Na última sexta ouvi uma série de barulhos no corredor e decidi ir ver o que era. O apartamento ao lado do meu estava vazio, então eu não estranharia se fosse o novo inquilino, ou inquilina, se mudando. Ao que abri a porta, me vi de cara com a pessoa mais linda do mundo. Ruiva, olhos cinzas como o céu tempestuoso... Deus, como ela era linda. Ela sorriu para mim, um sorriso cordial e gentil, e o mundo pareceu parar. Deus, como ela era linda.
Corri para dentro, para trocar de roupa e tentar ficar o mais apresentável possível, não demorando mais do que poucos minutos para estar de volta à porta do meu apartamento, prestes a sair, para poder conhecê-la melhor. Porém, mais uma vez, fui surpreendido por barulhos no corredor, dessa vez vozes e uma delas mais rouca do que eu imaginava que a dela fosse. Abri a porta numa rapidez impressionante, para tentar me certificar se as vozes não eram apenas fruto da minha imaginação. Porém, na mesma rapidez que eu saí no corredor, ela desapareceu pela porta do prédio, em seu vestido tubinho preto, com um rapaz ao lado, com uma mão em sua cintura, a conduzindo.
E aquela cena se repetiu mais vezes que eu podia contar aquela semana...

Sempre que eu tentava falar com ela, e quem sabe chamá-la para sair, alguém já o tinha feito antes.
O nome dela eu consegui descobrir por um dos vizinhos. Ao que parece, eles se encontraram na porta do prédio e ela dissera se chamar . ... poderia ter nome que combinasse melhor com sua personalidade?

Oh god, I wanna be that
Someone that you're with

Em meu íntimo, uma voz diz para ter calma e esperar, que em algum momento terei minha chance, ainda que eu me sinta sempre fora da principal disputa pela atenção dela. O que eles têm que eu não tenho?


Minhas esperanças aumentam depois do dia que consigo finalmente trocar algumas palavras com ela.
Já faziam o quê, 2 semanas que tinha se mudado? Em meio ao ápice do meu desespero, decido ficar sentado no corredor, fingindo estar fazendo qualquer coisa, apenas para poder estar pronto para quando ela aparecesse.
— Uau, Stephen King... — uma voz doce como mel, porém também firme, de uma mulher que sabe o que quer, falou ao final do corredor, mas eu nem me assustei, sabia que era a dela. Afinal, o livro era apenas um disfarce, eu havia visto o momento em que ela abrira a porta de acesso ao prédio e entrara. — Se eu tivesse que chutar, diria que você tem cara de ler livros mais leves. — Quando ela terminou de falar, a ruiva já estava a poucos passos de mim, me olhando.
Aquela fala me deixou intrigado. tinha meio que admitido que tinha me analisado?
— Por que acha isso?
— Não sei, acho que você não tem muita cara de quem lê livros de terror. — Ela disse e eu arqueei uma de minhas sobrancelhas em sua direção.
— E qual é a cara de alguém que lê livros de terror? — perguntei brincalhão, mas, antes que ela pudesse me responder, o celular dela tocou e ela me deu um sorriso sem jeito, antes de se virar em direção a seu apartamento e atender a ligação.
As poucas palavras que trocamos deixaram meu coração agitado e fizeram minha respiração ficar mais lenta; enquanto eu tinha a certeza de que tudo nela é perfeito, até a voz. Deus, eu poderia falar dela, e com ela, o dia todo.


Alguns dias depois, quando nos cruzamos “despretensiosamente” no corredor, combinamos de eu levá-la à melhor loja de CD’s da região, depois de ela ver minha camiseta do Rolling Stones e perguntar se eu estava usando por realmente curtir a banda ou por, simplesmente, ‘estar na moda’. Ainda não sei quando acontecerá, mas já estou ansioso ao telefone, tentando contactá-la, porque odeio ficar sozinho. Porém, quando decido ir colocar o lixo para fora, depois de uma quantidade boa de ligações ao seu interfone não atendidas, entendo porque ela não me atendeu. São onze da noite e ela está parada à porta do apartamento 208 com o batom borrado, cabelo bagunçado e a chave já na fechadura. me lança um sorriso leve e rápido, antes de entrar às pressas no apartamento, e minha mente viaja para qual dos caras poderia ser o responsável por deixá-la assim.
No dia seguinte, estou à porta do apartamento dela, com algumas garrafas de cerveja na sacola e uma camiseta cinza com um emoji sorrindo, estampado em quase toda a parte da frente. Pelo que consegui aprender observando-a, aquela marca era a que ela gostava, pois sempre conseguia ver o logo por entre as sacolas de mercado. Esperava que aquilo pudesse deixá-la melhor. Respiro fundo, segurando mais firme a sacola em minha mão, e toco a campainha. Não demora muito até que eu ouça o barulho da tranca sendo desfeita e meu coração parece dar um salto em meu peito. Não tinha reparado que eu havia criado expectativas para esse momento, até perceber que minhas mãos estão suando mais do que o normal.
abre uma pequena fresta da porta, deixando apenas seu rosto e parte de seu colo a mostra. Meu olhar a percorre toda, na medida do que é possível observar. O cabelo está levemente bagunçado, o rosto sem maquiagem, seu olhar como de quem acabou de acordar, porém parecendo também surpreso ao me ver ali, o colo sem blusa ou lingerie, parecendo estar envolto por algo improvisado, — seria um lençol?. Não demoro muito para juntar os pontos, então nem me surpreendo quando ela fala:
— ? — a surpresa em sua voz é reflexo da estampada em seu olhar e é acompanhada de um enrugar na testa, bem no meio das sobrancelhas. — Desculpe, eu...
— Estava esperando outra pessoa. — Finalizo sua fala, com a voz baixa.
— Sim. — Ela confirma, parecendo meio sem jeito, alternando sempre seu olhar entre mim e algo dentro do apartamento. — Eu até te convidaria para entrar, mas... não é um bom momento.
— Entendo. Eu te vi meio mal ontem e pensei que talvez umas cervejas e uma seção desabafo poderiam ajudar. — Falei e ela baixou levemente o olhar, parecendo até um pouco com pena. — De qualquer forma, fique com as cervejas, eram para você desde o início. — Eu disse, lhe estendendo a sacola com um sorriso de canto. Ela pareceu meio sem saber como pegar a sacola e eu imaginei que fosse pelo fato de que talvez uma de suas mãos devia estar segurando o lençol ao qual ela estava enrolada e a outra a porta. Depois de alguns segundos, ela conseguiu pegar a sacola.
Ficamos alguns segundos ali, ambos sem jeito, até que ouvimos um barulho no interior do apartamento e ela disse:
— Sinto muito, mas preciso ir. — Ela disse, parecendo meio apressada e eu apenas concordei com a cabeça. — Tenha um bom dia, . — Com isso ela fechou rapidamente a porta, não me deixando nem respondê-la.


Mais algumas semanas se passaram comigo ainda observando a rotina de . Não era como se eu fosse um stalker, ou algo do tipo, longe disso. Eu apenas queria descobrir mais sobre ela, para poder tentar achar uma brecha na longa fila de caras que se formou em sua porta, onde eu pudesse me enfiar e tentar ter a minha vez. Ao longo dos dias até ali, vi que alguns foram casos passageiros e outros estão aqui com frequência, então me dei ao luxo de procurá-los. Eu precisava conhecer meus concorrentes.
Tinha o engenheiro de software do Google, o advogado, o corretor da bolsa, o médico e o policial. Além, claro, de alguns outros que eu não consegui achar no Facebook. A maioria, pelas fotos, não parecia ser do tipo que queria algo muito além de um caso não muito duradouro, mas um ou outro parecia realmente gostar da ruiva, a julgar pela quantidade de vezes que apareciam aqui no prédio e pelas fotos e publicações dela que curtiam e comentavam. Claro que nenhum deles chegava aos meus pés, mas isso ela parecia não ter percebido ainda; ou talvez ela tenha, sim, percebido, mas não deu importância, porque eu acho que ela parece curtir esse tipo de relacionamento não duradouro e sem apegos das duas partes. Mas eu quero que ela se apegue, a mim.

O dia de nossa ida à loja de CD havia finalmente chego. Nem acreditei quando o interfone do meu apartamento tocou e era ela. Ao que parecia, o médico, Dr. Luke Fleming, com quem ela saía toda semana, teve uma cirurgia para ser feita de última hora e a tarde dela estava livre. Claro que eu fiquei meio incomodado com a situação, mas algo em minha mente dizia “antes ser a segunda opção do que a última”, então topei na mesma hora.
Terminei de me arrumar, ainda um pouco tenso pelo que poderia acontecer, ou não, em nosso... encontro? Eu poderia chamar assim? O combinado era de que quem terminasse primeiro interfonaria para o outro, mas eu aprendi com minha mãe de que nunca é educado apressar uma dama, então me sentei no sofá da sala e fiquei esperando o interfone tocar, mais uma vez aquele dia, e anunciar que estava pronta. Enquanto esperava, percebi que estava agitado, meus pés batiam em um ritmo qualquer no piso da sala, minhas mãos não sabiam se repousavam sobre minhas coxas, ao lado do meu corpo ou se apertavam a beirada do sofá, como forma de aliviar a tensão. O interfone tocou algum tempo depois, que mais me pareceram horas, e me levantei em um salto para atendê-lo. me falou que estava pronta e que me esperaria na porta, então desliguei rapidamente o aparelho, peguei meu celular, carteira e chaves e saí de meu apartamento.
Assim que saio e tranco a porta, me viro em direção ao apartamento de e da saída do prédio e a vejo, exatamente onde disse que estaria. Ela usa uma camiseta preta customizada na gola e mangas, com a frase “Are We Having Fun Yet?” estampada em branco, junto com uma saia que parece ser de couro, também preta, e um tênis branco, acompanhados de uma maquiagem que deixa seus olhos cinzas marcados e a boca ressaltada pelo batom vermelho. Pensamentos impuros tomam conta de mim assim que reparo no batom e na saia, mas eu tento me focar em outra coisa, então reparo melhor na estampa da camisa e pego a referência.
— A camiseta é só porque vamos a uma loja de CDs ou porque você realmente curte Nickelback? — brinco, fazendo uma pequena referência ao dia em que ela me perguntou sobre minha camisa. Ela ri de leve, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha e se virando para a portaria do prédio assim que chego ao seu lado.
— E se eu te falar que é pelo dois? Vou ser discriminada? — ela responde, também em tom de brincadeira, enquanto passávamos pela porta do prédio e chegávamos à calçada.
— Não, eu apenas vou falar que já imaginaria que fosse fã da banda. Dá pra ouvir às vezes eles tocando, quando você coloca música alta. — Assim que falei aquilo, me olhou parecendo ao mesmo tempo surpresa e sem graça.
— Desculpe... eu...
— Tudo bem. Eu curto o estilo de som deles. — Falei, na tentativa de deixá-la menos sem graça e também para mostrá-la que tínhamos algo em comum.


Depois de nossa ida à loja de CDs, eu já sei as músicas, CDs e artistas preferidos dela, então as ouço todos os dias, sempre que quero me sentir menos só. Como já nos falamos um pouco mais, eu consigo ir algumas vezes no apartamento dela pegar algumas coisas emprestadas; não que eu precise delas, é apenas para ter uma desculpa para vê-la e falar com ela. Numa dessas idas, eu me deparo com ela chorando, mas ela não me fala o motivo, por mais que eu insista.
— Você pode me contar o que quiser, ou não me contar nada. Se quiser, pode simplesmente bater à minha porta, para não ficar triste sozinha. — Eu falo, na esperança de deixá-la melhor e de conseguir me aproximar ainda mais dela.
— Você é um vizinho incrível. — Ela responde, passando a mão pelo rosto para secar as poucas lágrimas que restam.
— Eu queria ser mais. — Falo sem pensar e ela me olha, parecendo estar em um leve choque.
— Não, você não ia querer. Você é especial, não vai querer ser só mais um para mim. — responde e eu não sei definir como me sinto. Talvez minha tentativa de ir com calma estivesse falhado, mas eu só queria estar com ela.
Um pouco arrasado, eu a deixo só no apartamento dela. Quando eu achei que estávamos progredindo, recebo um balde de água fria...

This whole thing's like
Some sort of race
Instead of winning what I want
I'm sitting here in second place

Dias se passam e eu não falo mais com , me limitando apenas a ouvir algumas de suas músicas favoritas. Com algum esforço, consegui parar de ficar atento às movimentações de , que ecoavam pelo corredor ou pelas paredes do meu apartamento.
Estou deitado, com insônia, quando ouço um barulho que parece ser na maçaneta da porta do meu apartamento, como se alguém estivesse tentando abri-la a força. São quatro da manhã, então estranho bastante. Caminho rapidamente até a porta e a abro, vendo que o barulho é no apartamento ao lado, no de . Ela está à porta e parece ter alguma dificuldade para entrar. Resistindo ao impulso de correr para ajudá-la, aceno para ela levemente com a cabeça, assim que ela me olha, e volto para dentro do meu apartamento.
Estou deitado novamente, quando ouço a campainha tocar. Estranho um pouco, mas me forço a levantar e ir, mais uma vez, até a porta. Espio pelo olho mágico e um cabelo ruivo ocupa todo meu campo de visão. Sabia que deveria ter pago um profissional para instalar essa merda.
Abro a porta e está à minha porta, vestida com o que parece ser seu pijama, uma expressão meio sem graça, mas a postura um pouco decidida.
— Sinto muito pelo que disse aquele dia, eu quis te tocar da minha vida, como faço com todos, mas a verdade é que você nunca vai ser apenas mais um cara para mim. — falando isso, ela deu um passo à frente, pegou um rosto entre as mãos e me beijou. E meu mundo parou.

God I wanna be that someone that
I wanna to be that someone that
I've got to be that someone that you're with

Nota da autora: Sem nota.



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