Fanfic finalizada.

Capítulo Único

ALERTA DE GATILHO: Essa história retrata assuntos de conteúdo pesado, como depressão, uso de drogas e suicídio. Se qualquer uma dessas questões for gatilho para você, peço que não leia.


Cause I’m just one of these ghosts


Windsor, Inglaterra, 23 de agosto de 2019.

A festa na casa da Daisy havia começado algumas horas atrás. Para quem frequentava a universidade local, reconheceria muitos rostos, principalmente do grupo de amigos que se encontravam na cozinha. Três encostados no balcão bebiam suas respectivas bebidas alcoólicas, os outros dois estavam em pé de frente para eles, conversando enquanto bebiam também, Gabee ria de provavelmente alguma besteira que os meninos haviam falado, Lucy se aproximava do garoto no balcão e sussurrava em seu ouvido como preferia estar em um lugar mais reservado com ele.
Seu namorado, Ashton, sempre achava muito divertido quando todos estavam reunidos assim, amava também quando passava um tempo com sua namorada, embora as últimas semanas tivessem sido preenchidas com algumas brigas entre eles, sempre pelo mesmo motivo, mas que demorou algumas noites brigados, alguns dias sem se falar e algumas mágoas para eles chegarem a um consenso. Mas aquela noite não era para se voltar a pensar no assunto. Era a primeira festa propriamente dita que iam todos juntos assim depois de algum tempo, ele estava animado e feliz por aquele tempo que estava sendo gasto daquela maneira.
Já tinha se passado mais uma hora e meia. Lucy tinha ido ao banheiro e apesar de ser forte quando o assunto se tratava de bebidas alcoólicas, seu sistema urinário não acompanhava a mesma resistência. No caminho até o banheiro, ela já conseguia ver pessoas, poucas, porém ainda presentes, jogadas no chão, provavelmente passando mal devido ao álcool ingerido. O banheiro do andar de baixo, para sua sorte, estava vazio, coisa rara para aquele tipo de ambiente. Achou que ia encontrar alguém vomitando ou algum casal se pegando ali dentro, mas quando encontrou totalmente vazio imaginou que esse tipo de coisa estivesse acontecendo nos outros dois banheiros que haviam na casa, a casa de Daisy era enorme, ela sempre tinha sido conhecida como membro de uma das famílias mais ricas da universidade, então sua casa e o luxo dela não eram de se surpreender.
Lucy já estava fazendo seu caminho de volta para a cozinha, onde se encontrava antes com seus amigos e seu namorado desde o começo daquela noite, parou em uma das portas que davam acesso à cozinha e avistou aquilo que lhe estava apertando o coração há semanas. Viu a anfitriã estender o pequeno pacote com a substância para seu namorado e o viu guardando no seu bolso depois de sorrir para ela
— Por que a Daisy estava aqui?
Depois de alguns instantes parada onde estava por não acreditar na traição que seu namorado havia a causado, resolveu ir até ele.
— Oi, meu amor, você voltou. — Ele tentou dar um beijo na bochecha da garota à sua frente, que foi negado com ela virando a cabeça.
— O que a Daisy estava fazendo aqui?
— Ela só veio conversar. Ela é a dona da festa, né — ele simplesmente disse e depois deu um gole em sua bebida.
— Ash — suspirou. — Ashton, eu vi.
— Viu o quê? — Ele voltou sua atenção a ela.
— O que ela te deu.
— Lucy, eu não sei do que você está falando.
— Você é um babaca mesmo.
Ela soltou um risinho incrédulo antes de soltar a ofensa e começou a andar para fora da festa. Ele foi atrás dela e quando conseguiu chegar perto, alcançando-a, a abraçou.
— Eu sinto muito, meu amor, mas tenta entender meu lado.
Ashton acariciava os cabelos dela e falava baixo, quase em seu ouvido. Não que alguém fosse escutar se estivessem falando em tom normal, devido ao som alto que tocava.
— Não dá. Eu passei as últimas semanas tentando entender, mas eu ofereci ajuda e você simplesmente não quer aceitar.
— Porque eu não preciso de ajuda. A situação está sob controle, que saco! Você parece que se esforça para ficar contra mim.
Os dois já tinham se soltado um do outro e já falavam um pouco mais alto.
— Se eu estivesse contra você, eu não falaria nada. É exatamente por me importar que eu ainda continuo aqui, insistindo. — Lucy já respirava fundo, as lágrimas queriam começar a descer, mas a raiva que sentia por eles ficarem voltando para o mesmo ciclo, presos por quase dois meses, era maior. — Eu vou embora.
— Mas você veio comigo — ele disse, observando sua namorada pegar o casaco em cima de um dos sofás e ir em direção à porta. Ela pareceu não ouvir ou fingir que não tinha escutado porque saiu pela porta deixando um Ashton confuso, parado no mesmo lugar, pensando o que fazer, como agir em seguida.
Já do lado de fora, ela caminhou até o meio da rua no impulso pela raiva que sentia. Quando se deu conta de onde já estava, olhou de volta para a casa e percebeu que ele não havia saído pela porta atrás dela. Aquilo de certa forma havia a deixado frustrada e triste.
Pegou seu celular no bolso, desbloqueou e achou rapidamente o contato que queria, já que falava com ele com muita frequência. Com o olhar embaçado, não sabendo se era de raiva ou de mágoa, digitou a mensagem, apertando forte cada uma das letras

“Sei o que aconteceu, mas a essa hora de noite, eu saindo daquele jeito, tinha certeza que viria atrás de mim. Parece que minha certeza estava errada” — Lucy.
Apertou o botão enviar sem hesitar. Talvez mais tarde, amanhã, sentisse culpa depois de sua mente clarear e a situação esfriar, mas no momento só sentia coisas ruins e tudo isso por uma coisa que ela sabia que era estúpida.


Windsor, Inglaterra, 25 de Setembro de 2019, 1 mês depois.

Ashton caminhava pelo campus da universidade, sua aula sobre alguma coisa que ele não tinha prestado atenção tinha acabado havia quase 20 minutos. Não havia dormido muito bem na noite anterior, aliás tinha já algum tempo que não podia chamar suas noites de bem dormidas. Continuou o caminho, que parecia sem rumo, pensou ter visto alguns rostos familiares por ele e talvez não estivesse enganado, já que também pensou ter escutado alguém chamar seu nome, mas como estava com os fones de ouvido em um volume razoável não tinha certeza.
Tinha andado por mais o que lhe parecia dois minutos quando avistou ela. Mesmo de costas, ele a reconheceria em qualquer lugar. Andou discretamente até a mesa e se sentou ao lado da menina que para ele o termo usado era namorada, sua namorada.
— Sua aula terminou mais cedo? Geralmente você que me encontra nos lugares, não o contrário.
— A Senhorita Albert não estava se sentindo muito bem, então ela foi embora mais cedo.
A garota não tinha tirado sua atenção do livro que estava à sua frente. Ele apenas sorriu, gostava de pensar que ela ainda tinha algumas coisas que não tinham mudado com o tempo, que ele ainda olhava e pensava como isso era muito dela, como nada ser mais importante do que a leitura de seu livro. Resolveu não atrapalhar o que ela estava fazendo por um tempo e apenas ficar na sua presença sem dizer nada, ultimamente não tinha nada que ele gostava mais do que apenas ficar assim olhando para a garota que amava.
Um tempo que ele acreditava serem minutos havia se passado. Logan se aproximava da mesa na qual os dois se encontravam, parou e se sentou de frente para eles. Disse um Oi que foi correspondido por ambos, embora Lucy tenha feito ainda com o olhar no que estava perdida desde o início, o que fez Ashton olhar para onde ela estava, acompanhado de Logan, mas logo voltou o olhar novamente ao amigo à sua frente
— Como você tá, cara?
Logan foi o primeiro a começar a puxar assunto. Ele perguntou, tirando sua mochila que se encontrava pendurada no seu ombro e colocando ao seu lado.
— Bem e você?
Ashton respondeu rápido.
— Tem certeza? O que aconteceu naquela noite foi feio… sabe.
O amigo se remexia no seu lugar, olhando na direção de Lucy. Talvez o desconforto dele era por estar tendo aquela conversa na frente dela, afinal, a situação feia envolvia os dois, a briga e Ashton tendo que contar para os amigos depois o motivo dela.
— Eu sei, mas eu estou tentando ficar bem, sabe, cuidar do meu problema e…
— Sabe que pode contar comigo né?
Ele tinha pegado na mão de Ashton logo após ter feito a pergunta, o interrompendo. A garota ao seu lado apenas olhou o gesto surpresa, nunca tinha visto ele agir assim. Nem ela, nem seu namorado tiveram muito tempo para pensar sobre o que aquilo significava porque ouviram alguém chamar a presença da terceira pessoa na mesa, indicando que a próxima aula dele estava para começar, então ele apenas deu uma despedida geral e seguiu seu caminho.


Windsor, Inglaterra, 25 de Outubro de 2019, 2 meses depois.

O quarto da garota acabou se tornando um dos lugares mais familiares para ele. Ela deveria estar fazendo alguma outra coisa pela casa, já que sua mãe havia aberto a porta da frente segundos após ele ter tocado a campainha e dito que ele poderia subir e ficar à vontade. Ele olhava ao redor, observando tudo. Não importava quantas vezes ele tivesse frequentado aquele lugar, sempre achava que algo novo poderia ser descoberto, ser aprendido sobre ela, a dona dele, o seu amor.
A garota na porta do quarto admirava seu namorado perdido em algum pensamento aleatório enquanto olhava ao redor em seu quarto.
— Meus pais confiam mesmo em você para te deixar entrar assim — ela disse e riu do susto que ele tinha levado, fazia um tempo que não se assustava com a sua presença.
— Ai, amor, não faz isso — ele disse rindo também. — Confiam porque eu conheço muito bem a filha deles. Inclusive estava aqui pensando que você deveria estar no banho, você fica muito linda só de toalha. — Olhava sua namorada de uma ponta a outra do seu corpo, admirado.
— Deixa de ser safado — ela disse, se sentando ao seu lado na cama, onde ele sempre acabava quando ia visitá-la.
— Impossível namorando você.
Ele inspirava o aroma que ela deixava no ar e ficava mais forte ainda naquele ambiente. Ele gostava como ela era mais aberta, conversava mais quando estavam apenas os dois. Ele abaixou a cabeça, tomado por pensamentos que sempre começavam a lhe rodear quando pensava nisso.
— Hey, que foi?
— Não é nada.
— Você pode conversar comigo sobre o que quiser. Eu estou aqui somente para você.
Ela tinha assumido outra postura. Tinha sentado com as pernas cruzadas na cama, esperando que ele fizesse o mesmo.
— Eu não estou me sentindo muito bem ultimamente.
— E por quê?
— Aaah, você sabe, por tudo.
— Amor, você vai precisar me contar mais detalhes se quiser que eu te aj…
— Hey, hey, deixa pra lá. Não é nada, juro. — Ele segurava o rosto dela em suas mãos agora.
— Mas…
— Nada. Eu gosto quando estou aqui. Sinto que podemos fazer qualquer coisa sem julgamento, que eu posso fazer qualquer coisa sem julgamento aqui nesse quarto, então vamos aproveitar e fazer isso, por mim? — Ele a olhava no fundo dos olhos e ela, mesmo relutante, concordou.
— Eu não vou esquecer, mas tá bom por hoje.
Ele sorriu feliz pela teimosia dela ainda estar intacta.
— Tá bom, tá bom — respondeu sorrindo, fazendo sinal de rendição com as mãos. — Mas agora vamos aproveitar inclusive que você está só de toalha.
— Ash, mas você.
Ela deu alguns tapas nele e o restante da tarde foi assim, eles dois, sozinhos, no mundinho deles e no fundo nada mais importava naquele momento.


Windsor, Inglaterra, 8 de Novembro de 2019, 2 meses depois e 2 semanas depois.

— Ash! Você… Cara, que bom que você veio. — Logan sinalizou de longe para ele, que estava parado em um canto.
Ele tinha ficado feliz ao ver o entusiasmo do amigo ao vê-lo. Fazia tempo que não saía e se encontrava com eles ali
— Você mandou uma mensagem convidando. Achei que deveria dar uma passada.
— Fico feliz de verdade que tenha aparecido.
A noite estava se seguindo melhor do que ele esperava, estava se divertindo mais do que esperava. Lucy chegou um tempo depois que ele e o rapaz não parava de pensar em como ela estava linda aquela noite, com a saia preta e uma regata branca, sua namorada era linda mesmo e ele estava feliz também de vê-la tentando interagir com seus amigos novamente. Ela tinha ido ao banheiro e Ashton estava na cozinha pegando um refrigerante, já que tinha resolvido não beber naquela noite para poder cuidar de Lucy.
— Heey, cara, chega aqui. — Logan tinha chegado à cozinha, falando em um tom que ele sabia que era indicativo de que o amigo já tinha bebido um pouco além da conta. — Sabe a Marie? Ela está aqui e disse que quer te conhecer.
Ele se voltou meio incrédulo pelo amigo estar lhe dizendo aquilo quando sua namorada voltaria a qualquer momento.
— Cara, ela só foi ao banheiro e você já está tentando me apresentar uma garota nova.
— Ela quem? — ele perguntou, dando um gole no conteúdo do copo em sua mão.
— Como assim ela quem? Minha namorada.
— Namorada? Cara, você tá bem?
— Estou, por quê? A Lucy já vai vol…
— A Lucy?
— Sim, minha namorada.
Logan o encarava.
— Vem aqui.
Ele disse, se aproximando e tentando abraçar o amigo. Ashton olhou por cima do ombro dele e viu sua namorada de volta ao ambiente.
— Cara, ela não está aqui.
— O que você está falando? Ela está bem ali — ele disse se afastando.
— Cara, eu..
Logan não conseguiu terminar de falar. Ashton esbarrou nele e seguiu em direção à namorada, a pegando pela mão e a puxando para fora da festa. Pararam de andar só quando já estavam do lado de fora, ela assistindo-o se sentar na grama e sentando-se ao seu lado logo em seguida.
— Hey, tá tudo bem. Não precisa ficar chateado.
Ela colocou a mão em suas costas.
— Como ele se atreve a me apresentar outra garota? Que estúpido! Eu sei que na última festa eles presenciaram uma briga feia entre a gente por minha culpa, por um erro meu, mas… Ai que idiota.
— Todos nós aprendemos a cometer erros e fugir deles. Todos somos um pouco idiotas, não é mesmo?
Lucy soltou um sorriso para ele e ele fez menção de beijá-la, mas não achava o lugar o mais apropriado para isso.
— Vem, eu vou te levar para casa — ele disse se levantando.
— Tem certeza? Você pode voltar lá para dentro se quiser. — Ela apontava para a casa de onde o som alto ainda saía.
— Não, eu vou te levar para casa. Dessa vez, segura.
Ela deu mais um sorriso, que foi seguido pelo garoto, e seguiram seu caminho.


Windsor, Inglaterra, 11 de Novembro de 2019, 2 meses depois, 2 semanas depois e 3 dias depois.

Era madrugada do dia onze de novembro ainda. Se fosse para ser mais exato, o relógio no criado mudo do garoto, que já se encontrava de pé, marcava exatamente três e cinquenta e quatro. Ele andava de um lado para o outro no quarto, alguns poderiam encarar aquilo como um ato de nervosismo, ansiedade, mas na verdade o semblante dele se encontrava calmo. Ele já tinha planejado tudo, já tinha passado na sua mente o que iria acontecer dentro de alguns minutos tantas vezes que, se lhe perguntassem isso em números exatos, ele nunca saberia dizer. Ele tentou passar em sua mente nesses últimos dois meses outras coisas, mas aquela noite da festa não saía da sua cabeça. Ela não saía da sua cabeça. Ela que agora se encontrava meio sentada, meio deitada na poltrona que ficava no canto do quarto dele, tinha um semblante calmo, mesmo depois de ter despertado com o andar dele no quarto. Ele voltou a pensar em tudo o que aconteceu, quando encontrou o olhar dela nele.


Windsor, Inglaterra, 23 de agosto de 2019, 2 meses, 2 semanas e 3 dias atrás.


“Sei o que aconteceu, mas essa hora de noite, eu saindo daquele jeito, tinha certeza que viria atrás de mim. Parece que minha certeza estava errada” — Lucy.
Ashton sentiu o celular vibrar no bolso e tinha certeza de que era uma mensagem de sua namorada. Se sentia péssimo pela discussão que tiveram e sabia o quão irritada e chateada ela deveria estar com ele. Quando se fazia as perguntas mentalmente de “Por que tudo aquilo tinha começado?” ou “Quando tudo aquilo começou?” não chegava nunca a um lugar que lhe desse certeza das respostas. Sabia que Lucy o amava, porque ele a amava também e, se visse sua amada entrando na situação que ele se encontrava agora, com certeza também ficaria decepcionado. Decepção. Era esse o sentimento que tinha agora por si mesmo. Pegou o celular, leu a mensagem e se sentiu péssimo por ter mandado ela ir embora. Como podia não ter ido atrás dela? Já fazia uns dez ou quinze minutos que ela havia sido, sua percepção do tempo não estava muito boa devido à substância que tinha usado. Ela já deveria estar quase em casa, esse pensamento lhe ocorreu e trouxe calma para sua mente por um instante.


Windsor, Inglaterra, 23 de agosto de 2019, 2 meses, 2 semanas, 3 dias atrás e alguns minutos atrás.


“Sei o que aconteceu, mas essa hora de noite, eu saindo daquele jeito, tinha certeza que viria atrás de mim. Parece que minha certeza estava errada” — Lucy.
Apertou o botão enviar sem hesitar. Talvez mais tarde, amanhã, sentisse culpa depois de sua mente clarear e a situação esfriar, mas no momento só sentia coisas ruins e tudo isso por uma coisa que ela sabia que era estúpida. Guardou o celular no bolso, apertou o casaco que tinha pegado jogado em um sofá da festa e encarou a rua escura e vazia na sua frente. Sua casa não era muito longe dali, menos de quinze minutos e estaria na sua cama, deitada e perdida de vez em seus pensamentos. Encarou mais uma vez o caminho em sua frente e seu pé direito deu o primeiro passo em direção àquelas poucas quadras que teria que percorrer.
Mesmo com o casaco, não podia deixar de sentir o ar gelado que estava naquela noite batendo levemente em seu rosto. Já tinha andado o que acreditava que era metade do caminho até sua casa.
— Boa noite, lindinha. Aonde está indo?
Lucy escutou uma voz, virou rapidamente para trás pelo susto e encontrou um homem que aparentava ter seus 45/50 anos saindo de uma pequena plantação que tinha na rua a qual ela estava passando.
— Só para casa.
Ela apenas falou e tentou virar-se de volta para continuar seguindo na direção certa. Começou a sentir o cheiro do álcool, logo depois sentiu seu braço ser segurado.
— Mas já? Só são... — ele tentava olhar seu pulso — acho que bebi tanto que esqueci que não estou usando relógio. — Logo depois de terminar de falar, soltou uma risada. Os olhos delas começaram a se encher de lágrimas e o cheiro de bebida que emanava do hálito dele estava deixando-a apavorada.
— Me sol-ta p-or fav-or.
Ela já estava falando gaguejando por conta do choro que já tinha começado a cair. Pensou no que ele tinha falado sobre horas e já era muito tarde, não tinha muitas coisas na rua que estavam abertas e as que tinham provavelmente já tinham pessoas dormindo nelas. Fez algumas tentativas de se soltar e, quando percebeu que estavam sendo em vão, começou a oferecer seus pertences a ele. Levou o braço que não estava sendo segurado ao seu bolso, tirando o celular dali e entregando a ele.
— Bobinha, eu não quero suas coisas. Você por outro lado é uma gracinha mesmo.
Lucy o acompanhou levando sua mão livre até a parte esquerda do cós da sua calça e quando levantou a sua regata, que estava imunda, o desespero dela só aumentou ao ver o que estava ali. O objeto da cor prata chamava atenção na escura noite. Ela começou a gritar e acreditou que isso tinha feito ele se atrapalhar porque num momento ela conseguiu se soltar e ela correu, correu tão rápido como nunca tinha feito na vida. Ela gritava, chorava enquanto corria para tentar chegar em casa e ficar o mais afastada possível daquele homem nojento, mas não foi o suficiente. Ela sentiu quando seu corpo acertou o chão, quando aquelas mãos nojentas a empurraram, sentiu também quando o objeto perfurou, entrando na sua barriga. Ela estava de costas, não conseguiu ver a cara do assassino quando fez isso, mas ela tinha certeza de que a dela era de choque. Nunca imaginou que aquela noite terminaria assim. Sua visão, que ela não sabia se era pelo choro ou pelo ferimento que agora tinha, começou a ficar embaçada e ela de alguma forma sabia naquele momento que aquela noite era sua última. Seu corpo ia ficando fraco. Começou a pensar no seu namorado, na sua faculdade, em sua família e nos seus amigos. Quase não tinha mais forças, pronunciou um “A-Ash” falhado e rouco antes de perder a consciência de uma vez.
Seu corpo foi encontrado quando o dia estava clareando na manhã seguinte. Os médicos disseram que ela poderia ter sobrevivido se tivesse sido socorrida antes. Lucy sangrou até a morte.


Windsor, Inglaterra, 11 de Novembro de 2019, 2 meses depois, 2 semanas depois e 3 dias depois.

Ele já havia preparado tudo antes. As coisas que ele julgava necessárias estavam todas na mesa de centro da sala, no andar debaixo da casa. Olhou para a garota mais uma vez sentada na poltrona e sentiu a dúvida brotar no seu olhar.
— Ashton, o que você vai fazer? — Ele a viu terminar sua fala e se levantar, cruzando seus braços, o olhando.
— Não sei o porquê dessa pergunta — ele disse ainda sem coragem de encará-la.
— Porque eu te conheço, é o por isso dessa pergunta.
Ele estava mudo em sua frente.
— Ash... Ashton, ASHTON!
Ouviu seu nome sair pela boca dela três vezes de três maneiras diferentes. Quando ouviu a forma que foi pronunciado pela última vez, saiu do quarto sentindo ela o seguir degraus abaixo até chegar à sala.
— ASHTON! VOCÊ TEM QUE FALAR COMIGO!
— NÃO TENHO. SABE POR QUÊ? PORQUE VOCÊ ESTÁ MORTA!
Ele parou no pé da escada e se voltou para ela começando a gritar também. Ela o olhou, viu seus olhos cheios de lágrimas e naquele momento, se o resquício de dúvida que tinha sobrado dentro dela existia, havia sumido. Ela entendeu exatamente o que estava para acontecer ali.
— Você morreu, Lucy, e... e… — Respirou fundo. — Eu tentei negar isso nos últimos dois meses, negar como isso me afetou, como esse tanto de coisas aqui dentro formam um vazio, esse vazio que está me matando aos poucos.
Ela observava o garoto que amava na sua frente agora já chorando, despejando tudo o que sentia. Achou melhor deixá-lo falar.
— Eu te amo tanto, Lucy, e sinto muito pela minha merda de problema ter causado isso. Eu deveria. — Ele se ajoelhou na frente dela. — EU DEVERIA ter ido atrás de você. Sou um IDIOTA. Você era, você é a coisa mais importante pra mim e eu, e-u simplesmente deixei você ir, sozinha… sozinha.
Ela imitou o ato feito por ele momentos antes e se ajoelhou, ficando na sua altura e pegando seu rosto em mãos.
— Ash, você é muito importante pra mim e deveria ser para você também. Então, por favor, me diz que eu estou entendendo errado, porque parece que você está se despedindo de algo.
— Eu não posso mais. Eu não aguento mais viver com tudo isso e com a culpa. Eu não consigo mais organizar essas coisas dentro de mim, Lu — ele disse, ficando em pé aos poucos. — Você sabe que eu queria poder consertar tudo.
Ele já estava caminhando até a mesinha de centro, onde só naquele momento ela reparou que se encontrava uma seringa e uma embalagem igual a daquela noite.
— Não, NÃO. Hey! HEY, ME ESCUTA. ME ESCUTA! VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO, ASH! EU QUERO VER O TANTO QUE VOCÊ TEM PARA VIVER, CONQUISTAR... ASH, AMOR POR FAVOR.
Lucy gritava desesperada, andando pela sala já em pé também. Não tinha como fazer muita coisa, não tinha como impedir. Ele continuou arrumando tudo como tinha pensando em sua cabeça que faria várias vezes.
— Eu sou um fantasma perdido, meu amor. Desde aquela noite eu não sabia como tinha me perdido nesse caminho até eu perder você.
Essa última frase ecoou pela sala saindo da boca dele. O silêncio foi instaurado no ambiente por um tempo, sendo seguido apenas depois pelo barulho do corpo dele caindo no chão e a respiração completamente descontrolada. Ela estava no canto da sala, encolhida, observando tudo. Se ainda fosse lhe permitido sentir alguma coisa, poder-se-ia dizer que ela estava chocada, desamparada. Aquilo não resolveria nenhuma das questões e agora em vez de um fantasma perdido teríamos dois porque como o namorado disse, perdida era o que ela estava agora.


ALERTA DE GATILHO: Essa história retrata assuntos de conteúdo pesado, como depressão, uso de drogas e suicídio. Se qualquer uma dessas questões for gatilho para você, peço que não leia.

Oi, mores, tudo bem? Só queria deixar claro que, mesmo retratando isso com o PP, eu não acredito que suicídio seja a saída. Eu só quis mostrar que questões psicológicas precisando ser tratadas sim com ajuda profissional e que às vezes ela aparece nos mínimos detalhes. Eu estava querendo escrever uma outra short para mostrar a visão dos amigos dele. Se você estiver passando por uma situação difícil, procure ajuda ou, se você achar que alguém está precisando ajuda, procure meios. Temos o CVV (Centro de Valorização a Vida), o número é 188 e tem voluntários 24h para atender pessoas com esse tipo de demanda. Espero que fiquem bem.


FIM



Nota da autora: Oi, mores, tudo bem? Esse ficstape foi muito especial de escrever. Eu me apeguei à história, fui ficando tensa e chorei conforme fui escrevendo. Espero que vocês tenham gostado do que leram até aqui. Muito obrigada a quem acompanhou até o final e espero que tenham lido o recadinho também. <3 Beijos e até a próxima. Em outro ficstape, vamos ter a visão dos amigos. Qualquer coisa estou disponível nas redes. <3 Fiquem bem :)



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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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