Finalizada em: 20/05/2021

Capítulo Único

O MUNDO ACABOU


arremessou o jornal com ferocidade contra a parede da sala de descanso do hospital, que parecia mais como uma casa nos últimos meses – chegava até a ser engraçado, de um ponto de vista cético e masoquista. Ele considerou o hospital um lar por anos, e tinha passado mais noites no beliche dentro daquele recinto do que no apartamento repleto de goteiras durante sua residência no Hospital Seattle Grace. Todavia, ultimamente, tudo que ele queria era correr para o mais longe possível dali. O moreno sempre acreditou que aquele lugar era mais um centro de cura que qualquer coisa; uma catedral, e não um cemitério. Certamente, coisas ruins ocorriam no Seattle Grace, assim como em qualquer hospital, mas lá vidas eram salvas, bebês nasciam, pessoas escutavam pela primeira vez com cirurgias milagrosas, cânceres eram curados, corações trocados. Mas não agora, não quando um vírus mortal se alastrava como uma praga, tornando todos os hospitais um lugar de contaminação potencial. De repente, todo o medo das pessoas perante um hospital fazia sentido para .
Acontece quando você tem que declarar duzentas mortes em um dia.
Apenas o título daquela notícia exagerada era o suficiente para empurrá-lo da beirada do precipício. Em que mundo estavam vivendo para que uma manchete sensacionalista se aproximasse tanto da verdade? Seu cérebro só conseguia girar em torno de um pensamento: “Não era justo. Não devia ter outra versão da peste negra, não devia ter uma segunda onda tão calamitosa quanto a primeira. Essa doença nem devia existir. Deus, eles nem conseguiam entender a origem desse vírus ainda.”
sentou-se no sofá que se encontrava dentro do recinto, ignorando o rangido em protesto que o objeto emitiu. O cirurgião pediátrico arrancou a máscara e as luvas com rigidez, sem ligar se elas iriam rasgar ou não no processo, e as segurou com força entre os dedos – apesar de ele ter plena consciência de que todo equipamento de proteção no hospital era escasso, praticamente sendo racionados. O mundo estava em chamas em cada país, em cada cidade. Mesmo com as vacinas produzidas em tempo recorde, a medicina simplesmente não era mais suficiente para fazer as pessoas pararem de morrer. Os corpos estavam empilhados em covas comunitárias e caminhões de carne congelada ainda se encontravam estacionados na parte de trás do hospital, famintos por mais mortes como se uma guerra estivesse acontecendo. E ainda havia uma guerra acontecendo no Oriente Médio.
Como chegou a esse ponto?
grunhiu, escondendo a cabeça em suas mãos, numa tentativa de acalmar a raiva que tremia seu corpo pelo menos dez vezes ao dia; revoltante, descomunal, gritante.
Ele continuava perdendo pacientes como quem perde moedas na rua ou as chaves. era um bom médico, na verdade, ele era excelente. A primeira coisa que citava quando pediam para ele dizer algo sobre si não era seu nome, sua idade, ou de onde ele era. A resposta de era simples: “eu sou um médico, um dos bons”. Ele raramente perdia mais de um paciente em um dia, e suas cirurgias pediátricas eram inovadoras a ponto de serem exemplos nacionais.
Agora, ele tinha que se preparar para dizer a um pai que seu filho estava em um estado irreversível, duas horas depois de ter dito a ele que sua mulher não tinha resistido.
Serena Willis, Jacquin Willis e Jack Willis. Ele nunca se esqueceria desses nomes.
Ele riu sarcasticamente do seu próprio pensamento:
— Até parece que é verdade.
— O que é verdade? — perguntou, se fazendo presente no recinto. A doutora Kepner havia dito que estava estressado, mais do que o normal, e indicado a direção por onde ele tinha saído “bufando igual um porco”, pelo que tinha dito.
— Quando entrou aqui? — levantou a cabeça, encontrando os olhos da sua esposa; a preocupação transbordando em suas íris castanhas.
— Uns dez segundos atrás. Ainda bem que você é velho e gosta de coisas antiquadas — ela respondeu em um tom zombeteiro e esgueirou-se para sentar ao lado dele, enquanto tirava a própria máscara. Só a visão dela, com a expressão cansada, um sorriso doce nos lábios e o cabelo bagunçado em um rabo de cavalo era suficiente para acalentar sua alma inquieta por alguns segundos.
— Eu sou cinco anos mais velho que você — ele arqueou a sobrancelha, o aperto na máscara de plástico relaxando. suspirou com cansaço. — É, não dá pra arremessar um celular toda vez que eu ler uma notícia.
— Como eu disse, velho deu uma risada gentil, o que trouxe um sorriso involuntário ao rosto dele.
Aquela risada era o motivo de ele ter decidido pedi-la em casamento assim que se conheceram: tudo que a doutora teve que fazer para conquistar foi rir. Aliás, sempre ria. Ela era uma otimista nata temperada com realismo. Se chovesse, ela não diria o que vem depois da chuva; Doutora , agora -, simplesmente iria sugerir que aquela água aguaria as plantas, ofereceria alívio para regiões quentes, e que era uma ótima desculpa para se atrasar para o trabalho, ignorando os sapatos sujos e o trânsito – ela gastaria os minutos extras colocando todos os CDs da Taylor Swift para tocar, o que faria parar de reclamar sobre o trânsito e iniciar resmungos sobre as músicas, que logo se dissipariam para cantando cada verso com ela. Ele estava perdido desde o primeiro segundo.
Remanescer nisso era o que o impulsionava a continuar, apesar do mundo doido em que estavam vivendo. Entretanto, ele não teria que se apegar tanto a vislumbres de alegria e de qualquer coisa que remetesse ao antigo normal se tudo estivesse bem; se metade dos seus pacientes não estivessem morrendo sem a chance de lutar e a outra metade estivesse com medo demais de ir ao hospital e morresse em casa. A fúria se deslocou furtivamente por suas veias de novo.
franziu o cenho, notando a feição descontente do seu marido. Ela podia lê-lo como uma revista ou um dos seus livros prediletos.
— Era a notícia que estava te preocupando?
— Pode apostar — a mulher de olhos castanhos descansou a mão em seu ombro, tentando oferecer conforto a . Ele balançou a cabeça, sua próxima frase banhada com escárnio: — Todo mundo vai morrer.
Ela o repreendeu:
, não é assim.
— Sério, ? Não é assim? Quantos óbitos você teve que declarar hoje?
— Isso não vem ao caso…
— Eu tive que declarar duzentos. As pessoas estão morrendo sozinhas, disputando respiradores. A Grey entubou uma paciente hoje com o último respirador. Agora a gente tem que torcer para que alguém melhore ou morra para liberar outro — seus ombros se enrijeceram à medida que proferia as palavras em uma mistura de pavor e ira e descrença. nunca tinha visto seu marido assim antes, tão sem esperança. Ele sempre achava que podia melhorar, sempre achava que havia outro jeito, que ele podia se meter e salvar, não importa quem ou o quê. Agora, ele gritava como se estivesse em uma rua sem saída. — Tem caminhões de sorvete com corpos. Tem um monte de idiotas que acham que a doença é algum tipo de teoria conspiratória e que não querem tomar a vacina porque acham que tem um chip dentro dela — ele riu sem humor, encarando o quarto ao seu redor. As mesmas velhas paredes azuis, a mesma escrivaninha marrom, o mesmo beliche com colchões desconfortáveis. A diferença era que ele não olhava aquele lugar com alívio de descanso. só imaginava se inundar de álcool em gel assim que saísse pela porta. Ele se virou para : — O que você quer que eu diga? Quer que eu sente aqui e comece a choramingar quando eles estão morrendo? Não tem tempo pra isso, não mais.
Antes que ela pudesse responder, seus pagers apitaram em uníssono. Alguns meses atrás, aquele barulhinho fazia internos correrem animados pelos corredores do hospital e os médicos atendentes esfregarem as mãos em antecipação. Os pagers tocando assemelhava-se tremendamente com a trombeta de Gabriel tocando para anunciar algo magnífico. Hoje em dia, parecia uma trombeta do apocalipse. Aquele som era quase um atestado de óbito antecipado.
De qualquer maneira, havia um trabalho a ser feito. Um olhar rápido bastou para indicar uma pausa naquela discussão. e puseram as máscaras de volta, correndo pelos corredores até a emergência, que havia se transformado em um centro de atendimento do COVID. Quando chegaram lá, um adolescente, por volta dos dezessete anos, estava cercado por duas enfermeiras e pela chefe Bailey, com o doutor Link da ortopedia olhando dentro de sua garganta com uma lanterna.
— Quantos anos ele tem? — perguntou para ter certeza, sabendo como seu marido iria reagir àquela situação.
— As vias aéreas estão muito estreitas… — Link murmurou para si mesmo, focado no garoto. — Preciso de um tubo menor, número seis.
— Dezessete — a enfermeira August respondeu, enquanto Betty entregava o objeto endotraqueal para o outro doutor. — Seu nome é Peter.
— Então, ele é meu paciente — pronunciou assim que Link terminou de entubá-lo. Ele se aproximou da maca, pronto para empurrá-la para outra ala, até que Bailey interrompeu-o, parando bem na sua frente. Mesmo com apenas um metro e cinquenta e cinco, ela era assustadora.
— O que você pensa que está fazendo, ? — ela exigiu uma explicação em um tom irritado.
— Levando meu paciente para fazer exames.
— Ele não é seu paciente, é do doutor Link.
— Ele tem menos de dezoito anos, então ele é paciente da pediatria. Quando completar aniversário, eu bato parabéns e entrego ele para o Link — sorriu com sarcasmo, tentando novamente deslocar o paciente, mas Baily segurou a maca.
— Olha o jeito que fala comigo, . Quando eu comecei a te treinar, você ainda usava fraldas cirúrgicas — ela apontou para ele, acostumada com o jeito brusco do seu pupilo. — Especialidades não importam mais. Todo mundo cuida de todo mundo. É uma pandemia, doutor .
— Mas, Baily… — a mulher ergueu a mão para sinalizar que não havia terminado sua fala.
— Além disso, você sabe como é o revezamento por conta do alto número de casos de COVID. Esse paciente não é seu.
— Mas…
— Se quer cuidar de alguém, vá ver os quadros dos seus trinta pacientes — a chefe da cirurgia ordenou, sem deixar espaço para reclamações ou ressalvas.
soltou a maca e bufou, seus traços contorcidos em uma carranca irritada quando ele saiu a passos duros da emergência. virou a cabeça, quase seguindo-o, mas ela tinha que cuidar dos seus pacientes antes de qualquer coisa. Ela entendia o lado de , todavia, era impossível não compreender a doutora Bailey. A mulher soltou ar, exausta pelo que estava por vir.
— Algum problema, doutora -? — a chefe Bailey questionou, entortando a boca em um ar de desafio.
— Não, claro que não — balançou a cabeça imediatamente. — Só tem sido difícil para ele.
— Para todos nós — Bailey suspirou, assistindo Link andando para um leito com o paciente.
Era assustador o quanto a doença tinha evoluído, cada vez mais jovens estavam infectados. Principalmente para ela. Como uma mulher negra, Bailey estava acostumada a não ter os números a seu favor. Mas a pandemia mundial do COVID-19 piorou a situação ainda mais. A taxa de morte geral era alarmante, mas a diferença para óbitos de pretos e brancos era revoltante. Além de que seu TOC com germes a deixava em alerta e à beira de ansiedade toda hora. Porém, ela era a chefe. Tinha que realizar o trabalho e salvar vidas. Então, ela se levantava, colocava a máscara e tomava banho de álcool em gel todo dia, pronta para mais uma batalha que eles iriam vencer um dia.
— São tempos de guerra.
Ela estava certa. E os pagers gritando mais uma vez anunciaram o bombardeio.
O número do quarto em vermelho, piscando como uma luz velha de motel no pequeno aparelho, movimentou as memórias da Doutora -. 235, era um dos pacientes que ela atendeu junto de .
— Chefe Bailey, tenho que ir — ela gritou enquanto corria pelo Seattle Grace, ignorando o elevador ao optar pelas escadas. Apenas dois andares de distância, ela conseguiria chegar lá.
Eles não podiam perder mais um paciente hoje, ela não podia perder mais um paciente hoje. estava no trabalho há algumas horas e já havia tido que ligar para dezoito pessoas com notícias calamitosas. Ela sentia-se como os jornais, ansiosa para apresentar dias de sol e notícias animadoras, todavia, sendo obrigada a manter-se fiel e dizer o que realmente estava acontecendo, vomitando as notícias ruins. Não mais, não hoje.
Ela precisava de uma vitória.
A questão sobre fatos e opiniões é dolorosamente crua. Não se pode escolher não acreditar em um fato ou só dizer que ele é um ponto de vista. Não é. Fatos são metódicos, frios e impessoais. Eles estão lá e são a realidade, cabe a outrem decidir como usá-los. As opiniões, no entanto, são comentários que podem ser contra, a favor ou neutros, guiados pela emoção e visão do mundo de cada um.
A opinião: os médicos precisavam de uma vitória.
O fato: o coronavírus está matando mais de quatro mil pessoas por dia.
Logo, não pode-se dizer que aquela cena era inesperada. já tinha visto aquele filme antes, e ela não gostou do final. Só que não tinha como sair pela porta lateral – o cinema estava trancado até a sessão acabar.
estava encarando o monitor cardíaco que emitia um ruído odiado pelos médicos enquanto a linha se tornava reta.
— Hora da morte, 09:03 — declarou, sua voz rouca mais profunda que o normal. Assim que ele se virou, os olhos de pousaram em seu rosto. Mesmo com a máscara cobrindo metade dele e o protetor cobrindo a outra, ela reconheceu com facilidade o que ele estava sentindo.
Ela só queria abraçar seu marido.
lançou mais um olhar para o garoto que eles tinham admitido uma semana atrás. Ele tinha cabelo azul, roupas listradas e um piercing no nariz: era como uma lembrança ambulante e bem mais falante dele mesmo quando era mais novo. Seu nome era James. Ele sempre reclamava para e sobre como a comida e as crianças da sua escola eram horríveis, normal para um garoto de quinze anos. tinha passado por essa fase também, e cresceu para enxergar o mundo além da escola. James nem tinha se formado no ensino médio, e agora ele nunca iria. O doutor presenciou o momento em que seu paciente se tornou uma estatística, quando o enfermeiro Kleber colocou um plástico sobre o corpo pálido e quieto de James, dizendo algo sobre não ter mais lugar no necrotério.
se considerava uma pessoa resiliente, forte. Ele cresceu com uma mãe com esquizofrenia, um pai viciado que abandonou sua família quando ele ainda era novo. Ainda assim, ele conseguiu superar isso tudo, cuidou da mãe e dos irmãos, se formou em medicina, se casou e tinha um emprego inovador como cirurgião pediátrico. Ele era um milagre.
Porém, não era essa a emoção que se espalhava pelo seu corpo agora; ele sentia que tinha errado, que podia tentar mais. Era irracional, sabia, mas ainda assim eram vizinhas gritantes nas quais ele acreditou por um segundo. Ele estava envolvido demais.
simplesmente virou-se, correndo para longe daquele quarto.
também não permaneceu ali. Ela certamente não precisava assistir aos enfermeiros discutirem com os médicos do necrotério para decidirem onde colocar o seu paciente. Ela podia adivinhar onde aquela conversa terminaria. O hospital estava com capacidade em 81%, e James estava usando um dos suportes de respiração antes de morrer. Ou seja, eles teriam que ser rápidos. A vida de outra pessoa iria depender da desinfecção do aparelho respiratório e da vaga no quarto. Aquela frieza aprendida entre eles era compreensível. só não podia estar ali quando aquilo acontecesse, assim como .
.
Ela respirou fundo, virando-se em seus calçados para a porta. A doutora - andou até o elevador, antes de parar a si mesma quando estava prestes a apertar o botão do andar escolhido. Alguém poderia precisar do elevador para uma emergência. apertou os lábios juntos antes de ir até às escadas novamente. Pelo menos ela tinha uma ideia de onde seu marido estava. Essa seria a sua pequena vitória do dia por agora.
A morena respirou ofegante quando os degraus terminaram, usando suas últimas forças para empurrar a porta. O dia estava ensolarado, um detalhe que a equipe de saúde perdia ao passar tanto tempo dentro do hospital. Ela respirou o ar puro, escutando a porta fechar sozinha atrás dela, enquanto encarava as nuvens brancas em contraste com o céu azul. Alguns pássaros, alheios à confusão e conflitos e gritos do mundo, cantarolavam alegremente em algum lugar perto.
não pôde impedir um sorriso tranquilo que apareceu em seu rosto. Um pequeno, doce instante de alívio em meio a tudo que ela viu.
Seus olhos procuraram pelo par de íris de . Ela o encontrou, apoiando os braços no parapeito ao encarar o seu.
— Então… — guiou-se até ele e parou do seu lado, imitando a posição, sem olhar para ele. — O que aconteceu com James? Ele estava tendo uma melhora considerável no quadro. A oximetria de pulso estava em 92%, gasometria arterial boa e sem febre nas últimas quarenta e nove horas.
— Eu sei. Achei que daríamos alta para o garoto em alguns dias — passou a mão pelo rosto suado, sem a máscara, e tirou o plástico do seu próprio rosto, assim como suas luvas, ainda olhando para o céu. Ele continuou: — Aí os pulmões entraram em colapso, o nível de oxigênio baixou e… ele morreu — virou o rosto, olhando para pela primeira vez desde que ele chegou ao telhado. — Eu devia ter tentado mais. Interferon ava dois, anti-retrovirais e medicação antimalárica. Tem uma dezena de pacientes na UTI nesse protocolo. Estudos dizem que esses medicamentos são…
— Que estudos? Aprovados pela OMS?
— São de confiança.
— Nada é de confiança ainda, . Só o que a gente fez. Ele era muito novo e sem um quadro crítico para ser aceito em um tratamento experimental. Você e eu sabemos disso — ela encarou seu marido com empatia, segurando uma das suas mãos. — Você fez tudo que pôde.
Quietude englobou o lugar por alguns minutos, apenas a mão dela acariciando a dele em um carinho. lambeu a boca antes de continuar, observou os anéis ao redor do seu dedo e da sua esposa. Ele não estava sozinho mais.
— Estou cansado de perder pacientes todo dia, de chegar ao ponto de nem lembrar dos nomes deles de tenta gente — desabafou, e o coração de apertou com aquilo. — Tô aterrorizado que você pegue essa doença e de te perder, . Eu estou com medo todo dia.
— Eu não posso te prometer que isso não vai acontecer, mas posso te dizer que eles nunca vão ser apenas números para você, — ela respondeu, engolindo as lágrimas. Aqueles receios eram iguais aos dela, porém, acreditava que as coisas melhorariam. — Você é um dos bons.
— Eu faço esse jogo na minha cabeça, sabe? Quando estou assistindo ao jornal, eu conto quantos pacientes mortos passaram pelas minhas mãos naquele dia — ele riu sem humor. Aquilo era uma maluquice, o tipo de coisa que seres humanos eram capazes de se acostumar e chamar de normal.
— Eu também. Digo os nomes deles na minha cabeça, os que eu perdi e os que eu consegui salvar — confidenciou, estudando a maneira como ele enrugou a testa. — Tem que contar com os que viveram também, . Eles vão te ajudar demais.
— Estou inseguro, eu fodo as coisas. E eu nunca me sinto inseguro no meu trabalho, não depois de virar atendente — fitou a esposa, seus olhos avermelhados ao segundo que tais palavras deixaram seu corpo. — Envolvido demais. É como se eu estivesse em um ÓVNI em pouso forçado ou como se tivesse um extraterrestre letal na sala, e ele sempre ganha — ele riu levemente com aquela metáfora boba, ganhando um sorriso de . — O James era igual a mim. Cabelo pintado, piercing no nariz, ar de rebelde. Eu sei que já fiz isso antes, mas é um pilota atencioso. Eu cresci, amadureci, consegui um emprego incrível e uma mulher mais incrível ainda. Eu quero minha vida de volta.
— Você vai ter ela de volta — garantiu com a fé de um devoto. Ela sempre foi a mais devota dos dois; sua esperança começou um incêndio em diversas vezes. As mãos dela descansaram nas bochechas dele, e ele se inclinou para o toque inconscientemente. — Mas, agora, você precisa levantar a cabeça, colocar sua armadura de plástico e lutar contra esse inimigo. Essa pandemia é uma montanha-russa de cabeça para baixo. E eu sei que você quer sair dela. Tem dias que eu queria ter ido pra faculdade de Direito só para não estar trabalhando como médica agora.
Ele envolveu a cintura dela com ternura, oferecendo seu apoio e puxando-a para mais perto.
— Seria legal ligar para o SOS e outra pessoa atendar, ter alguém pra salvar a gente dessa vez.
— E quem disse que não temos? — ele arqueou a sobrancelha, silenciosamente questionando. Ela piscou para ele com divertimento. — Você é meu herói, e eu sou sua heroína. A gente se salva.
sorriu, um sorriso genuíno, ao ouvir a citação dos seus votos. O juramento de Hipócrates e do seu casamento era o que ele mais prezava.
— E minhas panquecas salvam seu estômago — brincou, inclinando-se e beijando seus lábios rapidamente.
— Metade da razão para eu me casar com você são relacionadas a comida — provocou-o de volta.
— Ah, é? — arqueou as sobrancelhas, um clima leve acompanhando suas expressões serenas. — E qual a outra metade?
— Surpreendente, eu te amo — ela enrolou os braços ao redor do pescoço dele. — Demais.
— Eu também te amo muito — ele estava prestes a beijá-la quando o pager tocou. — Você me salva e eu te salvo?
— Você me salva e eu te salvo.


Fim



Nota da autora: Assim que eu vi a música, a ideia de um plot a lá Grey's Anatomy surgiu na minha cabeça. Espero que tenham gostado e comentem!




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