Capítulo Único
sentiu o típico frio na barriga enquanto o avião pousava no Aeroporto Internacional John F. Kennedy em Nova York, ansiosa por aquela viagem há algumas semanas, ela finalmente estava na grande metrópole. , agora com os seus 25 anos e noiva de David, tinha decidido que faria uma viagem sozinha antes dos preparativos para o seu casamento. E, por esse motivo, escolheu o mês de maio para conhecer a cidade, ainda era primavera e o central park ficava cada vez mais lindo à medida que a estação avançava. tirou o celular do modo avião enquanto esperava os primeiros passageiros saírem do avião, pegou a mochila no compartimento de cima e esperou chegar a sua vez para sair da aeronave.
: Você já chegou?
Não sei se consigo te buscar no aeroporto :(
É óbvio que você não vai responder se ainda não chegou lol.
Ah, é o .
não conseguiu segurar o riso, era o típico que ela conheceu e conviveu durante toda sua infância e adolescência. Ela sabia que eles não se falavam mais como antigamente, mas não tinha pessoa melhor para conhecer Nova York do que com ele. No primeiro instante, achou que ele não aceitaria o convite de turistar pela cidade, mas assim que recebeu a resposta animada de , ela sabia que poderia contar com ele. Após pegar sua mala na esteira, seguiu para a saída do aeroporto, mas parou no meio do caminho quando reconheceu aquele rosto que ela sentia tanta saudade.
— Eu não acredito! — correu até , o mesmo se encontrava parado no saguão, no meio de outras pessoas, com uma plaquinha escrito “Senhorita ”. — Você disse que não ia conseguir vir.
— Eu dei um jeitinho. — sentia tanta falta daquele abraço quando . O tempo longe um do outro, talvez, tenha sido um pouco cruel com eles, mas agora estavam cara a cara novamente.
— Estou feliz que conseguiu. — Ela sorriu, admirando cada traço de . Os anos passaram rápido demais, e em muitos momentos importantes eles não estiveram juntos, mas nunca esqueceria daquele rosto.
— Como foi a viagem? Está com fome? Cansada? Quer descansar ou aproveitar a cidade? — pegou a mochila de , já colocando em seu ombro, do mesmo jeito que pegou a enorme mala que ela carregava. Enquanto ele colocava a mochila no ombro, percebeu que usava um terno azul marinho escuro, não era a roupa que ela estava acostumada a vê-lo usar, mas gostou do que viu. Mas aquilo significava que ele tinha saído direto do trabalho para buscá-la.
— Ei, calminha aí. — soltou um riso baixo. — Estou com fome, essa é a única certeza que eu tenho.
— Ótimo, então já sei onde vamos jantar. — colocou a mala e a mochila de no porta malas de seu carro, assim que alcançaram o veículo no estacionamento do aeroporto.
— Tem certeza? Você parece ter vindo direto do trabalho.
— Isso não é um problema pra mim. — abriu a porta para entrar no carro. — Você está aqui agora, .
É, ela estava finalmente naquela cidade. A cidade que tinha sido um dos motivos pelo distanciamento que eles tiveram, pela última briga e, principalmente, pelo último abraço.
— Não quero ouvir reclamação depois, . — estreitou os olhos, provocativa.
— Enquanto você estiver aqui, essa é a última coisa que eu farei. — piscou, fechando a porta em seguida.
continha um misto de sentimentos em seu peito, por muito tempo ela quis conhecer aquela cidade ao lado de , principalmente por ele ser seu melhor amigo, mas ela já sabia que eles tinham se tornado pessoas diferentes. Enquanto escolheu a licenciatura, dando aula numa escola de ensino médio em São Francisco, ia muito bem no mundo dos negócios em Nova York. E, se não fosse essa viagem de última hora, sabia que não existia chance alguma deles se encontrarem novamente. Não num futuro tão próximo quanto gostariam.
O caminho até o apartamento de , onde ele insistiu para que ficasse hospedada durante sua estadia pela cidade, foi tranquilo. O rádio ligado, mantinha-os entretidos, a cada música eles faziam um comentário sobre o que costumavam tocar na rádio na época de escola. Bons tempos.
O apartamento ficava um pouco afastado do centro comercial da grande metrópole, no entanto, tinha uma das vistas mais lindas que já vira na vida. O edifício era chique demais para ela, mas excelente para , e estava orgulhosa por ele ter conquistado aquilo tudo.
— Aqui é lindo, . — disse, sorrindo ao olhar a vista pela janela. — Na verdade, essa cidade toda é linda. Agora entendendo porque você está aqui.
— Eu sei que fiz uma promessa, mas ainda tenho coisas que me prendem aqui. — disse, sério. sabia muito bem sobre o que ele estava falando. Ele realmente tinha feito uma promessa, mas ela não estava esperando mais que ele fosse cumprir.
São Francisco, Califórnia
Primavera de 2006
— Eu não posso mesmo ficar em casa? — Eu estava parado no corredor da casa de , pronto para bater na porta, quando escutei a conversa.
— Não, . Você vai e pronto. Ano que vem você não vai ter baile de primavera e não quero que se arrependa de não ter ido, como aconteceu comigo. — Escutei a voz de Samantha, a irmã mais velha da minha amiga, soar autoritária dentro do quarto. — Além do mais, já passou da hora de você e o se acertarem.
— Se espera que isso aconteça hoje, está muito enganada. — Ela ainda estava brava comigo.
— E porque aceitou ir ao baile com ele?
— Porque ele é a única pessoa que aceitaria ir ao baile comigo. — Ela disse ríspida. Mas eu também sabia que ela estava mentindo. John, do time de futebol, tinha a convidado uma semana antes de mim. A verdade é que tinha mudado, e muito, desde que nos afastamos. Agora ela não usava mais os óculos, mas ainda se escondia atrás de seus livros. Ela também tinha mudado o modo que se vestia e isso chamou a atenção do time inteiro de futebol, mesmo eu morrendo de ciúmes por dentro. Deixava os cabelos soltos e com leves camadas de ondas caírem por suas costas, antes eles estavam sempre presos por coques ou rabo de cavalo. Ela também estava mais sociável, afinal tinha virado líder de torcida. Ser sociável era apenas o primeiro requisito da lista para esse meio.
Eu não queria mais ouvir aquela conversa, mesmo que ela não tivesse falado nada de errado e nem sequer tivesse falado mal de mim. Sim, ela tinha todo o direito, apesar de tudo. Mas eu gostava de pensar que se tivesse alguma mísera chance de eu ter minha amiga de volta, então que fosse naquela noite. Bati na porta e ela logo foi aberta por Sam.
— Boa sorte com a fera, . — Ela saiu do quarto, deixando a porta entreaberta para eu entrar. Assim que o fiz, a sensação de nostalgia consumiu todo o meu corpo. Já havia estado ali tantas tantas vezes e sabia cada pedacinho daquele cômodo de cor, mas com os últimos dois anos afastado tudo parecia estar diferente. O que me fez sentir raiva por não ter participado daquela mudança ao seu lado, mas eu não tinha o que fazer quando na verdade eu mesmo tinha escolhido me afastar. Permaneci parado no meio do quarto, estava no banheiro, eu podia escutar seus movimentos dentro do cômodo.
— Estou pronta. Podemos ir, . — Me virei, ficando de frente para ela. estava perfeita naquela noite. O vestido num tom de rosa claro caía levemente por seu corpo, as alças finas davam um toque ainda mais delicado, assim como o detalhe de fita em sua cintura. Os sapatos de salto alto eram tão delicados que pareciam de uma princesa e seu cabelo preso em um coque frouxo, com alguns fios soltos, colaboraram para que ela realmente parecesse uma. Eu estava encantado, poderia ficar anos apenas olhando para ela.
Meus olhos se perderam na imensidão dos seus, eu sabia que estava a deixando constrangida. Mas não conseguia formular nenhuma frase, simplesmente todas as palavras sumiram da minha cabeça. Abri e fechei a boca várias vezes e todas as vezes não consegui falar nada. Me senti um idiota, porque eu estava vendo a garota mais linda na minha frente e agindo feito bobo.
— Vamos, . — Ela abriu a porta, esperando que eu saísse primeiro. Cheguei perto de , sentindo seu perfume floral. Nossa, como eu sentia falta daquele cheiro.
— Você está linda. — Eu sabia que tinha conseguido uma reação dela quando seu rosto começou a aderir um tom avermelhado. Mesmo vendo-a morder o lábio para controlar o sorriso que tentava escapar.
— Eu sei que você odeia roupa social, mas caiu muito bem em você. — Era o máximo de um elogio que eu arrancaria da minha amiga, mas aquilo já era um passo e tanto pra quem até pouco tempo atrás nem falava comigo.
— , desça logo antes que eu te arranque deste quarto pelos cabelos! — A voz de Samantha se fez presente, nos tirando dos nossos próprios pensamentos. Por fim, descemos as escadas de sua casa, que dava acesso a sala de estar. A mãe de , senhora Emily, estava na ponta da escada com a câmera fotográfica em mãos. Samantha só faltava saltitar de tanta alegria. Realmente, era como uma realização de um sonho para ela que estivesse indo ao baile.
— Mãe, por favor. — revirava os olhos impacientes e até constrangida. Mesmo com os protestos da minha amiga, tiramos todas as fotos imagináveis a pedido de sua mãe e irmã. Quase em cima da hora conseguimos sair de casa e ir para o ginásio da escola, onde aconteceria o baile. O caminho todo foi em completo silêncio, sendo o único som das nossas respirações e da música da rádio. Eu nem sequer conseguia prestar atenção na música que tocava.
— Fiquei sabendo que passou para a Estadual*. Parabéns, de verdade.
— Obrigada. — voltou a ficar quieta no banco ao meu lado. Por um lado eu agradeci, eu ainda não havia contado que tinha sido aceito em Nova York e era pra lá que eu ia. Não existia outra opção pra mim. Mas por outro, eu queria muito que ela falasse qualquer coisa para me distrair como costumava fazer. Estacionei, alguns minutos depois, em frente ao colégio. Era o último dia que pisaríamos ali. Um misto de emoções transbordava em meu corpo. Sentimentos como alegria, tristeza, alívio por ter completado o ano e, principalmente, saudade. Por saber que daqui pra frente não há nada que alguém possa fazer por você. É o seu futuro em suas mãos e só você pode tomar as decisões e o rumo da sua vida.
Lembro que reclamava quando tinha que acordar cedo e por muito tempo essa era minha maior preocupação. Agora, eu estava a uma semana de sair da minha cidade, onde nasci e cresci e ir morar sozinho em outra. Bem mais movimentada e o centro das atenções: Nova York.
— Onde você se meteu? — perguntou assim que me viu parar em sua frente.
— Tinha ido ao banheiro. — Dei uma desculpa qualquer e sorri abertamente como havia feito a noite inteira, desde que busquei-a em casa.
O ginásio estava repleto de luzes coloridas piscando e uma decoração cafona floral que me fazia nunca mais querer pisar ali. Mas toda vez que eu olhava para e via o sorriso em seu rosto, o esforço valia a pena. Para alguém que dizia não querer ir ao baile, ela estava feliz demais. Eu sabia o motivo e sabia que essa sempre foi a sua vontade. Antes de entrarmos no ensino médio juramos ir juntos ao baile de primavera e ali estávamos nós dois. Para aquilo era extremamente importante, ela só queria que o dia fosse especial e que nada - nada mesmo - desse errado.
— Ai, meu Deus, eu amo essa música! — Ela disse animada. Yeah! Ponto pra mim. Sorriu e comemorou de uma forma fofa e empolgada, assim que Waitin' On A Sunny Day do Bruce Springsteen começou a tocar
— Senhorita, me daria o prazer dessa dança? — perguntei tentando parecer sério, mas falhei miseravelmente já que no minuto seguinte nós dois gargalhamos e fomos para a pista de dança. Foi a primeira vez na noite em que ouvi uma risada sincera, então aquilo me deixou extremamente feliz. De certa forma, eu estava fazendo a coisa certa.
— I hope that you're comin' to stay — Cantarolei a última frase da música antes de tomar coragem e encostar meus lábios nos de . Os segundos seguintes pareceram infinitos para mim, até relaxar e permitir que nossas línguas se encontrassem aprofundando o beijo. Uma corrente elétrica dominou o meu corpo naquela hora e foi como se nós sempre estivéssemos esperando por esse momento.
— Vamos para sua casa. — Ela me olhou nos olhos e pediu a última coisa que eu pudesse imaginar. Mas a essa altura eu já não pensava só com a cabeça de cima, ainda que estivesse tentando.
— , você tem certeza disso? — Eu precisava me certificar que não estava ficando maluco e, talvez, escutado errado. Mas o balançar de cabeça concordando só fez eu ter certeza que não estava ficando louco.
— Tenho. Meus pais sabem que estou com você e não vou voltar cedo. — me puxou para fora do ginásio, então eu desisti de vez de manter minha sanidade no lugar. A pressa era tanta que nem percebemos quando já estávamos no meu antigo quarto na casa dos meus pais. Entre alguns tropeços nas coisas atiradas no chão e algumas batidas pelos móveis conseguimos chegar até minha cama. Como um estalo de volta à realidade, eu percebi que não podia fazer aquilo. Não era justo com , nem comigo e nem com nós. Principalmente se depois daquela noite não fosse existir um nós de fato e eu sabia que não iria. Já estávamos quase nu, o corpo perfeito de vestido apenas por uma lingerie rosa claro, quase no tom do seu vestido. Enquanto a única peça que se encontrava no meu corpo era minha cueca boxer. Olhei-a nos olhos, tentando guardar cada pedacinho seu, como se eu já não soubesse de cada detalhe, do seu jeito e suas manias.
— Não posso fazer isso. Não é justo com a gente. — Enterrei meu rosto em seu pescoço, nossos corpos colados imploravam por mais. Mas o máximo que eu consegui foi me embriagar com o seu cheiro.
— , o que está acontecendo? — O seu tom terno e o carinho que recebia no braço, tornava minha tarefa de contar a verdade ainda mais difícil. A única luz que entrava no meu quarto era a luz da lua, já que a janela estava aberta. Me dando a oportunidade de encarar seus olhos, agora nem tão alegres quanto estavam no baile e a culpa era toda minha. Resgatei toda coragem que eu precisava e finalmente falei.
— Eu vou para Nova York, fui aceito lá. — O tempo parecia ter congelado, porque por alguns instantes tenho certeza que o ar sumiu dos meus pulmões e eu quase não lembrava como se respirava. O brilho nos olhos de sumiram, assim como o seu sorriso terno de antes. Ela também desviou seus olhos dos meus, já que no minuto seguinte levantou da cama e juntou seu vestido do chão. Eu sabia que tinha ferrado com tudo, no pior momento.
— Tô indo pra casa.
— Eu te levo.
— Não precisa, a Sam vem me buscar. — Sua voz embargada denunciava a vontade de chorar. Céus, eu só queria poder mantê-la em meus braços, juntar todos os cacos do seu coração e protegê-la de todo mal. Mas dessa vez quem a estava fazendo sofrer era eu. Num impulso, me levantei da cama e a abracei forte, pelo menos uma última vez.
— Eu prometo que vou voltar. — Um soluço escapou de sua boca, junto de seu corpo estremecendo em meus braços.
— Não prometa o que você não pode cumprir.
— , eu t…
— Não, . Não vamos estragar ainda mais essa noite. Vamos fazer de conta que ela se encerrou no baile e pronto. — Os olhos de nunca mentiam, ela estava tentando ser racional, mas seus olhos me diziam que no fundo estava magoada demais. — Eu espero que um dia você volte, mas não porque fez uma promessa e sim porque você quis voltar. Desejo toda sorte do mundo pra você na cidade grande e que realize seus sonhos. — O som da buzina do carro de Sam nos chamou atenção, mas não nos movemos. Perdidos ainda naquele momento. — Vou sentir sua falta.
— Também vou sentir a sua. Mas eu vou voltar, . — Grudei nossos lábios uma última vez. O toque da mão de em minha nuca me fazia sentir arrepios por toda região e as famosas borboletas pareciam dançar alegremente no meu estômago. Coisa que eu achei nunca ser possível sentir, pensava que acontecia só em filme água com açúcar. Ficamos mais alguns minutos com as testas encostadas e de olhos fechados no meio do meu quarto. Se separar era um esforço que não estávamos dispostos a fazer e sabíamos que quando isso acontecesse então seria, definitivamente, o nosso fim. A buzina soou novamente e a última lembrança daquele ano com foi vê-la indo embora da minha casa chorando.
— Tá tudo bem, . Nós só seguimos caminhos diferentes, isso faz parte. — quebrou o silêncio antes que o clima ficasse constrangedor demais. — Ei, que cheiro é esse? — Ela arregalou os olhos e sua barriga roncou quase automaticamente. Fazia anos que ela não sentia aquele cheiro, apesar de ser seu prato favorito, quase nunca tinha tempo de prepará-lo.
— Conversei com a Samantha, e confirmei minhas suspeitas. — sorriu satisfeito, ele sabia que iria gostar do que ele tinha preparado.
— Você conversou com a minha irmã quando? Que safada, ela não me falou nada.
— Semana passada. — Os olhos de brilharam quando tirou a lasanha de presunto e queijo — ou só de queijo, devido a quantidade caprichada — do forno. O aroma exalava por todo apartamento, e não fez questão alguma de manter os bons modos.
— Você já pegou o seu pedaço? O resto vai ficar pra mim. — Ela riu, empurrando de leve pelo ombro.
— Pelo jeito velhos hábitos nunca mudam, hum? — serviu um prato com a comida para , e logo se juntou a ela na mesa.
— Não. Caramba, estamos falando da minha comida favorita. — não se importou de falar com a boca cheia. — Isso aqui tá muito bom, pelo visto você aprendeu direitinho, hein, ?!
— A vida adulta cobra. — concordou, dando mais atenção à comida do que ao amigo. — Então, já sabe o que quer fazer aqui na cidade? Tenho certeza que você tem um roteiro pronto.
— Sim, e você vai me levar em todos os lugares.
— Tudo bem, vou fazer o esforço e te deixar ser feliz com um momento turista na cidade grande. — riu, após ver responder lhe mostrando a língua. Quando os dois estavam juntos a maturidade era completamente esquecida.
●
aceitou de bom grado o sorvete de baunilha que lhe entregou, voltando a caminhar pelo Central Park. Com o clima ameno, ela aproveitou para usar um vestido florido de alças finas que ia até a altura de suas coxas. O vestido, no entanto, deixava amostra a leve cicatriz que ela tinha de quando quebrou o braço.
São Francisco, Califórnia
Verão de 2004
— Eu duvido você pular aqui, . — com todo o seu jeito presunçoso de ser me desafiou. Ele mal sabia que estava cometendo o maior erro de sua vida.
— Vou pular aí e chutar a sua cara, . — Larguei meu óculos e a toalha de banho em cima da espreguiçadeira na beira da piscina. Mas ao pular, meu braço bateu na beirada do deck de madeira e, então, eu senti um estalo; um estalo forte demais para ser considerado uma simples batida. Assim que emergi e tentei mexer meu braço, uma parte dele não se mexeu, e eu senti uma dor horrível.
— … — Minha voz saiu um pouco trêmula. Meu braço.
— Não vai chutar minha cara, é? — já começava a nadar para o outro lado da piscina, enquanto eu não mal conseguia me mover da onde eu estava.
— , meu braço, tô falando sério. — Ele viu que eu não rindo e voltou para onde eu estava, praticamente, petrificada naquele lugar. — Acho que quebrei meu braço.
— Para de brincadeira, . Vamos lá, temos o resto do dia para aproveitar.
— , eu não tô brincando, caralho. — Tentei puxar meu braço e a dor se intensificou, principalmente, quando a adrenalina deixou o meu corpo e o pânico tomou conta. A pior parte era tentar puxar meu braço na água, porque ele se tornava mais “pesado”.
— , eu vou chamar sua mãe.
— Não, ela vai me matar! — Eu gritei.
— Então se apoia em mim. — Senti meus olhos úmidos e eu sabia que não conseguiria segurar o choro na frente de , a dor estava ficando insuportável.
— Tá doendo muito, . — Aquela altura só restava a humilhação.
— , desculpa, não quis que você quebrasse o braço. Eu só estava brincando, eu juro.
— , só tá piorando tudo, fica quieto. Eu tô com raiva porque você me fez pular na piscina, mas sei que não é culpa sua. — Eu tinha que admitir, não era culpa dele. Mas se ele não tivesse me provocado, eu não estaria agora com um braço quebrado.
— Vamos, vou te levar pro hospital. E vou ligar para a sua mãe, desculpe, . — Eu não tinha mais o que fazer, a morte já se tornava uma opção.
— Sabia que quando você fica olhando por tempo demais a minha cicatriz dói? — deu mais uma lambida no sorvete, se divertindo com a cara de espanto que fez.
— Sério? — Ele arregalou os olhos e voltou a atenção para o seu próprio sorvete.
— Não, não é como aquelas coisas de filmes do tipo “meu braço dói quando chove”. Mas foi engraçado ter visto sua cara de espanto. — riu.
— Desculpe, ainda me sinto um pouco culpado.
— Deixa de besteira, se te consola, eu fiquei o resto do verão sem fazer nada. Por um lado foi bom, porque me livrei das tarefas domésticas, mas ter que usar gesso o verão todo foi péssimo.
— Essa história só piora. — balançou a cabeça concordando. Como se não fosse o bastante ter quebrado o braço na época, ela e resolveram sair para beber no aniversário de dezesseis anos dele. Não, eles não tinham idade para beber, e mesmo assim o fizeram escondidos. Isso custou um mês de castigo para os dois.
— Mas, pensando bem, agora a gente tem idade pra beber. — Ela sorriu sugestiva. — Você conhece algum karaokê? Pelo amor de deus, , diga que sim.
— Sim, ! — Ele sorriu animado. —Mas agora vamos, eu tenho uma cidade inteira pra te mostrar!
●
Os dias que se seguiram foram um pouco cansativos e, ao mesmo tempo, extasiantes para . mostrou todos os lugares que ela tinha planejado visitar, e outros que ela nem sequer sabia que existia. A viagem estava chegando ao fim, e quando voltasse para casa, ela teria um casamento para planejar.
O seu casamento.
Olhou mais uma vez para a aliança em seu dedo, reparando que não tinha sequer conversado com David durante toda essa semana em que passou fora. A não ser por poucas mensagens trocadas, eles, de fato, não tinham conversado. A pior parte era saber que ela não tinha sentido falta. Não enquanto esteve com .
— , tá pronta? — bateu na porta, o que fez sair de seus devaneios.
— Sim, já estou indo. — Ela pegou um casaco fino e colocou o celular dentro da bolsa, saindo do quarto em seguida. — Pronto, podemos ir.
A caminho do Alligator Lounge, e conversavam sobre a semana um pouco atípica na vida de ambos. voltaria para São Francisco no dia seguinte, por mais que seu coração gritasse que ainda dava tempo de mudar as coisas. Ela sabia que as coisas nunca mais seriam as mesmas quando voltasse para Califórnia, mas ela não queria que fosse. Apenas torcia que não perdesse mais o contato com , ele era — e sempre seria — peça fundamental na vida de . Naqueles dias em que passou ao seu lado, percebeu o quanto sentia falta do amigo em todos esses anos. Pensou que se ele estivesse ao seu lado, alguns momentos teriam sido mais fáceis de suportar. No entanto, ela sabia que a mudança também não deveria ter sido fácil para , e ela não esteve lá para ele.
Ao chegarem no bar, o casal de amigos encontrou com alguns amigos de , eles tinham combinado de ser a noite do karaokê com muita pizza e cerveja. Segundo , a última noite de deveria ser inesquecível, e ele faria de tudo para agradá-la. No início da noite, algumas pessoas se arriscaram a passar um pouco de vergonha, foi uma delas. Mas depois que voltou para a mesa, decidiu se dedicar em aproveitar o resto da noite com o pessoal. Todos os amigos de foram receptivos, não dando a chance dela ficar de fora sobre o que eles falavam.
— Acho que é a sua vez. — cutucou , indicando o palco com um aceno de cabeça.
— Não estava nos meus planos passar mais vergonha. — Ele riu, bebendo mais um pouco do refrigerante.
— Você é o único sóbrio aqui.
— A última. — Ela concordou, observando-o seguir até o palco.
não fazia ideia de que música cantaria, mas algo lhe dizia que ela teria uma surpresa. E, de fato, ela teve.
Anyone can sing a love song
Anyone can read a book
Anyone can watch a movie
All you gotta do is look
Plenty guys can play piano
But what you gotta understand
When it comes to loving you
There’s no other man
Can’t do it like I can
Like I can
O corpo de estremeceu, a voz suave de deixava nítido que aquela música falava muito mais do que ela gostaria de saber. Muito mais do que ela deveria saber quando estava prestes a voltar para sua cidade.
De repente, as vozes na mesa já soavam distantes demais para ela saber sobre o que eles comentavam, observava no palco e só tinha olhos para ele.
Other men can fix na engine
Change a tyre going flat
If you gon’ fancy cooking
There are places you can go for that
Anytime you’re feeling lonely
A friend can ther hold your hand
But the it comes to loving you
There’s no ther man
Can’t do it like I can
Like I can
Like I can
Like I can
Seus olhos se encontraram à medida que ele cantava a música, naquele momento teve certeza que ele estava cantando para ela. não sabia se seu coração era capaz de retomar o ritmo normal quando ele acabasse, ela tinha quase certeza que não.
tinha certeza que o destino gostava de brincar com os dois, não estava feliz ao ouvi-lo cantar, mas ele sabia que não conseguiria guardar tudo para si dessa vez. Tinha saído da cidade sem falar metade do que gostaria para , agora estava tendo a chance — ainda que no momento errado — e não poderia desperdiçar.
Anyone can sing a love song
But what you gotta understand
When it comеs to loving you
There’s no ther man
Can’t do it likе I can
Like I can
Like I can
Like I can
Like I can
Like I can
Like I can
Like I can
A pior parte de tudo aquilo era saber que estava certo, cada parte daquela música tinha um significado importante para ambos. Por um momento, desejou não estar noiva, desejou nunca ter conhecido David, desejou que aquela viagem tivesse outro significado para ela. Mas, principalmente, desejou não precisar voltar para São Francisco no dia seguinte. Ela sabia que era errado, afinal, estava noiva. não deveria ter esse poder ainda sobre ela, mas depois de todos esses longos anos, mas ele tinha.
Anyone can play piano
Anyone can join a bad
No one’s gonna sing about you
Like I can
A música acabou e foi aplaudido, ele tinha sido um dos melhores da noite, sem dúvida. Ninguém percebeu a troca de olhares que ocorreu entre e quando o mesmo voltou para a mesa. se sentiu aliviada por todo mundo ter continuado com a conversa, a qual ela nem sabia mais sobre o que era, mas não teve coragem de encarar o resto da noite.
Na hora de ir embora, se arrependeu de ter aceitado o convite para ficar no apartamento de . Como ela dormiria naquela noite se nem conseguia olhar na cara dele? Talvez a insônia se tornasse sua melhor amiga naquela noite.
— ? — a chamou baixo, ela encarou o amigo.
— — sua voz saiu embargada. — eu estou noiva.
Uma lágrima escorreu pela bochecha de , se odiava naquele instante por estar fazendo-a chorar de novo.
— Eu sei. — Foi a única frase que saiu de sua boca.
— Por quê agora, ? — Ela juntou a coragem para finalmente fazer aquela pergunta.
— Porque não posso deixá-la ir embora sem saber o que ainda sinto por você.
— Mas eu vou. — O olhar duro para destruiu todas as suas esperanças. — Mais uma vez, eu vou embora da sua vida. E, de novo, não é do jeito que eu gostaria.
deixou que fosse para o seu quarto, ele tinha estragado tudo. Mais uma vez.
: Você já chegou?
Não sei se consigo te buscar no aeroporto :(
É óbvio que você não vai responder se ainda não chegou lol.
Ah, é o .
não conseguiu segurar o riso, era o típico que ela conheceu e conviveu durante toda sua infância e adolescência. Ela sabia que eles não se falavam mais como antigamente, mas não tinha pessoa melhor para conhecer Nova York do que com ele. No primeiro instante, achou que ele não aceitaria o convite de turistar pela cidade, mas assim que recebeu a resposta animada de , ela sabia que poderia contar com ele. Após pegar sua mala na esteira, seguiu para a saída do aeroporto, mas parou no meio do caminho quando reconheceu aquele rosto que ela sentia tanta saudade.
— Eu não acredito! — correu até , o mesmo se encontrava parado no saguão, no meio de outras pessoas, com uma plaquinha escrito “Senhorita ”. — Você disse que não ia conseguir vir.
— Eu dei um jeitinho. — sentia tanta falta daquele abraço quando . O tempo longe um do outro, talvez, tenha sido um pouco cruel com eles, mas agora estavam cara a cara novamente.
— Estou feliz que conseguiu. — Ela sorriu, admirando cada traço de . Os anos passaram rápido demais, e em muitos momentos importantes eles não estiveram juntos, mas nunca esqueceria daquele rosto.
— Como foi a viagem? Está com fome? Cansada? Quer descansar ou aproveitar a cidade? — pegou a mochila de , já colocando em seu ombro, do mesmo jeito que pegou a enorme mala que ela carregava. Enquanto ele colocava a mochila no ombro, percebeu que usava um terno azul marinho escuro, não era a roupa que ela estava acostumada a vê-lo usar, mas gostou do que viu. Mas aquilo significava que ele tinha saído direto do trabalho para buscá-la.
— Ei, calminha aí. — soltou um riso baixo. — Estou com fome, essa é a única certeza que eu tenho.
— Ótimo, então já sei onde vamos jantar. — colocou a mala e a mochila de no porta malas de seu carro, assim que alcançaram o veículo no estacionamento do aeroporto.
— Tem certeza? Você parece ter vindo direto do trabalho.
— Isso não é um problema pra mim. — abriu a porta para entrar no carro. — Você está aqui agora, .
É, ela estava finalmente naquela cidade. A cidade que tinha sido um dos motivos pelo distanciamento que eles tiveram, pela última briga e, principalmente, pelo último abraço.
— Não quero ouvir reclamação depois, . — estreitou os olhos, provocativa.
— Enquanto você estiver aqui, essa é a última coisa que eu farei. — piscou, fechando a porta em seguida.
continha um misto de sentimentos em seu peito, por muito tempo ela quis conhecer aquela cidade ao lado de , principalmente por ele ser seu melhor amigo, mas ela já sabia que eles tinham se tornado pessoas diferentes. Enquanto escolheu a licenciatura, dando aula numa escola de ensino médio em São Francisco, ia muito bem no mundo dos negócios em Nova York. E, se não fosse essa viagem de última hora, sabia que não existia chance alguma deles se encontrarem novamente. Não num futuro tão próximo quanto gostariam.
O caminho até o apartamento de , onde ele insistiu para que ficasse hospedada durante sua estadia pela cidade, foi tranquilo. O rádio ligado, mantinha-os entretidos, a cada música eles faziam um comentário sobre o que costumavam tocar na rádio na época de escola. Bons tempos.
O apartamento ficava um pouco afastado do centro comercial da grande metrópole, no entanto, tinha uma das vistas mais lindas que já vira na vida. O edifício era chique demais para ela, mas excelente para , e estava orgulhosa por ele ter conquistado aquilo tudo.
— Aqui é lindo, . — disse, sorrindo ao olhar a vista pela janela. — Na verdade, essa cidade toda é linda. Agora entendendo porque você está aqui.
— Eu sei que fiz uma promessa, mas ainda tenho coisas que me prendem aqui. — disse, sério. sabia muito bem sobre o que ele estava falando. Ele realmente tinha feito uma promessa, mas ela não estava esperando mais que ele fosse cumprir.
Primavera de 2006
— Eu não posso mesmo ficar em casa? — Eu estava parado no corredor da casa de , pronto para bater na porta, quando escutei a conversa.
— Não, . Você vai e pronto. Ano que vem você não vai ter baile de primavera e não quero que se arrependa de não ter ido, como aconteceu comigo. — Escutei a voz de Samantha, a irmã mais velha da minha amiga, soar autoritária dentro do quarto. — Além do mais, já passou da hora de você e o se acertarem.
— Se espera que isso aconteça hoje, está muito enganada. — Ela ainda estava brava comigo.
— E porque aceitou ir ao baile com ele?
— Porque ele é a única pessoa que aceitaria ir ao baile comigo. — Ela disse ríspida. Mas eu também sabia que ela estava mentindo. John, do time de futebol, tinha a convidado uma semana antes de mim. A verdade é que tinha mudado, e muito, desde que nos afastamos. Agora ela não usava mais os óculos, mas ainda se escondia atrás de seus livros. Ela também tinha mudado o modo que se vestia e isso chamou a atenção do time inteiro de futebol, mesmo eu morrendo de ciúmes por dentro. Deixava os cabelos soltos e com leves camadas de ondas caírem por suas costas, antes eles estavam sempre presos por coques ou rabo de cavalo. Ela também estava mais sociável, afinal tinha virado líder de torcida. Ser sociável era apenas o primeiro requisito da lista para esse meio.
Eu não queria mais ouvir aquela conversa, mesmo que ela não tivesse falado nada de errado e nem sequer tivesse falado mal de mim. Sim, ela tinha todo o direito, apesar de tudo. Mas eu gostava de pensar que se tivesse alguma mísera chance de eu ter minha amiga de volta, então que fosse naquela noite. Bati na porta e ela logo foi aberta por Sam.
— Boa sorte com a fera, . — Ela saiu do quarto, deixando a porta entreaberta para eu entrar. Assim que o fiz, a sensação de nostalgia consumiu todo o meu corpo. Já havia estado ali tantas tantas vezes e sabia cada pedacinho daquele cômodo de cor, mas com os últimos dois anos afastado tudo parecia estar diferente. O que me fez sentir raiva por não ter participado daquela mudança ao seu lado, mas eu não tinha o que fazer quando na verdade eu mesmo tinha escolhido me afastar. Permaneci parado no meio do quarto, estava no banheiro, eu podia escutar seus movimentos dentro do cômodo.
— Estou pronta. Podemos ir, . — Me virei, ficando de frente para ela. estava perfeita naquela noite. O vestido num tom de rosa claro caía levemente por seu corpo, as alças finas davam um toque ainda mais delicado, assim como o detalhe de fita em sua cintura. Os sapatos de salto alto eram tão delicados que pareciam de uma princesa e seu cabelo preso em um coque frouxo, com alguns fios soltos, colaboraram para que ela realmente parecesse uma. Eu estava encantado, poderia ficar anos apenas olhando para ela.
Meus olhos se perderam na imensidão dos seus, eu sabia que estava a deixando constrangida. Mas não conseguia formular nenhuma frase, simplesmente todas as palavras sumiram da minha cabeça. Abri e fechei a boca várias vezes e todas as vezes não consegui falar nada. Me senti um idiota, porque eu estava vendo a garota mais linda na minha frente e agindo feito bobo.
— Vamos, . — Ela abriu a porta, esperando que eu saísse primeiro. Cheguei perto de , sentindo seu perfume floral. Nossa, como eu sentia falta daquele cheiro.
— Você está linda. — Eu sabia que tinha conseguido uma reação dela quando seu rosto começou a aderir um tom avermelhado. Mesmo vendo-a morder o lábio para controlar o sorriso que tentava escapar.
— Eu sei que você odeia roupa social, mas caiu muito bem em você. — Era o máximo de um elogio que eu arrancaria da minha amiga, mas aquilo já era um passo e tanto pra quem até pouco tempo atrás nem falava comigo.
— , desça logo antes que eu te arranque deste quarto pelos cabelos! — A voz de Samantha se fez presente, nos tirando dos nossos próprios pensamentos. Por fim, descemos as escadas de sua casa, que dava acesso a sala de estar. A mãe de , senhora Emily, estava na ponta da escada com a câmera fotográfica em mãos. Samantha só faltava saltitar de tanta alegria. Realmente, era como uma realização de um sonho para ela que estivesse indo ao baile.
— Mãe, por favor. — revirava os olhos impacientes e até constrangida. Mesmo com os protestos da minha amiga, tiramos todas as fotos imagináveis a pedido de sua mãe e irmã. Quase em cima da hora conseguimos sair de casa e ir para o ginásio da escola, onde aconteceria o baile. O caminho todo foi em completo silêncio, sendo o único som das nossas respirações e da música da rádio. Eu nem sequer conseguia prestar atenção na música que tocava.
— Fiquei sabendo que passou para a Estadual*. Parabéns, de verdade.
— Obrigada. — voltou a ficar quieta no banco ao meu lado. Por um lado eu agradeci, eu ainda não havia contado que tinha sido aceito em Nova York e era pra lá que eu ia. Não existia outra opção pra mim. Mas por outro, eu queria muito que ela falasse qualquer coisa para me distrair como costumava fazer. Estacionei, alguns minutos depois, em frente ao colégio. Era o último dia que pisaríamos ali. Um misto de emoções transbordava em meu corpo. Sentimentos como alegria, tristeza, alívio por ter completado o ano e, principalmente, saudade. Por saber que daqui pra frente não há nada que alguém possa fazer por você. É o seu futuro em suas mãos e só você pode tomar as decisões e o rumo da sua vida.
Lembro que reclamava quando tinha que acordar cedo e por muito tempo essa era minha maior preocupação. Agora, eu estava a uma semana de sair da minha cidade, onde nasci e cresci e ir morar sozinho em outra. Bem mais movimentada e o centro das atenções: Nova York.
— Onde você se meteu? — perguntou assim que me viu parar em sua frente.
— Tinha ido ao banheiro. — Dei uma desculpa qualquer e sorri abertamente como havia feito a noite inteira, desde que busquei-a em casa.
O ginásio estava repleto de luzes coloridas piscando e uma decoração cafona floral que me fazia nunca mais querer pisar ali. Mas toda vez que eu olhava para e via o sorriso em seu rosto, o esforço valia a pena. Para alguém que dizia não querer ir ao baile, ela estava feliz demais. Eu sabia o motivo e sabia que essa sempre foi a sua vontade. Antes de entrarmos no ensino médio juramos ir juntos ao baile de primavera e ali estávamos nós dois. Para aquilo era extremamente importante, ela só queria que o dia fosse especial e que nada - nada mesmo - desse errado.
— Ai, meu Deus, eu amo essa música! — Ela disse animada. Yeah! Ponto pra mim. Sorriu e comemorou de uma forma fofa e empolgada, assim que Waitin' On A Sunny Day do Bruce Springsteen começou a tocar
— Senhorita, me daria o prazer dessa dança? — perguntei tentando parecer sério, mas falhei miseravelmente já que no minuto seguinte nós dois gargalhamos e fomos para a pista de dança. Foi a primeira vez na noite em que ouvi uma risada sincera, então aquilo me deixou extremamente feliz. De certa forma, eu estava fazendo a coisa certa.
— I hope that you're comin' to stay — Cantarolei a última frase da música antes de tomar coragem e encostar meus lábios nos de . Os segundos seguintes pareceram infinitos para mim, até relaxar e permitir que nossas línguas se encontrassem aprofundando o beijo. Uma corrente elétrica dominou o meu corpo naquela hora e foi como se nós sempre estivéssemos esperando por esse momento.
— Vamos para sua casa. — Ela me olhou nos olhos e pediu a última coisa que eu pudesse imaginar. Mas a essa altura eu já não pensava só com a cabeça de cima, ainda que estivesse tentando.
— , você tem certeza disso? — Eu precisava me certificar que não estava ficando maluco e, talvez, escutado errado. Mas o balançar de cabeça concordando só fez eu ter certeza que não estava ficando louco.
— Tenho. Meus pais sabem que estou com você e não vou voltar cedo. — me puxou para fora do ginásio, então eu desisti de vez de manter minha sanidade no lugar. A pressa era tanta que nem percebemos quando já estávamos no meu antigo quarto na casa dos meus pais. Entre alguns tropeços nas coisas atiradas no chão e algumas batidas pelos móveis conseguimos chegar até minha cama. Como um estalo de volta à realidade, eu percebi que não podia fazer aquilo. Não era justo com , nem comigo e nem com nós. Principalmente se depois daquela noite não fosse existir um nós de fato e eu sabia que não iria. Já estávamos quase nu, o corpo perfeito de vestido apenas por uma lingerie rosa claro, quase no tom do seu vestido. Enquanto a única peça que se encontrava no meu corpo era minha cueca boxer. Olhei-a nos olhos, tentando guardar cada pedacinho seu, como se eu já não soubesse de cada detalhe, do seu jeito e suas manias.
— Não posso fazer isso. Não é justo com a gente. — Enterrei meu rosto em seu pescoço, nossos corpos colados imploravam por mais. Mas o máximo que eu consegui foi me embriagar com o seu cheiro.
— , o que está acontecendo? — O seu tom terno e o carinho que recebia no braço, tornava minha tarefa de contar a verdade ainda mais difícil. A única luz que entrava no meu quarto era a luz da lua, já que a janela estava aberta. Me dando a oportunidade de encarar seus olhos, agora nem tão alegres quanto estavam no baile e a culpa era toda minha. Resgatei toda coragem que eu precisava e finalmente falei.
— Eu vou para Nova York, fui aceito lá. — O tempo parecia ter congelado, porque por alguns instantes tenho certeza que o ar sumiu dos meus pulmões e eu quase não lembrava como se respirava. O brilho nos olhos de sumiram, assim como o seu sorriso terno de antes. Ela também desviou seus olhos dos meus, já que no minuto seguinte levantou da cama e juntou seu vestido do chão. Eu sabia que tinha ferrado com tudo, no pior momento.
— Tô indo pra casa.
— Eu te levo.
— Não precisa, a Sam vem me buscar. — Sua voz embargada denunciava a vontade de chorar. Céus, eu só queria poder mantê-la em meus braços, juntar todos os cacos do seu coração e protegê-la de todo mal. Mas dessa vez quem a estava fazendo sofrer era eu. Num impulso, me levantei da cama e a abracei forte, pelo menos uma última vez.
— Eu prometo que vou voltar. — Um soluço escapou de sua boca, junto de seu corpo estremecendo em meus braços.
— Não prometa o que você não pode cumprir.
— , eu t…
— Não, . Não vamos estragar ainda mais essa noite. Vamos fazer de conta que ela se encerrou no baile e pronto. — Os olhos de nunca mentiam, ela estava tentando ser racional, mas seus olhos me diziam que no fundo estava magoada demais. — Eu espero que um dia você volte, mas não porque fez uma promessa e sim porque você quis voltar. Desejo toda sorte do mundo pra você na cidade grande e que realize seus sonhos. — O som da buzina do carro de Sam nos chamou atenção, mas não nos movemos. Perdidos ainda naquele momento. — Vou sentir sua falta.
— Também vou sentir a sua. Mas eu vou voltar, . — Grudei nossos lábios uma última vez. O toque da mão de em minha nuca me fazia sentir arrepios por toda região e as famosas borboletas pareciam dançar alegremente no meu estômago. Coisa que eu achei nunca ser possível sentir, pensava que acontecia só em filme água com açúcar. Ficamos mais alguns minutos com as testas encostadas e de olhos fechados no meio do meu quarto. Se separar era um esforço que não estávamos dispostos a fazer e sabíamos que quando isso acontecesse então seria, definitivamente, o nosso fim. A buzina soou novamente e a última lembrança daquele ano com foi vê-la indo embora da minha casa chorando.
— Tá tudo bem, . Nós só seguimos caminhos diferentes, isso faz parte. — quebrou o silêncio antes que o clima ficasse constrangedor demais. — Ei, que cheiro é esse? — Ela arregalou os olhos e sua barriga roncou quase automaticamente. Fazia anos que ela não sentia aquele cheiro, apesar de ser seu prato favorito, quase nunca tinha tempo de prepará-lo.
— Conversei com a Samantha, e confirmei minhas suspeitas. — sorriu satisfeito, ele sabia que iria gostar do que ele tinha preparado.
— Você conversou com a minha irmã quando? Que safada, ela não me falou nada.
— Semana passada. — Os olhos de brilharam quando tirou a lasanha de presunto e queijo — ou só de queijo, devido a quantidade caprichada — do forno. O aroma exalava por todo apartamento, e não fez questão alguma de manter os bons modos.
— Você já pegou o seu pedaço? O resto vai ficar pra mim. — Ela riu, empurrando de leve pelo ombro.
— Pelo jeito velhos hábitos nunca mudam, hum? — serviu um prato com a comida para , e logo se juntou a ela na mesa.
— Não. Caramba, estamos falando da minha comida favorita. — não se importou de falar com a boca cheia. — Isso aqui tá muito bom, pelo visto você aprendeu direitinho, hein, ?!
— A vida adulta cobra. — concordou, dando mais atenção à comida do que ao amigo. — Então, já sabe o que quer fazer aqui na cidade? Tenho certeza que você tem um roteiro pronto.
— Sim, e você vai me levar em todos os lugares.
— Tudo bem, vou fazer o esforço e te deixar ser feliz com um momento turista na cidade grande. — riu, após ver responder lhe mostrando a língua. Quando os dois estavam juntos a maturidade era completamente esquecida.
aceitou de bom grado o sorvete de baunilha que lhe entregou, voltando a caminhar pelo Central Park. Com o clima ameno, ela aproveitou para usar um vestido florido de alças finas que ia até a altura de suas coxas. O vestido, no entanto, deixava amostra a leve cicatriz que ela tinha de quando quebrou o braço.
Verão de 2004
— Eu duvido você pular aqui, . — com todo o seu jeito presunçoso de ser me desafiou. Ele mal sabia que estava cometendo o maior erro de sua vida.
— Vou pular aí e chutar a sua cara, . — Larguei meu óculos e a toalha de banho em cima da espreguiçadeira na beira da piscina. Mas ao pular, meu braço bateu na beirada do deck de madeira e, então, eu senti um estalo; um estalo forte demais para ser considerado uma simples batida. Assim que emergi e tentei mexer meu braço, uma parte dele não se mexeu, e eu senti uma dor horrível.
— … — Minha voz saiu um pouco trêmula. Meu braço.
— Não vai chutar minha cara, é? — já começava a nadar para o outro lado da piscina, enquanto eu não mal conseguia me mover da onde eu estava.
— , meu braço, tô falando sério. — Ele viu que eu não rindo e voltou para onde eu estava, praticamente, petrificada naquele lugar. — Acho que quebrei meu braço.
— Para de brincadeira, . Vamos lá, temos o resto do dia para aproveitar.
— , eu não tô brincando, caralho. — Tentei puxar meu braço e a dor se intensificou, principalmente, quando a adrenalina deixou o meu corpo e o pânico tomou conta. A pior parte era tentar puxar meu braço na água, porque ele se tornava mais “pesado”.
— , eu vou chamar sua mãe.
— Não, ela vai me matar! — Eu gritei.
— Então se apoia em mim. — Senti meus olhos úmidos e eu sabia que não conseguiria segurar o choro na frente de , a dor estava ficando insuportável.
— Tá doendo muito, . — Aquela altura só restava a humilhação.
— , desculpa, não quis que você quebrasse o braço. Eu só estava brincando, eu juro.
— , só tá piorando tudo, fica quieto. Eu tô com raiva porque você me fez pular na piscina, mas sei que não é culpa sua. — Eu tinha que admitir, não era culpa dele. Mas se ele não tivesse me provocado, eu não estaria agora com um braço quebrado.
— Vamos, vou te levar pro hospital. E vou ligar para a sua mãe, desculpe, . — Eu não tinha mais o que fazer, a morte já se tornava uma opção.
— Sabia que quando você fica olhando por tempo demais a minha cicatriz dói? — deu mais uma lambida no sorvete, se divertindo com a cara de espanto que fez.
— Sério? — Ele arregalou os olhos e voltou a atenção para o seu próprio sorvete.
— Não, não é como aquelas coisas de filmes do tipo “meu braço dói quando chove”. Mas foi engraçado ter visto sua cara de espanto. — riu.
— Desculpe, ainda me sinto um pouco culpado.
— Deixa de besteira, se te consola, eu fiquei o resto do verão sem fazer nada. Por um lado foi bom, porque me livrei das tarefas domésticas, mas ter que usar gesso o verão todo foi péssimo.
— Essa história só piora. — balançou a cabeça concordando. Como se não fosse o bastante ter quebrado o braço na época, ela e resolveram sair para beber no aniversário de dezesseis anos dele. Não, eles não tinham idade para beber, e mesmo assim o fizeram escondidos. Isso custou um mês de castigo para os dois.
— Mas, pensando bem, agora a gente tem idade pra beber. — Ela sorriu sugestiva. — Você conhece algum karaokê? Pelo amor de deus, , diga que sim.
— Sim, ! — Ele sorriu animado. —Mas agora vamos, eu tenho uma cidade inteira pra te mostrar!
Os dias que se seguiram foram um pouco cansativos e, ao mesmo tempo, extasiantes para . mostrou todos os lugares que ela tinha planejado visitar, e outros que ela nem sequer sabia que existia. A viagem estava chegando ao fim, e quando voltasse para casa, ela teria um casamento para planejar.
O seu casamento.
Olhou mais uma vez para a aliança em seu dedo, reparando que não tinha sequer conversado com David durante toda essa semana em que passou fora. A não ser por poucas mensagens trocadas, eles, de fato, não tinham conversado. A pior parte era saber que ela não tinha sentido falta. Não enquanto esteve com .
— , tá pronta? — bateu na porta, o que fez sair de seus devaneios.
— Sim, já estou indo. — Ela pegou um casaco fino e colocou o celular dentro da bolsa, saindo do quarto em seguida. — Pronto, podemos ir.
A caminho do Alligator Lounge, e conversavam sobre a semana um pouco atípica na vida de ambos. voltaria para São Francisco no dia seguinte, por mais que seu coração gritasse que ainda dava tempo de mudar as coisas. Ela sabia que as coisas nunca mais seriam as mesmas quando voltasse para Califórnia, mas ela não queria que fosse. Apenas torcia que não perdesse mais o contato com , ele era — e sempre seria — peça fundamental na vida de . Naqueles dias em que passou ao seu lado, percebeu o quanto sentia falta do amigo em todos esses anos. Pensou que se ele estivesse ao seu lado, alguns momentos teriam sido mais fáceis de suportar. No entanto, ela sabia que a mudança também não deveria ter sido fácil para , e ela não esteve lá para ele.
Ao chegarem no bar, o casal de amigos encontrou com alguns amigos de , eles tinham combinado de ser a noite do karaokê com muita pizza e cerveja. Segundo , a última noite de deveria ser inesquecível, e ele faria de tudo para agradá-la. No início da noite, algumas pessoas se arriscaram a passar um pouco de vergonha, foi uma delas. Mas depois que voltou para a mesa, decidiu se dedicar em aproveitar o resto da noite com o pessoal. Todos os amigos de foram receptivos, não dando a chance dela ficar de fora sobre o que eles falavam.
— Acho que é a sua vez. — cutucou , indicando o palco com um aceno de cabeça.
— Não estava nos meus planos passar mais vergonha. — Ele riu, bebendo mais um pouco do refrigerante.
— Você é o único sóbrio aqui.
— A última. — Ela concordou, observando-o seguir até o palco.
não fazia ideia de que música cantaria, mas algo lhe dizia que ela teria uma surpresa. E, de fato, ela teve.
Anyone can sing a love song
Anyone can read a book
Anyone can watch a movie
All you gotta do is look
Plenty guys can play piano
But what you gotta understand
When it comes to loving you
There’s no other man
Can’t do it like I can
Like I can
O corpo de estremeceu, a voz suave de deixava nítido que aquela música falava muito mais do que ela gostaria de saber. Muito mais do que ela deveria saber quando estava prestes a voltar para sua cidade.
De repente, as vozes na mesa já soavam distantes demais para ela saber sobre o que eles comentavam, observava no palco e só tinha olhos para ele.
Other men can fix na engine
Change a tyre going flat
If you gon’ fancy cooking
There are places you can go for that
Anytime you’re feeling lonely
A friend can ther hold your hand
But the it comes to loving you
There’s no ther man
Can’t do it like I can
Like I can
Like I can
Like I can
Seus olhos se encontraram à medida que ele cantava a música, naquele momento teve certeza que ele estava cantando para ela. não sabia se seu coração era capaz de retomar o ritmo normal quando ele acabasse, ela tinha quase certeza que não.
tinha certeza que o destino gostava de brincar com os dois, não estava feliz ao ouvi-lo cantar, mas ele sabia que não conseguiria guardar tudo para si dessa vez. Tinha saído da cidade sem falar metade do que gostaria para , agora estava tendo a chance — ainda que no momento errado — e não poderia desperdiçar.
Anyone can sing a love song
But what you gotta understand
When it comеs to loving you
There’s no ther man
Can’t do it likе I can
Like I can
Like I can
Like I can
Like I can
Like I can
Like I can
Like I can
A pior parte de tudo aquilo era saber que estava certo, cada parte daquela música tinha um significado importante para ambos. Por um momento, desejou não estar noiva, desejou nunca ter conhecido David, desejou que aquela viagem tivesse outro significado para ela. Mas, principalmente, desejou não precisar voltar para São Francisco no dia seguinte. Ela sabia que era errado, afinal, estava noiva. não deveria ter esse poder ainda sobre ela, mas depois de todos esses longos anos, mas ele tinha.
Anyone can play piano
Anyone can join a bad
No one’s gonna sing about you
Like I can
A música acabou e foi aplaudido, ele tinha sido um dos melhores da noite, sem dúvida. Ninguém percebeu a troca de olhares que ocorreu entre e quando o mesmo voltou para a mesa. se sentiu aliviada por todo mundo ter continuado com a conversa, a qual ela nem sabia mais sobre o que era, mas não teve coragem de encarar o resto da noite.
Na hora de ir embora, se arrependeu de ter aceitado o convite para ficar no apartamento de . Como ela dormiria naquela noite se nem conseguia olhar na cara dele? Talvez a insônia se tornasse sua melhor amiga naquela noite.
— ? — a chamou baixo, ela encarou o amigo.
— — sua voz saiu embargada. — eu estou noiva.
Uma lágrima escorreu pela bochecha de , se odiava naquele instante por estar fazendo-a chorar de novo.
— Eu sei. — Foi a única frase que saiu de sua boca.
— Por quê agora, ? — Ela juntou a coragem para finalmente fazer aquela pergunta.
— Porque não posso deixá-la ir embora sem saber o que ainda sinto por você.
— Mas eu vou. — O olhar duro para destruiu todas as suas esperanças. — Mais uma vez, eu vou embora da sua vida. E, de novo, não é do jeito que eu gostaria.
deixou que fosse para o seu quarto, ele tinha estragado tudo. Mais uma vez.
Fim
Nota da autora: Eu amo tanto esses dois que foi até difícil escrever essa fic, porque eu já sabia desde o início que as coisas iam dar ruim hahahah.
Mas se você quiser conhecer um pouquinho mais desses dois, a continuação tá aqui!
I'm Still In Love With You [Restrita, Originais]
Nota da scripter: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Mas se você quiser conhecer um pouquinho mais desses dois, a continuação tá aqui!
I'm Still In Love With You [Restrita, Originais]
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