Finalizada em: 14/09/2017

Capítulo Único

A beleza vem em pacotes de todos os tipos de formatos e tamanhos. Pode ser interna, externa, nos olhos de quem a vê, de quem não vê... Nem a filosofia consegue definir ao certo o que é belo – cada pessoa é uma pessoa, portanto, cada “beleza” é diferente de uma para a outra. Nunca se sabe com exatidão quando a beleza pode aparecer: às vezes, é identificada logo de cara, tão óbvia quanto fogos de artifício no escuro céu noturno; outras vezes, cresce ao longo do tempo, tornando algo que inicialmente era indiferente, indescritivelmente belo – como um botão de flor desabrochando após o inverno.
Com o amor é a mesma coisa. Às vezes o atinge feito uma bola de basquete; em outras, o pega de fininho como uma borboleta silenciosa ao pousar em seu braço. Nunca se sabe como, onde nem quando vai acontecer. Esperado ou inesperado, rápido ou demorado, certo ou incerto: a única coisa que se sabe é que, quando começa a se fazer sentir, é quase impossível de ignorá-lo.
Foi exatamente o que aconteceu com e , apesar do momento ser diferente para cada um. Certamente podiam dizer que não esperavam nada do outro, principalmente um sentimento romântico. O destino os forçou a viver juntos por algum tempo para finalmente perceberem que algo estava acontecendo.
E também precisou praticamente desenhar para para que a mulher entendesse seus sentimentos.
Mas isso já é muito para frente na história desses dois. O que eles consideraram o início de tudo, evidentemente, não foi o começo. Na verdade, pode-se dizer que, qualquer que fosse a força do Universo que quisesse que aqueles dois ficassem juntos, começou a atuar duas semanas antes até.
se encontrava na varanda da empresa, aproveitando seu primeiro momento de descanso após horas de trabalho. Era uma madrugada fresquinha em um dia sufocante. As estrelas brilhavam serenamente no céu, a lua se apresentava tímida como um olhar sonolento. Ela apoiou os braços no guarda corpo e suspirou, finalmente inalando um pouco de ar e arejando os pulmões.
Que dia. Nunca imaginara que o caso que jogaram na sua mesa naquela manhã poderia ser tão complicado. O pescoço dela doía de tanto olhar para baixo a fim de ler toda aquela papelada interminável, portanto estava mais que feliz de ficar encarando o céu salpicado de pequenos brilhantes.
Checou o horário no celular. Daqui a pouco seu intervalo acabaria e ela teria que voltar para sua sala, consequentemente voltando a ler aquela ladainha insuportável que todo advogado tinha mania de escrever incessantemente.
Ela já estava quase suspirando e começando a xingar seu trabalho pela décima vez no dia quando começou a ouvir uma música tocando levemente, como um espectro sendo trazido vagarosamente pelo ar.
Era o som de um piano, acompanhado por uma batida forte de bateria. Mesmo assim, a música tinha uma leveza que ela não esperava. Era um ritmo fluido e contagiante, parecendo a chuva de um dia ensolarado. não conseguiu evitar: começou a sorrir inconscientemente.
Aquela música a fazia se sentir bem.
Ficou algum tempo de olhos fechados, dançando levemente de um lado para o outro. De repente, lembrou-se do horário e, checando-o no celular, suspirou. Hora de voltar para a papelada.
Antes de deixar sua querida varanda, entretanto, tirou o perfume que carregava no bolso – que, por sorte, lembrara de tirar da bolsa – e passou um pouco nos pulsos. Não planejara ficar tanto tempo na empresa naquele dia e já estava extremamente incomodada de ainda não ter tomado banho. Para remediar um pouco aquele sentimento, resolvera passar um pouco de seu perfume antes que algum colega a achasse uma porca ambulante.
- Mas ainda vou descobrir que música é essa... – comentou consigo mesma e deixou a varanda.
Seguiu pelo corredor logo à sua frente. Quando já estava quase virando à direita, rumo à sua sala, saiu do estúdio no qual trabalhava, esticando os braços. O corredor ficava à esquerda da varanda, seu local de trabalho no extremo oposto ao dela. Ele caminhou com passos enérgicos e vagarosos até a varanda.
Se tivesse demorado mais cinco segundos para deixar o local, talvez tivessem se cruzado no corredor. Porém, no momento em que ela virou, finalmente alcançara a porta da varanda.
Ele sorriu ao ver que não tinha ninguém por lá. Apoiou os braços no guarda corpo e fechou os olhos, apreciando a gélida brisa da madrugada. A falta de sons do mundo noturno – o silêncio no qual a cidade mergulhava quando tudo escurecia – era relaxante. Ele abrira a porta do próprio estúdio durante um tempo para ver se sua sala parecia menos sufocante – deixando a música que mixava tocar livremente pela empresa, não é como se tivesse muita gente por lá naquele horário – mas nada funcionara.
necessitava de ar. Ficara durante muito tempo sentado naquele cubículo de mixagem, olhando para diversas telas do computador, editando tracks, aumentando e diminuindo sons, produzindo a música da maneira que ela precisava ser produzida.
Apesar de fazer o que amava, não podia negar: naquele dia, não aguentava mais.
Ele só queria tomar um banho, jogar-se na cama e dormir placidamente durante dois dias.
Sim. Era esse o nível de cansaço dele. Seus olhos ardiam e as costas doíam por ficar sentado na mesma posição durante tanto tempo. balançou a cabeça de um lado para o outro vagarosamente, estalando audivelmente o pescoço. Em seguida, fechou os olhos e respirou fundo.
Ele imediatamente franziu as sobrancelhas e abriu os olhos. Após pensar durante alguns segundos, encarando o horizonte, olhou em volta. Estava sozinho... Então de quem era aquele cheiro?
Parecia de uma flor. Acharia que era um perfume, se não estivesse convencido de que estava sozinho na empresa. Era um aroma doce, mas não enjoativo. Forte, apesar de diluído no fresco ar noturno. Aquilo o lembrava de algo, mas o que era...?
pensou durante algum tempo, observando as estrelas brilhando levemente no manto azul escuro do céu. Talvez fosse o perfume de alguma pessoa, porém uma planta era mais provável naquele silêncio absoluto.
- Dama da Noite. – Ele comentou baixinho consigo mesmo, sorrindo ao se lembrar.
Parecia o perfume da Dama da Noite, a flor que desabrochava somente após o sol se por, liberando seu perfume no sigilo da escuridão. nunca notara aquele tipo de flor pela empresa e certamente não a via na varanda, porém, a partir daquele dia, fez uma nota mental para procurá-la por lá.
Afinal, passar a madrugada trabalhando na companhia da leve brisa gélida e do aroma da Dama da Noite era muito mais agradável do que naquele estúdio claustrofóbico no qual ele passava horas.
Ele fechou os olhos, aproveitando o aroma mais uma vez antes de voltar para sua ilha de edição. Não podia deixar de realmente se sentir ilhado naquele dia.
- Até a lua está de olhos fechados hoje. – Ele comentou, observando o formato do corpo celeste uma última vez antes de voltar para sua sala.
Estava cansado, mas não se importava: a mixagem daquela música infeliz acabaria exatamente naquele dia, ou seu nome não era .
E foi assim que e começaram a se procurar sem ao menos saber que estavam se procurando.

- Pelo menos você não teve que trocar de nome!
A semana finalmente chegara ao fim. E, após dias com momento de desespero e funcionários arrancando os cabelos, só havia uma coisa a se fazer na sexta-feira: Happy Hour.
O bar estava cheio de pessoas da empresa. Para falar a verdade, provavelmente não havia uma alma viva que não fosse de lá: como o bar era o mais próximo e havia a possibilidade de se andar do prédio da empresa até lá, era a escolha de todo mundo que necessitava de seu Happy Hour.
Então lá estava , sentado na área externa do bar, rodeado de seus amigos e na metade de sua segunda cerveja. Já tinha um sorriso no rosto e realmente conseguia sentir a tensão da semana aliviando seus ombros.
- Ainda bem! Dependendo de mim, acabaria escolhendo um nome bem ridículo que me daria problemas depois! – Ele respondeu ao comentário do amigo, fazendo com que todos começassem a rir.
Enquanto um de seus amigos começava a falar e pegava a cerveja para beber mais um gole, sentiu, de relance, a fragrância da Dama da Noite. Franziu as sobrancelhas e começou a observar o recinto – porém, da mesma maneira que o aroma surgiu, desapareceu em questão de segundos.
Ele estava cada vez mais convencido que era uma planta dos arredores e o perfume era levado até ele pelo vento.
Porém, nessa de observar o local, seus olhos encontraram de relance os olhos de . Ela nem estava prestando atenção nele ou em qualquer outra coisa: estava indo embora. Com a carteira em mãos, a mulher dava o papel para o manobrista poder trazer seu carro.
- Ei, ! Tá acordado? – Um colega chamou sua atenção enquanto ele a observava.
- Ah, sim, estou... Quem é aquela moça? – Ele apontou discretamente para ela. Porém, conversava com uma de suas colegas, portanto não notaria nem se ele jogasse um copo em cima dela. – Acho que nunca a vi pela empresa. E olha que eu conheço praticamente todo mundo por lá.
- Aquela? – O amigo apontou de volta, nem um pouco discretamente. somente suspirou e confirmou com a cabeça. Nem sabia o porquê de ainda tentar ser discreto com aquele povo a sua volta. – . E você não a conhece, pois nunca foi no Jurídico. Ela resolve praticamente tudo por lá.
- Ah, então é advogada? – Ele estava cada vez mais interessado. – O nome dela é bem diferente.
- É diferente mesmo. Ela é muito inteligente e veio fazer uma pós-graduação aqui, algo do tipo. Um colega da faculdade dela trabalhava para a empresa na época e a indicou pra trabalhar conosco. Ela ficou aí desde então. Já faz parte da família! – O colega sorriu, tomando um grande gole de cerveja em seguida. – E sim, ela é advogada. Cuida da propriedade intelectual, licenças, plágios e afins. Sem ela, você não teria direito a nada do que faz por aqui.
- Então eu teria que agradecê-la, certo? – E, falando isso, se levantou da mesa, bebendo seu último gole de cerveja. As atenções do grupinho se voltaram para ele.
- Aonde você pensa que vai? – Um de seus amigos perguntou, rindo. As bochechas levemente rosadas denunciavam o tanto de álcool que já tinha consumido.
- Vou me apresentar. É uma vergonha eu não conhecer alguém tão importante que influencia tanto o meu trabalho. – Ele sorriu e piscou para os amigos, que começaram a fazer muito barulho e falar um monte de coisas sem sentido.
imediatamente se virou para ver se tinha percebido aquilo, porém a moça era tão perdida, que simplesmente continuou conversando com a pessoa que conversava antes – completamente alheia ao resto do mundo.
Ele sorriu e começou a se aproximar. Não tinha a intenção de flertar nem nada, somente queria conhecê-la. Afinal, orgulhava-se um pouco do fato de conhecer praticamente todo mundo e não saber nem o nome dela era um descuido da sua parte.
Mas algo a mais estava trabalhando naquela noite. Aparentemente, não era para nenhum dos dois ter uma boa primeira impressão do outro.
Quando ele estava quase chegando perto dela, um homem apareceu na rua, empurrou e arrancou a carteira das mãos da moça. Após alguns segundos de choque por parte de todos os presentes, se preparou para correr atrás do cara e pegar a carteira de volta, sendo uma ótima premissa para conversar com ela.
Além de que provavelmente ficaria extremamente agradecida a ele. Era uma situação um tanto perfeita, para falar a verdade.
Porém, antes que ele conseguisse sair correndo, o fez. Saiu em disparada atrás do homem, gritando para que ele parasse. ficou congelado no lugar, observando aquela cena com as sobrancelhas franzidas.
E, quando o cara não parou, segurou a bolsa com força e jogou em cima dele, puxando-a de volta logo em seguida. Aproveitando o atordoamento do homem, ela segurou o braço dele com destreza e, torcendo-o levemente em um movimento perfeito de artes marciais, retirou a carteira das mãos dele, checando o conteúdo em seguida.
- Some daqui. – disse de maneira grave, deixando que o homem sumisse na escuridão.
Em seguida, suspirou e caminhou de volta para o bar, encontrando sua amiga à porta, preocupada.
- Você está bem, ? – A mulher perguntou, provavelmente mais preocupada que a própria .
- Yep. – Ela suspirou e olhou para o lado, encontrando, atrás da amiga, um boquiaberto e extremamente impressionado pelo que acabara de acontecer. – Tô melhor do que muita gente, aparentemente. Não tem com o que se preocupar, tá tudo no lugar.
Franzindo as sobrancelhas e pensando em como aquele homem era esquisito – parado lá feito um poste, boquiaberto parecendo um peixe e sem falar uma palavra – se despediu da amiga e pegou seu carro que tinha acabado de chegar, dirigindo-se a outro bar para se encontrar com sua prima que a chamara para sair na mesma noite.
finalmente suspirou e fechou a cara. Não entendia por que tinha ficado completamente sem reação. Não esperava que fosse tão independente e até meio... Bruta. Normalmente, aquela seria a situação perfeita para um homem “salvá-la” e uma ótima maneira de iniciar uma conversa – além de que ele tinha que admitir que estava um tanto chateado por não ter tido a chance de “cumprir” seu papel. Mas também estava impressionado. E aquilo o deixou completamente sem palavras, algo que não acontecia com muita frequência.
Mal sabia ele que, em seu carro, somente suspirava e pensava em como as pessoas eram superficiais. Sabia que, segundo a convenção social e a idéia de que mulheres são mais fracas, deveria ter esperado pela ajuda de um homem. Mas ela sabia defesa pessoal exatamente para não ter que depender de ninguém. E se aquele pastel daquele homem boquiaberto feito um peixe morto não entendia aquilo... Bom, azar o dele.
Dando de ombros, ela ligou o som do carro e começou a cantar a música animada que tocava na rádio. Após aquela longa semana e a tentativa de assalto, tinha todo o direito do mundo de descansar e se divertir.

Semanas se passaram desde o fatídico dia da tentativa de assalto. e não se encontraram mais e continuaram com seus afazeres normais... Até surgir mais uma semana de trabalho estafante que exigia horas e horas dentro da empresa para terminar tudo a tempo.
Na verdade, a única que era para ter problemas era . O único caso que restara para ela cuidar exigia conhecimentos técnicos de edição de música, mixagem, produção e afins... Algo que ela não tinha. Portanto, procurar alguém para auxiliá-la era a primeira coisa que teria que fazer.
não tinha nenhum problema para resolver.
Ou pelo menos, achava que não.
Já estava terminando a música. Porém, depois de passar alguns dias sem escutá-la para resolver um probleminha em outra, voltou para olhar sua edição.
E uma das tracks tinha sumido.
Ele sentiu as mãos gelarem e um calafrio irritado subir pela espinha.
Não era possível. Alguém tinha sumido exatamente com a track que ele precisava usar. Procurava de um lado para o outro, em todas as pastas de todos os computadores... Mas era em vão: a track realmente tinha sumido.
E se alguém apagara aquela pitanga sem a autorização dele, cabeças iam rolar.
Nesse meio de tempo, caminhava pelos corredores da empresa, procurando um dos engenheiros de som. Fora indicada para um dos engenheiros que estava em alguns dos quinhentos mil estúdios daquele lugar para tirar suas dúvidas sobre o caso...
Mas o prédio tinha muitos estúdios.
Sendo assim, ela deu de ombros e entrou no primeiro que viu, encontrando aquele ser completamente desesperado dentro da sala.
- Não vou falar com ninguém agora. – disse de maneira seca, sem ao menos olhar para trás, achando que na porta havia algum assistente com o objetivo de chamá-lo para conversar com alguém ou para oferecer ajuda. – Se quiser me fazer um favor, pode me trazer um café.
- Vai você pegar o seu café. – respondeu de maneira resoluta, erguendo uma sobrancelha e colocando as mãos na cintura. – Você tem braços e pernas, não?
Ele teve um sobressalto nítido ao ouvir aquela voz desconhecida, levantando-se. Imediatamente virou-se e encontrou-a parada à porta do estúdio, aparentemente tão incomodada quanto ele.
- Desculpe! Achei que era outra pessoa! – disse rapidamente, sentindo as mãos formigando de vergonha e fazendo uma reverência. – Mil desculpas, não quis ofender!
- Está tudo bem... – suspirou, dando um pequeno sorriso. Teria dado risada da situação dele, porém não estava no humor para rir naquele dia. – Contanto que você possa me indicar um bom engenheiro de som, já me darei por satisfeita.
- Engenheiro de som...? Mas você não é advogada? – Ele franziu as sobrancelhas, lembrando-se do rosto dela na fatídica noite do Happy Hour.
- Sou, mas preciso esclarecer alguns detalhes técnicos para um caso. – Ela deu um sorriso um pouco maior, parecendo cansada. – Me indicaram alguém, porém não especificaram em qual estúdio eu podia encontrar o cara.
- Com tantos estúdios aqui, fica difícil encontrar dessa maneira. – comentou, sorrindo levemente pela primeira vez, olhando para os computadores em seguida. – Bom... Se eu conseguir terminar aqui em um horário viável, posso tentar ajudá-la.
- Sério? – perguntou um pouco mais animada e ele confirmou com a cabeça, olhando para ela novamente. - E qual é o seu problema? Talvez eu possa ajudar.
- Não sei se você vai conseguir fazer algo, para falar a verdade... – suspirou. - Tenho uma track sumida. Desapareceu e não consigo achar de jeito nenhum.
- Ah, sem problemas! – E ela fechou a porta do estúdio, caminhando até ele e sorrindo mais que antes. – Sou boa com computadores. Já tive que lidar com vários arquivos sumidos lá do Jurídico.
- Jura? – Foi a vez dele de sorrir. Ouvir aquilo era como música para seus ouvidos. – Se conseguirmos recuperar minha track e eu terminar tudo, podemos ir para aquele café próximo à esquina. Assim, tiro todas as dúvidas que você precisar. Feito?
- Feito. – Ela sorriu e estendeu a mão para ele. – .
- . – E ele retribuiu o aperto de mão.
De fato, não era uma situação ideal para um “primeiro encontro” – nada como salvar a dama indefesa que acabara de ser assaltada. Mas foi tão bom quanto.

Existem coisas que – por mais que elas estejam sentadas na nossa frente, vestidas de Carmen Miranda e dançando Frevo – vamos insistir em não notar. Não por birra ou algo do tipo, mas por realmente não percebermos a sua presença. E, quando finalmente notamos, ficamos pensando “como é que eu não percebi isso antes?”, com a clássica expressão de alguém que enfiou algo quadrado em um recipiente redondo e não sabe como realizou essa proeza.
Foi exatamente isso que aconteceu com e – não somente naquele dia, mas em diversas situações. Ambos falhavam em notar aspectos óbvios de seu relacionamento – por mais que ele percebesse muito mais do que ela.
O que não notaram é que realmente trabalhavam bem em equipe. o ajudou a encontrar a track sumida – que sim, tinha sido apagada, porém, por sorte, ela sabia como recuperar arquivos sem ter que chamar o pessoal de TI – e pôde concluir sua música. Chegou até utilizar os ouvidos dela para consertar alguns detalhes, descobrindo que se dava bem com música, terminando seu trabalho em menos tempo do que esperava.
Assim, ambos pegaram seus casacos e desceram a rua juntos até o café próximo à esquina que mencionara anteriormente. Era um lugar simpático, aconchegante e até silencioso para a quantidade de pessoas que o frequentavam.
O café de e o chá de não demoraram muito a chegar. Em poucos minutos de conversa ainda sobre a música recém-concluída, ambos já estavam confortáveis e contentes com as suas bebidas quentinhas.
- Acho interessante que você sabe tanto sobre computadores. – Ele comentou, apoiando os cotovelos na mesa enquanto assoprava o café na enorme xícara. – Quer dizer, não é sua área. Você sempre poderia chamar alguém do TI para resolver seu problema.
- Eu sei... – Ela suspirou como se já estivesse cansada só de ouvir. – Mas da última vez que chamei alguém, o cara demorou tanto que achei que ia ficar velha só de esperar.
imediatamente começou a rir, segurando-se para não cuspir o café acidentalmente. deu uma breve risada daquela cena.
- É sério, não estou exagerando. Ele demorou demais. Fui pesquisar depois o que tinha feito e descobri que era a coisa mais simples do mundo. – Ela balançou a cabeça. – Fiquei com vontade de arrancá-lo da minha cadeira, mas fiquei lá, esperando, com um sorriso plácido no rosto.
E fez o mesmo sorriso plácido, fazendo-o rir novamente.
- E por que o cara demorou tanto?
- Porque ele queria aparecer para mim. Achou que eu era bonita e queria me deixar impressionada. – Ela parecia extremamente incomodada com aquilo, lançando um olhar cansado e nem um pouco feliz para ele.
- Uau. E como você sabe disso? Por acaso ele se confessou para você? – perguntou com um pequeno sorriso no rosto, sabendo que se começasse a rir muito daquela história ela ficaria um tanto incomodada.
- Não. Conduzi investigações próprias pela empresa. – respondeu com um ar misterioso, fazendo-o rir novamente, enquanto seguia com um gole de seu chá. – Depois dessa, aprendi a resolver os problemas por conta própria. Nada contra o cara, mas ele me fez perder muito tempo de trabalho e eu tive que voltar tarde para casa.
- Então quer dizer que você não agride todo mundo que te irrita com uma bolsa? – perguntou em seguida, com um sorriso brincalhão no canto dos lábios.
Ela só ficou observando-o durante alguns momentos, tentando entender.
- Ah! Você era o poste! – finalmente se lembrou, começando a rir em seguida.
E ele ficou confuso.
- Poste?
- É. O cara que ficou parado que nem um poste, boquiaberto, me encarando como se fosse um peixe fora d’água!
E ela imitou a expressão dele naquele dia.
sentiu uma onda de formigamento descendo da cabeça aos pés. Não sabia se era vergonha ou indignação que estava sentindo, mas certamente estava sentindo algo.
- Eu não fiquei com essa cara! – Mas tinha certeza que um de seus vários sentimentos era injustiça.
- Ficou sim. Pensei seriamente em ir até você para fechar sua boca. – E agora tinha um sorriso brincalhão nos lábios. O clássico caso de quando o feitiço vira contra o feiticeiro. – E não, eu não bato em todo mundo com uma bolsa. Só não ia ficar lá chorando enquanto o cara levava minha carteira embora!
- Sabe que eu estava em pé exatamente para te ajudar? – comentou como se estivesse incomodado, mas não podia esconder o sorriso. Não podia negar que a situação era engraçada. – Mas você resolveu sair atirando bolsas, não havia nada que eu pudesse fazer.
- Ah, então você ficou triste, pois eu não quis ser uma donzela em perigo?
- Fiquei triste, pois perdi a chance perfeita para falar com você. De resto, fiquei impressionado, só isso. – Ele deu de ombros e voltou a beber o café. – O que realmente me impressionou, foi tanta ferocidade em uma pessoa com essa carinha de anjo.
somente sorriu. Não tinha como refutar e não era a primeira vez que ouvia aquilo. Além do mais, ficou contente que ele não ficou julgando o que ela tinha feito: virara um poste naquele dia exatamente por estar impressionado com a mulher que ela era. E alguém constatar aquilo tão abertamente sempre a faria sorrir.
Nesse ponto, ambos falhavam em perceber que tinham a habilidade de colocar um sorriso nos lábios do outro, além de se tratar com nada além de sinceridade e coração aberto. Não era muito comum para os dois sair agindo assim com qualquer um, mas estavam tão concentrados em se perturbar que mal notaram aquele fato tão óbvio quanto a Carmen Miranda com um abacaxi na cabeça.
- Sabe... Estou de olho naquele bolo ali atrás de você. – comentou de repente e ele se virou para checar o bolo. – Mas não vou comer uma fatia inteira, ou não janto mais tarde. O que você acha de dividir?
- Acho uma ótima idéia. – sorriu de volta. – Daí você pode tirar todas as dúvidas que precisa para resolver seu caso.
Assim, novamente voltaram a conversar sobre o trabalho, porém com algo entre eles para lhes dar um pouco de alegria. Ah, o bolo também trouxe um pouco de alegria a mais.

Natal e Hotéis Alagados
Existem pessoas que acreditam no destino e existem aquelas que acreditam na chance. O destino é algo predeterminado: não importa por onde você ande, ainda irá chegar lá. Há algo reservado para você. Já a chance se manifesta na forma de coincidências que podem levar para algo ou não: você deve aproveitá-la da melhor maneira possível para que o que está em jogo não escape por entre seus dedos.
O caso de e foi uma das raras vezes em que o destino dá as mãos para a chance e ambos saem caminhando alegremente pela vida das pessoas. A chance deu diversas oportunidades para que algo acontecesse entre os dois – e o destino deu a certeza de que algo ia acontecer, quer eles agissem quando a chance desse as oportunidades ou não.
Dezembro chegou em um tufão de ar gélido e neve. Era de se esperar que todos estivessem cansados de tanto trabalhar – vozes insatisfeitas começavam até a falar em equiparação à condição de escravidão, coisa que sempre fazia rolar os olhos e ignorar para não bater em alguém por falar tanta asneira.
Então o que a empresa fez?
Viagem de Natal para todo mundo, com todas as despesas pagas, em uma das cidadezinhas aconchegantes do interior.
Praticamente uma pousada inteira fora reservada. O local era calmo, quieto e no meio do campo: perfeito para descansar. Os jardins estavam cobertos por uma fina camada alva de neve, cintilando conforme o sol fraco do inverno se manifestava. Uma visão de paz após tanto caos na cidade.
E uma visão de alagamento também.
- Como assim?! Como vamos lidar com esse problema?! – Uma mulher da empresa, claramente histérica e ainda estressada, perguntou ao gerente do hotel.
O homem tentava manter a calma, respirando fundo toda vez que ia falar com ela.
- Peço desculpas pelo infortúnio. Foi algo inesperado para nós. – Ele explicou calmamente para o grupo que estava reunido no salão de entrada do hotel. – Alguns quartos foram alagados pelo problema no encanamento, não podemos deixar nossos hóspedes em tais lugares. Encontraremos uma solução...
- Com licença. – Um dos funcionários da empresa se meteu na conversa. – Mas alguns quartos são grandes e obviamente podemos dividir. Tenho certeza que ninguém se incomodará com essa situação. Afinal, tudo já está pago.
Após um burburinho de vozes inquietas, foi decidido: as pessoas que foram agraciadas com quartos grandes dividiriam seus quartos com as poucas pessoas que tiveram seus quartos alagados. E, para tornar tudo ainda mais justo, a divisão de colegas de quarto seria feita por sorteio.
Naturalmente, uma das pessoas com o quarto grande era , enquanto ficou com um dos quartos alagados. O destino e a chance assistiam a toda essa situação com um largo sorriso satisfeito.
- No quarto da Srta. ... – O gerente anunciou e sorteou um papel de um pote com os poucos nomes dos alagados desafortunados. – Sr. . Algum problema permanecerem no mesmo quarto?
- Por mim, não. – deu de ombros, procurando na multidão.
- Para mim também não. – se manifestou e ela o encontrou. Quando trocaram olhares, sorriram levemente e acenaram um para o outro.
A divisão de quartos não demorou muito. Em poucos minutos, lá estavam os dois, carregando suas respectivas malas para o quarto, conversando durante o caminho. Meses já haviam se passado desde a primeira vez em que se falaram e a amizade entre eles não conseguiu ser evitada. Não era raro saírem para almoçar juntos ou tomar um café após um longo dia de trabalho. Portanto, estavam mais do que confortáveis com aquela situação.
- , você não é nem um pouco cavalheiro com ela. – Um dos colegas dele surgiu de repente no corredor no qual eles esperavam o elevador. – Você poderia muito bem carregar a mala dela, né?
- Por quê? Ela tem braços e pernas, não? – respondeu da maneira mais despreocupada possível, fazendo com que começasse a rir imediatamente da piadinha interna. Afinal, foi exatamente o que ela respondera para ele no dia em que se falaram.
E não é nem preciso falar que o colega dele ficou chocado, enquanto o elevador apitava por ter chegado ao andar deles.
- Pra não dizer que sou muito rude... – E segurou a porta, dando passagem para a moça. – Pode ir, minha bela dama.
- Muito obrigada, meu belo cavalheiro. – Ela respondeu da mesma maneira exagerada que ele e ambos deixaram o colega pasmo no andar de baixo enquanto riam juntos no elevador. - Acho que agora você vai ficar com a fama de “cara mais grosso da empresa”.
- Ah, eu nem me importo. – Ele deu de ombros, ainda rindo. Logo que o elevador parou, ele segurou a porta novamente para ela, porém em um gesto automático ao invés de uma brincadeira. – Você sabe que eu não sou, então tudo bem.
- Que bonitinho. Só a minha opinião importa, estou lisonjeada. – respondeu cheia de sarcasmo e com um doce sorriso no rosto, fazendo-o dar uma breve risada.
- Você é uma boa companhia. Gosto de passar o dia com você lá na empresa. – comentou com seu ar despreocupado e um suspiro. – Então sim. Sua opinião me importa. O resto é resto.
- Nossa, não deixa ninguém ouvir você falando assim. – E ela segurava o riso, parando na frente da porta do quarto e checando o número da chave que tinha em mãos. – Se não, terão certeza que você é grosso.
nem respondeu, somente riu e se apoiou à parede ao lado do batente da porta. Aguardou pacientemente enquanto a abria e entrou no quarto após a mulher. Era realmente um lugar grande, com uma grande cama de casal e uma sacada. Ambos pararam no centro do quarto, colocando as malas no chão e as mãos na cintura. Após alguns segundos deslumbrados com o local, finalmente trocaram olhares.
- E eles te colocaram aqui sozinha? – perguntou indignado. – Desde quando acharam que uma criaturinha do seu tamanho ocuparia tanto espaço?!
somente desatou a rir. Iniciou-se assim uma discussão entre os dois de que ela merecia o quarto independente do tamanho – sendo que ele defendia que, como mais alto, merecia mais que ela. Enquanto tinham essa pequena discussão entre risadas e que, na verdade, não era lá muito séria, o destino e a chance somente assistiam a tudo de mãos dadas e com lindos sorrisos, satisfeitos com o trabalho daquele dia.

- Você nem pense nisso. – comentou logo que saiu do banho, já de pijama e com os cabelos secos, graças ao secador que tinha contrabandeado dentro da mala.
A imagem que ela vira era de pasmando no meio do quarto, observando a cama. Com um interesse maior do que o normal.
- Você tá com tanto medo assim que eu vá dormir na cama e te expulsar para o sofá? – Ele perguntou, se sentando nesta e apontando para o grande sofá à distância. Que era tão bom quanto uma cama, porém não tão espaçoso. – E toda aquela conversa de que você sabe que eu sou um cavalheiro e eu não preciso ficar provando isso?
- Sei lá. Nós somos amigos, já ultrapassamos o cavalheirismo. – Ela deu de ombros, enquanto guardava a roupa suja em um compartimento específico da mala. Em seguida, olhou para ele e cruzou os braços. – Você sabe. Intimidade é uma porcaria.
- Olha, por mais que eu concorde com isso e com o fato de que eu sou maior e a cama é muito mais aconchegante pra mim... – comentou como se não ligasse nem um pouco para aqueles dois fatos, fazendo-a rolar os olhos e sorrir. – O quarto já era seu de qualquer maneira, então a primeira noite é sua. Mas amanhã...
- Não se preocupe, ô sem teto. Amanhã a cama é sua, vamos revezar. Mas por enquanto... – pegou uma almofada e se aproximou dele. Logo que chegou perto de , começou a dar almofadadas bem dadas nele. – Sai daí que a cama é minha!
- Ok, ok, tô saindo...! – Ele deu pequenas risadas e saiu de lá antes que ela continuasse com o massacre da almofada. Ele agarrou o objeto fofinho e foi até o próprio sofá, estirando-se neste. Ainda abraçado na almofada.
Após alguns momentos de silêncio – nos quais arrumava a cama, apagava as luzes e se preparava para ir dormir – ela surgiu no campo de visão dele, com os braços cheios de coisas.
- Fica com esse travesseiro e esse cobertor... – Ela comentou, entregando-os para , que a ajudou a ajeitá-los no sofá. – Se sentir frio, pode pegar mais um. Eu não me importo.
- Ah, tudo bem. Eu não sinto tanto frio assim. – Ele deu um pequeno sorriso plácido, porém ela somente ergueu uma sobrancelha.
- . Tá um frio cretino lá fora. Até nevou esses dias. – colocou as mãos na cintura. – E você me fala que dá pra aguentar só com um cobertorzinho desses? Não teste minha paciência.
- Não teste você minha paciência, . – Ele retrucou com o mesmo olhar e a mesma pose. – Você com essa mania eterna de me chamar pelo apelido. Eu posso sim aguentar com um cobertor só.
- Seu apelido é fofo, eu vou fazer o quê? – Ela deu de ombros e voltou para a cama, suspirando. – Só me promete que não vai morrer de frio, senhor cabeça de noz de macadâmia?
- Prometo, senhorita mochi ambulante. – respondeu e se enfiou debaixo das cobertas, constatando que estava mais quentinho do que achava.
- Pelo menos eu sou gostosa, tá? Mochis são fofinhos e gostosos. – E tinha que dar uma provocada antes de apagar a luz e ir dormir.
- Eu também, viu? Tem gente que acha noz de macadâmia deliciosa. – Claro, não podia dormir sem retrucar.

No dia seguinte, se arrependeu amargamente de deixar usar o banheiro antes dele.
Parecia que ela já estava lá há horas. Ele já estava sentado na cama, completamente desperto, esperando-a sair de lá e nada de . Após algum tempo, começou até a se questionar se algo grave não teria acontecido. Por mais que se achasse bobo de pensar em algo como aquilo, começou a imaginar toda a sorte de acidentes de banheiro nos quais ela poderia ter se envolvido – dedos queimados pela tomada, cabelo sugado pelo secador, cabeça machucada por escorregar no box molhado, braço cortado por escorregar no box e atingir o vidro que se estilhaçou em pedacinhos, hematomas por tentar segurar em alguma coisa pra pendurar a toalha e que não aguentou o peso dela...
Ele se levantou de imediato e praticamente correu até a porta do banheiro feito uma gazela, batendo insistentemente na mesma.
- ... Tá tudo bem? Você já tá aí faz um bom tempo, aconteceu alguma coisa...? – E também tentava ao máximo controlar a voz para não fazer um escândalo.
Só sabia que se ela não respondesse logo, colocaria aquela porta abaixo.
Mas não precisou fazer nada disso, pois abriu a porta e passou a encará-lo de uma maneira não muito alegre.
- . Faz menos de dez minutos que eu tô aqui dentro.
- Dez minutos trancada no banheiro é bastante tempo. Você tá bem?
- Claro que tô. É um banheiro... – E ela apontou para o recinto, como se ele estivesse se preocupando pela coisa mais idiota do mundo. – Não uma câmara de tortura. Tenha calma. Além disso, eu demorei, porque tava acordando ainda.
- Você ficou todo esse tempo aí dentro só pra acordar...? – Ele não conseguia acreditar, pra falar a verdade.
- Não. Eu fiquei todo esse tempo pra conseguir seguir com a minha rotina normal, porque eu fico três vezes mais lenta de manhã. Não processo bem as coisas antes de acordar definitivamente. – respondeu com um bocejo. – Bom. O banheiro é todo seu. Pode tirar essa cara de travesseiro do rosto e se trocar aí para irmos tomar o café da manhã.
- Ok. Eu prometo que não demoro tanto quanto você. Afinal, já despertei faz tempo. – respondeu casualmente enquanto entrava, recebendo uma almofadada logo ao fim da frase. Ia levar mais uma, porém teve o bom senso de fechar a porta rapidamente enquanto ria.
Entretanto, nenhum dos dois percebeu de imediato algo que fora marcado imediatamente em seus subconscientes enquanto implicavam: realmente achavam que o outro tinha certa beleza diferente de manhã, algo que nunca tiveram a chance de ver antes.

O café da manhã serviu para trazer ótimas notícias para todos – especialmente para e . Cada hóspede da empresa recebera, durante a refeição, uma carta com uma mensagem muito interessante:

Prezados (as),
Esperamos que aproveitem bastante essas merecidas férias!
Conforme já sabem, reservamos praticamente o hotel todo. O que vocês não sabem é que isso incluí o que seria a Suíte Presidencial da pousada de campo em que estão: um quarto distante de todos os outros, do tamanho de uma pequena casa, com o melhor da decoração tradicional e conforto asiático! Como não queremos que alguém o ganhe de maneira injusta, divisamos a melhor maneira para alocar a pessoa ao quarto: uma caça ao tesouro!
Durante esses dias, a chave para o quarto estará escondida em algum lugar do hotel – dentro ou até fora deste! Então, a regra é fácil: quem achar a chave primeiro, poderá ficar no quarto – sozinho ou com quem quiser. Está reservado até a véspera do Ano Novo, então essa pessoa sortuda terá bastante tempo para aproveitar!
Agradecemos por mais um ano conosco e desejamos sorte a todos!
Atenciosamente,
A Diretoria.

- Você realmente quer subir nessa árvore?
observava a tudo com as mãos nos bolsos do grosso casaco e uma sobrancelha erguida, enquanto tentava divisar uma maneira de subir na árvore em questão – mesmo com a crosta de neve sobre esta.
- Se você fosse da Diretoria, não ia esconder a chave em um lugar complicado de achar? – Ela perguntou de volta, colocando as mãos na cintura e sem ao menos olhar para ele.
- Sim. Mas iria evitar colocar em algum lugar que pudesse fazer com que meus empregados quebrassem uma perna. – Ele se aproximou vagarosamente de , pressentindo que algo ruim ia acontecer logo.
- Ninguém quebra uma perna de subir em uma árvore, . – E ela respondeu como se fosse a coisa mais tonta que já ouvira na vida.
- Então posso te perguntar quantas vezes a senhorita mochi já subiu numa árvore?
- O suficiente, senhor macadâmia. – mal olhou para ele ao responder, sem nem perceber que estava quase a agarrando e tirando-a de lá para dar um fim àquela loucura.
E ele teria feito isso, porém ela colocou as mãos na casca gélida da árvore e deu impulso para escalar. Pego de surpresa, a única coisa que ele conseguiu fazer foi esticar os braços e ficar orbitando perto de para que nada de ruim acontecesse se ela perdesse o equilíbrio ou escorregasse.
O que não demorou a acontecer.
Em um momento, tinha pleno controle da sua escalada – os pés na casca da árvore estavam firmes, as mãos segurando com força – porém, no momento seguinte, as botas dela escorregaram e lá estava ela deslizando e caindo contra nada além do ar.
Por sorte, o corpo de encontrou os braços de com um baque, sendo que ele a ajeitou imediatamente para que conseguisse carregá-la com um braço embaixo das pernas e outro para que a moça apoiasse as costas.
- E novamente eu pergunto: quantas vezes você já subiu numa árvore, ? – Ele disse com um pequeno sorriso no rosto quando finalmente retomaram o fôlego após o susto.
- Duas, talvez? – Ela perguntou de volta, rindo logo em seguida da própria besteira.
riu levemente junto com ela, porém tomava seu tempo para observá-la. Nunca tinha percebido, mas ao ter em seus braços, rindo daquela maneira, as bochechas rosadas e os lábios avermelhados por conta do frio, teve um súbito desejo de beijá-la. Não era somente a beleza dela – que ele só tinha se dado conta naquele momento – que o levara a ter aquele sentimento... era bela por dentro e por fora.
Ele começou a se perguntar o porquê de ter levado tanto tempo para notar algo tão óbvio naquela mulher que passava horas com ele, praticamente todos os dias úteis da semana. teve um breve momento de choque ao notar que, depois de todo aquele tempo, não a considerava somente uma amiga: ele gostava de .
Agora só precisava saber se ela gostava dele de volta. E ele sabia muito bem como fazer isso.
- Ei, , espera... – começou a se manifestar enquanto ele a carregava de volta para o hotel. – Aonde é que você vai? Quer me botar no chão?
- Primeiro: quem bota é galinha. – Ele respondeu com um breve sorriso, recebendo um olhar de poucos amigos da moça em seus braços. somente começou a rir. – Segundo: você realmente acha que eu vou te colocar no chão depois dessa loucura da árvore? Mulher, você está à minha mercê agora. E eu digo que só vou te largar depois que estivermos em um recinto no qual eu tenha certeza que você não pode tentar escalar nada.
E o resto do caminho foi com reclamando e fazendo de tudo para que ele a colocasse no chão. Não que se importasse: já estava pensando em outras coisas naquele momento.

Indiretas e Desenhos
Alguns dias infrutíferos se passaram desde o início da tal caça ao tesouro. Não só infrutíferos para , que buscava a chave com paciência e perseverança, mas também para , que decidira focar em descobrir se os sentimentos dele eram correspondidos.
De início, achara que seria fácil – afinal, ele próprio fora arrebatado por aquela descoberta como se tivesse sido atingido repentinamente por algo. Não percebera que, aos poucos, fora tomando espaço em seu coração, somente notando quando tivera o sentimento por completo. Pensava que, se ela também gostasse dele, os sentimentos de seriam bem parecidos.
Mas aparentemente não.
Como dito lá no início, ele praticamente teve que desenhar para que a moça entendesse o que estava acontecendo. não notaria os sentimentos nem se o próprio se vestisse de Carmen Miranda para declará-los na frente dela. Não que a moça fosse completamente alheia a sentimentos e não tivesse atração alguma por ele, porém era um tanto lenta para notar indiretas... E escolhera justamente as tais indiretas para testá-la.
Enquanto a água quente do banho noturno escorria pelos cabelos e ombros dele, recapitulava todas as suas tentativas frustradas dos últimos dias. Chegou até a suspirar e balançar a cabeça. Não sabia mais o que fazer.
Lá estavam eles, jantando após um dia puxado de buscas pelo hotel. arrastara por todas as dependências da casa principal do local e logo os dois já formavam a melhor dupla de força tarefa para encontrar a chave: ele procurando nos lugares altos e ela nos lugares mais baixos, evitando escaladas a todo custo.
Mas estava tão cansada que não percebera a maravilhosa coisa que deixara passar no Buffet de sobremesas: morangos com Nutella.
Portanto, todos estavam saboreando suas sobremesas e a única coisa que ela fazia era olhar indignada para o prato de .
- Não acredito que eu fiz uma besteira dessas... – choramingou de repente, pegando-o de surpresa.
- O que foi, ?
- Esqueci de pegar a sobremesa. Não tem mais um morango pra contar a história no Buffet. – Ela apontou com a cabeça para a longa mesa com as comidas e, de fato, não havia mais nada. – Como eu sou tonta.
- Quer dividir comigo? Eu achei que você ia querer um pouco de qualquer maneira. – Ele comentou com um sorriso convidativo nos lábios.
- Sério?! , você é a melhor pessoa do mundo!
Era o momento perfeito. sorriu mais ainda de volta e espetou meio morango, passando-o cuidadosamente na Nutella. Se queria seduzir , nada mais perfeito do que levar aquele tipo de comida aos lábios dela. Chegou a colocar a mão embaixo do garfo para que nenhum desastre acontecesse e finalmente olhou para .
Encontrando-a enfiando um enorme morango cheio de Nutella na boca. Logo que a moça fez isso, começou a mastigar de olhos fechados, como se estivesse no paraíso.
Completamente alheia à pessoa dele lá. Segurando o morango que era para ela. Com cara de pastel. Simplesmente pensando em como ela podia ser tão perdida.
balançou a cabeça e suspirou, a água quentinha ainda correndo lentamente por seu corpo. A situação do morango era perfeita. Mas simplesmente dividira os morangos com ele, não dando oportunidade alguma para que ele levasse a fruta à boca dela.
E aquela não fora a única situação perfeita que surgira com frutas.
Laranjas. Se você as comesse da maneira correta, não fariam bagunça alguma. Entretanto, é muito fácil ter o suco dessa fruta suculenta escorrendo pelas mãos e pelo rosto.
Deliberadamente, deixou com que o suco escorresse pelo canto da boca por seu queixo ao dar uma mordida em seu pedaço de laranja. Fingiu que não notara nada de mais e continuou a ler o livro que havia levado na viagem, caminhando despreocupadamente pelo jardim do hotel. o acompanhava lendo seu próprio livro e sabia que ela ficaria preocupada que ele manchasse as folhas de papel que lia no momento.
Tudo friamente calculado. Nada melhor do que a tensão de quando a pessoa que você gosta limpa o canto de seus lábios.
- ... – Ela chamou com uma breve risada. – Você tá sujo.
- O quê? – E ele fingiu que nem sabia do que ela estava falando.
- Vem cá.
Imediatamente, ele foi na direção dela. Esperava o olhar dela se demorando em seus lábios, as mãos agindo vagarosamente... Mas foi exatamente o contrário. cobriu a mão com a manga do moletom e limpou rapidamente o suco da fruta... Como se estivesse limpando o rosto de uma criança.
- Prontinho! – Ela sorriu animadamente e segurou a mão dela logo que notou algo.
- Agora sua mão está suja, . – Ele comentou retribuindo o sorriso e já ia se oferecer para limpá-la.
A intenção era lamber o suco dos dedos da moça e observar a reação dela. Não tinha escapatória.
Porém somente o agradeceu por ter avisado e imediatamente se soltou dele, lambendo os próprios dedos e voltando a caminhar enquanto lia seu livro.
Deixando para trás. Novamente parecendo um poste.
Parecia carma. Não era possível. De início, ele achara que ela fazia essas coisas de propósito, mas, com o tempo, notou que realmente era lenta para flertes. Ela simplesmente não entendia quando ele estava flertando e quando ele estava somente sendo simpático.
O que o levou àquele estado filosófico no banho após tantas tentativas frustradas.
Já era de noite e acabara de voltar para o quarto. passara o dia na quadra de tênis e já pedira para que ele jogasse contra ela no dia seguinte. Como ele queria relaxar, tirara o dia simplesmente para andar por aí, ler e pensar.
achou que ela ainda não estaria de volta. Entretanto, enquanto arrumava as coisas para tomar um bom e merecido banho, algo se aproximou dele junto com a gélida brisa noturna. Palavras enroscadas no vento; uma melodia suave e cristalina, ecoando de maneira tímida até os ouvidos dele. Curioso, seguiu a música, parando à porta da sacada e – após seu choque momentâneo – observando com um sorriso deslumbrado nos lábios.
Lá estava , apoiada na sacada, cantando suavemente enquanto passarinhos sobrevoavam as árvores próximas e pareciam respondê-la em seu próprio canto. Aquela cena continuou durante um bom tempo até ela finalmente notar a presença dele.
- Assim você vai me matar do coração! – comentou rindo após quase dar um pulo ao vê-lo ali. Ele somente riu de volta. – Não sabia que você estava no quarto! Se soubesse, não ia ficar cantando assim!
- Por quê? Sua voz é até mais bonita do que a dos passarinhos. – respondeu com um sorriso sincero no rosto, mas se esforçando para ficar o mais maravilhoso que conseguisse naquele momento. Queria parar o coração de assim como ela parara o dele. – Eles devem até estar com inveja de uma deusa como você.
- Ah, claro. Só se for da maneira como eu desafino, isso sim! – Ela riu, aproximando-se dele. Quando chegou bem perto, simplesmente apoiou a mão no ombro dele e proferiu palavras que jamais esqueceria. – O banheiro é meu antes, deus grego.
E, antes que ele percebesse o que estava acontecendo, ela saiu correndo e se trancou no recinto. Portanto, lá ficou ele: com cara de pastel e sem banho.
Enxaguando os cabelos, estava indignado que ela fora a primeira mulher que resistira quando ele resolvera jogar todo seu charme. Ou melhor: a primeira que não notara. Enquanto a espuma aumentava em sua cabeça, ele só conseguia se questionar uma coisa: como fora se apaixonar por uma mulher tão perdida? E como, pelo Universo, faria com que ela notasse aquilo sem ter que ser tão brusco quanto uma pata de elefante?
Tênis. era bom de tênis e, pelo que sabia, também era. Sempre falaram que iam marcar um dia para jogar tênis, mas nunca tiveram a oportunidade. Naquele momento, entretanto, não havia mais desculpa.
Apesar do frio e da neve, a quadra fechada do hotel era climatizada, facilitando na escolha de roupas. Foi a primeira vez que ele a viu em uma saia tão curta – com um shorts mais curto ainda por baixo, clássico de jogadoras de tênis – e achou extremamente injusto.
Não que não gostasse do fato de que ela estava usando uma minissaia. Muito pelo contrário: adorou poder observar as longas e belas pernas de enquanto ela não notava. Porém era esse o problema. Novamente era ele com olhos somente para ela e nada de ter olhos somente para ele.
Mas estava decidido a virar o jogo.
- Você tá fazendo o movimento errado, . Tá tudo bem? – Ele perguntou se aproximando da rede após metade do set.
- Meu pulso está doendo. – Ela torceu o nariz, segurando a raquete com mais força. – Não sei se vou aguentar jogar muito tempo.
- Você jogou bastante ontem. Mas conheço algumas maneiras de jogar que melhoram a dor, quer que eu te ensine? – Ele nem aguardou a confirmação animada da moça, simplesmente deu a volta na rede e foi até ela, parando atrás de .
- Olha, eu tô fazendo o movimento assim...
- O jeito que você tá segurando a raquete é meio ruim. Se você mudar um pouco a posição da sua mão e repetir o movimento...
ia segurar a mão de e ajudá-la a repetir o movimento, ficando o mais próximo possível do corpo dela. Se a moça parasse de sorrir e a frequência da respiração aumentasse, poderia ter certeza de que ela se sentia como ele.
Porém fez o movimento bruscamente, quase acertando com a raquete. A sorte é que ele teve a presença de espírito de se esquivar.
- ...? – Ela se virou vagarosamente, com uma sobrancelha erguida. – Eu te acertei?
- Não. Por pouco. – Ele comentou sinceramente e com um sorriso levemente irritado nos lábios. Em seguida, pegou a mão dela e a ajeitou na raquete. Mantendo distância. – Segura assim. Vai ser melhor.
- Obrigada, . – E deu um sorriso amável enquanto ele voltava para seu lado da quadra.
Jogaram durante mais algum tempo até começarem a suar. Ao ver a pele dela brilhando com as gotas de suor, teve uma idéia que achara genial. Então, em um set, ao pararem por um tempo para que ela pudesse se preparar para sacar, usou a própria blusa para limpar o suor da testa – levantando-a sem cerimônia e demorando-se para abaixá-la, a fim de dar a uma boa visão de seu peitoral levemente suado após o jogo.
E, quando abaixou a blusa, somente se deparou com a mulher se preparando para sacar.
- É melhor você estar pronto, porque meu smash vai ser de matar! – Ela comentou do outro lado da quadra. – Eu não terei nem um pouco de misericórdia de você!
notou aquilo muito bem. Ao fim do jogo, lá estava ele, completamente suado e com a blusa branca colada em todos os músculos do seu corpo. Ele só queria voltar para o quarto, tomar um banho e se estirar na cama, totalmente destruído.
Mesmo assim, tinha esperanças de que ela ia comentar algo da blusa dele. Afinal, outras mulheres que estavam jogando na quadra ao lado já tinham começado a lançar olhares safados para ele.
- Eu deixo você tomar banho antes hoje. – passou por ele com um sorriso brincalhão nos lábios. – E vê se coloca essa blusa pra lavar, . Tá bem porca.
E ela saiu praticamente saltitando de volta para o quarto. somente suspirou e ficou alguns segundos encarando o teto, pronto para sair encharcado da quadra quentinha para o frio do lado de fora.
Talvez ela não tivesse visto quando ele levantara a blusa. Talvez ela não tivesse visto nada do que ele tinha feito ou falado. se recusava a acreditar que somente o via como um amigo: preferia acreditar que ela realmente era muito tonta quando o assunto era flertar e provocar. Afinal, havia dias que ele a estava provocando e não obtivera nenhuma reação decente.
Enquanto se enxugava, entretanto, pensava que precisava tomar atitudes mais diretas, que não deixassem tanto na dúvida. Se flerte indireto definitivamente não era o forte de , pelo menos ela entenderia algo mais direto. E ele poderia analisar melhor as reações dela daquela maneira.
Sendo assim, colocou somente a calça do pijama e saiu do banheiro sem blusa, enquanto enxugava os cabelos com a toalha. Ia fingir que tinha esquecido a camiseta do pijama na mala e daria um jeito na blusa que estava no banheiro depois.
Logo que saiu, percebeu que desenhava em seu sketchbook enquanto descansava na cama. Também percebeu que os olhos dela foram imediatamente para ele quando a porta do banheiro se abriu. fez questão de segurar o sorrisinho safado que teimava em surgir em seus lábios.
- , só toma cuidado pra não pingar no tapete. – Ela comentou após alguns segundos encarando-o. – Se não, pode mofar e eu duvido que a empresa vai querer cobrir esse gasto. Vão cortar do nosso salário.
E, depois de piscar para ele, voltou a desenhar em seu sketchbook.
Mal percebeu que ele a encarava da maneira mais indignada do Universo.
estava começando a perder as esperanças.
E nem sabia que ela se concentrava em desenhar um jogador de tênis, com a mesma constituição física dele, limpando o suor da testa com a própria blusa – enquanto a própria reprimia um sorrisinho um tanto envergonhado e decididamente alegre.

Jardins Secretos
- Você ainda não desistiu da chave? – rolou os olhos, enquanto era praticamente arrastado por até um ponto distante no enorme canto aberto do hotel.
Ela simplesmente agarrara a manga da blusa dele e saíra andando. No ponto em que estavam, ele nem discutia mais: simplesmente a seguia de maneira desengonçada até conseguir se equilibrar novamente e coordenar os próprios passos com os dela.
- Não tem nada a ver com a chave. – respondeu com uma breve risada na voz. – Mas achei algo muito interessante hoje. Vai valer a pena.
Enquanto ela falava, ajeitava a própria mão e fez com que ela soltasse a manga da blusa, envolvendo os dedos de com os próprios dedos. Como a moça não falara nada e simplesmente continuara de mãos dadas com ele, tomou aquilo como um bom sinal, caminhando calmamente atrás dela com um sorriso satisfeito no rosto.
E tentando não parecer mais alegre do que o necessário.
- Aqui. – E a moça finalmente parou, apontando uma trilha de pedras quase totalmente encoberta pela neve, que levava a algum lugar que não dava para enxergar por entre as árvores secas e vários arbustos esbranquiçados ao redor. – Você já tinha percebido isso antes?
- Não! – Nesse momento ele estava realmente interessado, tentando enxergar o que havia mais ao fundo. – Sempre achei que aqui fosse mata fechada, nunca tinha visto as pedras. Como você percebeu?
- Uma das bolinhas de tênis escapou das minhas mãos e rolou para cá. Daí quis mostrar para você antes de me aventurar no desconhecido. – Ela brincou, fazendo um pouco mais de drama do que o necessário e resultando em risadas da parte dele.
- Lembre-me de agradecer à sua bolinha mais tarde. – piscou para ela e começou a andar em direção à trilha, mal notando o tom rosado que surgiu nas bochechas de . Quando se aproximou da estreita entrada entre os galhos de árvore, olhou para as mãos deles e sorriu para a moça. – Vamos?
- Vamos! – Ela respondeu provavelmente mais animada que ele, já se colocando próxima de .
Assim que estava perto, ele começou a abrir caminho entre os galhos das árvores com o braço livre, adentrando a mata mal cuidada. A moça vinha logo atrás dele, aproveitando o espaço aberto por .
Porém, aquela tática não durou muito tempo. Não chegaram nem na metade do caminho e o cabelo dela já estava enroscado em um galho afiado, fazendo-a parar enquanto ele continuou a caminhada. somente parou quando notou que a mão de o puxava para trás.
- Acidente de percurso. – Ela apontou para o próprio cabelo enroscado com a mão livre. Ele riu e se aproximou novamente dela, soltando a mão da moça.
- Você não estava com seu gorro hoje de manhã? Aquele vermelho de orelhas? – perguntou enquanto desenroscava cuidadosamente o feixe de cabelo. somente aguardava pacientemente; com a respiração batendo levemente no pescoço dele.
- Um passarinho tentou arrancar meu pom pom do topo da cabeça após o café da manhã. – Ela comentou com um suspiro, fazendo-o rir imediatamente. – Depois dessa, tive que relegar o gorro vermelho somente para a função de andar dentro do hotel.
- O passarinho provavelmente pensou que você era alguma frutinha e queria te levar para o ninho... – Ele respondeu e finalmente terminou o que estava fazendo. – Prontinho!
- Ah, bom. Eu te disse, né? Sou gostosa como um mochi, até os passarinhos sabem disso! – comentou com uma risada enquanto alisava o cabelo. – Obrigada, .
- Até eu sei disso, senhorita mochi. – aproveitou o momento para dar uma de suas indiretas não tão indireta assim.
Percebeu, entretanto, que as bochechas dela ficaram mais coradas do que o normal enquanto ria, porém achou que era por causa do frio e não por conta da frase. Assim, resolveu somente segurar a mão dela e fazer com que ficasse à sua frente, próxima do corpo dele.
- Acho que assim vai ficar mais fácil para abrirmos caminho por aqui. – Ele comentou casualmente, enquanto ela somente concordava.
- Você tira os galhos mais altos e eu os da frente. Pode ser? – fizera a pergunta porém não esperara uma confirmação, já sabendo que responderia um rápido e animado “sim”.
Mal perceberam quando repousou uma de suas mãos no quadril de para que caminhar juntos se tornasse uma tarefa mais fácil. Era tão natural e automático ficarem próximos daquela maneira que somente notariam se realmente parassem para pensar naquilo.
Porém, o que descobriram ao fim da trilha foi tão maravilhoso que não tiveram tempo de notar mais nada.
Um jardim secreto.
ficou parado logo atrás de , ainda com a mão na cintura dela, completamente pasmo com a visão daquele lugar. Ela, com as costas apoiadas no peito dele, ficou boquiaberta, ainda segurando um galho seco para longe do rosto de .
Parecia que ninguém ia naquele lugar há anos. Tudo estava parado no tempo: as árvores congeladas, a neve fofa e brilhante no chão, o lago congelado embaixo de uma pequena ponte escarlate coberta de neve. Alguns pássaros perdidos voavam aqui e ali, além de que tudo parecia encoberto por uma fina névoa dourada da pálida luz do sol de inverno. Tinham a impressão de que uma gueixa ia aparecer a qualquer momento e atravessar a ponte, convidando-os para uma cerimônia do chá a ser realizada nos bancos de madeira de cerejeira sob as árvores feitas de gelo.
- Você achou o lugar mais lindo do mundo. – finalmente comentou.
Os dois somente trocaram olhares e começaram a sorrir. Após mais alguns momentos observando aquela beleza congelada, resolveram dar passos tentativos na neve – como se a presença deles ameaçasse destruir aquela graça atemporal. Separaram-se aos poucos, mal percebendo que não se tocavam mais. Entretanto, ambos se aproximaram e atravessaram a ponte ao mesmo tempo – com dando passagem para que ela caminhasse à frente dele.
Ele gostou daquela posição. Quando alcançaram o outro lado do lago, no qual havia bancos de madeira e trilhas de pedra encobertas pela neve brilhante, fez questão de permanecer atrás de . Assim poderia observá-la melhor e não conseguiu evitar um sorriso bobo de aparecer em seus lábios.
Tinha certeza de que se estivessem naquele jardim durante a primavera, nem a mais bela das flores se compararia a . Ela própria parecia a pétala de uma flor esvoaçando pelo vento, encantada com a beleza do jardim secreto.
Por um momento, ele ficou até com medo de que tudo aquilo não passasse de um sonho.
Mas parou de se preocupar quando virou para ele com um sorriso enorme no rosto.
- Eu não te disse que ia valer a pena?
- Você tem razão em relação a muitas coisas, deusa. – Ele comentou e volta com um pequeno sorriso nos lábios. Sim, desde aquele dia na sacada começara a chamá-la descaradamente de deusa. Afinal, sempre achava que ele estava brincando mesmo, então não faria mal. – Menos em relação à comida. Nisso aí, você tem gostos muito peculiares.
- Para de me zoar por causa das minhas aventuras culinárias de cozinhas típicas. – Ela respondeu de maneira levemente ameaçadora, aproximando-se do lago. – Você também é bem estranho com essa sua mania de pimenta.
- É você que não aguenta pimenta! – respondeu dando de ombros e rindo enquanto a seguia até a água congelada. Parecia um enorme painel de vidro intacto.
- Olha aqui, senhor pimenta malagueta, eu aguento sim. – E se virou para ele na beirada do lago, com as mãos na cintura. – Mas o que você come é o próprio fogo do inferno, meu querido.
- Ah, aí você já está...
Mas, antes que pudesse terminar de falar, um dos pés de escorregou e pisou fortemente na superfície congelada do lago. Ela conseguiu se equilibrar sem cair, porém ambos ouviram o som de algo rachando – como uma casca de ovo prestes a quebrar.
- ...! – Ela mal conseguia falar. Se aquele gelo rachasse e caísse dentro do lago, provavelmente parariam no hospital, pois ela ficaria com uma séria hipotermia.
- Calma, ! Não se mexe! – E correu imediatamente na direção dela, segurando o braço de fortemente. Nisso, ouviram novamente o som do gelo prestes a rachar.
não pensou duas vezes: envolveu a cintura dela com o braço e puxou com toda a força que tinha. Logo que o pé dela saiu do lago, o gelo se rachou em diversos pedaços, abrindo um buraco escuro na superfície vitrificada. Os dois cambalearam de maneira desajeitada até cair na neve fofinha perto dos bancos de madeira que analisaram anteriormente.
- Você tá bem...? – Ele perguntou imediatamente, com a respiração entrecortada e se apoiando em um braço, enquanto a mão livre tirava os cabelos de do rosto.
- Estou, estou...! E você...? – Ela perguntou de volta, ainda deitada na neve e procurando o rosto de com uma das mãos.
Quando ele finalmente terminou de tirar os feixes de cabelo de do rosto, os olhos deles se encontraram. E nenhum flerte do mundo poderia fazer com que ela se sentisse da maneira como se sentiu naquele momento. Se tinha dúvidas sobre como a moça se sentia anteriormente, não teve dúvida alguma quando a mão dela repousou sobre a bochecha dele e os olhos de brilharam mais do que estrelas.
Finalmente, não teve o receio de beijá-la. Assim que notou o olhar de , aproximou-se do rosto dela e juntou seus lábios aos macios lábios da moça. O calor do beijo contrastava com o leve vento gélido que os atingia. A mão de parecia queimar entre os cabelos de . A mão suave e quente dela somente deixava aquele beijo mais aconchegante para ele.
O tempo pareceu congelar, assim como tudo naquele jardim secreto.
Ao se separarem, sentindo a respiração quente do outro contra suas peles gélidas, e se observaram durante alguns segundos e, em seguida, começaram a rir.
- Você quer que eu te conte quantas indiretas tentei te dar? – Ele finalmente perguntou, fazendo-a rir e corar mais que antes.
- Não. Eu tenho até vergonha de pensar em uma coisa dessas! – jogou a cabeça para trás, para que não pudesse vê-lo nos olhos ao pensar em tudo aquilo.
Ainda estava um tanto desnorteada com tudo que tinha acabado de acontecer, mas a chance colocou algo em seu caminho para fazer com que processasse tudo com calma: embaixo de um dos bancos, havia uma chave.
- Ei, espera...! – Ela exclamou e, esticando um dos braços, pegou o que era a chave de um quarto, com o número 1 escrito. – , acho que...
- Você está brincando...! – Nem ele conseguia acreditar. – É a chave do quarto?!
- Acho que sim! – respondeu empolgada. Ambos trocaram olhares e caíram na gargalhada, jogando-se na neve.
Agora sim, o destino e a chance estavam contentes com seu trabalho.

Beautiful
Existem duas visões para o último mês do ano: o fim de algo ou o início de algo novo. De qualquer maneira, ambas as visões são importantes. Se e realmente sentassem e pensassem – durante aquelas férias naquele luxuoso quarto asiático belamente decorado e reservado só para eles – notariam que Dezembro trouxera as duas coisas: o fim de uma vida sozinha e o início de uma vida em conjunto.
Obviamente, nenhum dos dois parou para pensar na vida. Já contentes com a solução do dilema da cama – afinal, dormir na cama de casal virou algo automático, apesar de nada ocorrer além de conversarem até cair no sono – utilizaram o tempo que tinham para entender de onde vieram aqueles sentimentos e realmente se comportar como um casal, não como um par de amigos como sempre fizeram.
Alguns dias antes de ir embora, entretanto, decidiram aproveitar o bendito quarto que fora tão difícil de achar a chave. Enquanto esperava sair do banho – após ele próprio tomar banho e se enfiar em um roupão branquinho e felpudo que havia no quarto – ele aproveitou para pedir algo para comerem. O céu já estava escuro e em alguns dias aquele ano seria deixado para trás.
- Nossa, esse roupão é um pedaço de nuvem! – comentou logo ao sair do banheiro, deixando o vapor se espalhar pelo quarto.
E encontrando com a mesinha da comida já posta no meio do quarto.
- Não é possível. – Ele comentou, realmente incrédulo. – Você sabe quando a comida chega. Não é possível!
- A comida acabou de chegar? – Ela perguntou já rindo e se aproximando do monte de guloseimas que ele havia pedido.
- Sim. O garçom acabou de fechar a porta do quarto. – E ele colocou as mãos na cintura. – Você ouviu a gente conversando, não?
- Nope. – Nisso, começou a fuçar o que ele tinha pedido.
Mas, nesse exato momento, sentiu um aroma familiar logo que ela se aproximou. Pareceu um pouco chocado, mas sorriu logo em seguida.
- Dama da Noite.
- Oi? – E ela parecia confusa. – Ah, sim. É o meu perfume.
- Não acredito... – balançou a cabeça, rindo consigo mesmo.
- O que foi?
- Há bastante tempo atrás, eu senti esse cheiro na sacada da empresa de madrugada e fiquei semanas procurando o arbusto de dama da noite.
- Espera aí... – E foi a vez de ficar chocada. – Então você estava na empresa naquele horário? Por um mero acaso a música tocando era sua?
- Nossa. – E ficou com uma expressão vazia durante alguns segundos. – Eu achei que não tinha ninguém por lá e deixei a porta aberta. Desculpa se te atrapalhei.
- Atrapalhou?! Eu fiquei procurando o desgraçado que fez aquela música durante séculos! – Ela começou a rir imediatamente. – Você não faz idéia! Cheguei até a desistir, pois achei que tinha imaginado coisas de tão tarde que era!
- Então quer dizer que a gente vem se procurando durante todo esse tempo? – finalmente constatou o óbvio.
Os dois começaram a rir e finalmente concluíram que havia alguma força maior trabalhando, pois aquela situação em que se encontravam parecia impossível.
- Olha, eu só vou acreditar que você é o homem do meu destino se você pediu alguma comida sucesso. Se não, nada feito. – comentou de maneira dramática, como se a relação deles dependesse daquilo.
- Fecha os olhos. – nem se assustou. Simplesmente ficou lá, aguardando, até ela finalmente fazer o que ele tinha pedido. – Agora abre a boca.
- Eu juro que se você me der uma pimenta... – já começara a praguejar enquanto ele preparava a comida. O que fez com que começasse a rir imediatamente. – Eu trucido a sua pessoa.
- Ah, mas pimenta é tão bom. Você que é fraca demais.
- ...
Mas nem conseguiu terminar sua ameaça. a segurou pelo queixo, abrindo gentilmente a boca da moça e dando a comida misteriosa para ela morder.
E quando constatou que era morango com Nutella, abriu os olhos e se controlou para não começar a rir antes de terminar de mastigar e engolir tudo.
- Satisfeita? – Ele perguntou com um sorrisinho convencido no rosto.
- Você é bem presunçoso quando quer, não? – Ela disse de volta, somente para não dar o braço a torcer. Pegou um pouco da Nutella e manchou o nariz dele, rindo. – Muito satisfeita. Você é maravilhoso, .
- Você sabe que vai ter que lamber isso daí agora, né? – perguntou com uma sobrancelha erguida, porém sorrindo por causa do elogio.
- É só limpar... – Mas, antes que ela pudesse terminar de falar, foi agarrada por ele. – ...!
Não adiantava falar muita coisa: ou ela lambia a Nutella ou sofreria as consequências. Metade dela estava curiosa para saber quais seriam as tais “consequências”, mas a outra metade não conseguia resistir ao creme de avelã. terminou entre a parede e , com ele segurando os braços dela em cada lado de seu corpo, o rosto próximo ao da moça e de olhos fechados, esperando que ela limpasse a Nutella.
não pensou duas vezes: lambeu cada resquício do creme de avelã, mas logo mudou a atenção para os lábios de – que podiam ser considerados mais deliciosos que o creme em si.
Ele próprio não demorou a escorregar as mãos pelo corpo dela, parando-as na cintura de enquanto ela repousava ambas as mãos nas bochechas de . Após alguns beijos, ele resolveu morder levemente o lábio inferior dela, dando um pequeno sorriso logo em seguida.
- Gostosa que nem um mochi. – comentou, provocando uma breve risada em .
O que não durou muito, pois logo ele passou as mãos pela parte de trás das coxas da moça e fez com que ela tomasse impulso para enroscar as pernas em torno da cintura dele. Era a primeira vez que as mãos dele entravam em contato com a pele dela em um lugar tão sensível – sendo que não conseguiu evitar alguns suspiros.
Contra a parede, ela enroscou os dedos nos feixes de cabelo de , puxando-o de leve e fazendo com que ele pendesse a cabeça para o lado – no que começou a dar pequenas mordidas pelo pescoço de . Ele tentou evitar, porém não conseguiu segurar alguns leves gemidos roucos.
- Quem diria... Noz de macadâmia também é deliciosa. – sussurrou no ouvido de , seguido de mordidas no lóbulo da orelha. Em seguida, distanciou-se um pouco para poder olhá-lo nos olhos. – Ou será pimenta malagueta?
- Engraçadinha. – Ele respondeu com uma risadinha sarcástica, mas sorriu antes de voltar a beijá-la. – Se segura com força, .
- Ok, . – E logo que confirmou, a ajeitou em volta de si e começou a carregá-la para a cama.
a deitou com todo o cuidado na cama macia, segurando-se sobre com seus fortes braços de cada lado da moça. Ele voltou a beijá-la enquanto abria vagarosamente a faixa que segurava o roupão dela fechado – sendo que o próprio roupão dele já estava aberto o suficiente para ver quase todo o peitoral.
- Sabia que você é muito linda? – Ele perguntou em um tom baixo, quase como um sussurro. A cada frase que falava, dava um beijo em uma parte diferente do corpo de . – Maravilhosa. Mais até do que a estrela mais brilhante no céu... Eu tenho quase certeza de que tudo isso... Não passa de um sonho. Porque é muito bom pra ser verdade.
segurou a cabeça de com ambas as mãos, puxando-o do ponto que ele beijava a barriga dela até a altura dos olhos, a fim de observá-lo enquanto falava.
- Eu também achei que era. Mas não é, ... – E parou de falar para dar um longo beijo nos lábios dele, como se quisesse que o tempo parasse novamente como da primeira vez que se beijaram no jardim secreto. – É uma das raras situações em que a vida real é melhor do que um sonho.
Ele sorriu e voltou a beijá-la enquanto se ocupava em abrir o roupão de . A comida que ele pedira podia esperar.

Há dias em que a luz do sol pode brilhar no mais belo tom de dourado e nós não vamos nos contentar: tudo parece cinza e sem graça. Porém, há outros dias em que o sol nem está brilhando com tanta força – na verdade, parece até com medo de sair debaixo das nuvens para o céu gelado de inverno – mas temos a impressão de que seu dourado não poderia ser mais belo.
Naquele dia especificamente, o sol brilhava em um tom de amarelo pálido sobre a neve brilhante, os galhos negros das árvores secas contrastando com o céu branco e levemente amarelado. Porém, para , aquela era uma das manhãs mais belas que tinha presenciado nos últimos anos.
Não se sentia feliz daquela maneira há eras. Com sua enorme caneca de chá em mãos – já que o quarto era tão bem equipado que conseguiu esquentar a água logo que acordou, sem incomodar – ela se sentou no chão, próxima a uma grande janela redonda de bambu.
Levantou-se para pegar mais uma caneca de chá, sem antes dar uma última observada na paisagem branca e cintilante que se estendia do lado de fora. Entretanto, antes que pudesse se virar, sentiu os braços de envolvendo-a pela cintura – em um abraço suave, que não era nem muito forte, nem muito fraco – e apoiando o queixo no topo da cabeça dela.
- Bom dia, mochi. – Ele comentou com um sorriso bobo no rosto, quase cantarolando a frase em uma voz rouca. riu da empolgação matinal de .
- Bom dia, senhor . – E ela fez questão de repousar as mãos sobre as dele, massageando-as levemente enquanto os dois observavam a bela paisagem em silêncio.
Até que ela percebeu algo que estava incomodando-a levemente.
- ... Por que você não me abraça mais forte?
E teve que aguardar a resposta durante um breve momento de silêncio.
- Porque eu tenho medo de te quebrar.
- Ah, mas você não ficou preocupado com isso ontem à noite, né? – retrucou, fazendo-o rir e esconder o rosto entre o pescoço e os cabelos dela. – Mas tudo bem... Eu nunca vou quebrar nos seus braços.
Assim, com uma breve risada da parte dela e um beijo no pescoço da parte dele, a abraçou com toda a força que queria.
Para a maioria das pessoas, o frio incomodava até os ossos e o sol estava morto naquele dia. Porém, para e , nenhum outro dia poderia se comparar com aquele: o sol pintava tudo de dourado e a neve resplandecia como pequenas estrelas, paradas durante o dia para que somente eles pudessem observar.

Hanamatsuri
- Você tem certeza absoluta de que esse era o caminho? – perguntou ainda observando o mapa.
Sim, mapa. Porque o GPS tinha parado de funcionar algumas horas antes. Umas cinco horas antes.
- Tenho. Eu estudei o mapa durante horas antes de vir pra cá. – lançou um olhar de poucos amigos enquanto dirigia o carro e parecia mais perdido do que calcinha em lua de mel.
Mais de dois anos haviam se passado desde a primeira vez em que se beijaram no jardim secreto. Muitas coisas se seguiram – brigas, reconciliações, apartamento compartilhado, dias cansativos no trabalho, aventuras culinárias, provocações entre sorrisos – mas uma coisa continuara igual: o tempo parecia parar quando estavam juntos.
Não importava se era um momento importante ou somente um almoço corrido antes de voltar para o trabalho. O tempo parecia congelar como a paisagem do hotel no inverno.
E, falando no hotel, era exatamente para lá que resolveram ir, porém em plena primavera.
Ou melhor: era para lá que tentavam ir.
- . Acho que você marcou a entrada errada. – teve que se manifestar.
- Claro que não! Já disse que chequei o caminho, a entrada era essa do mapa...! – tentava mostrar no mapa e olhar a estrada, tudo ao mesmo tempo. Ela somente escondia o riso.
- A entrada é a primeira, não a segunda. Se formos na segunda, vamos parar em qualquer lugar, menos no hotel. – Ela comentou antes que ele pudesse continuar insistindo. – Aqui ó! Tá vendo a placa?
E lá estava uma plaquinha de estrada com o nome do hotel e uma seta indicando para entrar em uma estrada de terra. Na primeira entrada, conforme dissera.
- Ah. – Foi a única coisa que ele comentou antes de ficar com sua clássica expressão de pastel e entrar na estradinha. – Eu marquei a segunda...?
- Yep. A segunda. – Ela apontou assim que ele se virou rapidamente para checar.
E continuou com a cara de pastel enquanto dirigia com os olhos fixos na estrada. Toda sua irritação havia sumido e ele não sabia ao certo o que estava sentindo. Só sabia que se controlava para que o pequeno sentimento de vergonha no fundo de seu estômago não tomasse o resto do corpo e o deixasse com as bochechas vermelhas.
- Sabe que eu adoro quando você fica com essa cara de poste? – perguntou repentinamente e se inclinou no banco para dar um beijo estalado, porém relativamente demorado, na bochecha dele. – Exatamente como da primeira vez que eu te vi.
- Você vai eternamente me chamar de poste, né...? – riu sentindo o beijo dela espalhando uma sensação de alívio por todo seu corpo, apesar de não conseguir controlar o calor nas bochechas.
somente começou a rir. Adorava quando ele ficava daquela maneira. Para ela, nada podia ser mais bonito.

Não podiam negar que voltaram ao hotel na primavera somente com um intuito: visitar o jardim secreto no ápice de seu esplendor.
Quando comentaram na empresa sobre o lugar, descobriram que o funcionário do hotel que escondera a chave era o único que sabia da existência de tal jardim – o local favorito da esposa falecida do dono do estabelecimento. Depois que ela se fora, o homem parou de cuidar das plantas, deixando-o à própria sorte. Porém, parecia que o jardim cuidava de si mesmo... Ou talvez a própria mulher tivesse permanecido lá para cuidar das suas queridas plantas.
Honestamente, nunca saberiam ao certo.
arriscou-se em colocar um vestido que parecia um quimono mais curto de tom cinza azulado, ricamente decorado com flores brancas, cor de rosa e vermelhas, com um obi rosa claro, roxo e levemente decorado com fios dourados amarrado na cintura. Prendeu o cabelo com um grampo no qual havia um arranjo de flores douradas e laranja claro que cascateavam até seu pescoço e saiu do quarto com um sorriso imenso no rosto.
- E aí? Acho que essa é a melhor roupa que eu coloquei em anos! – comentou de maneira brincalhona, mas tudo que ele conseguia fazer era observá-la um tanto pasmo. A moça até parou de sorrir com os momentos de silêncio. – Se você não gostou, eu posso trocar...
- Não! Desculpa, não precisa! Desculpa... – imediatamente começou a falar, segurando-a pela mão e começando a caminhar em direção à trilha que levaria ao jardim. – É que você tá muito bonita. Fiquei pensando se era você mesma ou se minha namorada tinha sido raptada por uma gueixa.
- Engraçadinho... – Ela rolou os olhos, porém deu uma breve risada. Não queria admitir que mesmo depois de todo aquele tempo junto com ele, ainda ficava levemente envergonhada com um elogio daqueles.
Atravessaram a conhecida trilha de pedras – agora cinza e aparente entre a relva verdejante – ansiosos para ver como o jardim estava depois de todo aquele tempo. imediatamente notou que o grampo com as flores em cascata não foi uma idéia tão boa, pois este ameaçava ficar preso a qualquer momento.
até teve que fazer uma pausa para desenroscá-la das folhas, exatamente como da primeira vez em que encontraram o local.
E, também como na primeira vez, ambos ficaram parados perto das árvores logo que chegaram e viram toda a beleza do jardim – entretanto, dessa vez, ele a abraçava por trás.
Era um festival de cores, plantas, flores e animais. Carpas brancas e cor de laranja nadavam energicamente pelo lago, passarinhos coloridos passeavam por entre as folhas verdes e as lindas flores rosadas de cerejeira – que se estendiam em cachos até tocar a água cristalina do lago. A ponte agora brilhava em vermelho, colorindo-se com o dourado do sol somente no topo. As cadeiras de madeira ficavam em uma clareira coberta pelos galhos das árvores e flores de cerejeira, que deixavam somente alguns raios de sol brilhar na relva verde como estrelas.
- ...! – começou a caminhar na frente dele, já seguindo para a ponte a fim de atravessá-la. a seguia pacientemente, ainda sem palavras. – Esse lugar é ainda mais bonito do que lembrávamos...!
andava extasiada à frente dele. Porém, somente quando chegaram à clareira é que começou a observá-la com mais atenção. Ela lhe parecia tão bela quanto da primeira vez em que entraram no jardim secreto. Pensando nisso, sorriu para si mesmo: de fato, nem a mais bela das flores do jardim, nem o mais gracioso cacho de flores de cerejeira se comparava à .
- Que foi? – A moça perguntou rindo quando percebeu o sorriso bobo no rosto de . Quando ele voltou a prestar atenção, ela estava brincando com um cacho de cerejeiras. – Você está com aquele seu sorriso tonto no rosto.
- A cara de poste? – Ele perguntou prontamente, fazendo-a rir. Até o próprio sorriu. – Estava pensando que, de todas as flores desse jardim, você é a mais bela, .
- Ah, obrigada. – respondeu enquanto ajeitava o grampo na cabeça. – Você também não fica muito atrás, . Na verdade, acho que esse lugar fica ainda mais bonito com você por aqui.
sorriu sinceramente. Colocou as mãos nos bolsos da calça e respirou fundo. Recentemente, certo pensamento já tinha passado pela sua cabeça, porém ele queria ter certeza. Mas ao vê-la ali, naquele local tão especial, sorrindo daquela maneira... não tinha mais dúvidas em seu coração.
- Ah, ... Tenho certeza que quero passar o resto da minha vida com você. – Ele disse lançando seu melhor olhar e falando no tom mais belo que sua voz conseguia fazer.
- O quê? – E ela franziu as sobrancelhas em resposta. O próprio ergueu uma sobrancelha. – Ah, sim. Eu também tenho. Não pensa que vai se livrar de mim facilmente, meu querido.
E, com uma piscadela, saiu passeando pelo jardim, procurando observar todas as flores e animais que habitavam o lugar.
permaneceu parado em seu lugar, em silêncio, durante algum tempo, com sua clássica expressão de pastel. Em seguida, começou a rir consigo mesmo. Ele havia acabado de declarar uma das coisas mais importantes da sua vida para e ela simplesmente saíra andando como se nada tivesse acontecido – provavelmente achando que ele estava brincando ou não tinha dito nada de mais.
Ainda rindo, foi até e segurou a mão da moça, para que pudessem passear juntos pelo jardim.
Bom... Ele teve que penar para finalmente fazê-la notar seus sentimentos. Não poderia esperar que pedi-la em casamento fosse muito diferente.


Fim.



Nota da autora: Ooooi, meu povo! Curtiram esse homem sofrendo pra pessoa mais AVOADA da face da Terra notar que ele gostava dela? Hahaha espero que vocês não tenham passado muita raiva.
E, antes que falem que é impossível ser assim, baseei essa fic quando minha prima comentou comigo que eu sou um zero à esquerda quando alguém aparece do meu lado com segundas intenções. Talvez eu seja pior que a personagem principal e só ficamos imaginando situações em que meu pobre futuro namorado vai sofrer nas minhas mãos xD
Tirando tudo isso, apelidei Beautiful de “fic terapêutica”. Sabe quando a vida tá meio “meh” e tudo que você quer é um pouco de amor, carinho, relacionamentos saudáveis e coisas fofas? Então. Essa fic é EXATAMENTE para esses dias. Podem se embrulhar em um cobertor, pegar uma caneca de chocolate quente e deixar a Beautiful te envolver como um abraço quentinho, porque esse é o intuito dela!
Espero que tenham gostado tanto quanto eu gostei de escrever! Se estiverem interessadas nas minhas outras fics e nos meus próximos projetos, deem uma passadinha lá no meu grupo do Facebook. Prometo que ninguém morde (e se tentar morder, eu coloco numa coleira ;D)
Ah, e sintam-se à vontade pra comentar, viu? Adoro ler todos e tento responder o mais rápido que a vida me deixa!
Beijos de Nutella!
XX
Disclaimer: Essa história é protegida pela Lei de Direitos Autorais e o Marco Civil da Internet. Postar em outro lugar sem a minha permissão é crime.
Não gosto de falar essas coisas, mas como já tive problemas antes, acho bom deixar avisado. Nem tudo que tá na internet é do mundo, minha gente. Quer postar em outro site? Fala comigo! Eu não mordo! Hahaha a gente vê de me dar o crédito e linkar para o original aqui no FFObs! Só me mandar um e-mail ou pedir aí nos comentários!






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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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