09. HIDDEN TRACK: Road/Path

Última atualização: 10/12/2018

Capítulo Único


Será que eu mudei?
Se eu tivesse escolhido um caminho diferente,
Se eu tivesse parado e olhado para trás
Oh ei você, ei você
O que eu vou ver?
No final desta estrada, onde você estará?


1999

Havia lágrimas nos olhos pequenos e brilhantes da menina. Mesmo com pouca idade, ela insistia em não chorar enquanto ouvia o melhor amigo contar que se mudaria em pouco menos de uma semana. Eles ficariam longe um do outro, e para a pequena aquilo seria um pesadelo. Não tinha amigos além de e nem queria fazer outras amizades. Queria que ele ficasse ali para sempre com ela, mas, aparentemente, não seria possível.
- Eu não sei por que papai quer isso, eu não quero ir embora. - O garoto murmurou enquanto se movia devagar no pequeno balanço.
- Eu não quero que vá embora, ... - A menina resmungou, fungando baixinho.
Talvez neste momento que o amigo percebeu o quanto ela estava abalada. Sentiu-se culpado e desceu do balanço para ir até o dela, parando em sua frente.
- Para de chorar, sua boba. - Ele disse, levando as pequenas mãozinhas até o rosto da menina e apertando suas bochechas forte o suficiente para que ela fizesse um biquinho. - Eu estou indo, mas vou voltar e vou achar você.
- Como tem tanta certeza que vai conseguir isso?
- Porque eu sou .
E finalmente a garotinha sorriu com a esperança de que algum dia ela o veria novamente.
- Vem. - Ele estendeu a mão para ela, ainda tão pequena, mas o suficiente para puxá-la do balanço até ele. - Vamos pedir a Sra. Mei para tirar uma foto nossa
A garota pulou e sorriu quando sentiu que ele continuava segurando sua mão. O coração palpitou uma batida a mais do que o normal, e ela não entendia o que poderia ser aquela sensação, mas era bom, e então ela deixou que corresse por suas veias, corpo e mente, desejando que ele estivesse ali para sempre ou que, pelo menos, desse-lhe aquela sensação de novo quando voltassem a encontrar-se. Sim, ela rezou por isso.

2010

- Hey, você sabia que o albatroz-de-sobrancelha escolhe um par para a vida toda, mas só o encontra no período de reprodução? - A garota comentou em voz alta, o olhar subindo da revista para encontrar o rosto confuso do menino a sua frente.
franziu o cenho como se esperasse alguma explicação daquele comentário desnecessário e irritante da jovem sentada a sua frente. Aquela era a sua primeira visita ao psiquiatra e estava nervoso o bastante para ter que lidar com gente esquisita. Ele mesmo era estranho o suficiente. Como se não bastasse, tivera que ir sozinho, pois seu pai estava ocupado demais trabalhando para sustentá-lo e ainda conseguir tomar sua maldita cerveja ao final do dia. A vontade de correr de volta para casa e se enfiar no quarto para nunca mais sair apenas aumentou quando viu a moça suspirar e revirar os olhos como se ele fosse o idiota estranho ali.
Ele era só estranho mesmo.
- Não acha inconveniente? Ou sei lá...
- Irresponsável e torturante. - O garoto por fim respondeu, fechando os olhos. Sua cabeça doía.
- ISSO! - Ela disse alto demais e apertou os olhos, desejando que o tal doutor visse logo o atender. - É algo idiota, mas romântico ao mesmo tempo. Imagina se os seres humanos conseguissem esperar por alguém por tanto tempo?!
- A humanidade ia ser uma merda ainda maior... As pessoas já são chatas transando. Imagina sem transar. - ponderou com a voz mais entediada que conseguiu fazer, mas ainda assim não deixou de render o assunto. E sequer sabia o motivo.
- Você é engraçado. - A garota disse entre risadas curtas e um pouco mais baixas, para a sorte do rapaz. - Mas não concordo, tem muita gente que transa e continua um porre.
- Você tem um ponto. - Ele disse baixo, misturando sua voz com um suspiro.
Abriu os olhos apenas para ver um sorriso malicioso brotar nos lábios da garota. Droga. Ele pensou. Ela havia se tornado extremamente atraente aos seus olhos sorrindo daquele jeito. resmungou baixinho.
Um crush na sala de espera de um consultório psiquiátrico era a última coisa que ele precisava na vida.
- É a sua primeira vez aqui? - Ela perguntou depois de exatos dois minutos da última conversa que ele jurava ter dado como acabada.
- Sim. - Foi monossilábico de propósito, mas a garota não pareceu se importar, ou apenas ignorou a postura retraída e defensiva do rapaz.
- Espero que tenha marcado com o Doutor Choi, ele é o melhor daqui, depois da Doutora Lin, claro, a minha médica. Mas acho que vai gostar dele... Vai ajudar a tirar um pouco dessa carranca que eu presumo que você chama de cara. - O queixo de caiu levemente com as palavras sinceras da menina. Para piorar, ela mantinha um sorriso quase psicopático no rosto, e ele temeu ter ido parar num lugar muito pior do que o imaginado.
- Yah! Você também não parece ser uma pessoa muito agradável. - respondeu como uma criança pequena e ela riu da expressão fofa que o rapaz fez.
- Nunca disse que era. - O sorriso maníaco da garota apenas aumentou quando percebeu a nuca e as orelhas do rapaz ficando vermelhas sabe-se lá de raiva ou de constrangimento.
Ela pensou se iria irritá-lo um pouco mais, porém a porta de um dos consultórios se abriu, revelando uma mulher alta e de meia idade. Os cabelos muito negros estavam presos em um coque desleixado e sua expressão era serena e cansada. viu a estranha menina se levantar e sorrir para a médica.
- Desculpe pelo atraso, . - A voz da mulher era tão calma quanto sua expressão. pensou que - mesmo com suas crises de insônia - poderia dormir tranquilamente ouvindo-a falar.
- Tudo bem, Doutora Lin. Acabei fazendo uma amizade. - Ela disse, referindo-se ao rapaz. Ele apenas levantou uma de suas sobrancelhas e controlou uma risadinha irônica. - Ele está nervoso porque é a primeira vez dele aqui.
- Bom, não se preocupe, meu jovem. Está em boas mãos. - Doutora Lin disse com um sorriso meigo no rosto, e foi impossível para não corresponder com um pequeno “obrigado”.
riu baixinho antes de entrar na sala, e suspirou aliviado por estar em silêncio novamente.
.
O nome ressoou na sua cabeça como se fosse familiar. Buscou na memória algo que pudesse remeter àquela palavra, mas nada lhe veio à mente. De qualquer forma, aquela garota provavelmente ia ressignificar completamente o tal nome.

(...)

Voltar para casa era sempre uma merda. suspirou resignado quando abriu a porta do pequeno apartamento. Não se surpreendeu ao encontrar seu pai jogado no sofá, duas latas de cerveja caídas no canto e a terceira em sua mão. Ainda vestia as roupas do trabalho que exigia tudo dele, mas pagava uma miséria. A casa estava suja porque andou ocupado nos últimos dias, a única coisa limpa ali era o velho piano de canto. Sua maior adoração e a única coisa que sua mãe lhe deixara antes de se divorciar de seu pai e desaparecer no mundo.
O garoto de dezessete anos se aproximou do homem, chamando sua atenção. O pai de sorriu com a imagem do filho e se endireitou no sofá, colocando a lata semivazia em um canto qualquer.
- Você chegou tarde, filho. Onde estava? - ele perguntou delicadamente, observando o garoto contornar seus pés para se sentar ao seu lado.
odiava prestar contas a ele, mas tinha que fazê-lo. Devia isso por todo esforço que exigia, por todo dinheiro, pelo vício e por todas as outras coisas que fizera para seu pai.
- Eu fui ao psiquiatra. - Sua voz saiu quase como um sussurro.
O silêncio prevaleceu por alguns instantes. sabia que seu pai ainda estava processando a solicitação da direção de sua escola. “Seu filho parece estar depressivo, é melhor levá-lo a um especialista da saúde mental, aqui está uma lista de psiquiatras que nossa escola indica...”, ele escutou parte da conversa no dia em que seu pai foi chamado no colégio por uma solicitação de algum professor. Lembrou-se da lágrima solitária que escorreu nos olhos idênticos aos seus. Das mãos trêmulas que seguravam a lista de nomes médicos. Do sorriso falso que tentava dizer que tudo ficaria bem enquanto não, não ficaria. Das incontáveis cervejas tomadas aos prantos no quarto trancado. se sentiu a pior pessoa do mundo quando ele estendeu seu cartão de crédito para que pagasse qualquer médico, remédio ou coisa que quisesse.
Mas não sabia muito bem o que queria. A única coisa que gostava de fazer era ficar trancado em seu quarto, esboçando letras de música, e tocar o maldito piano de parede, mesmo sabendo que era uma lembrança tão dolorosa de sua mãe.
- E como foi? - O progenitor questionou com um bolo entalado na garganta.
- Bom. Ele... Ele me passou alguns remédios para a depressão. Disse que vou ficar bem se seguir o tratamento, mas não sabe até quando vai durar. - disse, mantendo o olhar no rosto cansado e envelhecido de seu pai e o viu sorrir um pouco aliviado. Mordeu o lábio, queria ver mais vezes aquele sorriso. Por isso não controlou o que veio a seguir. - Eu também conheci uma garota.
- Uau, ! Isso é ótimo! - O homem se ajeitou no sofá para encará-lo com entusiasmo. Era a primeira vez que seu filho falava de alguém para ele desde o jardim de infância. - E como ela é? É bonita?
- Ela é bonita, mas fala muito. Também estava esperando no consultório.
- Talvez você precise de alguém como essa moça para quebrar esse seu coração de gelo.
- Yah! Você não pode falar muito, pai... É pior do que eu nessas coisas.
- Nisso você tem razão, filho! - O homem riu gostosamente antes de sorrir com carinho para o adolescente ao seu lado. parecia ter crescido tanto e ele nem viu... Colocando a mão em seu ombro, tomou ar antes de dizer o que queria. - Escute, não se preocupe comigo, ok? Faça o tratamento, converse com a garota, faça música, toque piano... Apenas não se tranque do mundo. Sei que não sou o melhor pai do mundo, mas tudo o que eu quero é ver você feliz.
ficou sem palavras. Era a primeira vez em todos os seus dezessete anos de vida que ouvia seu pai dizer aquelas coisas. Não queria chorar e parecer patético, então, timidamente, apenas se aproximou do homem, envolvendo um de seus braços pelos ombros largos e um tanto caídos.
- Obrigado. - Ele sussurrou enquanto sentia-se ser acolhido pelos braços do pai.

(...)

- Se sempre fizer essa cara fechada, vai criar rugas cedo. - ouviu a voz já conhecida cantarolar, enquanto entrava no consultório e sentava-se ao seu lado.
Ele apenas bufou, contendo um sorriso.
Já havia algumas semanas que começou o tratamento. Algumas semanas que ela o atormentava com um falatório incessante. Semanas estas que estabeleceram entre eles uma espécie de amizade e conforto que há muito tempo não sentia.
- Se sempre ficar falando demais, vai ouvir o que não quer. - Ele retrucou, dando de ombros antes de olhá-la.
Não se cansava de pensar que ela era linda, porém jamais iria externar aqueles pensamentos. riu com o comentário e suspirou antes de pensar em um assunto qualquer.
- Quantos anos você tem? - ela perguntou, voltando o olhar para a sala de espera vazia.
Gostava que tivessem aquele lugar todo para eles, era como se fizessem uma terapia antes do tratamento de choque. via em um pequeno alívio antes de suas duras conversas com a Doutora Lin.
- Dezessete. - gostava de responder monossilábico.
- Temos a mesma idade. - ela comentou com um suspiro e um sorriso fraco, olhou curioso para a garota. Sua expressão sempre feliz e leve não estava ali.
Obviamente, o rapaz já havia se perguntado inúmeras vezes o que havia levado uma garota tão espontânea e extrovertida como ela para a sala de um psiquiatra. Seu coração se apertava todas as vezes que pensava nas infinitas coisas que podem ter acontecido com .
Mordeu a língua, segurando a vontade de perguntar a ela sobre todas as coisas da sua vida, mas ainda não sentia confiança nem abertura necessária para iniciar qualquer conversa deste tipo, mesmo que a maior parte dos diálogos entre eles consistiam nela questionando sobre sua vida. E ainda que fosse relutante em se abrir para as pessoas, conseguia arrancar qualquer coisa dele. A garota ainda não havia ido fundo nele, apenas perguntando sobre coisas triviais, como cor favorita, estilo musical, indicações de livros e filmes. Entretanto, aquilo estava prestes a mudar, e temeu.
- Você também vai formar em breve, certo? - esperou que ele assentisse com a cabeça antes de continuar. - Já sabe o que quer fazer da vida? Para qual faculdade ir? A vida depois do Ensino Médio parece um sonho desesperador...
pensou alguns instantes, rolando os olhos pela sala vazia como se aqueles móveis fossem trazer alguma resposta.
- Eu não sei para que faculdade vou, mas eu quero fazer música. - ele disse por fim, como se contasse seu maior segredo.
- Uau... Jamais imaginei que pendia para o lado artístico... Se você ficar com essa cara durante os shows, ninguém vai querer ver. - ela brincou, mesmo estando maravilhada com aquela pequena informação. revirou os olhos e resmungou baixinho.
- Eu não quero subir aos palcos, quero fazer música, produzir, não preciso ficar famoso... Apenas... Apenas ser ouvido basta. - Ele confidenciou. - E se tudo der errado, posso dar aulas de piano.
- O pior é que, quando olho para você, sei que é bom no que gosta... - sussurrou com um biquinho contrariado, mas depois abriu um sorriso terno. - Você parece um pouco incrível agora, .
Eram raras as vezes que ela o chamava pelo nome, talvez por isso aquele som soava mágico. não conseguiu evitar ficar um pouco vermelho pelo comentário, o rubor manifestando-se em sua nuca e na ponta de suas orelhas.
- E você? Sabe o que quer fazer? - ele perguntou, tentando desviar o assunto para ela.
- Psicologia... - ela hesitou antes de terminar a frase, tomando ar para continuar. - Quero ajudar pessoas como eu...
- Pessoas como você...?
o olhou bem no fundo dos olhos e pela primeira vez conseguiu perceber toda dor que ela carregava ali, naquela íris brilhante e profunda. Engoliu seco, perguntando-se se tinha ido longe demais. A garota chegou a abrir a boca e tomar ar para responder. No entanto, a porta de um dos consultórios se abriu, revelando o sorriso doce da Doutora Lin. apenas direcionou um sorriso culpado a ele antes de se levantar e entrar na sala em silêncio.

(...)

Depois daquele episódio, nunca mais tocou no assunto. O medo de despertar lembranças dolorosas demais, de magoá-la, entristecê-la sempre o afligia. O que não significava que não continuassem conversando. Muito pelo contrário, mas do que nunca, não saia de seu pé, perguntando-lhe as mais diversas coisas.
Os meses se passaram e a primavera chegou, anunciando a formatura, a despedida do Ensino Médio e a entrada para a faculdade.
- Quando será sua colação? - Ela perguntou em um dia qualquer.
- Primeiro de abril. - respondeu, curioso.
- Eu posso ir?
O rapaz manteve silêncio como se pensassem em sua resposta, mas apenas estava surpreso com a proposta.
- Claro.
Ele respondeu antes de vê-la sorrir largamente. A próxima vez que veria aquele sorriso seria no final de sua colação. Assim que a cerimônia terminou, os alunos foram para o lado de fora do auditório para receberem os cumprimentos dos entes queridos. sabia que o pai não iria, sempre ocupado com o trabalho. Não o culpava também. Ainda mais quando seus olhos se focaram durante todo o tempo na garota bela e sorridente que se sentou entre tantos pais e outros parentes de seus colegas de turma. O único rosto familiar ali. Ela pulou em seus braços quando se encontraram do lado de fora, e ele teve que firmar os pés no chão para que não caíssem. Era a primeira vez que tinham um contato físico, e não conseguiu esconder o sorriso que se afundava na curva do pescoço da garota enquanto seus braços se estreitaram em sua cintura.
- Se você continuar me apertando assim, vai quebrar o meu pescoço. - ele sussurrou depois de um tempo e finalmente afrouxou o aperto, sem deixar que suas mãos se desgrudassem completamente dos ombros dele.
- Desculpe. - ela respondeu com uma risadinha, sem realmente ter a intenção de se desculpar. sorriu ainda mais. - É a primeira vez que te vejo sorrindo assim, devia fazer isso mais vezes.
- Não posso. - ele respondeu, travesso. Sua expressão tornando-se inteiramente maliciosa. - Faria as garotas se apaixonarem por mim.
A garota riu ainda mais alto, mesmo sabendo que aquela informação não era inteiramente loucura. De fato, tinha o sorriso mais belo que já havia visto na vida e estava grata por ser uma das poucas pessoas privilegiadas por aquela visão. não conseguia controlar seu coração, que palpitava um pouco demais todas as vezes que o rapaz fitava seus olhos com aquele ar de mistério que nunca viu igual.
- Hey, quando ficou tão convencido... - ela ia reclamar mais, porém foi interrompida por dois rapazes estranhos que se aproximaram do casal.
- Uau, ! Onde escondeu uma namorada tão bonita!? - fechou a cara, revirando os olhos. Mas não disse nada, e apenas permaneceu ao seu lado, um dos braços se enlaçando aos dele protetoramente. O rapaz apenas achou estranho.
- Não é da conta de vocês. - respondeu um tanto arisco e os garotos riram.
- Relaxa, cara, só viemos nos despedir. - Um deles disse com um sorriso ameno, a expressão de se suavizou e ele assentiu com a cabeça.
- Você é legal, espero que as coisas se deem bem com a música.
- Obrigado. - sorriu levemente, um peso enorme retirado de suas costas. Era como aquela graduação o fazia se sentir. - Não me procurem apenas quando eu ficar famoso.
- Pode deixar, procuraremos antes disso, cara! - O segundo rapaz respondeu.
Mais algumas palavras de despedidas foram trocadas sob os olhos observadores de . Ela sorriu vendo o rosto de se iluminar.
- Você fez bons amigos. - Ela comentou depois de ver os rapazes se afastarem, finalmente largando o braço do .
- Eles não são exatamente meus amigos. - brincou, voltando sua atenção à garota. - Não gosto de pessoas, apenas as tolero.
- Não! De mim você gosta. - pontuou, fazendo-o corar. Já estava mais do que acostumada com a velocidade com que a nuca e as orelhas do rapaz ficavam vermelhas. Ele queria responder, mas foi interrompido pela voz grave e rouca de seu pai.
- ! - o homem gritou, indo correndo em direção ao garoto.
sorriu, dando um passo para o lado, enquanto percebia os olhos de se arregalarem.
A garota notou que pai e filho eram quase idênticos. Embora o mais velho parecesse uma versão mais cansada e acabada do mais novo, era como se pudesse ver anos no futuro.
- Pai! O que está fazendo aqui?! - Ele perguntou surpreso e um tanto emocionado.
- Eu queria ver você, pelo menos por um instante. Estou no horário de almoço. - O senhor se aproximou com um sorriso orgulhoso.
parecia tão diferente. Os olhos brilhantes, um sorriso mais fácil, ombros largos e postura ereta. Daquele modo ele também devia estar alguns centímetros mais alto. Seu filho agora era um homem.
- Não precisava... A cerimônia já acabou.
- Não importa, filho... - o pai deu dois passos à frente apenas para trazê-lo a um abraço. se deixou levar pelo contato físico, derramando-se nos braços de seu progenitor, melhor amigo e a única pessoa com quem realmente pode contar durante toda a vida. - Eu queria vir.
- Obrigado. - pensou que nunca agradecera tanto em sua vida.
- E quem é essa jovem? - o homem perguntou depois que se afastaram.
sentiu o rosto corar levemente e limpou a garganta antes de falar.
- Essa é a ... Minha amiga do consultório. - Ele disse quase que em um sussurrou, enquanto a garota se aproximava e estendia a mão para o mais velho.
- Oh, sim! A famosa! É um prazer conhecê-la, querida. - ele retribuiu o aperto com um sorriso sereno. - E obrigado por cuidar desse pivete. Ele precisava de uma garota como você para chacoalhar essa vida mansa que ele leva...
- PAI!
protestou, a vermelhidão se espalhando por todo o seu rosto, e ouviu a gargalhada de seu pai ressoar como nunca antes. Nem imaginava que seu velho poderia rir daquele jeito, tão genuíno. Como se... Como se estivesse verdadeiramente feliz. E ele estava.
- O prazer é meu. - respondeu após a pequena comoção, um pouco envergonhada, porém imensamente feliz em saber que havia falado dela para seu pai.
- Bom, crianças, adoraria ficar com vocês, mas tenho que voltar ao trabalho. - o senhor disse com um suspiro. Virou-se para o filho para abraçá-lo novamente. - Leve-a para sair.
Sussurrou para o garoto, deslizando o cartão de crédito para seu bolso. O mais novo fez esforço para não corar ainda mais e apenas concordou silenciosamente com a cabeça.
- Mais uma vez, foi um prazer conhecê-la, senhorita. Espero vê-la mais vezes! - Ele disse com um aceno rápido e sequer deu tempo de resposta para a jovem. Apenas saiu correndo para fora do colégio, olhando o relógio de pulso e contando mentalmente quanto tempo levaria para chegar novamente ao trabalho.
- Seu pai é legal. - disse com um sorriso triste e um olhar perdido. somente concordou com a cabeça, fitando a imagem do pai distanciando-se até sumir.
- Hey, o que vai fazer depois daqui? - o garoto perguntou após breves minutos de puro silêncio e devaneio. Tentou manter a calma e parecer normal, como se tivesse falando com qualquer amigo.
- Nada. - um sorriso voltar a brilhar nos lábios da garota. -Por quê? Vai me chamar para sair?
- Não se você ficar convencida demais.
- Juro que não irei! - disse, com um pulinho entusiasmado.
riu, concordando com o entusiasmo da amiga, e antes que pudesse pensar em sugerir alguma coisa, já era puxado portão afora, a mão dela entrelaçada a sua.
só soltou a mão do rapaz quando estavam em uma rua movimentada do bairro. Restaurantes e algumas lojas eram comuns naquela região. Eles andaram pela calçada cheia, observando as diversas opções, até que a garota sugeriu um fast-food qualquer e barato. Por mais que a ocasião fosse especial, não podiam se dar ao luxo de gastarem além da conta, mesmo que o pai de tenha sido tão generoso ao oferecer o cartão de crédito.
Comeram enquanto trocavam comentários ácidos, falavam mal das pessoas que entravam no lugar e se divertiam com perguntas idiotas e sem sentido. O rapaz pensou que deveria ter feito aquilo mais cedo, chamá-la para sair. Como amigos ou algo mais, não importava. Ele apenas sabia que adorava a companhia da garota e sua voz cantarolando o seu nome.
- Hey, . - ele a chamou depois que encerraram o milésimo assunto. Sua voz era baixa e contida, estava tímido, mas ainda se sentia na obrigação de perguntar. - Quando será sua cerimônia de formatura?
Assim como foi na dele, queria estar lá quando ela recebesse o diploma. Queria parabenizá-la por se libertar do infernal Ensino Médio como a garota fizera hoje. Queria abraçá-la de novo e sussurrar em seu ouvido que a vida seria diferente dali em diante e que logo não estariam se encontrando apenas no consultório psiquiátrico. A menina ficou em silêncio por alguns segundos, a cor deixando o seu rosto aos poucos. estranhou, arqueando levemente uma das sobrancelhas.
- Será que podemos pegar um sorvete antes de eu te falar? - respondeu um pouco mais séria, ainda tentando sorrir.
apenas concordou com a cabeça e se levantaram da mesa. Ele comprou os sorvetes e ela pediu para que fosse a algum lugar mais tranquilo. Acabaram por ir até uma praça não muito distante. O lugar era tranquilo e poucas pessoas caminhavam por ali no horário.
- Eu não vou a minha formatura. - Ela soltou assim que se sentaram em um dos bancos mais isolados ali. O sorvete já havia sido terminado e serviu como energia para que ela dissesse. - Será amanhã.
- Mas por quê? Aconteceu algo? - ouviu o tom preocupado do amigo e sentiu seu estômago revirar de nervoso. Era a primeira vez que falava sobre aquilo para alguém que não era sua mãe ou psiquiatra. Ela mordeu o lábio e se encolheu no banco. Não queria ter que encarar os olhos desesperados de e tinha medo do que aconteceria depois que contasse o motivo de o ter encontrado na sala de espera daquele consultório.
- Quero dizer... Eu não posso. É que... Bom... Eu e meu ex-namorado temos que manter uma certa distância... É uma medida protetiva. - respirou fundo, afundando o rosto nas mãos antes de continuar a falar. - Ele me abusou sexualmente. Denunciei, mas como ele é menor e rico, nada de grave aconteceu, a não ser que ele não deve se aproximar de mim. Só que isso acabou dificultando minha vida! Ele fazia questão de ir aos lugares que eu gostava, tive que mudar de sala no último ano do Ensino Médio, e agora eu nem posso ir a minha própria formatura!
- Porra! ! Isso não é justo... - Ele sussurrou sem saber o que fazer. Não conseguia imaginar a dor da garota. Suas mãos tremiam querendo confortá-la, mas não tinha confiança. Não queria ser outro garoto tocando-a sem sua permissão. Não podia. Fincou as unhas em suas próprias mãos tentando conter a raiva.
- Por isso pedi para vir na sua... Queria saber como é, uma vez... - Sua voz tremia, mas não se permitiu chorar. Já havia feito isso tantas vezes e o maldito não merecia mais de suas lágrimas.
Ela ouviu se levantar por alguns instantes, mas demorou para que levantasse o rosto novamente. Procurou-o com o olhar e, quando achou, focou no punhado de flores e mato que ele carregava em suas mãos de forma desengonçada. Era uma terrível tentativa de buquê, mas com certeza era a coisa mais linda que já havia recebido na vida. O rapaz voltou até o banco e se ajoelhou na frente da menina. não queria chorar, mas estava tornando aquilo quase impossível.
- Parabéns pela formatura, . - Ele sussurrou enquanto estendeu o pequeno monte de plantas roubadas a ela.
As mãos pequenas da garota envolveram o singelo buquê. analisou cada flor como se fosse a última do mundo antes de colocá-las cuidadosamente no banco e pular de braços abertos em .
Dessa vez, o garoto não foi tão rápido ou ágil e estatelou-se no chão com o corpo dela cobrindo o seu por inteiro. Ela praticamente se deitou em cima dela, escondendo o rosto em sua blusa e molhando o tecido aos poucos. Ele se limitou apenas em bater em suas costas levemente olhando o céu azul demais.
- O que eu vou fazer sem você? - disse quando se levantou.
a olhou desentendido. Os cabelos bagunçados e cheio de grama, a garota apenas riu com aquela imagem. Ele não notou a tristeza que se escondia naquela risada e no fundo daqueles olhos. Passaram a melhor tarde de suas vidas juntos. Sem nada de especial, deitados na grama, colhendo flores, brincando com os cachorros de outras pessoas. Desejaram que aquilo durasse para sempre, e pensou que poderiam repetir aquilo em outras ocasiões.
Mas não aconteceu.
- Oh! Ela não te contou? se mudou para outra cidade. Deve ficar um ano afastada dos estudos antes de ingressar em algum curso. - A Doutora Lin disse, quase se arrependendo instantaneamente em contar aquilo ao adolescente em sua porta. - Não a entenda mal por não lhe ter contado. Ela não queria deixar você... Mas a mãe dela exigiu que cortasse o contato com todas as pessoas desse lado da cidade para protegê-la...
- Mas como... Por quê? - sussurrou, fitando o chão como se ele estivesse desaparecendo sob os seus pés.
- Você deve saber, ... - A médica suspirou com um sorriso pesaroso. - Sabe, depois que você começou a vir, melhorou bastante. Foi o primeiro garoto com que ela foi capaz de se relacionar... Eu tenho certeza que um dia se encontrarão novamente.
Ele apenas concordou, voltando para a cadeira vazia do consultório. Não parecia o mesmo lugar que frequentava há tanto tempo, estava vazio, sem cor e sem graça. suspirou fundo e se esforçou para não chorar como um idiota. Sentia-se abandonado pela segunda vez.
No final, respirou fundo.
O sentimento latente de que se encontrariam de novo vibrando no peito.

2014

suspirou pela décima vez naquela noite. Seu turno naquela loja de conveniência só estava começando, e ela sabia que havia um longo caminho até o fim da madrugada. Era o único tipo de serviço disponível para estudantes pobres como ela - que precisavam do dinheiro e do dia livre para concentrar nos estudos. Era uma rotina excruciante, mas também era a forma que encontrou de realizar seu sonho. Já estava no segundo ano de psicologia e tinha aquela rotina há um pouco mais de seis meses. Às vezes, sentia que a privação do sono a deixava um pouco mais idiota que o normal. Suspirou. A loja ficava sempre vazia naquele horário, e somente porque o dono não estava ali, ela se permitiu mexer no celular, vasculhando contas aleatórias nas redes sociais.
Vez ou outra, jogava o nome na busca, mas nunca achava nada.
Era um pouco frustrante, depois de quatro anos não conseguiu tirar o garoto da cabeça. Seu amor de final de Ensino Médio. Talvez, a única pessoa decente que conheceu em toda sua vida. Não que não gostasse dos poucos amigos que fez durante os últimos anos. Era só que... Nenhum deles era , e mesmo que ela tivesse certeza que jamais iriam se encontrar novamente, não conseguia evitar a pontinha de esperança de vê-lo de novo.
E como se os céus finalmente tivessem escutado suas preces, a porta da loja se abriu. O sino tocou, anunciando o cliente, e ela se levantou para cumprimentá-lo e quase perdeu o ar quando viu a imagem de quatro anos mais velho e pelo menos dez vezes mais bonito. Ele pareceu reconhecê-la de imediato, o rosto branco perdendo o pouco de cor que tinha. tremeu por inteiro, o coração disparado e as memórias do melhor dia de seus vinte e um anos voltando como um filme. Como se arrependia de não ter contado a ele que iria embora, que foi obrigada por sua mãe a se mudar e ficaram longe por um pouco mais de um ano antes que a garota batesse o pé, decidida a ir para a faculdade.
- ? - Sua voz havia engrossado também, estava mais alto, mais charmoso e bem vestido. O tempo lhe fora uma, dádiva enquanto para a garota serviu como um castigo.
Repentinamente, ela se arrependeu de não ter se preocupado em esconder as olheiras ou lavar o cabelo naquela tarde.
- ! - Ela quase gritou de volta, incerta, insegura, ela passou por trás do balcão para se aproximar e ele achou que a menina pularia em seus braços como na última vez que se viram.
Ela não o fez.
- Céus... Eu... - Ele engoliu seco, sem saber o que dizer ao certo. Há algum tempo, já havia desistido que poderia vê-la de novo e, para ser sincero, ainda estava magoado por ter sido deixado sem nenhuma explicação. Não que ela devesse algo a ele. Mas doeu ouvir todas aquelas coisas da médica e não dela. - Está trabalhando aqui?
- Sim... Quero dizer, tem uns seis meses que eu fico no turno da madrugada... Eu saí de casa e preciso de dinheiro para me sustentar... - Ela disse, querendo emendar todos os assuntos do mundo.
- Que loucura... - Ele sussurrou mais para si mesmo do que para . - Comecei a trabalhar hoje na loja de discos em frente.
não evitou seu maior sorriso, o brilho em seus olhos quase iluminando todo o ambiente. Ela não havia perdido aquela coisa que era capaz de encantar qualquer pessoa em segundos e ficou feliz por isso, apesar de incomodado com as milhares de borboletas do estômago que a garota lhe insistia em causar.
- Sério!? Isso é demais... - soltou como se tirasse um peso enorme das costas e apenas riu, concordando. - Você acha que... Podemos conversar? Na verdade, eu acho que temos que conversar...
mordeu o lábio ao dizer aquilo e balançou a cabeça afirmativamente. Era engraçado como eles se sentiam como se devessem algo, como se precisassem deixar tudo claro. E havia coisas a serem discutidas entre eles, o rapaz sabia e temia o que estava por vir.
Quatro anos é muito tempo.
- Claro, eu... Meu turno termina em uma hora. Eu posso voltar aqui, se não for problema. - Ele disse e pela primeira vez pareceu ter mudado aos olhos de .
Não para uma coisa ruim. Estava mais calmo, menos rabugento, falando mais, como depois que eles criaram certa intimidade. se perguntou o quanto aquilo poderia ser bom.
- Claro, sem problemas. Esse lugar fica vazio a maior parte do tempo... - ela respondeu em um suspiro.
assentiu e acenou com a mão antes de se virar e ir embora novamente. Até se esqueceu o que fora fazer ali, e sua barriga fez questão de lembrar que trabalharia sua última hora com fome.

(...)

- Você não tem conta em nenhuma rede social!? - Foi a primeira coisa que ela disse quando entrou na loja de conveniência pela segunda vez naquele dia, sentiu como se estivesse de volta à sala de espera onde tudo começou.
- Essas coisas são inúteis. - ele murmurou, indo para perto da garota. havia ajeitado um banco ao lado do balcão, uma lata de refrigerante e um pedaço de pizza recém aquecido esperavam por ele. - É para mim?
- É. Você foi embora sem comer mais cedo, vai ser por conta da casa. Só dessa vez. - disse, ajeitando-se na própria cadeira do outro lado do balcão e ele soltou um pequeno riso, sentando-se. - Você deveria ter criado pelo menos uma conta no Facebook... Eu te procurei por toda internet.
- Aposto que não procurou no YouTube. - respondeu com a boca um tanto cheia e recebeu uma cara de surpresa da garota.
- Como assim?
- Eu posto vídeos de músicas minhas. Sou só eu tocando piano, mas não coloco o rosto. - Ele disse como se fosse a coisa mais normal do mundo. - Procure por Piano .
- YAH, ! - Ela pulou da cadeira, rindo, alcançando o celular e digitando rapidamente. Os vídeos pipocaram em sua tela e a menina se impressionou com a quantidade de visualizações que ele tinha. - Céus! Você também ganha dinheiro com isso?
- Bem pouco. - ele respondeu com um sorriso presunçoso. - Eu disse que era bom e que iria ficar famoso.
- Bom, eu esperava te ver na televisão ou ouvir alguma coisa sua no rádio... - Ela confessou enquanto colocava o mais famoso dos vídeos em reprodução. - Uau... Você realmente tem um talento...
sentiu a ponta de suas orelhas e seu pescoço esquentarem, parecia que ela jamais ia perder a capacidade de fazê-lo corar como um idiota. Apenas observou enquanto assistia a mais alguns vídeos, comeu toda a pizza sem tirar os olhos de cada reação da garota. Era importante para ele que ela gostasse de suas composições. Se ela soubesse...
Se ela soubesse que a maioria delas foi feita pensando nela.
- Você não iria precisar de me procurar na internet se tivesse me contado que iria se mudar. - ele não conteve o comentário e quase se arrependeu no segundo em que viu o rosto da estudante murchar.
- E-Eu sinto muito... - ela gaguejou, olhando para o rapaz, uma pontada de dor, desespero e arrependimento reluziam ali. fitou o prato vazio. - Eu não tinha muita escolha... Não estou tentando justificar, mas...
- A Doutora Lin me contou... - soltou em um suspiro. - Eu não posso dizer que não entendi sua mãe.
- Oh...
- Ainda assim, queria que tivesse confiado um pouco em mim.
- Eu confiava. - soltou em um suspiro, largou o celular no balcão, o vídeo pausado se chamava When you left. Quando você partiu. - Confiava demais, e por isso tinha muito medo. Eu tive muito medo de te contar e apenas não consegui. Eu não sei se sabe, , mas você é alguém especial, diferente. Eu precisava ir, mas tinha a impressão que, se você me pedisse para ficar, eu ficaria.
Aquilo foi muito mais do que podia imaginar. Soava como uma confissão de amor, aquela que ele sempre sonhou em receber no último ano do Ensino Médio. Então ele permaneceu em silêncio por alguns instantes, tentando articular algo bom o bastante para responder sem que seu coração disparado tropeçasse para o meio de sua língua e embolasse suas palavras. Era como se ainda fosse um garoto do Ensino Médio.
- Está tudo bem, ... Você tinha que ir. Eu entendo, agora. E seria muito egoísta da minha parte te pedir para ficar. Depois de tudo.
O silêncio pairou de novo e ele terminou o resto de refrigerante que sobrou na lata. Antes que pudesse dizer algo mais, um cliente entrou na loja e ele se afastou para que pudesse trabalhar em paz. De longe, observou a garota, o sorriso calmo e amistoso enquanto atendia, as mãos ágeis e o olhar firme, apesar de exausto. Não havia mudado muito, apenas crescido um pouco e, talvez, se tornado mais sexy e madura. Um ar responsável pairava sobre ela agora, diferente de quando se conheceram, quando ela parecia mais uma menina sapeca. Ele gostou ainda mais.
Assim que o cliente deixou a loja, aproximou-se novamente com um sorriso sereno. Ela o olhou enigmática, como se pensasse em algo. Mordeu o lábio inferior, prendendo uma pergunta, mas não resistiu por muito tempo. Olhou para as próprias mãos no balcão.
- Hey, ... - ele murmurou em resposta, incapaz de tirar os olhos dela. - Nós... Estamos bem?
O rapaz apenas riu baixinho e se aproximou mais um pouco para que sua mão enlaçasse a dela em cima do balcão.
- É claro, idiota.
Ela finalmente teve coragem de olhar para cima novamente e encontrou a figura serena do rapaz. Sorriu quase como se tivesse certeza que ficaria tudo bem.

(...)

- Quanto tempo você dorme por dia? - ele perguntou, escorado no balcão, enquanto folheava uma revista qualquer.
- Sei lá, umas cinco horas. Ou menos. - ela respondeu com o celular na mão. - Hoje devo ter dormido umas três horas e meia.
Desde que se reencontraram, praticamente não largou de seu pé. Passava pelo menos umas três horas fazendo companhia em seu turno tão parado na loja de conveniência. Nos finais de semana, chegava a acompanhá-la durante toda a noite e iam até o metrô conversando. Sempre eram separados pelo primeiro trem. Talvez aquilo fosse uma versão aprimorada do que eram na adolescência.
- Isso explica essa cara horrível... - Ele murmurou, recebendo uma bolinha de papel na cabeça em seguida. - Hey! Estou dizendo porque estou preocupado, grossa.
- Esse seu comentário não me pareceu nada preocupado. - disse, revirando os olhos. resmungou baixo, voltando seu olhar para a revista. - Estava estudando para o teste de amanhã.
- E você precisa estudar? Já passa todo o tempo que está aqui enfiada nos livros.
- Claro que preciso. Não tenho um talento como você...
- Não acha que trabalhar de madrugada atrapalha? Quero dizer, você poderia pegar o turno da tarde... Como eu! - levantou os olhos para o rapaz e arqueou a sobrancelha antes de soltar um longo suspiro.
- Bem que eu queria... Mas o horário da madrugada paga melhor, e eu preciso me sustentar, né.
foi obrigado a concordar. Ele, mesmo tendo que se sustentar sozinho com uma pequena ajuda do pai, que continuava se matando de trabalhar, sabia bem o que era ter dificuldades para se manter. A sorte do rapaz era o seu pequeno sucesso como Youtuber, que lhe rendia alguns trocados a mais no fim do mês. Reconhecia também que seu emprego na loja de música era bem viável, já que ele podia treinar em alguns instrumentos à mostra. Pensando melhor. teve sorte na vida universitária, sendo ainda um dos melhores alunos da sala, amado pelos professores, não tinha dificuldades com as matérias e seus deveres consistem, majoritariamente, em exercícios práticos, o que lhe poupa tempo.
- Venha morar comigo. - disse um pouco alto, como se a ideia tivesse lhe surgido como uma epifania. E tinha.
largou o celular no balcão, causando um estrondo.
- O quê? Ouça o que está dizendo!
- Eu sei muito bem! - Ele se levantou da cadeira e se aproximou, contornando o balcão. sentiu sua pele esquentar, o ar saindo aos poucos dos pulmões. - Venha morar comigo e vai conseguir ter uma vida decente! Eu moro perto daqui e sei que são apenas duas estações até a sua faculdade! Vamos dividir as contas, tem um quarto sobrando por lá mesmo... Você vai poder pegar outro turno nessa loja e dormir como uma pessoa normal... O que acha?
encarou por alguns segundos, ele parecia mais sério do que nunca. Na verdade, podia jurar que era a primeira vez que enxergava tanta seriedade no rosto do rapaz. Seu coração disparou. Tê-lo por perto todos os dias, o tempo todo era algo perigoso demais para quem sentia as borboletas no estômago se revirarem todas as vezes que o garoto lhe lançava um olhar mais profundo, ele não precisava de muito para fazê-la arrepiar, mesmo que não soubesse.
Aceitar aquela proposta era como se jogar de um abismo.
- Eu... Topo.

2015

No fundo do abismo que se jogou há meses atrás, tinha o mais belo vale. Viver com às vezes parecia uma eterna lua de mel, apesar da falta das melhores coisas do casamento. Ela acordava com o som suave de piano ressoando pelo pequeno apartamento, e aquilo nunca foi incômodo. Não. Era o seu melhor despertador. Na maior parte dos dias, ela encontrava o rapaz na cozinha ajeitando um café da manhã simples para os dois. Ela sorria e corria até ele para assustá-lo enquanto estava de costas, lutando contra o fogão.
- Bom dia! - passou os braços pela cintura dele, apertando seu corpo contra as costas do rapaz.
Ela não podia ver o sorriso instantâneo que aquele gesto causava.
- Hey, quer me matar do coração! - sempre xingava, mas ria baixo logo depois. - Bom dia.
- O que temos para hoje, Chef ? - a garota se afastou, caminhando de costas até o pequeno balcão da pia e pulando para se sentar nele. O garoto virou-se momentaneamente para observar em seu pijama de verão. As pernas balançando levemente.
- Panquecas de banana. - ele respondeu, virando-se novamente para o fogão.
não viu morder o lábio pensando em como ele conseguia ficar tão sexy cozinhando aquelas malditas panquecas, usando shorts velhos e uma camiseta preta, lisa, mais gasta que o seu pior sapato. A garota suspirou fundo, ainda divagando de como viver com era uma montanha russa de sentimentos. Assustador, eletrizante, cheia de altos e baixos. Era como ela via os últimos meses vivendo sob o mesmo teto que o rapaz. Assim que as panquecas ficaram prontas, ele as colocou em um prato e se virou para entregá-las à menina sentada no balcão. sorriu quando pegou o café da manhã.
Sempre gostou de montanhas russas.
- Está se lembrando que meu pai virá mais tarde nos visitar? - disse, sentando-se na banqueta e colocando o próprio prato ao lado da moça.
- Como eu poderia? São as melhores noites do mês! É tão divertido quando seu pai bebe e conta seus casos de infância...
- Yah! Não é para isso que ele vem... - ele resmunga baixo, arrancando uma risada da garota. - Apesar de que você se tornou a segunda pessoa favorita no mundo para ele...
- Tome cuidado, , já já eu te ultrapasso!
Ele apenas revirou os olhos, sem conter o sorriso sereno que brotou em seus lábios. Concentrando-se em sua comida, o rapaz pensou que talvez não se importasse muito com a garota tornando-se a número um na vida de seu pai. Já tinha conquistado o filho por inteiro. Provavelmente o destino queria que o coração dos pertencesse a ela.

(...)

O senhor entrou no apartamento com sacolas cheias e um sorriso no rosto. Os cabelos brancos denunciavam que a idade havia chegado com força, mas para , o pai - como ela gostava de chamá-lo - parecia bem menos cansado e velho do que quando o conheceu, em seu Ensino Médio. O vigor e a alegria brotavam nas bochechas rosadas e nos lábios idênticos ao do filho. A garota gostou de vê-lo assim e pensou que talvez por isso tivesse mudado tanto.
Diferente de quando o encontrou na sala de espera daquele consultório, o rapaz já não era um poço de pessimismo e seriedade. Seu coração puro e calmo pareceu aflorar ao longo do tempo. Para a felicidade e desespero da menina. havia crescido tanto ao ponto de atrair seis a cada dez meninas que cruzavam com ele na rua. Estava de saco cheio de suas amigas de faculdade questionarem sobre ele. Nunca negou o ciúme. Mas valia a pena passar por esses pequenos desconfortos quando podia observar o verdadeiro sorriso de , que sempre se manifestava naquele dia do mês em que seu pai o visitava.
- ! Você continua suportando o meu filho! - Ela riu, abraçando o senhor. Ouviu suspirar ao fundo.
- Alguém tem que cuidar dele, certo?
- Fico feliz que seja você, querida. - ele assentiu com uma risada gostosa.
O pai se aconchegou na sala, sentando-se no sofá e largando as duas grandes sacolas que trazia no chão, bem aos seus pés. Ele sempre trazia coisas para a casa, comida, talheres ou qualquer outro mimo que achasse útil ao filho. Era naquele momento que se retirava do local e ia até seu quarto para deixar os dois um pouco a sós. Tinha inveja daquele relacionamento tão próximo. Ela mesma não via a mãe desde que se mudou para cursar psicologia. Sequer se falavam com frequência, apenas quando ela depositava uma quantia pequena de dinheiro em sua conta para ajudar nas despesas. pensava que, todas as vezes que sua mãe a olhava, conseguia enxergar apenas a menina frágil e inconsequente que a obrigou a mudar de vida.
Suspirou e pegou o celular. Sempre que o pai de os visitava, ela gostava de mandar uma mensagem para sua mãe, apenas para lembrá-la de sua existência e dizer que estava tudo bem. Digitou depressa e enviou antes que pudesse se arrepender. A resposta veio pronto, curta.
“Fico feliz, querida, por favor se cuide”
sorriu triste. Não entendia por que ela continuava mandando dinheiro, mas não conseguia sequer fazer uma ligação decente para a filha.
Respirando fundo, a garota olhou para a porta fechada do quarto e desejou o sobrenome por mais de uma razão.

(...)

- Hey, garoto, quando vai dizer a ela? - já não aguentava mais a pressão de seu pai para confessar seu amor por .
- Eu não sei, pai, não sei nem se vou.
- Por quê, filho? Não venha me dizer que é por causa...
- Sim, é por causa da mudança. - o rapaz o interrompeu, suspirando e encolhendo-se no canto do sofá, abraçou os joelhos e colocou o queixo em cima deles.
- Você ao menos contou a ela?
- Não.
- Céus, ! O que está acontecendo com você?
- Como espera que eu conte para a mulher que eu mais amo na vida que eu vou deixá-la de novo!? Só faz um ano desde que nos encontramos... - teve que se controlar para manter o tom de voz o mais baixo possível.
- É o certo a se fazer, , por vocês dois. Além do mais, está na cara que ela gosta de você também. Merece saber de seu mestrado.
Há pouco mais de um mês, recebeu o convite para estudar piano na Alemanha. Faria parte de um programa especial para jovens talentos do mundo inteiro. Era uma oportunidade única que poderia torná-lo um pianista renomado mundialmente. Não que tivesse esse desejo, mas não era capaz de recusar algo tão grande. E não o fez. Mesmo quando seu coração gritava para não deixar a garota nunca mais.
- Você não sabe o que diz, pai...
- Não queira competir comigo, criança! - o senhor riu gostosamente. - Sei muito mais da vida do que você. Conte a ela tudo o que tem guardado aí.
- Eu vou tentar pai, prometo. - levantou a cabeça e arriscou um sorriso torto.
Tinha tanta sorte por ter um pai assim.
- Certo! Agora, vamos chamar , tenho algo especial para mostrar a ela...
estranhou o sorriso travesso que apareceu nos lábios de seu pai, mas não pensou demais e foi chamar a garota. Ela veio correndo, estabanada e alegre como em todas as vezes que o pai a levava algo.
- disse que tem algo para mim, pai! - a garota disse enquanto se esparramava no sofá ao lado do mais velho.
Ele riu alto da reação de , sempre se divertindo com sua empolgação nas pequenas coisas. Gostava de mimar a garota às vezes, sabendo da falta da presença familiar na vida dela. Queria pensar que algum dia ela também carregaria o sobrenome .
- Não é exatamente para você, mas vai se divertir muito. - Ele respondeu, pegando uma das sacolas no chão, a única que ainda estava cheia.
se sentou ao lado da , curioso para saber do que se tratava. Seus olhos se arregalaram ao reconhecer o enorme livro de fotografias que seu pai tirou da sacola.
- Pai! - protestou, mas antes que pudesse fazer algo, arrancou o objeto das mãos do senhor e o abriu em uma página qualquer.
- Céus, pai! Você é o melhor ser humano do universo! - A garota exclamou enquanto visualizava as fotos infantis do rapaz desesperado ao seu lado. O senhor riu gostosamente.
- Sabia que iria gostar da surpresa, . - ele comentou. - Estava limpando algumas coisas em casa, e quando me deparei com isso... Não resisti.
- Você é um traidor, velho. - resmungou, envergonhado.
apenas riu, admirada com a quantidade de fotos de quando bebê. Ele foi um menino amado, pelo menos pelo pai, que aparecia na maior parte das fotos. Visualizou uma bela mulher segurando a criança e julgou ser a mãe de , não comentou nada, sabia de sua história. Apenas pensou que o filho herdou alguns traços dela.
Passou as páginas sob os protestos raivosos de e os comentários de seu pai sobre as ocasiões de suas fotos. Para ser bem sincera, sentia uma certa familiaridade com aqueles cenários e o rosto do pequeno . E aquele sentimento permaneceu até que seus olhos repousaram em uma foto específica.
A garota gelou.
Conhecia aquela menina. Bem. Bem até demais.
- Oh! Essa foto! Foi no dia que nos mudamos. Essa era a melhor amiga de , eles não se desgrudavam na época do jardim de infância. Ela chorou muito descobriu da nossa partida...
Claro. se lembrava bem daquele dia. A tarde em que o menino de olhos doces lhe dissera que iria encontrá-la de novo. Como pôde esquecer o nome dele?
- Que cara é essa, ? - perguntou, pegando em seu ombro e aproximando-se da garota. - Está com ciúmes? Eu nem lembro mais o nome dessa menina...
- É ... . - a garota se virou para encará-lo. - Essa criança sou eu.
O silêncio pairou por quase um minuto inteiro. , chocado demais pela informação. , ainda emocionada com a descoberta. O clima tenso e estranho foi quebrado pela risada forte e gostosa do senhor , atraindo o olhar dos jovens ainda estupefatos.
- Realmente... Vocês estão destinados. - ele comentou baixo antes de lançar um olhar significativo para o filho. - Bom, eu vou embora, crianças. Está tarde e tenho boas horas de viagem para enfrentar.
- Mas já, Pai!? Pensei que o senhor ia dormir aqui...
- Hoje não, querida, acho que vocês têm que conversar. - ele disse, arrancando uma expressão de dúvida da garota. - Não precisam se incomodar em me acompanhar, ok? Fiquem aí.
se levantou para abraçá-lo e foi recebido carinhosamente pelos braços já não tão fortes de seu pai. Pela primeira vez, o mais novo sentiu que havia crescido diante do homem um pouco mais baixo e fraco a sua frente.
- Obrigado, pai.
- Não tem de quê, meu filho. - Ele sussurrou para aquele que seria sua eterna criança. - Lembre-se do que conversamos mais cedo.
assentiu, separou-se de seu pai e o observou abraçar a garota que logo se colocou de pé. O casal observou o senhor partir, ele carregava um sorriso satisfeito no rosto, como se soubesse mais do que qualquer um que algum bom iria acontecer.
- Você é bom em cumprir promessas, não é, . - quebrou o silêncio, fazendo o garoto olhar para ela. Um sorriso doce e estranho habitava seus lábios.
- Eu te disse que ia te encontrar.
- Na verdade, fui eu quem te achei. - ela comentou, rindo suavemente e voltando a sentar-se no sofá.
Colocou o álbum de volta no colo e por alguns segundos viajou novamente ao tempo em que tudo parecia tranquilo e feliz. Talvez o pai de tinha razão. Talvez eles realmente estivessem destinados.
O coração da garota se encheu de esperança.
- Hey, ... Eu tenho que te contar algo... - ela observou o rapaz se sentar ao seu lado. O olhar preocupado, inquieto.
- Eu também. - sussurrou enquanto fechava o álbum e o colocava de lado. Aproximou-se mais do rapaz, o bastante para sentir o calor que irradiava daquele corpo e alcançar com facilidade suas mãos, enlaçando-as entre as suas. - Desculpe te atropelar assim... Eu só não aguento mais ficar calada. Eu te amo, .
Ela pausou a fala enquanto via a vermelhidão subir pelo pescoço e orelhas do rapaz. Sorriu fraca e olhou para baixo, para as mãos entrelaçadas em seu colo.
- Mais do que como uma amiga ou companheira de apartamento. Muito mais do que você provavelmente me ama...
- Eu duvido muito. - ele respondeu em um grunhido seco.
não soube ler o que o sorriso de dizia, e nem teve muito tempo para isso.
Ela viu as mãos dele subirem ao seu rosto, abraçando suas bochechas e erguendo seu olhar até o dele, escuro, profundo, misterioso. fechou os olhos quando sentiu o beijo dele. O primeiro dos dois, tão esperado. Não era calmo ou lento. Era alvoroçado, confuso e quase violento de desespero e sede. De vontade tão pura e intensa daqueles que esperaram tempo demais por aquele momento.
- Céus, ... - sussurrou, distanciando-se minimamente, apenas para subir para o colo do garoto. Ele observou o corpo dela se erguer e depois descer em direção ao seu, esquecendo-se de tudo o que deveria falar a ela. - Você não tem noção do quanto esperei por isso.
Isso podia esperar.
Ainda mais considerando que tinha em seu colo pronta para o beijá-lo novamente.

(...)

Nem em um milhão de anos imaginou que aquela visão realmente se tornaria realidade. Deitado em sua cama, torso nu, o corpo de ao seu lado, junto ao seu peito. Suspirou fundo, erguendo seu corpo um pouco mais para encostar suas costas na cabeceira da cama, sentindo a garota deslizar em seu colo. Ele sorriu, lembrando-se da noite de amassos e carinhos que passou com sua amada. Não foram até o final dos atos, mas o suficiente para saciar um pouco da sede que guardavam. deixou que sua mão corresse até os cabelos dela, espalhados no travesseiro ao lado.
Então, era assim que queria acordar todos os dias?
Seu sorriso se alargou crendo que, sim, poderia ter aquela visão diária sem enjoar uma manhã sequer.
- Por que está sorrindo feito um idiota tão cedo? - Ouviu resmungar, a voz rouca e baixa de quem acabou de despertar.
- Estava pensando em você. - ele foi sincero e notou o constrangimento tingir levemente as bochechas da menina. - E do que fizemos ontem à noite.
- Pervertido... Ainda há muito mais que podemos fazer, não sabe? - Aquilo soou como a maior das provocações para . Ele sorriu malicioso e, com cuidado, tirou a garota de seu colo para rolar seu corpo por cima do dela.
- Sei e confesso... Seria ótimo começar o dia assim... - Ele disse antes de selar os lábios dela com um beijo um tanto mais calmo do que os da noite passada. riu enquanto se entregava novamente ao rapaz, sentindo as mãos dele percorrerem suas curvas por cima da camisa roubada do guarda roupa de .
- Estou inclinada a concordar com você, mas sabe que não temos tempo. - ela disse quando finalmente recuperou o ar depois dos beijos exigentes do .
- E pensar que você seria a sensata dessa relação... - suspirou, concordando e rolando de volta para o seu lugar. riu gostosamente.
- Então estamos em um relacionamento? - Ela perguntou, mordendo o lábio inferior, esforçando-se para não escancarar demais sua felicidade.
- Apenas se quiser...
- Eu quero, idiota! - por pouco não gritou, mas se jogou no rapaz, abraçando-o pelo pescoço e afundando-o na cama. Sob os protestos divertidos do jovem, ela ergueu levemente o tronco para encará-lo debaixo de si. - O seu pai vai surtar quando souber...
- Com certeza...
- Falando nisso... O que você queria me dizer ontem? Eu acabei te interrompendo... - riu baixo, um sorriso malicioso brotou em seus lábios, mas não pareceu corresponder. O rapaz mordeu o lábio e desviou o olhar. – Ai, não, é algo ruim e eu arruinei o clima.
voltou ao seu lugar, sentando-se no topo da cama. ergueu o corpo até se sentar ao lado dela, puxou os joelhos para cima e os abraçou como uma criança desolada. Há um mês tentava descobrir como contar a ela sobre sua partida e agora tinha menos de segundos para pensar no que dizer.
- O quão ruim é? - perguntou, olhando para o rapaz. - Seu silêncio está me assustando.
- Eu... Fui convidado a participar de um programa especial de mestrado em uma das melhores Escolas de Música... da Alemanha.
- ... Isso é fantástico! Quero dizer, não poderia surgir algo melhor em sua vida agora!
- Eu sei! Mas isso significa que vamos nos separar... De novo. E agora que eu sei que nos desencontramos mais do que o considerado possível...
- Mas também sempre nos encontramos de novo. - o interrompeu com um suspiro seguido de um sorriso. - Eu não vou dizer que estou feliz com isso tudo, . Nem que estou segura, porém, de alguma forma, todas os caminhos que eu tomo parecem me levar a você. Duvido muito que vai ser diferente dessa vez. Até porque eu tenho o seu número e a senha de todas as suas redes sociais. Você não vai se livrar de mim tão cedo.
A garota riu, procurando a mão do rapaz. Ele riu de volta, fitando o rosto belo e radiante da jovem. estava certa. Não importavam as decisões que ele iria tomar dali para frente, não importavam os caminhos, desde que se cruzassem com os dela.

Se eu tivesse escolhido um caminho diferente,
se eu tivesse parado e olhado para trás


2018

suspirou pela décima vez naquele dia. Fim de expediente no hospital em que trabalhava, saía dali diretamente para a cafeteria localizada a um quarteirão dali. O lugar que fizera de estimação desde que começou a integrar o corpo de especialistas em Saúde Mental naquele hospital.
Amava seu trabalho, mas era desgastante, e a garota sentia que merecia uma xícara quente de café e um pedaço de sua torta favorita para finalizar os esforços. A brisa de primavera balançava seus cabelos e ela sorriu triste, lembrando-se que em poucos dias era o aniversário de seu namorado.
O imbecil de namorado que havia partido para a Alemanha há dois anos.
O namoro já começou conturbado com a notícia que iria ficar um tempo fora para completar seus estudos. Otimistas, o casal fez o possível para que os poucos meses que até a graduação do rapaz fossem aproveitados como deveria. E bom... Funcionou. Foram meses de lua de mel, de alegria, amor e intimidade que nunca imaginou serem concebíveis. Até o dia da viagem.
pensava naquele dia como o pior de sua vida.
Não foi ao aeroporto, preferiu ficar sozinha no apartamento que logo ela dividiria com outra pessoa (ideia dele para que não ela não ficasse com despesas a mais). Jamais admitiu, mas chorou como criança na cama que era dele, sob a única peça de roupa deixada para trás. Depois daquele dia, a garota não se permitiu mais chorar. Mesmo quando a saudade era tão insuportável que parecia comê-la de dentro para fora.
A distância era cruel, mas o tempo era mais. E a cada dia que passava longe de , pensava se tudo seria igual quando ele voltasse. E se ele tivesse se apaixonado por uma belíssima alemã? Ou se tivesse enjoado dela e de suas mensagens quase diárias?
Não se falavam há dois dias.
E podia parecer pouco, mas soava como eternidade para ela. Sua boca desejou mais do que nunca uma maldita torta para minimizar o sentimento amargo que transitava em sua garganta.
Ela entrou na loja e foi direto ao caixa, sorrindo para a atendente com o máximo de simpatia que seu humor conseguiu projetar. Abriu a boca para dizer o que queria, mas sua voz nunca saiu.
- Um Americano e uma torta de morangos. - ouviu uma voz grossa dizer atrás de si e sentiu todo o corpo congelar por um instante, até tomar o impulso de se virar e conferir de onde vinha aquela voz.
Não. não estava sonhando acordada, não estava vendo uma miragem ou uma ilusão. estava ali, parado em sua frente, mais bonito do que nunca. Ela não disse nada, apenas deixou que seu corpo se chocasse ao dele, enquanto segurava as lágrimas que jurou jamais deixar cair. As mãos do rapaz envolveram sua cintura.
- Hey, , pare com isso, estamos atrapalhando a fila. - o rapaz sussurrou, rindo, mas a garota não parecia ligar, então apenas a moveu até um dos cantos, lançando um olhar simples para a atendente que sorriu, assentindo timidamente, comovida com a situação.
- Você sumiu por dois dias, idiota! Eu odeio você! Como pode fazer isso comigo? - ela sussurrou ainda contra o peito dele.
- Queria fazer uma surpresa. - respondeu, acariciando os cabelos da garota.
Como sentiu falta daquela sensação.
- E como me achou aqui? - ela perguntou, finalmente olhando para o rosto do rapaz. - Eu te disse, , todo o caminho que eu tomar me levará a você.

No final desta estrada, onde você estará?



Fim.



Nota da autora: Olá pessoas! Estou aqui com a maior one shot que já escrevi na vida! rsrs Quando aceitei esse desafio fiz questão de pegar Road porque sempre significou muito para mim. O que eu quis passar com essa história é que a vida é assim, caminhos, encontros e desencontros, mas as vezes o destino age com bondade o final da estrada pode (e deve) ser feliz! Obrigada a todos que dedicaram um tempinho para ler esse bebê!

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


comments powered by Disqus