Última atualização: Fanfic Finalizada

Prólogo

“M’an dicho que no hay sali’a por esta calle que voy. M’an dicho que no hay sali’a, yo la tengo que encontrar, aunque me cueste la vida o aunque tenga que matar.”

Umedeci meus lábios passando a língua por eles, e engoli seco. Sempre passava a língua pelos lábios quando estava nervosa. Eu não sabia direito o que pensar ou como agir. Durante quinze anos eu pensei em como seria o dia de hoje. Durante longos quinze anos eu pensei em como seria a minha vida depois de tudo o que aconteceu, depois do fatídico dia. Eu conseguiria retomar a minha vida? Mas afinal de contas, que vida? A vida de quinze anos atrás não existia mais, e eu só conhecia um tipo de vida: a tristeza. Uma tristeza ora escancarada, hora oculta, não se via, mas estava ali, se preparando para se alojar em mim feito bala de fuzil. Eu sou tristeza.

Todos os dias eu sonhava, tinha pesadelos horríveis. Todos os dias, não falhava um. Durante quinze anos. Alguns se repetiam, outros inéditos. Mas eram todos os dias.

Sonhava com as mãos dele sobre as minhas, sobre meu rosto, pelo corpo. Alguns sonhos eram lembranças… Sonhava com o meu parto, ou lembrava do meu parto… dele na sala comigo… Sonhava que ele me visitava, gritava comigo, segurava meu rosto com raiva, xingava… Sonhava que ele me visitava e me acalmava, me beijava, me abraçava e dizia me amar. Sonhava com os dias que precederam o fatídico dia, ou lembrava… Sonhava com o fatídico dia, ou pior, lembrava. Eu era atormentada por aquelas lembranças, por aqueles pesadelos toda noite, e logo depois eu não dormia mais.

Emagreci, ganhei algumas olheiras, algumas cicatrizes das inúmeras tentativas de suícidio e automutilação. Mas era ela que me prendia ainda nesse mundo. Eu só estava viva porque queria vê-la, abraçá-la. O amor que eu sentia por ela era maior que tudo, sempre foi e sempre seria. O amor mais puro e ágape que alguém pode sentir por outro ser. Minha filha. Hoje ela está com dezesseis anos, e eu nunca mais a vi… Nunca mais a beijei, ou abracei. Eu só a via através das inúmeras fotos que Marisol, minha irmã, trazia para mim nas visitas. Eu nunca quis que ela viesse me ver, nunca permiti, quando ela fez quatorze anos, ela insistiu muito para vir, mas eu não deixei. Sua guarda já não era mais minha, era de minha irmã. Ela não sabia qual crime eu havia cometido, não sabia o quão horrenda a própria mãe foi capaz de ser num acesso de fúria. Mas por ela eu matei, e mataria de novo.

Toda a raiva que eu senti de naquele dia, me fez questionar se algum dia, eu seria capaz de ser um ser humano normal outra vez, e em como tanto amor poderia se transformar em ódio em tão pouco tempo, em segundos…

Eu parecia um animal selvagem, ninguém seria capaz de me reconhecer naquele dia.

Eu precisava me encontrar com , e dizer á ela toda a verdade. Eu sabia muito bem que ela tinha dúvidas em sua mente, que pensava no pai, em o que havia de fato acontecido com o pai. Eu pedi a Marisol que não lhe dissesse nada sobre a morte do pai, ela sabia que não estava mais vivo, mas não sabia nada sobre a morte do pai. Eu sentia que era meu dever contar á ela quando fosse a hora. Se era para saber sobre o assassinato do pai, que fosse da minha boca.

Eu não fazia ideia de como seria a reação dela, na cabeça dela eu estava presa por ter cometido um crime de legítima defesa contra um homem qualquer que tentou me fazer mal. E eu sabia que ela até dizia que no meu lugar, se tivesse a oportunidade de se defender, faria a mesma coisa…

Hoje eu sairia da cadeia de uma vez por todas. Minhas contas estavam acertadas com a justiça dos homens. Com a de Deus, eu ainda precisava me entender e pagar, e tinha plena consciência disso. Eu sonhei anos com esse momento, onde eu finalmente seria livre de novo, até que depois isso começou a se tornar uma espécie de pesadelo. Eu não sei ainda como encarar uma vida aqui fora, com todos esses fantasmas, com a idéia de perder o amor da minha filha, que era tudo o que eu tinha no mundo hoje.

Mas eu não tinha mais como fugir disso, ela saberia a verdade.


Capítulo Único

“Ay, el querer! Que en un momento quisiera estar loca y no querer. Porque el querer causa pena, pena que no tiene fin. Y el loco vive sin ella…”

Assim que os portões da penitenciária se abriram eu semicerrei os olhos sentindo a luz forte do sol quase me cegar. Há quanto tempo eu não sentia a luz do sol daquela forma? Forte, queimando-me a pele, atrapalhando a minha visão? O pouco sol que eu tomava mal dava para se dizer que abastecia meu organismo com alguma vitamina D.

Assim que consegui abrir meus olhos completamente, colocando uma de minhas mãos no rosto para ajudar, eu vislumbrei a coisa mais linda que meus olhos puderam enxergar.

e Marisol, abraçadas me olhando. Eu mal podia acreditar que aquele momento era real. Senti um nó se formar em minha garganta, e engoli seco. Várias vezes imaginei como seria aquele dia na minha mente,mas agora que era real, eu simplesmente estava congelada, sem conseguir sair do lugar. Eu queria me mover, mas simplesmente não conseguia, era como se minhas pernas estivessem coladas ao solo embaixo dos meus pés.

Eu me sentia tão feliz e ao mesmo tempo tão anestesiada, que meu cérebro provavelmente não sabia qual comando obedecer.

estava tão grande e tão bonita… Me assustei ao comprovar que ela era ainda mais parecida com de perto. O que fez com que eu ficasse levemente tonta. Olhar para ela, era como vê-lo.

Eu conheci no auge dos meus dezoito anos, em um evento sobre vinhos. Eu estava começando a ficar apaixonada pelos mesmos, graças a umas amigas, e então elas me levaram ao tal evento. Pensar nisso fazia todos os pelos do meu corpo se arrepiarem. Eu sempre me lembraria daquele dia…

Nossos olhares se cruzaram dentro do grande salão, ele vestia uma camisa de mangas longas, cinza e uma calça preta. Eu nunca havia visto homem mais lindo em toda a minha pouca idade. Ele parecia ser mais velho do que eu, algo que posteriormente eu confirmei, o que me fez cravar mais ainda meus olhos nele. Eu sentia que estava hipnotizada, completamente encantada. Meus olhos pareciam se atrair para os dele, mesmo que eu tentasse fugir.

Fui tirada dos meus pensamentos quando senti os braços de me rodearem. Meu coração palpitava com força dentro do peito, e eu a abracei com toda a força que restava em meu pequeno corpo. Aspirei o cheiro doce que emanava de seus cabelos e sorri. Depois de quinze anos, eu finalmente dei um sorriso genuíno. Nenhum amontoado de palavras seriam suficientes para descrever o que eu estava sentindo naquele momento, abraçando a minha filha, minha única filha. Sentindo seu cheiro, o quente de seu corpo, que me segurava com força. Depois de muitos anos, eu me senti completa, ali, com aquele simples abraço. Assim que nos separamos, nossos olhares se cruzaram pela primeira vez, ela me olhou no fundo dos olhos, e por alguns milésimos de segundo, eu enxerguei o rosto de , com os olhos me perfurando, de um preto tão intenso que parecia um buraco negro a me engolir, me afastei abruptamente de , fazendo com que ela se assustasse.

Fechei meus olhos e senti Marisol me amparar e questionar baixinho se eu estava bem.

Vi os olhos de (como eu costumava chamá-lo) me encararem de novo, com ternura dessa vez e um sussurro ecoou meus ouvidos:

“Porque ? Nós nos amávamos tanto! Você não tem pena dela? Não pensou nela quando cravou aquela faca em mim? Suas mãos estão sujas de sangue, sua roupa está suja de sangue, sua alma está suja de sangue . Ela não vai te perdoar, ela não vai te perdoar Anny! Eu não vou te perdoar, eu não vou te perdoar Anny, você não vai se perdoar, nunca!”

“No le temas al camino, es como una maldición. No le temas al camino, si la alumbro, la confirmo. Ya lo sabes, es lo que pasa y ninguno quie'e decirlo.”

Sentei-me na calçada mesmo, ainda com as vistas embaçadas, e ouvindo a voz de sussurrar coisas incompreensíveis em meus ouvidos. Me apoiei em Marisol e vi que me olhava atônita e assustada, sem entender direito que estava acontecendo comigo. Eu tinha esses delírios constantemente, e provavelmente tudo aquilo me atormentaria pelo resto da vida. Como uma maldição.

- ! Tente ficar calma ok? Precisamos ir embora! Não era esse o momento mais esperado? Então minha irmã, vamos embora, hum?

- Consegue se levantar, se apoiando em mim e na tia?

Ouvir a voz de era reconfortante demais para o meu coração, então eu sorri na direção dela, que retribuiu. Olhando-a ali, agora, preocupada e despreparada, senti que devia explicações a ela o mais rápido o possível. Eu assenti com a cabeça e recebi ajuda das duas para me levantar.

Assim que chegamos á casa de Marisol eu me aconcheguei num quarto que dividiria com . A casa era ampla, mas simples, nada de extravagâncias. Limpa, aconchegante, e eu finalmente tinha lar. Claro que eu não pretendia passar a vida toda morando com Marisol, coitada! Eu queria arrumar um emprego, quem sabe fazer uma faculdade… Eu ainda tinha planos, não sei se conseguiria realizá-los, mas eu tinha. Eu precisava cuidar de e recuperar sua custódia de volta para mim.
Fitei-a sentada em sua cama, me mirando também. Ela sorria sem mostrar os dentes.
Bati com uma de minhas mãos sobre a outra cama, a que eu estava sentada, para que ela viesse se sentar ao meu lado e ela assim o fez.

Sentamo-nos uma de frente á outra e demos as mãos. Eu tremia, e percebeu. Passei a língua sobre os lábios, secos, ressecados. Tentei sorrir enquanto desvencilhar uma de minhas mãos das dela, para acariciar-lhe os cabelos. Ela foi a primeira a quebrar o silêncio.

- Sempre sonhei com esse momento! É engraçado como - ela pausou - Como não tenho muitas lembranças suas, mas sinto um amor tremendo por você, mãe! Como se nunca houvessímos sido separadas por nada, nem ninguém!Não é estranho? A tia Marisol, diz que não, porque bom, conexão entre mãe e filha é tão inexplicável, que mesmo separadas, é como se nada tivesse ocorrido.

Eu assenti com a cabeça, em meu coração eu estava com um medo terrível de que pudesse perder aquilo, de que ao descobrir a verdade, perdêssemos essa inexplicável conexão, e que ela passasse a ter medo de mim, nojo de mim… Deixei que algumas lágrimas teimosas escorressem bochecha abaixo.

- , você é o bem mais precioso que eu tenho nesta Terra! Você e sua tia, são as únicas coisas que Deus deixou para mim. Vocês são muito importantes, e eu as amo incondicionalmente, com toda a força que existe em meu coração. - apertei sua delicada mão - E eu espero que isso fique na sua mente para sempre, que independente de qualquer coisa que aconteça conosco daqui para frente, quero que se lembre que eu sempre amei você, desde o dia em que soube que você estava no meu ventre, e assim é desde então!

assentiu com a cabeça freneticamente enquanto eu falava, e percebi que seus olhos marejaram. Foi aí então que ela, receosa, disparou:

- Mãe… Eu não sei se ainda é cedo para esta conversa, mas é algo que eu almejo há muito tempo ter com você! Se ainda não for o momento, eu espero, mas preciso desesperadamente saber o que aconteceu de verdade…

Ela soltou minha mão, se levantou, caminhando até a pequena escrivaninha que continha no quarto com coisas suas, abriu uma gaveta e retirou algumas fotografias de lá.

- Quem era o meu pai? Ele era esse homem aqui? - virou uma fotografia antiga, meio amarelada em minha direção -

A lembrança me pegou de surpresa, eu não esperava ver algo daquele gênero. Nós dois estávamos numa praia, era bem no começo do namoro, estávamos com os rostos colados, um ao lado do outro. Os cabelos desgrenhados, molhados e ressecados do mar. Ambos morenos, corados, de tanto tomar sol. Aquela viagem havia sido, perfeita, surreal de tão maravilhosa. Eu tinha boas lembranças com , viajamos muito, curtimos muito, nos amamos bastante em vários momentos do curto relacionamento. Assim que eu engravidei de , aos meus dezenove anos, paramos com a vida das viagens, ele tinha medo, achava melhor que eu ficasse mais em casa, de repouso e me cuidando. Eu segurei a fotografia em minhas mãos ainda trêmulas, e vislumbrei a mesma. Mirei bem os olhos de e então fitei . Os dois eram iguais…

- Esse homem aqui na fotografia, - eu balbuciei - é o seu pai sim .

Soltei todo o ar preso em meus pulmões.

- Porque você estava presa mãe? Cadê o meu pai? Porque ele nunca me procurou? Ele te abandonou quando você foi presa? Ele me rejeitou?

Eu soltei uma risada seca, nasalada, e neguei com a cabeça.

- Ele nunca rejeitou você filha! Acho que ele te amava tanto quanto eu.

- Então o que aconteceu afinal? - ela me perguntou, sôfrega -

Havia chegado o momento de finalmente contar a a verdade sobre a história da mãe e do pai dela.

“He deja’o un reguero de sangre por el suelo. He deja’o un reguero que me lleva al primer día que te dije que te quiero, pa’ saber lo que decías…”

- Eu o matei! - soltei depressa sem saber como começar - Eu o matei !

Me levantei da cama, em desespero, por me lembrar das cenas da morte .

- É por isso que a mamãe ficou quinze anos presa!

Eu andava de um lado para o outro no quarto enquanto tentava desajeitadamente encontrar um lugar para pôr as mãos.

- Foi um surto, uma loucura! Eu estava cega de ódio do seu pai, estava morrendo de medo dele me tirar você! Ele me ameaçou várias vezes, usando você e sua sua vida filha! Até que na última ameaça, eu surtei, perdi completamente a cabeça com todas as humilhações e com o medo de perder você para sempre que eu simplesmente não pensei em nada, deixei toda a raiva tomar meu corpo e o matei.

- Você… V-você, matou o meu pai? Você e ele não eram felizes? Pelas fotos - ela remexeu nas fotos espalhadas pela cama - P-pelas fotos vocês pareciam felizes! Eu não entendo, eu to muito confusa!

E la desabou sentada na cama com as mãos nas têmporas.

- Você matou o meu pai! Você… Eu…

Deixei as lágrimas caírem livremente pelo meu rosto.

- Eu sei que não existe justificativa para o que eu fiz! Sei que para você agora eu devo ser um monstro ! - virei-me frente á ela e me ajoelhei entre suas pernas me apoiando em seus joelhos - Mas eu não pensei direito! Eu estava cega de raiva e de medo! O seu pai estava com outra mulher! Eu descobri tudo, contratei um detetive que me mostrou que ele estava com outra há meses! E ele pediu o divórcio, eu só tinha vinte anos, seu pai foi o meu primeiro homem! Sua avó e seu avô já tinha morrido e Marisol não morava aqui! Eu só tinha o seu pai e você, não podia perder tudo o que tinha !

Respirei fundo tentando me acalmar, limpei as lágrimas, mas em vão, elas escorriam sem parar do meu rosto.

Ficamos as duas em silêncio, e eu só conseguia chorar. Fechei meus olhos e me lembrei de como tudo havia acontecido:

“- , você precisa entender! Nós vamos nos separar quer você queira, quer não! Se você quer travar uma batalha judicial, vamos nessa! Você é quem tem tudo a perder e não eu! Eu estava disposto a te dar uma pensão justa, um apartamento menor, já que seria só você e a ! Mas você, mimada como só, não aceita perder! Quer ficar fazendo esse joguinho ridículo comigo! Eu tenho dinheiro ! Aliás esse é um dos motivos de você estar comigo! A vida que te proporcionei desde o começo do nosso envolvimento! Você é uma pobretona, nunca teve aonde cair morta! Nem a sua irmã que é a sua irmã quer você na vida dela! Sabe porque Anahái? Porque você suga a energia das pessoas, com essa sua carência, com essa sua mania de exclusividade! Você quer dinheiro? Quer uma vida boa? Então me dê o divórcio! Você fica com um apartamento menor e uma pensão vitalícia! Arrume um emprego oras! Conclua sua faculdade para dar uma vida digna a ! Aliás, pensando bem! A deveria morar comigo! - ele pausou -

Arregalei meus olhos, vermelhos de tanto chorar.

- Nunca! A é minha e comigo ela vai ficar o resto da vida ! Você não vai nem chegar perto da nossa filha se continuar com aquela vadia!

respirou fundo, se aproximou da cadeira onde estava sentada, ela havia terminado uma refeição quando invadira o apartamento exigindo que eu arrumasse minhas malas, saísse de lá e assinasse o divórvio.

Os papéis estavam sob o balcão. O dinheiro de pensão que queria me pagar era uma miséria e mal daria para que eu mantesse a minha própria vida que dirá a de , era um absurdo! Sem contar que eu não queria dar á ele o divórcio, ele era meu! Nós éramos a família perfeita e eu jamais aceitaria o fim daquele casamento.

havia se tornado abusivo, tóxico, me humilhava constantemente, mas eu achava que ainda o amava e precisava desesperadamente da boa vida que ele me proporcionava, ainda mais agora com uma filha! Eu não havia terminado a faculdade, eu tranquei logo que engravidei e quando nasceu ele disse que eu poderia ficar disponível para a bebe cem por cento do tempo, e não precisaria voltar para a faculdade, nem trabalhar caso eu não quisesse, nada me faltaria nunca, nem a mim, nem a e de fato nunca nos faltou nada!

Com toda aquela situação de divórcio eu estava desesperada, desamparada, sozinha e com medo de perder a boa condição para criar a minha filha, além de não ter aceitado a traição.

me ameaçava a dias, me tirar a casa, o carro, o dinheiro, me humilhava, eu já não aguentava mais toda aquela situação! “Não era mais fácil ter assinado o divórcio?” Sim, era. Mas naquela época, com a minha cabeça de vinte anos, não. Não era, eu não aceitava.

Foi aí então que ele retirou da cadeira, a ajeitou em seus braços - e a menina o amava e sentia sua falta - levou para o quarto, a fez dormir enquanto eu rasgava violentamente os papéis do divórcio pela enésima vez.

Assim que ele retornou a cozinha eu joguei os papéis picados em sua face.

- Sabe quando eu vou assinar esse divórcio ? NUNCA! - eu berrei com a boca próxima á sua -

- Eu já fiz as malas da , hoje mesmo eu a levo comigo e amanhã darei entrada no processo de requerimento da guarda dela! Esse apartamento está em meu nome, como todas as outras coisas, espere a visita de um oficial de justiça a qualquer momento para te tirar daqui! Você vai ficar na sarjeta ! Até as roupas que você veste eu vou te tirar! vai comigo hoje, e ficará comigo o resto dos dias dela e você nunca mais a verá, me entendeu bem ? Você não a merece, e não merece nada do que eu fiz por você! Você é louca, meu Deus, como eu não percebi antes? Você está bebendo todos dias não está? Mal tem condições de cuidar da menina! Talvez eu peça uma intervenção, e aí sim você nunca mais verá a ! Sua lunática!

Virei-me de costas para ele apoiando-me na pia da cozinha, havia uma faca enxugando no escorredor de louças e ela parecia brilhar mais do que qualquer outra peça ali. Eu ouvia falar, falar e falar atrás de mim, me humilhar, me ameaçar…

- Juiz nenhum vai deixar a com você, você vem se mostrado cada vez mais incapaz de cuidar da garota! Você sempre foi uma péssima mãe! Eu não vou deixar minha filha nas mãos de uma alcoólatra! Olha só pra você ! Você já se olhou no espelho hoje? Você está horrível, acabada! Só sabe fumar e beber! Vou levar minha filha hoje, ela não vai passar mais nem um segundo com você! Sua irreponsável! Maluca!

Abri a geladeira enquanto ele dizia outra vez que ia tirar a de mim e peguei uma garrafa cerveja daquelas maiores, afinal de contas não gostava das long necks. .

- CHEGA! - gritei enquanto acertava a garrafa em sua cabeça e face -

caiu, estirado no chão com a cabeça ferida e molhado de cerveja. Apoiei minhas costas e quadris na pia e mais uma vez, mirei a faca. Ela continuava a brilhar e era como se ela me chamasse, lembrei-me dele falando que levaria consigo, que eu nunca mais a veria, das humilhações sofridas no último ano, e enfim peguei a grande faca. estava ali, vulnerável, desmaiado, sem força ou poder algum sobre mim. Coloquei uma perna de cada lado de seu corpo e me pus sobre ele. Fechei meus olhos, sentindo as lágrimas descerem por meu rosto, tremia, e lembrei das últimas ameaça: “Talvez eu peça uma intervenção, e aí sim você nunca mais verá a ! Sua lunática!”
E então eu desferi o primeiro golpe, em seu peito…

“Você vem se mostrado cada vez mais incapaz de cuidar da garota! Você sempre foi uma péssima mãe! Eu não vou deixar minha filha nas mãos de uma alcoólatra!”

E aí então eu só fui parar de desferir golpes quando comecei a me cortar profundamente também. Deitei ao seu lado, exausta e banhada em sangue. As lágrimas desciam por toda a minha face, vermelha e suada.

Me deitei em seu peito ensanguentado, e soluçando indaguei:

- Quando foi que você deixou de amar ? Porque você se transformou nesse monstro? Se lembra da primeira vez que disse que me amava e me queria? Que me queria pro resto da vida ? O que aconteceu com a gente?

Chorei copiosamente, até adormecer. Algumas horas depois ao acordar e me deparar com o cadáver de ali ao meu lado, me levantei e vi sangue por toda a extensão de onde estávamos, sangue em minhas roupas, em meus cabelos, em minhas mãos… estava mais branco que a neve e eu me desesperei outra vez. Sacudi seus ombros numa tentativa inútil de acordá-lo, era o início do meu pesadelo. Eu havia matado o meu marido, pai da minha única filha. Me levantei novamente sentindo o desespero correr por minhas veias, escorreguei na poça de sangue que se formara no chão me sujando ainda mais e saí porta afora, gritando, chorando e deixando um rastro de sangue por onde passava.

Uma vizinha me viu, me ajudou, ligou para a polícia e eu confessei tudo. Matei meu marido e fui morta por ele também.

“Ay, el querer! Que en un momento quisiera estar loca y no querer. Porque el querer causa pena, pena que no tiene fin. Y el loco vive sin ella…”

me abraçou. Senti seus braços me envolverem, e então terminei de chorar. Havia uma avalanche dentro de mim agora. O cheiro de era tão bom! Como eu tive medo de nunca mais ver a minha menina! Aquele abraço significava muito para mim!

- Eu vou te deixar sozinha! E preciso ficar um tempo sozinha também para assimilar tudo! Acho que tudo isso desencadeou muitas emoções em nós duas, e precisamos de tempo, tá bom?

Eu assenti enquanto tentava enxugar minhas lágrimas, e ela saiu, batendo a porta e me deixando ali, com todas aquelas fotos.

Peguei uma outra foto que estava sobre a cama, nessa já não estávamos mais tão felizes. Eu já havia descoberto que ele estava com outra. Minha feição na foto demonstrava exatamente isso, que eu estava incomodada com algo. E bem, os olhos de estavam vívidos, mas não tinham mais brilho. Há uma linha fina entre o amor e ódio. Seus olhos eram meu cais. Balancei a cabeça em negativa, enquanto tapava meus lábios com as mãos, chorando com força.

Aquelas fotos despertaram lembranças muito bem guardadas dentro de mim.

- Quando a pessoa dos seus sonhos começa a se tornar um pesadelo, é hora de acordar. - sussurrei para mim mesma -

Eu ainda chorava, e eu precisava chorar! Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correta e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão.

Não, não ofereço perigo algum: sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, sou definida e clara como o jarro com água no canto do quarto - se tomada com cuidado, verto água límpida sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto mas, se tocada por dedos bruscos num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada.

Ah como eu queria nunca ter amado de verdade. Como eu gostaria de ter aceitado aquele divórcio e poder tê-lo vivo aqui hoje, não por mim, mas pela ! Não sinto saudades de seu amor, ele nunca existiu, hoje nem sei que cara ele teria, nem sei que cheiro ele teria. Não existe morte para o que nunca nasceu. Mas eu renasceria!


Fim



Nota da autora: Oieee! Espero que tenham gostado! Qualquer coisa me chama no twitter que eu tenho mais de 20 fanfics no site!




Nota da scripter: Oi! O Disqus está um pouco instável ultimamente e, às vezes, a caixinha de comentários pode não aparecer. Então, caso você queira deixar a autora feliz com um comentário, é só clicar AQUI.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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