10. Detention

Finalizada em: 02/11/2021

Prólogo

Fazer um boquete não era difícil.
Os homens aceitavam qualquer coisa, desde que suprissem a porra do seu prazer. Tocar as bolas, lamber a cabecinha, massagear com as mãos… qualquer coisa estava boa, porque eles não se importavam com qualquer ato em si, só se o pau dele está dentro da sua boca, tentando empurrar até o fundo da sua garganta, como se fosse algum tipo de teste.
O Sr. Guttev era um deles. Eu não sentia prazer algum em ser obrigada a realizar a porra daquele boquete – estou sentindo um duplo sentido nas minhas palavras, mas bem, você entendeu –, mas não era como se eu tivesse exatamente uma escolha, e antes que você possa dizer que sim, eu garanto que não. Eu não tenho mesmo nenhuma escolha. Em breve, você entenderá o porquê, mas seria melhor contar essa história sem que um pau estivesse dentro da minha boca, então preciso terminar de narrar essa parte chata de um sexo que ninguém liga. O sr. Guttev não vai querer nada além disso.
Boquete para ele era sempre a melhor parte e ele não sentia necessidade alguma de ter a minha boceta livre para que ele pudesse socar o pau o quanto quisesse, minha boca bastava. Ele insistia que era só para aliviar o estresse, e como eu também não podia me dar o luxo de reclamar tanto, também não expressava o meu alívio de precisar realizar um boquete mal feito até que ele gozasse. E ainda… quer saber?
Narrar isso tudo é uma merda.
Eu vou pular para a parte do em breve e explicar aquilo de que não tenho escolha.
Os professores adoravam me mandar para a detenção – embora, na maior parte do tempo, eu não fizesse nada, nada mesmo, de errado.
Mal eles sabiam que a detenção escolar não era nada para mim.
Detenção mesmo era a porra da minha vida.


Parte 1: I’m not a bad guy

Eu nunca me atrasava para os horários de aula que o colégio tinha.
Mas, naquele dia em específico, o despertador não tocou. Fui acordada com gritos agressivos da minha tia – com a qual eu não tenho afeição nenhuma, mas era a única pessoa sem escrúpulo nenhum que continha a minha guarda, então…
Tomei um banho rápido, prendi o meu cabelo em um coque mal ajeitado, vesti a farda horrorosa com a marca do colégio e entrei no carro do motorista, que, por sinal, era um tarado do caralho, mas como eu era obrigada a posar de simpática para não perder clientes, eu era mais obrigada ainda a engolir as suas investidas nojentas.
— Bom dia, – ele me cumprimentou assim que eu entrei no banco de trás e bati a porta com força.
Joguei a bolsa do meu lado e olhei pelo retrovisor do espelho, pintando um sorriso falso nos lábios para ele, que ainda me olhava.
— Bom dia – murmurei, contra a minha vontade.
Meus dias nunca eram bons. Eu deveria ser a única adolescente naquele colégio que era vista somente como um pedaço de carne. Literalmente. Meu corpo valia mais do que a minha inteligência e os professores adoravam pagar para que eu pudesse satisfazer quaisquer que fossem os seus desejos.
Ok. Talvez eu não fosse tão única assim, uma vez que qualquer garota é vista como um pedaço de carne na porra da sociedade, mas com certeza eu deveria ser a única que fazia parte de uma rede de tráfico e prostituição.
Não por livre e espontânea vontade, claro que não. A megera da minha tia me obrigava. Eu podia parar alguém na rua e pedir socorro. Eu realmente poderia fazer isso.
Mas eu tinha medo. Além do mais, ela tinha alguém que eu amava sob ameaça, então eu fazia tudo que ela mandava, sem questionar.
O motorista – que eu não me importava em lembrar o nome – deu partida no carro. Fiquei em silêncio o caminho inteiro, mas tinha consciência das suas olhadas nada discretas para o meu colo. A saia era um pouco curta demais, o que deixava minhas coxas bastantes expostas, fazendo com que aqueles otários achassem que eu estava convidando-os para alguma coisa.
Eu não estava. Eu nunca estava.
— Sabe, – ele começou a dizer, o carro parado em um sinal vermelho. – Sua tia gosta de me lembrar que eu tenho dois vales para usar com você.
Estreitei os olhos na direção dele. Não sou permitida a deixar transparecer qualquer emoção negativa, mas é inevitável não lançar um olhar de nojo na sua direção. Ele não pareceu perceber.
— É, minha tia gosta de muitas coisas. – Murmurei.
Dificultar a minha vida era uma dessas coisas. Eu tinha certeza de que era seu passatempo favorito. É claro que aquela vadia deu dois vales a um escroto que não parava de me comer com os olhos.
— Quando eu posso cobrar? – Ele questiona.
Nunca, eu queria responder. Em vez disso, remexo meu corpo contra o estofado do carro, cruzando as minhas pernas. Quando ele volta a dirigir, sinto um pouco de alívio ao perceber que não faltava muito para chegar ao meu destino. Não que isso contasse como um grande alívio. Ali estava o verdadeiro inferno.
— Quando quiser. – Respondo sua pergunta com ódio transbordando.
Eu quis muito arrancar o sorriso que surgiu em seu rosto. Era um sorriso que me lembrava que eu não tinha controle de decidir sobre meu próprio corpo.
E eu odiava isso, mais do que tudo.

Os corredores estavam vazios quando eu cheguei. O sinal devia ter tocado há exatos cinco minutos e eu estava torcendo para meu atraso ser tolerado. Mas eu sabia que estava sendo ingênua demais em querer aquilo, porque quando resolvi entrar na sala, o professor de álgebra percebeu a minha presença. Como um bom filho da puta, seu sorriso continha segundas intenções, quando me disse:
— Você está atrasada, – a sala inteira me olhava. - De novo. Estou suspeitando que está gostando de ir para a detenção.
Ir para a detenção por cinco minutos de atraso nem estava nas regras. Meus dedos apertaram a alça da bolsa com força, mostrando como eu estava irritada naquele momento. Eu não podia abrir a boca e contestar o absurdo que estava acontecendo, porque isso, sim, seria motivo para detenção.
— Foram só cinco minutos – informei, os dentes trincados.
Ele deu de ombros, como se não se importasse nenhum pouco. Eu o conhecia o suficiente para saber que aquilo era verdade. Às vezes, sentia vontade de me virar para a turma inteira e declarar o quão podre aquele imbecil era, compactuando com prostituições de menores. Pior ainda, relacionando-se com elas.
— Detenção – repetiu.
Eu não precisava de detenção, como estava bem óbvio.
Mas ele tinha segundas intenções. Me mandar para detenção era a maneira de garantir que ele receberia pelo serviço que tinha pagado.
— Sim, senhor - sou obrigada a responder, com puro desgosto.
E, então, andei direto para a última cadeira disponível no canto mais longe da sala, com os olhares ainda em mim. Não tinha amizade com ninguém ali, exceto, talvez, o . Mas ele não era da minha turma. Ele quase nunca era. Nossos horários não batiam, como eu gostaria.
Mas eu nunca estava sozinha.
— Essa foi ruim, hein, .
Virei a minha cabeça para o lado, assim que joguei a minha bolsa no chão, e deslizei direto para a cadeira.
— Você é um inútil - murmurei no tom de voz mais baixo possível.
— Sabe que não posso fazer nada – disse. — Sou apenas uma alucinação, lembra?
Minha alucinação gostava de ser chamada de Blue. Ele era meu tormento diário e eu não conseguia me lembrar quando exatamente passei a vê-lo – e ninguém mais podia. No começo, achei que estava delirando – e, de certa forma, eu meio que estava –, mas aceitei os meus fardos. Ele dizia que era uma representação do meu estado de espírito. Não estava ali para me ajudar, mas para me lembrar constantemente que eu precisava de ajuda. Uma ajuda que nunca viria, já que eu nunca pedia. Se eu falasse para a minha tia que eu estava fodida psicologicamente e precisava de ajuda, ela iria rir da minha cara. Certas humilhações davam para evitar. E eu queria muito evitar essa. Ela jamais acreditaria em mim.
— Você não me deixa esquecer – é tudo o que eu respondi, ignorando-o pelo restante da aula.
Eu tinha 17 anos e era constantemente desprezada pela minha própria tristeza.

Costumava pensar que, se essa não fosse a minha vida, eu poderia ter gostado dela. Enquanto caminhava pelos corredores já cheios, eu me questionava sobre todas as possibilidades que levaram a minha vida a tornar o que é hoje. Pequena conclusão: eu era a porra de uma fodida.
?
Eu teria continuado andando. Não tinha sequer ninguém ali que se importasse o suficiente comigo a ponto de me chamar pelo nome e me fazer parar de andar – a não ser que fosse um cliente –, exceto um.
— Oi, . - me virei, murmurando.
era um cara legal. Tinha a minha idade e fazíamos somente uma aula juntos. Ele tinha sido o único que se disponibilizara a ser minha dupla em todas as aulas de biologia. Qualquer outra pessoa tinha segundas intenções nojentas, mas , não. Ele nunca tocou no assunto comigo ou sobre qualquer outra coisa que mencionasse o motivo sobre o porquê eu levava aquela vida, mas eu tinha certeza de que ele sabia. As paredes daquele lugar eram finas e as bocas nunca se calavam.
E o Sr. Otter não tinha uma boa reputação, o que significava que, se um aluno fosse visto com ele, não era uma coisa tão boa assim. Para minha infelicidade, eu era quase sempre vista com aquele imbecil pervertido.
— Soube que você pegou detenção – ele disse. — De novo.
Eu disse que as bocas daquele lugar nunca se calavam. Seu tom não tinha uma acusação, mas era quase como se ele estivesse lamentando a minha falta de sorte. Com os dedos firmes, aperto a alça da minha bolsa, colocada sob um ombro só e suspiro. Encaro o garoto na minha frente, poucos metros de distância nos separando, enquanto as outras pessoas passavam por nós, ignorando a nossa existência. Ótimo. Eu gostava assim.
— É, porque o Sr. Strauber é um cuzão - respondi.
! - me repreendeu, mas eu consegui visualizar uma linha de sorriso nos seus lábios.
não gostava de palavrões. Ele não entendia que minha vida era resumida a dizer todos eles, pois não havia nenhuma outra maneira de me expressar com tanta intensidade.
— Bem, você quer me encontrar depois? - convidou, as mãos nos dois bolsos da calça.
Penso por um momento. Ainda estamos sendo ignorados por todos ao nosso redor. Mentalmente, agradeço silenciosamente que a minha sombra de tristeza não está ao meu lado para me zombar do quão gentil e idiota eu pareci quando o respondi.
— Eu sempre quero, .
Ele me lançou um sorriso e eu acenei em resposta, dando as costas em seguida. Ainda tinha mais duas aulas antes de seguir para o inferno da detenção, mas saber que Cooper estava me esperando melhorou um pouquinho o meu humor.
A vida gostava de me lembrar o quão idiota eu era.

flashback on


Quando saí da sala, o corredor estava vazio e silencioso, como eu costumava gostar. Mas, naquele momento, eu desejei que houvesse uma multidão, para que eu me perdesse dentro dela como uma formiguinha pequena que ninguém mais notaria. Eu me sentia suja. O dinheiro na minha mão me trazia lembranças péssimas de minutos atrás e eu enfiei tudo dentro da minha mochila, pendurada nas minhas costas.
Minhas roupas estavam amassadas e eu só me dei ao trabalho de ajeitar o meu cabelo, prendendo em um coque no alto da minha cabeça. Minhas mãos tremiam.
Eu não sabia exatamente o porquê de eu estar daquela forma. Não tinha sido a primeira vez que acontecera, e com certeza não seria a última. Eu não era tão sortuda assim. Mas meu corpo inteiro parecia estar me rejeitando. Com as costas da mão direita, limpei a minha boca, como se ela ainda estivesse suja de esperma.
Porra.
Não tinha nada mais insuportável do que a minha vida.
Atravesso o corredor, finalmente encontrando a saída. O sol encontra a minha pele e eu corro direto até a primeira lata de lixo que eu encontro, mal percebendo que eu estava do outro lado da quadra de futebol. Só percebi isso quando uma bola parou ao meu lado e um garoto apareceu logo em seguida, me observando vomitar tudo dentro da lata de lixo.
— Que porra você está olhando? - perguntei, soando ríspida demais, mas eu não tinha energia para ser educada.
Limpo a minha boca novamente, encostando o meu corpo na parede, respirando fundo. Eu me sentia melhor, mas ainda suja, como se nenhuma outra água do mundo pudesse me limpar. Era uma sensação horrível a cada detenção.
— Para uma garota bonita, você tem uma boca muito suja - o garoto me respondeu, com a bola na mão.
Ele estava com o uniforme que os jogadores do time usavam. Tinha um corpo magro demais para alguém que era atleta e seus fios de cabelo brilhavam com a luz do sol, não me deixando decidir se era loiro ou castanho. De qualquer forma, eu não me importava.
— Ele não sabe o quão suja, não é, ? – a voz da minha alucinação despertou a minha atenção.
Eu o encarei bem ao meu lado, lançando o meu melhor olhar de cale a porra da boca, mesmo que ninguém mais o visse ou escutasse, senão eu.
— Eu deveria me contentar com o elogio? – ignoro o fantasma ao meu lado e volto toda a minha atenção para o jogador.
Ele riu. Dificilmente eu fazia alguém rir, mas ele tinha rido, e tinha feito isso verdadeiramente, como se fosse fácil conversar comigo. Esqueci que eu estava passando mal e me afastei da parede, passando a língua por meus lábios.
— Só se servir de algo para você – ele respondeu. — Afinal, assumo que você deve receber vários elogios.
— Só pelas minhas performances com o boquete – soltei, meio que sem querer, e vi a surpresa no rosto dele.
Blue, como minha alucinação gostava de se chamar, começou a gargalhar ao meu lado. Eu o mataria, se pudesse. Mas não tenho como matar algo que só existe na minha cabeça.
— Eu estou brincando – quebrei o silêncio, mentindo. Eu não estava brincando. Receber elogios pela minha beleza estava na última coisa da minha lista.
— Não pareceu brincadeira – ele disse, mas não era uma acusação ou algo do tipo. Tinha humor na sua voz e ele suavizou a sua expressão, para o meu alívio.
— Bom... – falei, piscando os meus olhos. — Você nunca vai saber.
— Talvez não – ele deu de ombros.
Eu deveria ir embora. Era sexta-feira, o que significava que era o dia da minha tia receber os pagamentos por me prostituir. Também era o dia de me preparar psicologicamente para o fim de semana nos clubes. Ao invés de ser uma adolescente normal que enchia a cara em festa de algum colega de classe cujos pais viajaram, eu passava o fim de semana com a minha tia exibindo o meu corpo pela maior quantia de dinheiro que ela conseguisse.
É, eu odiava a minha vida.
Mas quando visitava , eu me lembrava porque continuava fazendo aquilo.
— Ei, , nós vamos jogar ou não, cara?
Vozes masculinas vindo da quadra me despertaram dos meus pensamentos. O jogador, que agora eu tinha descoberto se chamar , olhou para os amigos com uma cara feia, revirando os olhos logo em seguida. Ele gritou que já ia e chutou a bola para longe.
— Então, ... - começo a dizer, dando alguns passos para frente. – Eu deveria ir.
— Sem me dizer seu nome?
Era gentil da parte dele fazer aquilo. Todo mundo me conhecia. Adoravam fofocar o que não sabiam da minha vida. E eu só sabia disso porque Blue era a porra de uma alucinação fofoqueira que gostava de ouvir qualquer coisa dos outros.
Por incrível que pareça, eu dei um sorriso.
.
sorriu. Me deu espaço para que eu fosse embora, e enquanto me assistia ir, escutei ele gritar:
— Eu te encontro por aí, !
E ele tinha mesmo encontrado.

flashback off




Parte 2: Sadness, can’t you see it?

— Espere.
Eu estava prestes a ir embora, quando a voz da minha tia me parou. Ela estava atrás de mim e meus pés fincaram no chão, como se eu ainda estivesse decidindo se eu deveria me virar e dar atenção a ela, ou se eu deveria simplesmente correr para o carro e aturar aquele motorista.
No fim, acabei decidindo pela primeira opção. Uma menos perigosa.
Virei-me, encarando a mulher que ainda tinha a minha guarda. Eu não podia nem ao menos ficar ansiosa para completar a maioridade, já que, de qualquer forma, eu não poderia ir embora. Não deixando .
— Hoje é sexta – ela disse.
Sim, eu costumava ver o calendário. Essa informação deveria ser óbvia para mim? Vendo que eu não iria responder, seus lábios se afinaram de irritação.
— Dia do pagamento, – cuspiu.
— Ah… – como uma mania irritante, apertei a alça da bolsa contra o meu ombro.
Toda semana eu juntava os pagamentos dos clientes – abusadores, como eu gostava de chamar –, e deveria entregá-los sempre na sexta.
— E… - ela continuou, a postura tão impecavelmente irritante. — Amanhã é dia de visita.
Meu corpo inteiro se retesou de animação. Olhei-a com expectativa, e me odiei por isso, mas eu esperava por esse dia todos os dias da minha vida. Vivia no modo automático, aturava homens ruins, aturava ela… tudo por aquele dia de visita.
— Você também tem um cliente particular amanhã à noite. – Ela me informou.
Sinto que eu deveria dizer alguma coisa, mas simplesmente nada sai da minha boca. Em vez disso, a megera da minha tia me dispensou com um aceno de mão. Obrigo meus pés a andarem, e segui direto para o carro, onde o motorista já estava dentro me esperando. Só me fiz entrar no banco de trás e ignorei-o o caminho todo. Meu humor tinha melhorado levemente. Meu humor sempre melhorava toda vez que minha tia permitia que eu visse a . Quase como se a vida fosse boa.
Mas não era.
E me perguntava se algum dia iria ser.

Cliente particular era aquele que sempre pagava a mais do que o normal. Era o tipo de cara que gostava de combinar com a minha tia o tipo de coisa que ele poderia exigir que eu fizesse por uma certa quantia de dinheiro. Sujo. Nojento.
E eu não tinha escolha.
Eu odiava esse tipo particular.
Significava que eu sempre tinha que me preparar para possíveis traumas que eu iria colecionar pelo resto da minha vida. Eu estava tão extasiada com a notícia da visita, que sequer me importei quando ela anunciou o cliente particular na noite de amanhã.
Agora, era tudo o que eu precisava parar de pensar.
— Posso ir com você? – a voz de Blue me desperta.
O lado de fora da escola não era o meu local preferido, mas ficar escondida lá dentro em alguma sala era muito pior. O risco de professores me encontrarem era muito grande e eu não estava a fim de ser obrigada a aceitar os seus caprichos.
— Como se eu pudesse dizer “não” – respondi, encarando a multidão de gente. — Você existe na minha cabeça, o que significa que me segue para qualquer lugar.
Não olhei para Blue. Conhecia-o o suficiente para saber que ele estava balançando a cabeça, como se concordasse com o que eu tinha acabado de dizer.
— Você tem argumentos muito bons, às vezes – ele diz.
Dei de ombros, como se não me importasse com aquele fato. Eu não queria ter argumentos bons, eu queria me livrar daquilo tudo, viver algo diferente, parar de me sentir como se eu fosse uma mercadoria para minha tia lucrar como quisesse.
Um suspiro escapou dos meus lábios. Não havia nada que pudesse me arrancar um sorriso. Eu estava sempre exausta.
— Sinto minhas energias esgotadas – Blue murmura.
Finalmente olhei para ele, ao meu lado. Estávamos debaixo de uma árvore enorme, um pouco longe de todos.
— Desculpe, Blue – murmuro de volta. - Me sinto cansada.
Ele assentiu, quase mostrando que não era minha culpa. Não era triste que minha única companhia fosse meu próprio fantasma?
— Você deveria dar uma chance – ele diz.
— O quê?
— Você deveria dar uma chance para o – explicou. Em seguida, apontou com a cabeça para o outro lado.
estava caminhando na minha direção, segurando alguma cesta e sua bolsa nas costas. Não estava com o uniforme de futebol e os fios do seu cabelo estavam desgrenhados. Eu não tinha entendido muito bem o que Blue queria dizer com “dar uma chance”, mas não importava, porque ele não estava mais ali, ao meu lado. Ele tinha sumido e parou na minha frente.
— Oi – ele cumprimenta, um sorriso sincero fazendo meu coração bater.
Blue dizia que todas as minhas reações em relação ao eram amor. Eu não era idiota o suficiente para acreditar naquela bobagem. Não tinha o luxo de viver qualquer amor, não importava com quem fosse.
E, definitivamente, merecia coisa muito melhor do que eu.
— Oi – cumprimentei de volta.
Ele se sentou ao meu lado. Pôs a cesta bem na nossa frente. De propósito ou não, seu ombro encostou no meu e fiquei surpresa quando ele juntou seus lábios no meu em um selinho.
Eu e nos beijamos algumas vezes, mas nunca havia passado disso. Eu gostava de beijá-lo. Eu gostava de fazer tudo com ele, porque era o que eu estava escolhendo fazer, e não o que me pagavam.
— Trouxe algumas coisas para comermos – ele explicou, começando a abrir a cesta.
Tentei não demonstrar muito a minha surpresa. A tensão tinha esvaído um pouco do meu corpo, mas eu ainda me sentia exausta. Não tinha mais aula, mas eu tinha que esperar o horário da detenção.
Viu? Eu disse que os professores gostavam de me mandar para a detenção. Eles sequer se importavam que eu fosse vítima de prostituição, e pior, menor de idade. Desprezíveis.
— Não tenho muito tempo – avisei a .
Ele tirou um cacho de uva, me oferecendo. Aceitei de bom grado, levando uma até a minha boca, sentindo o gosto doce.
— Detenção de novo? – Questionou.
Assenti, sem sentir a necessidade de verbalizar a resposta. concordou em silêncio, pegando uma pêra e se encostou na árvore, como eu já estava. Não era um silêncio incômodo que havia entre nós, mas um questionador. Eu sentia que ele queria me dizer alguma coisa e, temendo o que fosse, não me esforcei para incentivá-lo a falar. De qualquer forma, eu nem precisei.
— Gosto de você, .
Ele tinha dito isso tão do nada, que eu me engasguei. Comecei a tossir sem parar e ele me olhou com os olhos arregalados, sem saber o que fazer. Balancei a cabeça na direção dele, negando ajuda, porque eu estava bem, só estava… porra, surpresa. Respirei fundo, parando as crises de tosse e coloquei o cacho de uva de volta na cesta.
— Desculpa? – ele disse, incerto.
– chamei, tocando o seu braço levemente. — Não sei se é uma boa ideia.
Ele engoliu a seco.
— Gostar de você?
— Sim.
não pareceu ofendido ou triste. Na verdade… pareceu que ele já esperava, mas quis tentar a chance mesmo assim. Me senti a pior pessoa do mundo. Não estava dizendo aquelas coisas porque eu não gostava dele, eu gostava.
Eu gostava tanto.
Minha vida poderia ter sido normal com ele. Coisas de adolescentes com os hormônios à flor da pele.
Mas não tinha como ser. E eu queria muito poder explicar o motivo de eu recusar, mas não conseguia.
— Tudo bem, – ele murmurou, me abraçando.
Com a cabeça encostada no ombro dele, senti meus olhos arderem. Meu coração doeu, mas me recusei a chorar nos braços daquele garoto e desejei que ele encontrasse alguém que amasse tanto o seu coração que ele sequer lembraria de mim um dia.
— Eu gosto mesmo assim – ele completou.
E foi inevitável impedir uma lágrima de descer.

flashback on


— Ei! Ei, você não pode… !
A risada dele preencheu o ambiente e eu senti meu corpo todo sendo molhado quando ele apontou a mangueira de água para mim. Tentei impedir aquilo, mas ele estava se divertindo me molhando daquela maneira.
Eu não deveria estar ali. Mas consegui enganar a minha tia dizendo que eu estava em uma consulta com a minha ginecologista, e como ela gostava que eu me cuidasse daquela maneira, não questionou mais nada. Então, me levou até a casa dele, que estava vazia. Era uma casa enorme. Com uma piscina enorme. E eu me senti normal.
, pare! – pedi novamente.
Dessa vez, ele pareceu me ouvir e tirou a mangueira de cima de mim, desligando a torneira. Passou a mão pelos fios de cabelo e se aproximou de mim com um sorriso que eu gostava de chamar de sapeca. Seus braços envolveram a minha cintura e começou a encher o meu rosto de beijos, me fazendo rir.
Céus, era aquela vida que eu queria. Ela parecia tão fácil que eu aproveitava cada momento, porque a realidade me puxaria depois.
Tínhamos nos encontrado depois da minha detenção. Eu disse que ele poderia me levar para qualquer lugar, desde que eu estivesse com ele, mas não imaginei que ele fosse me trazer para a sua casa. Agradeci mentalmente que estava vazia, porque eu não sabia se poderia aguentar ele me apresentando para a família como se eu fosse fazer parte da sua vida por muito tempo. Quando chegamos, ele me jogou na piscina, molhando toda a minha roupa. Então, tirei as peças e fiquei somente de roupa íntima, como se fosse um biquíni e ele não reclamou.
Segurei o rosto dele com as duas mãos, parando a sua sessão de beijos e obriguei-o a me encarar. Tinha um certo brilho nos seus olhos que não refletiam o meu.
Blue dizia que meus olhos estavam mortos e sem cores, e eu concordava. Mas os de … os dele brilhavam, com vida.
Como uma adolescente normal, eu o beijei. Seu aperto na minha cintura se intensificou e eu não tirei as minhas mãos do seu rosto, beijando-o como se fosse a primeira vez - e a última.
Eu nunca sabia quando seria a última. Então, era sempre bom aproveitar.
Nossos corpos estavam molhados da água. Ele usava apenas um calção, o que me permitiu sentir mais o seu corpo sem o pano fino da camisa atrapalhando. brincou com a minha língua e não me soltou nem por um mísero segundo, mas quando senti a necessidade de respirar, me afastei, encarando-o, observando seus lábios vermelhos.
— Eu podia ficar aqui para sempre – ele murmurou.
Eu não disse nada. Um sorriso meu era suficiente para ele entender que eu também pensava a mesma coisa.
Eu também poderia ficar ali para sempre.

flashback off


Encarei o quadro em branco, remexendo as minhas pernas na cadeira como se eu estivesse nervosa. Eu não estava nervosa, nem impaciente, mas eu simplesmente não conseguia parar de mexer as pernas daquela maneira, a lembrança ainda viva de me abraçando, dizendo que gostava de mim. Não era algo que eu esperava que fosse acontecer tão cedo, mas… era injusto. Era tão fodidamente injusto e eu não podia mais continuar fazendo aquilo com ele. Não havia nenhum futuro possível que qualquer final feliz acontecesse, tinha me conformado com isso.
Eu tinha mesmo.
Então por que diabos meu coração parecia ter sido partido e eu estava prestes a ser despedaçada, pedacinho por pedacinho? Meu corpo não me obedecia e eu me sentia mal.
— Srta. .
A voz enjoada do professor de álgebra me despertou. Ele entrou, até parar no meio da sala, ficando de frente para mim. Minha mente girava, as palavras de ainda vivas.
— Me deixe ir para casa - as palavras saíram da minha boca.
Ele me olhou quase como se sentisse pena, mas sua necessidade era maior. Sempre era.
— Sinto muito, . Esperei e paguei por isso.
Suspirei, as pernas ainda balançando. Eu com certeza estava me sentindo mal. Nunca tinha ficado tão desesperada em ir para casa, do que naquele momento.
— Certo – murmurei, me levantando. — Posso ao menos ir ao banheiro antes?
Demorou um tempo até que ele conseguisse me dar a sua resposta, me encarando como se eu fosse uma delinquente que podia fugir a qualquer momento.
Bem, era quase isso.
— Volte logo, estou ansioso.
Registro um sorriso falso em meus lábios, não perdendo tempo nenhum em sair daquela sala. Caminhei até o banheiro, soltando a bolsa no chão. E vomitei tudo dentro do vaso.
Não sabia quanto tempo eu estava ali. Minha garganta estava muito seca e eu me sentia fraca, mas andei até a pia, abrindo a torneira. Joguei um pouco de água no meu rosto e limpei a minha boca, odiando o meu reflexo no espelho. Uma musiquinha irritante começou a tocar e quando peguei o meu celular dentro da bolsa, era o professor de álgebra me ligando. 21 chamadas perdidas.
Porra. Como eles tinham o meu número?
Ignoro aquela chamada e desligo o celular, estendendo a bolsa sobre o meu ombro. Não voltei para a sala de detenção. Eu não estava com cabeça para fazer nada e muito menos ser obrigada a tal coisa, então dei o fora daquele inferno.
Sequer me importei em sofrer alguma punição por isso.
.
Blue apareceu na minha frente. Não parei de andar e nem me assustei, acostumada a suas aparições de repente.
, pare.
Ele não podia me impedir de continuar andando, porque me tocar era o mesmo que nada. Ele não era uma coisa sólida que podia me parar com a força, mas sua voz foi o suficiente. Eu parei de andar e o encarei.
— Vá embora, Blue. – pedi.
Blue não foi embora. A representação do meu estado de espírito continuava ali e era horrível que fosse meu único amigo de verdade.
— Não posso – me respondeu. — Não enquanto você não sentir.
Queria que ele pudesse me abraçar, para que as lágrimas que surgiram no meu rosto fossem amparadas, mas ele não podia. Em vez disso, ajoelhei no chão, com ele ao meu lado e comecei a chorar.
Eu vivia constantemente dizendo que merecia coisa melhor.
Mas eu também merecia.



Parte 3: pretending everything’s alright is detetion

— A venda.
Lancei um olhar irritado para a minha tia, mas nada funcionava. Eu não tinha muita escolha, senão obedecer a todos os seus comandos. Coloquei a venda sob os meus olhos, impedindo que eu conseguisse olhar qualquer coisa ao meu redor e fiquei quieta na parte de trás do carro. Era sempre assim quando eu ia visitar a .
Não podia ver, de jeito nenhum, o caminho que fazíamos para chegar até ela. Minha tia dizia que era uma medida protetiva, caso eu resolvesse fugir e soubesse exatamente onde ela estava.
No começo, eu costumava prestar atenção no caminho. Quantas vezes o carro virava à esquerda, quantas vezes à direita, até que, um dia, desisti. A cada viagem, minhas contas nunca batiam.
Eu também não sabia o tempo de duração que andávamos de carro, mas era tempo demais para que eu passasse o caminho todo ansiosa. Ouvia sussurros distintos, mas também não conseguia compreender muita coisa. E foi assim que aprendi a ir o caminho inteiro quieta, esperando até a chegada.
E realmente pareceu tempo demais, uma eternidade, quando a megera anunciou:
— Chegamos.
Também era o comando para eu tirar a venda. Fiz isso com a maior boa vontade do mundo, piscando os meus olhos várias vezes para me acostumar. Saí do carro, seguindo a mais velha. Era um jardim enorme e a casa era maior ainda do que a anterior. Eu odiava que eles vivessem mudando de lugar, mas nunca comentava sobre isso. — Ande – ela ordenou.
Segui-a para dentro da casa, que parecia silenciosa e arrumada demais. Tinha espaço para tudo ali.
— Primeiro andar. Terceiro quarto à esquerda.
Assenti. Engoli a seco e comecei a subir as escadas devagar, como se estivesse com medo do que eu poderia encontrar. Minha tia sempre ficava esperando longe e me deixava ficar sozinha com em algum lugar, como se fosse boazinha demais.
Andei pelo corredor até chegar no quarto que ela mencionou. Meu coração deu um salto quando ouvi uma risada infantil. Quando finalmente entrei, encontrei um bebê de um ano e poucos meses andando desengonçada atrás de bolas coloridas. Meus olhos encheram de lágrimas e meu peito se apertou de saudade. Parei perto de uma bola e peguei-a na mão, vendo acompanhar com o olhar.
— Oi, meu amor – murmurei.
Chamei-a com as mãos e andou até mim com entusiasmo. Quando chegou perto o suficiente, ergueu os bracinhos para mim e eu peguei-a no colo, abraçando seu corpo pequeno apertado, beijando todo o seu rosto, fazendo ela rir. Eu sorri verdadeiramente, como há muito tempo não fazia.
— Ela tem o seu sorriso.
A babá, que eu tinha notado só agora que estava ali, disse. Ergui os olhos para ela, observando que ela também era novata.
— Obrigada – agradeci, ainda segurando a menina nos meus braços.
deitou a cabeça no meu ombro, quieta.
— Vou deixar vocês sozinhas – a babá disse mais uma vez e eu assenti, não me opondo.
Eu gostava de ficar sozinha com a minha filha e aproveitar o tempo curto que eu tinha com ela, sem saber quando eu a veria novamente. Quando eu soube que estava grávida, rejeitei a ideia com todo o meu ser. Sequer sabia quem era o pai e direcionei todo o meu ódio contra a minha tia, por me obrigar a passar por tudo aquilo. Se eu fosse uma adolescente normal, se eu pudesse ter vivido essa fase como qualquer outra pessoa, talvez eu não tivesse engravidado. Ou, talvez, eu soubesse quem era o pai, ao menos.
Minha tia me trancou por um ano inteiro seguido. Deixou que eu ficasse com por dois meses depois que ela tinha nascido, e então, me tirou ela. Disse que se eu tentasse alguma besteira, a caçula quem sofreria as consequências. Desde então, sigo toda a linha certa para manter em segurança. Não suportaria a ideia de ter algo ruim acontecendo com ela tão pequena.
levantou a cabeça do meu ombro e eu me abaixei, sentando-me no chão, colocando-a em pé. Ela sorriu para mim e começou a ir atrás das bolas coloridas outra vez, trazendo uma a uma para mim.
— Como você está enorme – suspirei, observando-a.
Suas pernas eram gordinhas, os fios do cabelo eram lisos demais e ela tinha uma mancha de sinal enorme na bochecha esquerda. Eu achava lindo.
— Venha aqui – chamei ela novamente com as mãos.
Ela balbuciou algo que eu claramente não entendi.
Eu odiava ela estar tão longe. Tinha perdido o nascimento do seu primeiro dente, a primeira vez que ela andou e agora eu iria perder a sua primeira palavra. Cada vez que eu a via, ela sempre parecia diferente. Estava crescendo rápido demais e eu estava perdendo tudo.
finalmente veio até meus braços e eu aproveitei o tempo todo com ela, cada minuto, cada segundo, cada momento.
Queria me tornar tudo para ela, assim como ela era tudo para mim.

Mais tarde


— Você está perfeita.
Uma perfeita vadia, eu quis completar, mas não abri a minha boca. Meu rosto estava carregado demais com uma maquiagem exagerada e o vestido azul justo demais em meu corpo. O salto apertava os meus pés, e a única coisa agradável em mim era meu cabelo estar preso em um coque muito bem arrumado, os fios ondulados caindo para trás. Minha tia, atrás de mim, segurou o meu queixo com força, me obrigando a olhá-la através do espelho. Blue, do outro lado, revirou os olhos. Ele estava intenso demais, como se meu humor estivesse duas vezes mais forte. Eu deveria estar feliz por ter passado metade do dia com , mas estar longe dela era o que me deixava melancólica. Estar indo satisfazer um cliente particular não ajudava muito em nada.
— Dê um sorriso, – ela ordenou.
Parecendo uma boneca no automático, desenhei o meu melhor sorriso falso. Ela pareceu satisfeita e soltou o meu queixo.
Blue passou o indicador pela própria garganta, indicando o seu – e o meu – desejo de ver aquela mulher a sete palmos debaixo da terra.
Ou talvez sendo punida. Para mim bastava.
— Lembre-se, – ela continuou. - Não faça besteira.
Automaticamente assenti, cansada demais para responder qualquer coisa.
Ela murmurou algo que eu não me esforcei em entender e me deixou sozinha em seguida, saindo do quarto. Eu estava no clube, no andar restrito. Minha tia gostava de me caprichar para qualquer idiota que pagasse a ela o dobro que a mesma exigia.
Eu não via um centavo desse dinheiro. E, para ser sincera, não queria. Tudo o que eu almejava alcançar era a minha liberdade.
— Você está pensando no ? – Blue questionou.
A pergunta me pegou de surpresa. nem mesmo estava nos meus pensamentos naqueles últimos minutos, mas assim que seu nome fora mencionado, lembranças despertaram dentro de mim.
— Não – girei a cadeira, ficando de frente para Blue. — Você parece cansado.
— Não sou eu – ele rebateu. — É você. E não fuja do assunto.
— Eu não estou pensando no – murmurei, sendo sincera. — Mas agora estou e eu sei o que você vai dizer, Blue. Não quero escutar. Você deveria me deixar em paz.
— Sabe como fazer com que eu vá embora.
Eu definitivamente precisava de terapia urgente. Talvez uma camisa de força, para combinar com a loucura de eu ver alguém que não existe.
— Pode me deixar lidar sozinha?
Blue deu de ombros. No segundo seguinte, não estava mais lá. Minha tia voltou um minuto depois.
— Quarto 208 – anunciou, direta. — Você sabe o que fazer.
Não respondi. Somente soltei um suspiro exasperado, levantei-me da cadeira e passei direto por ela, andando pelo corredor estreito sozinha. O som da música que tocava na pista central ainda chegava aqui, um pouco mais baixa, mas o suficiente para ser irritante. Era um clube enorme que eu não tinha a menor vontade de explorar. Havia quartos VIPs, secretos, exclusivos. Também havia quartos de vidro, porque existia todo tipo de gente.
Subi as escadas que me levavam ao segundo andar. O quarto 208 era o último do corredor e era um dos melhores que tinha. Merda. Ele deve ter pagado uma grana alta demais, o que me indicava que ele tinha direito ao que quisesse.
Usando a coragem que eu não tinha, andei o último espaço do corredor e parei na porta do quarto 208. Eu não precisava bater, podia simplesmente entrar. Fazendo assim, encontrava diversas surpresas desagradáveis que eu demorava muito tempo para apagar da minha memória.
Sem perder nem mais um segundo, abri a porta e entrei.
O quarto tinha cheiro de lavanda. Isso por si só era estranho, a maioria gostava de impregnar o ar com cigarro ou maconha. Ou ambos.
Mas era a primeira vez que eu sentia cheiro de lavanda. Quando fechei a porta atrás de mim, um clique soou. O lugar estava vazio, a cama intacta, sem música rolando. — Ah, oi – um homem alto e forte saiu do banheiro, enxugando as mãos com uma toalha pequena. - Você chegou.
Ele estava devidamente vestido. Calça social e blazer preta, mas estranhamente estava descalço. O que diabos aquele homem estava fazendo ali? Ele não tinha cara de combinar com um lugar como aquele. Não havia palavras maliciosas e sujas saindo de sua boca, nenhum sorriso maldoso ou enjoado, nenhum toque abusado. Nada.
Na verdade, ele até sorria. Um sorriso normal.
— Oi – murmurei de volta, depois de um tempo em silêncio.
Caras que pagavam por um quarto particular não sorriam para mim daquela forma e não me cumprimentavam como se eu fosse um ser humano, como qualquer outro. Eles simplesmente iam fazendo suas exigências, esperando que eu cumprisse.
— Então… – pigarreei, observando ele ir ao banheiro novamente e voltar, sentando-se na enorme cama. - Você adquiriu que tipo de pacote?
Aproximei-me dele. Era melhor entrar no jogo de uma vez, para que acabasse mais rápido.
— Pacote? - questionou, sua voz soando confusa.
Tirei os meus saltos primeiro. Passei a língua pelos lábios, umedecendo-os, sentindo o gosto seco de batom.
— É, sabe - comecei a dizer, parando na frente dele. - Boquete, sexo oral, penetração…
Eu ia continuar citando, mas ele me impediu.
— O quê?! – Exclamou, levantando-se, se afastando de mim. — Não, nada disso. Meu Deus, que horror.
Eu não entendi nada, mas me exaltei também. Não estava com paciência para encenação.
— Que porra você está fazendo? – questionei. — É algum tipo de jogo doentio?
Ele pareceu nervoso. Passou as duas mãos pelos cabelos, empurrando os fios para trás. Eu me senti ridícula e pequena.
— Eu sou casado – Confessou. Isso nunca me surpreendia. - E eu jamais ficaria com uma menor de idade. Por sinal, isso é crime.
— Ah, é? – debochei, me sentando na cama. — E o que o bom samaritano está fazendo aqui?
Ele me encarou. Parecia mais decidido agora.
— Meu nome é Michael – se apresentou. — Eu sou irmão de . Também sou policial.
Não sei quanto tempo o silêncio durou depois da sua revelação. Eu estava em choque. Observando-o agora, eu conseguia notar a semelhança, bem pouca, que ele tinha com . Os mesmos olhos, o mesmo traço fino da boca, a mesma expressão serena.
Eu sabia que ele tinha um irmão mais velho que era casado. Ele me disse que o irmão e a esposa estavam tentando ter filhos, mas enfrentavam dificuldades. Ele me disse quase tudo sobre a sua família, mas nunca me disse nada sobre o irmão ser a porra de um policial.
Caralho, , valeu por essa.
— Você precisa ir embora – consegui dizer depois. — Se minha tia descobre…
Eu nem imaginava o que aconteceria, mas tinha certeza de que vivo ele não sairia dali.
— Não se preocupe, sou muito bom com disfarces - ele disse.
— Não, é sério – levantei-me da cama. — Você precisa mesmo ir embora.
disse que você precisa de ajuda – insistiu.
Balancei a cabeça. Eu sabia que sabia o que eu fazia, mas ele nunca falava comigo sobre isso. Nunca tinha dito uma palavra, mas sempre me esperava quase todas as detenções, me assistia vomitar, tremer ou chorar.
Eu não imaginava que ele fosse armar um esquema para me ajudar.
— Não posso – respondi, me sentindo derrotada.
Eu estava com uma oportunidade ali, bem na minha frente, mas pensar em me impedia de qualquer rebeldia. Claro que eu queria sair daquele inferno, era tudo o que eu mais queria na minha vida, mas jamais faria aquilo se significasse deixar minha própria filha. Eu queria ser livre com ela.
— Com quem ela está? - Michael questionou.
— O quê?
— Você está sendo chantageada para permanecer aqui – ele explicou e eu me surpreendi que ele descobrisse isso tão rápido. - Com quem estão? Sua irmã? Sua mãe?
— Minha mãe morreu quando eu era um pouco mais nova – respondi, voltando a me sentar na beira da cama, ele ainda em pé, as linhas do seu rosto concentradas. — Não tenho irmã. Eles estão com... Com minha filha.
Michael teve a decência de esconder sua surpresa. Era estranho olhar para ele e ver o em suas feições. Costumava pensar se seria tão parecida comigo assim.
— Não posso aceitar a sua ajuda, porque isso significa assistir a minha filha morrer – expliquei, a voz cansada. — Por favor, vá embora.
Ele não se moveu. Em vez disso, soltou um suspiro e se sentou ao meu lado, quase como um pai protetor. Um que eu nunca tive e eu mal me lembrava da minha mãe. — , não é? – perguntou e eu assenti, confirmando. — jamais me perdoaria se eu deixasse isso passar, deixasse você aqui. E, como policial, não é assim que eu deixo as coisas. Você é vítima de tráfico sexual. não me contou isso ontem ou hoje, ele me contou há um tempo, . – Continuou me explicando. — O que significa que eu venho investigando a sua tia esse tempo todo. Sei todos os lugares que ela vai ou deixa de ir. Eu posso encontrar a sua filha. Você precisa me ajudar a acabar com isso e libertar todas as outras garotas como você.
Era um discurso bonito. Perigoso para mim, mas convincente. A parte mais tentadora era que ele podia encontrar a , e se ele conseguisse fazer isso, eu poderia fazer qualquer coisa. Destruir a minha tia era a segunda coisa que eu mais queria no mundo.
— O que eu preciso fazer? – finalmente aceitei.
Que os céus me ajudassem a seguir com a escolha certa.
Michael sorriu, orgulhoso. Eu iria matar um pouquinho o , mas agradeceria com toda a minha vida se ele me devolvesse a minha liberdade.
— Você só vai precisar seguir algumas instruções minhas. Se fizer isso, dará tudo certo.
Assenti, engolindo a seco.
— Você promete que vai proteger a ? – questionei, insegura.
Se eu a perdesse, então perderia tudo.
— Prometo – me garantiu. – Mas, mais do que isso, , eu prometo que irei te devolver ela.
E era tudo o que eu mais queria.



Parte 4: baby, can you meet me tonight in detetion?

Um mês depois


Michael passou um mês inteiro comigo, me preparando sobre a operação. Eu me encontrava com ele e , mas para não parecer muito suspeito e minha tia desconfiar que eu estava passando muito tempo fora com alguém que não era seu cliente, Michael fingia que era um. Pagava tudo certo e passávamos horas no quarto, trancados, repassando todas as informações.
A primeira etapa dela foi usar uma escuta toda vez que eu me encontrava com algum professor. Fazia eles confessarem sobre o acordo que tinham com a minha tia, em troca de pagar por meninas mais novas, como eu. Me dava nojo escutar as coisas que eles falavam, mas quando eu lembrava que aquilo serviria para condená-los – ao inferno ou a cadeia, eu não me importava –, eu seguia em frente com toda coragem que eu reunia.
Blue ainda estava comigo, claro. Ele parecia um pouco mais pálido todas as vezes, mas me explicava que era porque eu não estava me afundando tanto na minha própria tristeza mais. Tinha encontrado um propósito para seguir em frente e esqueci de sentir qualquer coisa. Blue estava satisfeito. O que ele mais queria, mesmo que não fosse exatamente alguém que existisse de verdade, era que eu procurasse ajuda. Principalmente psicológica.
— Essas são todas as detenções que eu tenho.
Apontei para as diversas escutas colocadas em cima da mesa. Tinha conseguido confissões de todos os professores que pagavam para ficarem comigo. Até do imbecil do motorista eu tinha conseguido, mas tinha sido super sem querer. Eu estava usando a escuta no carro, deixada pronta para minha próxima detenção, quando ele me cobrou o que eu devia - eu não devia nada, mas minha tia fazia parecer que sim.
— Isso é ótimo – Michael murmurou. — Está vindo a parte mais crucial e difícil.
Enfrentar a minha tia. Conseguir uma confissão dela seria mais difícil do que a maioria. Era fácil fazer os homens falarem quando eles estavam concentrados no próprio prazer, sem ter ideia do que estavam falando, mas minha tia não era burra. Não era à toa que não tinha sido pega até agora.
apareceu atrás de mim, tocando os meus ombros, que não percebi que estavam tensos. Ele beijou a minha pele e eu relaxei por um momento.
— Sabe que só vou fazer isso quando… – tentei dizer, mas Michael me cortou. — Estamos com ela, – informou. — Nós encontramos a casa que você descreveu e quatro homens meu estão vigiando, esperando apenas uma ordem minha.
— Você encontrou a ?
Meu coração quase parou. Eu tenho esperado por isso há muito tempo. Agora que estava acontecendo, parecia mentira. Irreal.
— Sim – confirmou. — Basta você conseguir fazer com que sua tia fale. Então, estará tudo acabado.
— Você vai ser livre, murmurou atrás de mim.
Aquelas palavras pareceram doces para mim.
— Ok – eu disse. — Estou pronta.

Eu não estava pronta.
Era só mais uma mentira que eu gostava de me contar para conseguir enfrentar aquela porra da realidade, mas eu deveria estar pronta. Em algumas horas, tudo isso acabaria e eu estaria com a .
Havia uma escuta escondida em algum lugar do meu uniforme do colégio e eu fingia chegar de mais uma detenção, entrando em casa.
Casa. Aquele lugar nunca tinha sido um lar para mim.
Fechei a porta atrás de mim e eu sabia que minha tia estava ali. Ela sempre estava quando era dia de pagamento.
— Você demorou.
Assisti ela aparecer pela porta da cozinha, parando no meio da sala. Apertei meus dedos contra a alça da minha bolsa com força, adotando aquela mania como minha há muito tempo.
— O professor de álgebra gosta de ser exigente – sorri amarelo, explicando a minha demora com uma mentira muito bem contada.
Ela revirou os olhos, impaciente.
— O pagamento.
Assenti, pegando uma quantia enorme de dinheiro dentro da minha bolsa. Entreguei a ela sem nenhuma cerimônia e eu observei enquanto ela contava.
— Minha mãe odiaria o que você está fazendo - comecei a dizer.
De algum jeito eu precisava fazer ela admitir alguma coisa. O pagamento não era suficiente, porque o dinheiro podia significar qualquer coisa. Todos os professores eram testemunhas contra ela, mas uma confissão dela valeria muito mais.
Minha tia me encarou, parando de contar o dinheiro. E riu.
— Você acha que eu me importo, ? – cuspiu as palavras. — Nunca gostei da sua mãe. Ela era sempre o centro das atenções e eu odiava isso. Gosto de me vingar dela através de você.
— Me usar para seu tráfico sexual não é vingança – cuspi as palavras de volta.
— Por que você está tão afiada? – indagou. - Vou ter que cortar a sua visita hoje?
Não era dia de visitar a e eu sabia disso. Mas mesmo assim, me calei. Se eu estivesse entregando demais, estava arriscando tudo.
— Não – respondi, a voz controlada. — Eu quero ver hoje.
— Ótimo. Então vamos.
— Agora? – estranhei.
Soltei a minha bolsa em cima do sofá que tinha ali. Eu ainda estava com o uniforme do colégio e geralmente ela me mandava trocar de roupa. — Sim, agora – respondeu, com desdém na voz. — Estou com pressa, . E você também deveria. É a última vez que verá sua filha.
Meu coração deu um salto com a informação. Eu deveria ter escutado alguma coisa errada.
— Última vez? – a pergunta ecoou.
Eu não estava entendendo muita coisa, mas aquela maldita megera parecia estar se divertindo com a minha reação.
— Parece que eu finalmente encontrei quem a comprasse – soltou, como se não fosse nada. — Desculpe, eu quis dizer que encontrei quem adotá-la.
— Não, você não pode. Não pode vender ela!
Gritei, implorando que ela não fizesse aquilo. Meu rosto ardeu quando ela me acertou um tapa.
— Você deveria me agradecer! – esbravejou. — Ainda estou te dando a chance de se despedir daquela pirralha.
Lágrimas desceram grossas pelas minhas bochechas. Minhas mãos tremiam com a ideia de eu nunca mais poder ver , então eu fiz o que tinha que fazer.
Assistindo-a entrar no carro, comigo logo atrás dela, eu gritei a palavra de segurança.
Alguns segundos depois, a rua estava cercada de policiais. Michael tirava a minha tia do carro, algemando-a.
— Sua vadia! – ela esbravejava todo tipo de xingamento para mim. — Você me paga! Vai me pagar por tudo isso um dia!
Não me importei com suas ameaças, eu tinha preocupações maiores no momento. Quando Michael a entregou para os outros policiais, corri até ele.
— Cadê a ? – indaguei, desesperada por uma resposta.
Ele me olhou como se não soubesse o que dizer.
– me segurou nos ombros, soltando um suspiro pesado. - Sua tia estava certa. Ela estava vendendo a sua filha.
— O quê? Você disse que estavam vigiando-a!
Michael parecia quase culpado. Acenou para alguém atrás de mim e me encarou de novo em seguida.
— E estavam – me garantiu. — Mas acho que a casa tinha alguma saída secreta. Quando meus homens invadiram, não estava mais lá.
Comecei a chorar, abraçada a ele. Isso era tudo o que eu não queria que tivesse acontecido, tudo o que eu tinha temido.
Eu sabia que era burrice ter aceitado fazer parte da operação.
— Vamos encontrá-la – ele repetia a cada meio segundo, e eu não sabia se estava tentando convencer a mim ou a ele mesmo. — Nós vamos encontrá-la.
Afastei-me dele, limpando as lágrimas com as duas mãos no rosto. Deixei que ele fosse fazer o seu trabalho, torcendo que ele encontrasse a minha menina, ou eu não sabia o que faria.
Assisti todos os carros policiais irem embora, as sirenes soando mais alto que qualquer coisa ali. Quando me sentei nos degraus da escada, Blue apareceu ao meu lado.
— Não é sua culpa – ele murmurou.
— Cale a boca.
– tentou de novo, mesmo eu balançando a cabeça em negação freneticamente.
— Cale a boca, Blue, eu não quero ouvir nada – tinha consciência que eu fui ríspida demais, mas eu não me importava.
Estava triste, com raiva, me sentindo culpada.
Passei a mão no rosto, limpando o meu nariz, e me levantei dos degraus, entrando na casa.
Comecei a quebrar qualquer coisa que eu via na minha frente, gritando tanto que eu achei que não teria mais voz. Derrubei as coisas, destilando todo o meu ódio que eu sentia daquela casa, daquele lugar, da presença dela. De como minha vida tinha virado um inferno quando designaram a minha guarda para uma mulher tão ruim, mesmo eu implorando para não fazerem isso. Andei até a cozinha, destruindo-a também.
! – Blue gritou, mas eu não o ouvia. — Você precisa se acalmar!
Parei com o surto por um momento. Encarei o isqueiro em cima da bancada e uma ideia muito ruim surgiu na minha mente. Parecendo adivinhar, Blue protestou, mas ele não conseguia me impedir mesmo, então continuei. Peguei o isqueiro, andei até a sala reserva e encontrei um galão de gasolina que deixaram guardado ali.
Eu sabia tudo sobre aquela casa. Não me importaria de destruí-la.
Derrubei gasolina por todo o lugar até não restar mais nada dentro do galão. Com os olhos embaçados devido as lágrimas, acendi o isqueiro e soltei-o no chão, observando as primeiras chamas aparecerem, se espalhando rapidamente pela cozinha inteira.
Blue gritou. Nada daquilo o afetava.
!
A voz de me despertou e quando olhei para trás, lá estava ele, os olhos arregalados. Eu não esbocei nenhuma reação, sequer conseguia me mover para sair do lugar.
— Precisamos sair daqui – ele disse, me pegando pelo braço. — Venha.
Deixei que ele me levasse para fora daquela casa. As chamas se intensificaram e quando já estávamos no jardim, bem longe da casa, me abraçou, murmurando palavras que eu não conseguia entender. Assisti o fogo consumir a casa pedaço por pedaço e escondi o rosto no pescoço de .
E caí no choro novamente.

Algumas horas depois


Quando me acalmei, me levou para sua casa. Fez-me tomar um banho e vestir alguma roupa limpa que não era a minha. Eu não pensei muito que estava perdendo as minhas coisas também ao colocar fogo na casa. Quando saí de lá, os bombeiros tinham acabado de chegar.
tinha me contado que todos os professores que eu tinha conseguido as confissões foram presos. Michael ainda não tinha aparecido e eu já estava apreensiva de preocupação. Não tinha notícias da fazia horas e ninguém me dizia nada.
— Você vai acabar abrindo um buraco no chão se continuar assim.
Encarei-o sentado no sofá, com a expressão calma. Ele não tinha me julgado sobre eu ter colocado fogo na casa e Blue tinha sumido. Parei de andar de um lado para o outro e bufei. Respirei fundo e andei até ele, me sentando ao seu lado, sentindo-o passar o braço ao redor do meu ombro.
— Ele vai encontrá-la – murmurou.
Era bonito perceber a confiança que ele tinha no irmão pela sua voz. Quase me fazia confiar também, mas pelo histórico da minha vida, era mais provável que as coisas continuassem dando errado.
— E se eu nunca mais vê-la? – perguntei, mostrando o meu medo pela primeira vez.
— Acho isso meio improvável – me confortou. — Você poderia ter me contado sobre ela, sabia?
Pensei sobre aquilo. Nunca tinha passado pela minha cabeça contar a ele sobre , mas certamente já fantasiei ele conhecendo-a. Ele seria incrível.
— Eu sei. Ela é adorável – respondi.
não disse mais nada. Só afagou a minha pele e beijou os meus cabelos, como se tentasse me reconfortar com mais do que palavras.
Não tenho ideia de quanto tempo durou aquele silêncio, mas um barulho do lado de fora chamou a nossa atenção. Eu me levantei em um pulo, assistindo a porta ser aberta e Michael passar por ela, com dormindo em seus braços. Meus olhos se encheram de lágrimas e meu coração bateu mais forte de alívio.
— Ela é linda – Michael disse, parando na minha frente, olhando dela para mim. — Eu te disse que ia te devolver ela.
— Obrigada, Michael.
Ele dispensou o meu agradecimento com um aceno de cabeça e me entregou . Peguei-a com cuidado para que ela não acordasse e me sentei de volta no sofá, ao lado de , que sorria. Era a primeira vez que eu a via dormindo tão serenamente daquela forma. Sempre encontrava ela acordada, com a babá, brincando.
— Essa é a – apresentei para , que tocou as bochechas dela levemente com o polegar.
Blue apareceu novamente. Do meu outro lado, ele também assistia dormir, mas havia algo me incomodando nele.
— Ele não tem boas notícias, – Blue me avisou.
Pisquei os meus olhos, olhando para ele rapidamente. Em seguida, desviei o meu olhar para Michael.
— O que aconteceu?
Ele não esperava a pergunta. Talvez não esperasse ter que me avisar sobre qualquer coisa agora, mas quando ele soltou um suspiro, também pareceu alarmado.
— Sua tia está foragida – ele foi direto.
— O quê? Como? – indaguei.
Eu mesma tinha visto ele algemando-a.
— É uma longa história - disse. - Mas essa não é a pior parte.
— Michael, fale de uma vez – pediu ao irmão.
— Com sua tia foragida e as últimas ameaças dela dirigida a você, sua melhor opção é entrar no Programa de Proteção à Testemunha, .
— Mas… - tentei dizer, mas era muita coisa. – Isso significa que eu teria de ser outra pessoa.
Michael não respondeu. Tudo pesou para também.
— E quanto à ? Sou menor de idade, não vão me deixar ficar com ela se eu entrar no Programa.
Michael sentou-se na mesinha de centro. Pela sua expressão, estava odiando a coisa toda, mas eu não o culpava.
— É verdade, não vão deixar – concordou. — Ela terá que entrar no Programa de Adoção.
No fim das contas, não havia nenhum jeito que eu pudesse ficar com ela. Minha liberdade tinha um preço, afinal. E eu teria que estar disposta a pagar por ela, se quisesse que tivesse uma vida melhor do que a minha.
, vou trabalhar todos os dias da minha vida para encontrar a sua tia – me prometeu. — Vou devolver a sua vida, assim como devolvi a sua filha.
Mesmo que ele encontrasse a minha tia – e isso poderia levar anos –, já estaria com alguma família e eu não poderia recuperá-la.
— Você podia adotá-la - falei.
— Como é? – me questionou, como se tivesse entendido errado o que eu tinha acabado de dizer.
— Eu disse que você pode adotá-la – repeti, encarando . — me contou que você e sua esposa estão tentando ter um filho. Por que não podem adotá-la?
— Eu não sei se isso é…
— Por favor – interrompi-o. – Se você e sua esposa adotarem-na, eu entro no Programa. Eu me sentiria muito melhor em saber que tem alguém que eu conheço cuidando dela. E você pode proteger ela.
Pisquei meus olhos, impedindo as lágrimas de caírem.
— Michael – chamou. — Aceite.
— Vocês também não poderão se ver – Michael disse, quase lamentando por isso.
Olhei para , vendo ele assentir.
— Tudo bem – concordou. — Só quero vê-la segura.
se remexeu nos meus braços. Abriu os olhos devagar e segurou meus dedos com sua mãozinha pequena. Quase sorriu, sonolenta.
Eu e olhamos para Michael, esperando. Ele estava encarando a menina nos meus braços, como se não precisasse de nenhum motivo mais forte do que ela mesma.
Blue estava ao lado dele, silencioso. Acenou com a cabeça para mim.
No fim das contas, eu nunca estaria sozinha.
— Mike? – chamou, incerto.
Levantei para o meu colo. Ele pegou a menina nos braços. Me aninhei contra , me sentindo mais leve do que nunca.
Michael olhou para nós dois e sorriu quando descansou a cabeça no ombro dele.
— Nós vamos adotá-la.





FIM



Nota da autora: Olá de novo! Não foi a melhor shortfic que eu já escrevi, mas foi a que eu melhor encontrei para se encaixar na música. Obrigada pela leitura!


Outras Fanfics:
In Dark [Criminal Minds/Em andamento]
Operação Bebê [Originais/Em andamento]
05. Break Free [Ficstape Perdidos #2/Originais]
7. Since We're Alone [Ficstape Perdidos #3/Originais]


Nota da beta: Meu deus, devo dizer que essa história me fez passar por várias emoções... Fiquei aflita, triste, feliz, animada, tudo. Eu adorei ler e betar essa história, de verdade! Possui gatilhos, mas você soube como escrever sem ficar muito pesado. Aurora C., você entregou tuuuudo com essa fic! Parabéns, de verdade 😊

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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