09. Wanderlust

Finalizada em: 26/05/2021

Capítulo Único


-
“You get me high, love
No matter where I go, you're the first thing on my mind
We started to fade
I know I was supposed to call, I wasn't alone
And it was late in different time zones
You've got eleven, I was on your side
I was only waking up
I just need to see you, need to feel that rush
Again and again and again”

-

Levando a taça quase vazia de vinho aos lábios pintados de vermelho, saboreou um gole da bebida e fechou os olhos, virando a cabeça pro lado e para longe da janela. Lá fora, a cidade cintilava como um diamante de mil facetas, a noite sendo iluminada pelas luzes que nunca se apagavam. Lá fora, pessoas se divertiam, choravam e sofriam. Milhares de milhares de histórias se desenvolviam, seus protagonistas acordados ou dormindo. De certa maneira, era tranquilizador saber que ela não era a única cuja vida girava independente da vontade dela.
não era a única vítima do destino.
Sem nem mesmo olhar para o relógio, ela sabia que já tinha passado das quatro da manhã e que deveria ter ido para cama há muito tempo. O telefone não iria tocar. Se não tocou às 10, como prometido, quais as chances que fosse tocar às quatro? Realmente, ela era uma idiota.
— Você precisa parar com isso — sussurrou para si mesma, terminando o vinho e se levantando. Ainda precisava remover a maquiagem. — É sempre a mesma coisa. Ele não vai mudar.
Promessas eram só isso- promessas. Como o vento, elas iam e vinham e não tinham nenhuma garantia. Amor, descobriu, era algo lindo, mas no final... não significava nada. E ela aprendeu da pior maneira possível. Pelo menos, ao que parecia, ela havia desistido de chorar. Os anos haviam cuidado para que ela não chorasse mais toda vez que ficasse decepcionada.
Não havia água o suficiente no mundo para mantê-la hidratada se desabasse de chorar toda vez que quebrasse a cara.
Apenas o hábito a guiou, enquanto se dirigia ao banheiro para limpar o rosto e se preparar para a cama, evitando o próprio reflexo no espelho. sabia qual expressão tomava conta de seu rosto, ela não precisava de confirmação visual da devastação. Era um testamento do quão acostumada ela estava a se decepcionar que o skincare da noite seguiu como o normal, nem mesmo o fraco tremor das mãos a atrapalhando quanto a aplicar os cremes no lugar certo e massagear a pele macia com os nutrientes necessários.
Isso feito, pegou a escova e a correu pelos fios escuros, ritmicamente, desfazendo a trança complicada e soltando os cachos formados pela mesma. A mulher se perdeu no movimento, deixando a ação repetida a acalmar, e apenas parou quando os cabelos estavam lustrosos e vagamente ondulados, escorrendo pelas costas.
De volta ao quarto, ela nem mesmo se preocupou em colocar pijama, apenas removendo o vestido caro e provocante, o deixando no chão de qualquer jeito e se enfiando debaixo dos cobertores. Não estava frio, mas tremia levemente, fechando os olhos ao descansar a cabeça no travesseiro. O outro estava frio, intocado, mais uma prova do que ela queria poder negar, mas não conseguia.
estava sozinha.

-

O toque padrão do celular a acordou, interrompendo a descida de a um sono mais profundo. Mente devagar e enevoada pelo cansaço e o álcool, apalpou a mesa de canto até achar o aparelho, o trazendo para perto da orelha de maneira desajeitada.
falando — se não fosse urgente, a pessoa do outro lado imediatamente se sentiria mal escutando a voz arrastada da mulher. Era óbvio que ela havia sido acordada, se a hora não fosse indicação suficiente.
Só silêncio veio do outro lado da linha e estava perto de desligar, quando uma voz masculina soou.
Eu tinha esquecido falou baixinho e estava, ao mesmo tempo, de repente muito acordada e certa de que estava sonhando. — Me perdoe, .
A mulher se apoiou no cotovelo, a mão livre esfregando os olhos que ardiam de sono.
— Esqueceu o quê? — estava muito tarde e muito cedo pros mistérios dele e não estava exatamente sóbria. Talvez a voz dela tivesse saído um pouco ríspida.
Da diferença de horário — ele pausou, como se pesasse o que diria em seguida, e esperou com impaciência. — E que tinha prometido ligar, em primeiro lugar.
Um barulho de divertimento escapou da garganta de , que deu uma risadinha, enroscando os dedos nos cabelos desgrenhados enquanto rolava os olhos.
— E eu achando que você ia falar algo que eu não sabia. E depois que você lembrou da diferença de horário, ligou por quê? Você sabe que horas são, ?
Uma parte de nem mesmo queria saber qual era o raciocínio do homem, não àquela hora da manhã. Ela estava cansada, estava desiludida e não tinha a mínima vontade de conversar agora. Talvez, quando estivesse mais descansada e menos amarga, se sentisse mais inclinada a escutar e perdoar. Ela era tonta, sempre aceitando as desculpas para ter, mesmo que só por um curto período de tempo, aquele calor que parecia seu lar. Mas agora...
Não queria que você achasse que eu não me importo. Eu sempre me importei, . É que a equipe resolveu fazer uma afterparty e eu perdi a noção do horário. Quando eu lembrei, ainda estava rolando e eu não podia sair-
cortou , seca. — Não, você não queria sair. Sabe por que, ? Porque você sabia que, não importa o que fizer, eu estaria aqui esperando. Eu sei bem onde estou na sua lista de prioridade e isso não é surpresa nenhuma para mim.
bufou daquela maneira dele, quando estava irritado, culpado e impaciente, ao mesmo tempo com o comportamento de . Ela podia quase vê-lo bagunçando os cabelos em frustração, querendo refutar as palavras dela, mas não conseguindo. estava certa e sabia muito bem.
Você faz com que eu pareça um monstro, .
— Não, . Não um monstro. Você é humano, até demais. Precisa de liberdade, detesta ficar amarrado a um lugar só. Você ama sua carreira acima de tudo e eu sempre soube disso. Talvez... — não sabia mais se falava com ou com si mesma. — Talvez seja hora de eu deixar você focar só nisso.
, por favor, o que você-
— Se eu disser que nunca mais quero te ver, estarei mentindo. E nós não mentimos um pro outro, pelo menos isso. Mas, ... só me procure de novo quando estiver pronto para ficar.
Sem esperar a resposta dele, desligou o telefone e o jogou longe, enterrando o rosto no travesseiro e deixando as lágrimas caírem e os soluços tomarem conta de seu corpo.
Parecia que ela ainda tinha algumas lágrimas para chorar, afinal.

-

“I didn't want to be here
I didn't want to be here without you
Want to be here
But everyone of us, every one of us got wanderlust
You get me high love
I don't wanna feel this mess
You're still the best I loved
And I'm still on the outside”

-

Quatro meses depois

De certa maneira, não estava nem um pouco surpreso que realmente o cortou da vida dela. Por um longo tempo ele havia temido que a morena se cansasse dele, ao mesmo tempo rezando que nunca fosse acontecer. Cada vez que ele precisava ir embora, a cada promessa feita que ele quebrava... sabia que se aproximava do limite.
Por mais que ele estivesse esperando, nada no mundo poderia ter preparado para o acontecimento.
O número de telefone, mesmo quatro meses depois, continuava desconectado. As redes sociais de estavam ali, abertas para apreciação, mas as mensagens nunca chegavam para ela. Os amigos em comum que tinham se recusavam a intervir e a irmã dela ameaçou chamar a polícia se ele ligasse novamente.
estava no fim de sua sanidade.
Nada mais tinha graça, agora que ele sabia que a coisa que ele mais amava no mundo havia partido. estava errada quando disse que ele amava a carreira mais do que ela – só que ele, na hora, não sabia disso. A ideia de que qualquer coisa pudesse ser mais importante do que fazer música, ver o mundo e se apresentar para pessoas que apreciavam seu trabalho parecia ridícula, antes. Sim, ele sempre amou , mas a música era sua paixão maior. não conseguia pensar em um mundo no qual ele escolheria uma vida comum ao invés do que ele tinha, não.
Até ele perder . Até ele perceber que, no final, ele não teria precisado escolher se tivesse dado valor no que tinha. nunca exigiu ser o centro da vida de , ela nem mesmo cogitou pedir prioridade sobre a carreira do homem. No final, havia apenas pedido o mínimo. Que ele se importasse. E, no seu medo de ser amarrado e contido, enxergou o pedido dela pelo mínimo de amor como uma ameaça a sua liberdade e paixão.
Grunhindo, bateu com a testa de leve no volante do carro, fechando os olhos e deixando o barulho da chuva caindo lá fora e batendo na lataria do carro o acalmar. Tentar negar a verdade não o levaria a lugar nenhum – ou melhor, o levaria para um buraco do qual ele não iria conseguir sair. Depois do ultimato de , ele havia passado por várias emoções conflitantes, com a perda dominando todas as outras no final.
havia tentado contatá-la de várias maneiras, pedir perdão e exigi-la de volta. Quando isso não funcionou, tentou se distrair e esquecer totalmente. Para a sorte dele, ser músico famoso dava mais do que oportunidades o suficiente para se perder no mundo e se distrair com outras coisas. Para seu azar, as distrações só funcionavam enquanto duravam – no final, ele ainda amava mais do que tudo e ainda a tinha perdido.
Era algo peculiar, a vida que ele havia levado por anos antes daquela noite fatídica. A necessidade de sair pelo mundo, de conhecer outras coisas e se perder nas sensações era como uma coceira debaixo da pele de , algo que ele não conseguia ignorar ou mudar. Ele precisava de música mais do que precisava de ar e não havia nada mais libertador do que subir em um palco e dar tudo de si ali, recebendo uma energia incrível em retorno. Por outro lado, depois de meses na estrada, tudo o que queria era trazer a forma diminuta de para seus braços e enterrar o rosto nos cabelos fragrantes, apenas as batidas sincronizadas de seus corações soando no silêncio.
havia tentando seu melhor para ter os dois. Conciliar os dois mundos, suas duas paixões. Mas, ao que parecia, ele fez tudo errado o tempo todo. e a música não eram polos opostos, o puxando em direções contraditórias. E agora que ele parava para pensar, como poderia ser? era sua musa, sua inspiração e seu refúgio. Uma coisa não poderia existir sem a outra, como provava a primeira música que ele havia escrito na vida aos 14 anos, quando viu a aluna nova entrar no laboratório de biologia da escola.
A única coisa polarizando a vida de era ele mesmo. Em seu medo de se perder, ele acabou perdendo todo o resto.
Porque até mesmo a música havia perdido todo o encanto. Era óbvio para todo mundo que havia acompanhado a carreira de que ele era apenas um fantasma de si mesmo, toda a paixão e motivação ausentes da voz dele quando cantava.
estava sentindo falta de seu coração. Claro que estava. O tempo todo, ele esteve com .
Então ali estava ele, sentado dentro de um carro alugado na chuva, direto de um avião que ele havia pegado de última hora, saindo de uma festa. cheirava a bebida derrubada, embora estivesse sóbrio, e havia um maço de cigarro aberto dentro de seu bolso – e ele nunca tinha fumado na vida. Os últimos meses eram um borrão de performances sem vida e festas sem sentido, noites sem dormir e dias em piloto automático.
A trilha sonora era o tom de desconectado do telefone de e o vazio de vários quartos de hotel impessoais. Ele havia chegado ao seu limite.
Respirando fundo, ele se ajeitou e tirou o maço do bolso, tentando ficar apresentável. Era meio impossível, mas ele não queria que tivesse a ideia errada. Mesmo com tudo que aconteceu e com as péssimas decisões que ele havia tomado na vida, ela continuava sendo a única pessoa que ele havia tido desde aquele fatídico dia no nono ano.
... estava pronto para ir para casa.

-

“Come on over and mend my heart
Come on over and mend my heart
I didn't want to be here
I didn't want to be here without you
Want to be here
But everyone of us, every one of us got wanderlust (got wanderlust)”

-

Franzindo o cenho, aproximou o papel do rosto e tentou mais uma vez decifrar a caligrafia bizarra do aluno, apertando os olhos para tentar entender o que estava escrito. Como era uma sexta-feira, não havia pressa para terminar de corrigir os trabalhos da turma de calouros que ela havia pegado para se distrair. A professora responsável estava grávida e havia aproveitado a oportunidade para sair de licença antes. estava quase se arrependendo da escolha de se voluntariar.
A mulher ajeitou os óculos no rosto, pegou a caneca fumegante, tomando um gole do vinho com canela, deixando os papéis de lado. Talvez ela devesse aproveitar e assistir um filme, relaxar. O clima estava propício para isso, a chuva que caía compensando o calor e incentivando a não fazer nada.
Elizabeth III ronronando em seu colo também não ajudava. sentia vontade de acompanhar sua gata recém-adotada e tirar um cochilo também, embora fosse apenas sete da noite.
Uma batida na porta a tirou de seu estupor confortável, a mão que acariciava os pelos macios de Elizabeth III pausou por um momento. Quem poderia ser? não estava esperando visitas e sua irmã tinha a chave. Nenhuma possibilidade vinha em mente e talvez isso devê-se preocupá-la. Mas era um bairro super seguro e , talvez por culpa do vinho, não conseguia se sentir ameaçada.
— Vamos ver, às vezes meu admirador secreto me mandou pizza — disse para Elizabeth III, brincando, ignorando o fato da gata a ignorar completamente.
Rindo sozinha, aninhou a gata no colo e se dirigiu até a porta, os pés descalços não fazendo nenhum barulho contra o piso de madeira polida. Tão relaxada ela estava se sentindo que nem mesmo se preocupou em checar quem estava do outro lado antes de abrir a porta.
O silêncio reinou quando deu de cara com , parado na porta de sua casa nova, ensopado - quebrado apenas pelo barulho da água caindo no fundo. A mulher não sabia o que fazer, o que dizer, ou o que sentir. Ela apertou Elizabeth III contra o peito, instintivamente, fazendo a gata miar em protesto. O olhar de se desviou do rosto de para o animal por um segundo, confusão clara em sua expressão, antes de voltar a olhá-la. Atrás dele, a chuva aumentava.
— Eu estou pronto, — a voz dele estava rouca, como se houvesse chorado por dias sem parar, embora os olhos estivessem secos e livres de vermelhidão. engoliu seco. — Eu estou pronto para voltar para casa.
Pressionando os lábios com força, pensou nos últimos quatro meses. Na dor que sentiu, nas vezes que se questionou. Em como a vida parecia que havia acabado, algumas vezes, e só começado em outras. pensou nas sessões de terapia, nos dias mudando as coisas e decorando a casa nova, em ver Elizabeth III no abrigo e decidir levá-la para casa.
Mais do que tudo, pensou na decisão que havia tomado, quase um mês atrás, sentada, sozinha na frente da lareira fria da casa nova.
pensou no buraco exatamente no formato de que ainda existia em sua vida nova, um buraco que ela deliberadamente havia decidido não preencher com outra coisa – ou outro alguém.
— Você parece exausto e está todo molhado. Entra, eu tenho vinho quente.
Abrindo a porta completamente, deu um passo para trás, um convite. inclinou a cabeça para trás, a luz aconchegante da sala iluminando o rosto magro e cansado – mas ainda absurdamente atraente. Ele parecia alguém que estava vendo o sol pela primeira vez em anos e os olhos azuis não haviam deixado a forma de por um segundo – como se estivesse tentando memorizá-la.
— Parece ótimo. Obrigado, . Só... obrigado — ele sussurrou, com um sorriso esperançoso e deu um passo à frente.

-

“I just wanna be in
Be in the light, light that surrounds you
I just wanna be in
Be in the light, be in that light”

-



FIM.




Nota da autora: AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA. Eu nem sei o que foi isso. Mas eu gostei de escrever, então espero que gostem de ler <3
A referência da gatinha veio de Mystic Messenger. A pp com certeza ficou se iludindo com personagem de joguinho japonês, enquanto tentava superar o amor da vida dela – e isso não tem semelhança nenhuma com a realidade. Nenhuma mesmo.

Caixinha de comentários: A caixinha de comentários pode não estar aparecendo para vocês, pois o Disqus está instável ultimamente. Caso queira deixar um comentário, é só clicar AQUI.

Nota da beta: Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.




comments powered by Disqus