco, nervoso.
– Eu não tenho boas notícias, mas juro que não é implicância, eu ouvi. – Contou ela. – Katherine pretende terminar com você.
– O que? – piscou algumas vezes, e indagou após algum silêncio.
– Eu ouvi ela e as amigas conversando no banheiro, ela disse. – tentou explicar, mas poupando dos detalhes sórdidos.
– Não! Não! – negou, afastando-se dela. – Não, por que está fazendo isso? O que tem de errado com você? Por que está inventando isso?
– O que disse? – arregalou os olhos.
– É, eu sei, sei que você nunca gostou muito dela, mas por que inventar isso? – estava nervoso, gesticulava enquanto falava e suas bochechas já estavam vermelhas.
– Como pode pensar que eu inventaria algo assim? ! – o empurrou com as duas mãos espalmadas. – Como pode pensar isso de mim?
– Você nunca gostou que eu encontrei alguém. Nunca gostou da Katherine, nem mesmo se esforçou, nem quis conhece-la.
– Você é um babaca, ! O maior babaca de todos! – aumentou seu tom de voz, estava incrédula, chocada, profundamente ferida.
– Eu sou o babaca? Você nunca conseguiu ficar feliz por mim, nunca ficou feliz por eu estar feliz apenas porque você também não estava. – Acusou ele, enquanto o olhava com olhos arregalados. – Está torcendo contra desde o início, com ciúmes porque eu consegui ficar com a pessoa que sempre quis e você não. Você está sozinha.
? – sentiu as pernas perderem a força com aquelas palavras, estava completamente boquiaberta.
– Olha, eu não quis...– Depois de um longo suspiro, tentou se corrigir, mas já era tarde.
– Quer saber, , você tem razão. – Disse ela, com um sorriso triste nos lábios e olhos molhados, enquanto lutava para engolir o choro. – Não consegui ficar com a pessoa que eu queria, mas você...você conseguiu, não é? A garota dos seus sonhos...aproveite.

Dizendo isso, lhe deu as costas, apressando o passo até o carro, para que pudesse chorar em paz, amaldiçoando todas as gerações da família de e todas as suas, e o seu destino, por tê-los posto tão perto, por ter feito que com que se apaixonasse justamente por ele.

She said, I'm walking alone this time, I'll be waiting all my life
Did it ever cross your mind just what you're doing?
All you ever had to see was love me unconditionally

Ela disse, eu estou andando sozinha desta vez, estarei esperando a vida toda
Alguma vez passou pela sua cabeça, apenas o que você está fazendo?
Tudo o que você tinha que ver era me amar incondicionalmente




Os dias passam mais devagar quando se está triste, era o que os dois pensavam, e , cada um de seu quarto, cada um do seu lado. Tristes por razões que à primeira vista pareciam diferentes, mas no fundo eram as mesmas. Se por acaso se vissem pela janela, fechavam com dureza, certificando-se que o outro notara, deixando cada vez mais claro, em uma quase silenciosa guerra fria, que estavam de lados opostos pela primeira vez. Se haviam uma prova difícil, caprichava na escolha das músicas que mais odiava e as tocava no maior volume. Se era manhã de sábado, atiçava o cachorro da família para que ele latisse o mais alto que podia, bem debaixo da janela de .
Queriam causar aborrecimento, embora ainda se importassem o suficiente para que nada evoluísse para algo realmente sério. Mas apesar da implicância silenciosa, não trocavam sequer uma palavra, nenhuma ofensa, nenhum contato, falando ou até mesmo por olhar. Era como se um não existisse para o outro, pelo menos não quando estavam olhando.
Nas aulas, sentavam-se o mais distante que conseguiam, evitavam qualquer aproximação no caminho até o campus, saía mais cedo, mais tarde. Sofriam silenciosamente, mas não conseguiam apenas “deixar para lá”. não conseguia pensar no ex-melhor amigo sem que suas palavras sobre ciúmes e inveja ecoassem por sua cabeça, enquanto não conseguia olhar para a casa ao lado, ou para qualquer coisa que o fizesse lembrar de , sem se sentir traído por sua melhor amiga.
Naquela tarde, depois de uma longa manhã com Katherine, a acompanhando em uma manhã de apresentações de sua pesquisa, estava de volta, cansado e triste. Conseguia disfarçar bem na presença de Katherine, mas assim que voltava a casa, sua máscara caía. No momento em que pisou na calçada, percebeu algo estranho na casa ao lado, a casa de sua ex-melhor amiga.
carregava algumas caixas para o carro do pai, caixas que pareciam estar cheias de coisas. A garota não o olhou, pareceu verdadeiramente não o notar entre suas idas e vindas para dentro com mais caixas. lembrou-se de Daisy e supôs o que devia estar acontecendo, provavelmente aquela era a mudança do pai de , que saía de casa após a separação. sentiu-se tomado por uma intensa vontade de ir até lá, abraçar a amiga, dizer que podia contar com ele, mas não sabia como.
Antes de romperem não havia estado com ela, agora, talvez fosse tarde demais. O balançou a cabeça negativamente e inclinou a face, depois de suspirar, entrou, dando as costas para toda aquela movimentação de coração partido. Só ele sabia o quanto queria que tudo fosse diferente, mas não entendia ou podia imaginar como sair daquele caos terrível. Por coincidência ou não, assim que as coisas começaram a dar certo com Katherine, a amizade com desandou. E por ironia do destino, não tinha outro amigo tão próximo para quem pudesse pedir conselhos sobre aquele assunto.
Haviam se passado cerca de quinze minutos desde que entrara em casa quando ouviu a campainha tocar. Estava sozinho, por isso largou o sanduíche que comia sem muita vontade e se arrastou até a porta, encontrando do outro lado Charlie, irmão mais novo de . O garoto tinha a mesma expressão antipática e desgostosa que sua irmã, aquela cara de quem acha tudo um porre, mesmo que fosse só aparência. Mas naquele dia, a expressão dele parecia transparecer bem mais que isso, Charlie estava abatido, olhar mais duro que o normal e não sorriu quando o cumprimentou, como sempre fazia.

– Minha mãe mandou trazer isso para você. – Disse Charlie sem rodeios, entregando a uma caixa grande e fechada.
– Sua mãe? O que é isso? – perguntou, sorrindo confuso.

A princípio pensara que o motivo da expressão fechada de Charlie fosse , mas com a menção a mãe, se lembrou do que havia escutado sobre a separação. Mesmo assim, não fazia ideia do que haveria em uma caixa que fosse do interesse dele e que estivesse em posse da mãe de .

– Minha irmã deixou, e minha mãe disse para entregar a você. – foi atingido por um soco no estômago.
– Como assim, deixou? – Repetiu, sentindo-se tenso.
– Ela vai morar com meu pai, isso foi o que sobrou. Pode jogar fora se quiser, disse que tanto faz. – Charlie deu de ombros e antes que , pasmo, pudesse dizer qualquer coisa, o mais jovem lhe deu as costas e se foi.

mal sabia o que pensar ou dizer, estava chocado, pasmo, triste, frustrado, com raiva. Esperava que pelo menos comunicasse sobre estar se mudando, que falasse com ele, que quisesse tentar resolver. Mas aparentemente ela não se importava, estava indo embora sem olhar para trás. O jogou a caixa sobre o sofá, irritado, enquanto andava em círculos pela sala, xingando mentalmente a amiga.
Queria ligar para ela e gritar, brigar e perguntar porque ela o estava deixando. Perguntar porque ela não podia pelo menos fingir estar feliz por ele, ou tentar aceitar Katherine de forma madura.
Pensando nisso, seus olhos bateram sobre a caixa outra vez, e o estudante de psicologia se sentiu tomado por uma curiosidade ansiosa, querendo descobrir quais memórias havia deixado para trás. Sentou-se no sofá ao lado da caixa e começou a abrir, retirando de lá, item por item, coisas que remontavam a história dos dois. O primeiro, uma Jersey do time de hockey do colégio, com o nome e número de , de quando o defendia o time.
sentiu o coração apertar ao ver aquilo ali, descartado como se não significasse nada. Se lembrava perfeitamente da situação quando a havia dado a , era aniversário dela, quatorze anos, seu pai não estava em casa e havia se esquecido da data, tinha reuniões importantes. usava aquela camisa, não tinha comprado um presente, mas foi até lá o terraço com dois potes de sorvete de menta. Aquele era o uniforme usado por ele quando o time tinha vencido uma das competições mais importantes, e a mantinha com muito zelo, mas na tentativa de animá-la, arrancou a peça do corpo e presenteou com ela.
Talvez, tivesse se esquecido da importância daquilo e do quanto significava para ele ter dado algo que amava tanto para sua melhor amiga.
O segundo item era um álbum velho de fotografias, desde a infância dos dois, até os quinze anos, quando ainda se importavam em manter registros físicos dos momentos. Haviam tantas fotos ali que o álbum mal fechava. Fotos dos dois quando eram crianças, em banhos de chuva, de piscina, com patinhos de borracha e boias de braço. Fotos na escola, fotos das viagens até a escola, das viagens em família, fotos em jogos de hockey. Um amontoado de lembranças que não pareciam mais ser das mesmas pessoas nos dias atuais.
Colocando o álbum de lado, encontrou três de seus livros da saga Harry Potter, que estavam emprestados a por pelo menos meio século, CDs das bandas favoritas de , tickets antigos de cinema, parques de diversões, um álbum de figurinhas da Fórmula Um de 2010, uma lanterna verde e sem pilha, que quando crianças, usavam para chamar um ao outro para o terraço.
Haviam também pequenas outras coisas, adesivos, bonecos de ação, peças de roupas, uma lata com flores secas, um cartão de natal, nenhum cartão de aniversário ou carta, o que era bom sinal, ou nem tanto. Talvez os havia guardado junto a si, ou jogado ao fogo, não tinha como saber.
Tento tudo aquilo em mãos, tentou refazer seus passos mentalmente, tentando descobrir o que havia dado errado, onde tinha errado para que tudo desandasse daquele jeito. E agora, nem mesmo a guerra fria teria para sentir por perto, ela havia partido, ido embora para Deus sabe onde, sem deixar endereço ou dizer adeus.

[...]


A grande final da Stanley Cup.
Copa Stanley é o troféu dado à equipe vencedora da NHL, principal liga de hóquei no gelo do mundo, a final mobilizava multidões, a taça era um dos objetos de desejo de todos os times da liga, mas naquele ano a disputa seria entre os canadenses Toronto Maple Leafs e os americanos do Chicago Blackhawks. As ruas e bares ao redor da arena e por toda cidade estavam lotadas de torcedores com seus mantos vermelhos, tomando suas cervejas e comemorando um jogo que ainda não havia começado. passara por toda aquela confusão animada no percurso até outra festa, de outra digital influencer de quem Katherine era fã. Idas a eventos como aquele eram comuns no cotidiano de Katherine, e agora se tornavam cada vez mais comuns ao de , embora o preferisse estar na rua, junto aos fãs, indo assistir ao jogo.
As festas ao menos tinham boa comida e bebida, serviam para entretê-lo enquanto sua namorada tirava foto e conversava com milhares de pessoas. assistia tudo de um canto qualquer, sempre. Não tinha assunto ou vontade de se misturar com todas aquelas pessoas, preferia conversar sobre seus assuntos, e quanto tentava, todos pareciam fazer questão de enfatizar o quão bobo eram seus interesses.
Ele bebia um tipo estranho de cerveja artesanal, enquanto Katherine tirava fotos e gravava vídeos junto a outros como ela, quando alguém se aproximou de . Uma garota que parecia tão entediada quanto ele, seu cabelo era rosa e ela usava um terninho preto, básico, mas muito legal.
– Curtindo a festa? – Ela perguntou, recostando-se a parede, perto dele.
– É, e como...– ironizou, bebendo um pouco de sua cerveja e garota riu abafado, tomando um pouco de sua própria bebida.
– Entendo. – Assentiu ela, sorrindo. – E porque está aqui?
– Estou acompanhando minha namorada. – apontou para Katherine com o queixo.
– Ah, ela. Ela é linda, parabéns. – Elogiou a outra.
– Obrigada. – sentiu o rosto esquentar quando sorriu, inflado.
– Deve gostar mesmo dela, para estar aqui. Meu namorado nunca vem a essas coisas, ele diz que é demais para a cabeça dele. – A garota riu alto e a acompanhou, um pouco mais relaxado por enfim socializar. – Já faz tempo que estão juntos?
– Quase dois meses, na verdade. – Contou ele. – É pouco, eu sei. Mas é que já era apaixonado por ela há muito tempo. – riu baixo ao confessar.
– Eu não julgo. – A garota ergueu as mãos, rendida, ainda sorrindo. – Por que se apaixonou?
– Como assim?
– Por que se apaixonou? Por que escolheu ela, além da beleza, obviamente. – Ela riu entredentes. – É que eu gosto de histórias de amor.
– Bom...– pensou por alguns instantes, fora pego desprevenido por aquela pergunta. – Eu não sei lidar com essa pressão. – O coçou a nuca, sem jeito.
– Qual é?! Não é bem uma pressão. – A garota de cabelo rosa riu. – Normalmente as pessoas tem branco quando estão fazendo uma prova, não quando falam de por quem se é apaixonado.
– Você está me colocando numa crise, cabelo rosa. – riu, nervoso, tentando disfarçar, mas sua expressão devia denunciá-lo, pensava. – Katherine é legal, é espontânea, é dedicada, ela é...

Enquanto tentava listar, entrou em um espiral confuso, em que se perguntava porque gostava de Katherine. Parte sua, a parte consciente e prática, gritava que talvez fosse uma idealização, que ainda estava preso a ideia que tinha construído de Katherine como a mulher dos seus sonhos, embora a realidade não fosse a mesma, mas talvez aquilo fosse o psicólogo falando. Outra parte, gritava que se sentia bem com Katherine, sentia-se orgulhoso, capaz, realizado por ter conseguido a atenção da mulher que sempre sonhara. Mas além disso, o que mais tinha dela? Katherine não era uma das mais carinhosas, nem eram muito íntimos para que pudesse desabafar ou pedir conselhos.
Repentinamente, uma simples pergunta de uma desconhecida aleatória em uma festa o havia abalado, feito refletir e pensar em coisas que até então não havia pensado.

– Bom, independente das razões...– A garota sorriu. – Você é um bom parceiro, meu namorado me deixou aqui e foi para o jogo dos Blackhawks. Então, você está bem a frente dele. – Ela brincou.
– Se interessar, lá é onde eu queria estar também. – Confessou ele, sorrindo fraco, tentando fugir das indagações que surgiam em sua mente. – Eu sempre ia a todos jogos dos playoffs com minha melhor amiga, é o primeiro ano que quebramos a tradição.
– Ela foi? Com certeza está se divertindo mais. – A outra riu alto e assentiu, com um sorriso fraco nos lábios. – Eu queria gostar de esportes, mas não consigo, não entendo. Admiro as garotas que gostam.
– Eu também. – sorriu com um pouco mais de ânimo. – é apaixonada, já precisei separar muitas brigas entre elas e torcedores rivais.
– Meu Deus, ela é esse tipo de torcedora? Que incrível.
– Ela é, ela coloca paixão, sabe? – gesticulou, empolgado. – Ela é conhecida entre a torcida do Blackhawks, todos sabem quem ela é. As torcidas rivais também a conhecem, sabem que ela é durona e que não podem implicar com ela. Ela não joga nada, é péssima, mas é ótima motivando os jogadores. – O riu alto. – No último ano da escola, ela disse que se eu não marcasse, ela me daria um soco.
– Você joga? – A garota quis saber, sorrindo animada.
– Não, parei depois da escola. É muito impacto para minha cabeça. – Explicou. – Eu sou o calmo da dupla, era a força bruta. Ela é menor que eu, mas te deixa com medo, sabe como são essas coisas. – Os dois sorriam.
– Sei, sei sim. Se conhecem há quanto tempo?
– Não sei, eu só lembro de mim com ela por perto. – sorriu saudoso, encarando o chão. – Todas as minhas lembranças ela está presente. E eu queria que estivesse em todas no futuro também. – Desabafou com um quase sussurro.
– O que foi? Por que ela não estaria? – A garota quis saber.
– A gente meio que...se separou. – Contou. – Eu acho que não a reconheço mais, ela fez umas coisas que não fazem sentido.
– E aí vocês brigaram. – Concluiu a outra.
– É, sei lá...acho que me sinto traído.
– Olha, eu aprendi na vida, que as vezes as pessoas mudam e podem nos surpreender, mas elas sempre dão sinais nas atitudes. Só que algumas vezes, a gente precisa confiar, e a confiança vai além de confiar que aquela pessoa vá guardar um segredo. É só confiar em quem a pessoa é.
– Nossa. – suspirou. – Você me espiona ou algo assim? Porque é meio que sobre isso mesmo. – Confidenciou sorrindo de canto.
– Bom, acho que tenho certa experiência. – A garota sorriu, tomando mais um pouco da bebida que estava em suas mãos. – Como eu disse, amo ouvir histórias de amor.

Dizendo isso, a garota de cabelo rosa se afastou, deixando-o embasbacado e confuso, como se uma bomba atômica estivesse prestes a explodir em sua cabeça. sorriu fraco, perdido com as palavras dela, enquanto acompanhava a garota se afastando devagar, até que seu olhar pousou sobre Katherine.
Nas últimas semanas não havia questionado nada na situação em que se encontrava, tudo estava perfeitamente bem, exceto pelos ciúmes de , mas talvez a breve conversa com a garota de cabelo rosa tivesse mudado algo. Katherine era a garota dos seus sonhos desde que entrara na faculdade, não se lembrava de pensar em outra garota além de Katherine, claro que havia , mas era diferente. Katherine era bonita e inalcançável, lhe causava borboletas no estômago, era o objeto de desejo de quase todos do campus.
Mas analisando os últimos dias, as incontáveis vezes em que haviam feito coisas que ela gostava, ou que ela precisava fazer, a raridade de momentos a dois onde simplesmente conversavam, se divertiam, compartilhavam gostos e afinidades. Não se lembrava de nenhum momento onde Katherine havia se interessado por seus gostos, ou se interessado por qualquer coisa que não fosse ela mesma.
Naquele instante, se perguntava como não havia percebido isso, ou porque demorara tanto para se dar conta. Suas expectativas pareciam ser tão grandes que lhe cobriu os olhos. Katherine era bonita, mas seu mundo, de digital influencers, compras intermináveis, festas com pessoas aleatórias, aquele não era o mundo de , nem o mundo no qual ele gostaria de pertencer.
Cheio de coragem, que não fazia ideia de onde saia, interceptou um garçom e trocou seu copo por outro cheio, que bebeu de uma só vez. Depois rumou até onde Katherine estava.
– Kath. – Chamou-a.
– Agora não posso falar, estou ocupada. – Ela sussurrou, voltando-se rapidamente para outra foto.
– Eu preciso falar, é urgente. – insistiu.
– Eu já disse que agora não, . Não pode esperar? – Ela bufou impaciente, sem sequer olhá-lo.
– Não, não pode. – Disse outra vez, mas ela apenas bufou. – Eu quero terminar. – Ele falou de uma vez, e mecanicamente, depois de dois segundos, Katherine girou o rosto para encará-lo.
– O que disse?
– Eu e você, acho que foi um erro. – Admitiu ele, sorrindo fraco. – A gente não tem nada parecido, mal conversamos. É melhor ficarmos por aqui.
– Você não pode terminar comigo. – Katherine estreitou o olhar ameaçadoramente. – Eu não terminei com você por isso, apesar de você ser um chato. Se eu não fiz, você também não pode.
– Espera...– arregalou os olhos, como fazem aqueles que sentem os fatos se conectando em suas cabeças. – Você ia terminar? Você... estava certa? Esse tempo todo ela estava certa? – O começou a divagar, pensando consigo mesmo. – Que droga, eu estraguei tudo.
– Estragou mesmo! – Katherine cruzou os braços sobre o peito, emburrada. – E eu não sei se quero te...
– Não, não com você. – Ele a interrompeu. – Eu estraguei tudo com a . Preciso ir. – Disse apressado. – Foi mal, Kath. – Despediu-se a distância, sorrindo e correndo. – E aliás, aquele livro é péssimo. – Declarou aliviado, enquanto corria para o carro, estacionado do lado de fora, deixando uma Katherine vermelha de raiva do lado de dentro.

[...]


A arena estava lotada, mal havia espaço para pôr os pés, mas por milagre do destino, conseguira entrar. O correu para o lugar onde e ele costumavam assistir os jogos, nas cadeiras especiais que o pai da garota lhes conseguia cortesia, em uma área seleta e separada das demais. Entre o mar de pessoas, os olhos treinados do rapaz encontraram a cara emburrada e a franja de , sentada entre muitas pessoas, com seu irmão de um lado e o pai do outro. parecia um pouco desanimada, tinha os cotovelos apoiados nas pernas e o rosto nas mãos.
tentou alcança-la, mas por todos lugares que tentava passar, era impedido por uma muralha de torcedores, impossíveis de penetrar. Daquele lado estava a torcida gigante do Blackhawks, que havia trago um mosaico gigante para a arena, com frases de apoio aos jogadores. gritou, tentou atrair a atenção de , mas nada parecia funcionar, eram tantos rostos e tantos gritos que ela não podia diferenciá-lo.
Até que teve uma ideia.
Oh, I won't go. I will live till it's over
Oh, I won't go. Until hell freezes over and I'll be yours and you'll be my supernova
Oh darlin', why was it so hard to see? Just love me unconditionally

Oh, eu não irei. Eu vou viver até acabar
Oh, eu não irei, até o inferno congelar e eu serei seu e você será minha supernova
Oh querida, por que era tão difícil de ver? Apenas me ame incondicionalmente




Intervalo, o time da casa estava empatado com os canadenses de azul, e o humor de era tão bom quanto a defesa dos Blackhawks. Nem a agitação da arena pareciam dar conta de animar a garota, ou faze-la sorrir pelo menos um pouco, de forma genuína.
Algumas pessoas se deslocavam para comprar bebidas ou ir ao banheiro, outras se mantinham em seus lugares, assistindo ao show das animadoras, aos desafios no gelo, ou a mágica que a torcida vermelha fazia com o mosaico que haviam preparado especialmente para aquele jogo.
concentrou sua atenção nas frases e imagens formadas pelo mosaico, graças aos lugares especiais conseguidos por seu pai, tinha uma excelente visão para a grande tela vermelha que era pintada pela mudança coreografada da ordem dos cartazes que cada torcedor segurava. Aos poucos, frases de incentivo ao time, imagens do brasão da equipe e outras imagens eram formadas pelo mosaico. Até que uma das imagens fez analisar a arte com mais cuidado: no fundo vermelho, o mosaico dizia “O é mesmo um babaca”. Instintivamente, sorriu e olhou para o lado, num ato falho, queria mostrar ao amigo o que via, mas se lembrou que ele não estaria ali, não poderia.
Mas se divertiu com a coincidência, depois é claro, de achar estar vendo coisas.
O mosaico continuava, a frase a seguir, alertou de que talvez não fosse tão coincidência assim. “Não que ele mereça, mas você pode perdoá-lo?” franziu o cenho e ficou de pé, tentando encontrar outra pessoa tão chocada com aquela mensagem quanto ela mesma estava. O mosaico já estava sendo mostrado no tela principal, com comentários dos narradores sobre o quão diferente eram aquelas falas, prevendo para quem deviam ser direcionadas, até que uma terceira frase foi montada: “, poderia me perdoar?”
O coração de quase saltou pela boca. O mais depressa que pode, ela desceu de seu lugar, correndo em direção ao mosaico. As pessoas no caminho lhe davam espaço, como se soubessem que ela era pessoa a quem o mosaico se referia. No mar de rostos e pessoas, reconheceu os cachos s de e mal pode acreditar no que seus olhos viam.

? – Chamou incerta, e ele se voltou a ela, sorrindo.
. – O suspirou, aliviado, aproximando-se mais dela. – Eu sinto muito. Eu não sei o que dizer...sempre é você. Eu devia ter prestado mais atenção, sou um babaca. Você tinha razão. Um idiota, mas eu sinto muito, muito mesmo.

não pensou muito, apenas fez, por impulso, o que sentia vontade de fazer desde que descobrira o que era se apaixonar. Num rompante, puxou e lhe beijou, com cuidado e sem pressa. O arregalou os olhos, surpreso, para em seguida envolver a cintura de com seus braços.

– Uau. – Ele expirou, os olhos dos dois ainda estavam fechados e as testas juntas. – Então...você...você gosta de mim.
– Por que foi tão difícil enxergar? – sorriu suavemente, e a acompanhou.
– Acho que você sempre foi a mais esperta. – Ele disse, para em seguida beijá-la novamente.
– É tudo sua culpa. – sorriu, assim que abriu os olhos e se separaram do segundo beijo.
– Sempre é. – Respondeu ele, sorrindo.





FIM.





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