Última atualização: 30/11/2017

I.

A pior coisa que se pode ouvir é o silêncio. Estar familiarizado com esse barulho é ainda mais terrível do que o silêncio ensurdecedor que estava dominando aquele ambiente. Era como se o mundo todo tivesse parado por um segundo e até mesmo os pássaros e as máquinas tivessem ficado quietas.
Mas ainda assim dava para ouvir a mente de trabalhando em uma resposta para o que tinha acabado de ouvir. Mesmo que ela ainda estivesse olhando para o teto branco de seu quarto, ela não sabia muito bem como corresponder às informações que tinha acabado de receber.
olhava para a janela, procurando algum pássaro que pudesse mostrar que o tempo não tinha parado. Para tentar sair do absurdo que estava acontecendo naquele quarto. E era melhor olhar para a janela do que para os milhares de pôsteres de Star Wars que estavam pendurados por todo lado.
, fala alguma coisa. — ele quebrou o silêncio.
Ele sentou ao lado dela na cama, ainda procurando uma reação, e ainda sem conseguir olhar para a garota. sentou ao seu lado, colocando a cabeça em seu ombro, olhando para o chão.
— Não acredito que você vai se mudar. Para outro estado! É ridículo.

Os olhos da amiga estavam marejados. Ambos tentavam ao máximo não olhar nos olhos para não se sentirem tão constrangidos pelo o que estava acontecendo ali. movia seus dedos e olhava atentamente para eles, apenas para não olhar para .
— Tanta coisa que a gente tinha planejado. A gente ia para a Comic Con! Tirar fotos com Leonard Nimoy! LEONARD NIMOY, BEN! — ela jogou os braços para cima e voltou a deitar. se levantou e deitou ao seu lado. — Como que faremos isso do outro lado do país?
, eu não vou pro outro lado do país. Eu vou morar a cinco horas daqui.
— Qualquer coisa que fique a uma hora de distância já é do outro lado do país, .
Ela bufou e cruzou os braços, finalmente olhando para o amigo. se sentiu completamente julgado pelo olhar dela, mas não podia fugir de toda a situação que estava acontecendo.
— Mas não faz sentido. A não ser que você more num país que tenha dois estados e ainda assim more entre a divisa deles…
A amiga lançou um olhar ameaçador para que ele parasse de falar naquele momento. deu de ombros e voltou a olhar para o nada que estava em sua frente. Eles tinham combinado de fazer muitas coisas para que, do nada, terminasse daquela forma.
estava imóvel, com sua cabeça trabalhando a mil. Ele podia perceber que a qualquer momento a cabeça dela poderia explodir de tanto que ela estava pensando.
— Mas tínhamos tanta coisa pra fazer. É o último ano do ensino médio. E quem vai jogar tinta vermelha no Lucas comigo, bem no dia da formatura? Quem vai ao baile comigo? Quem vai ao baile com você? Quem vai comemorar comigo que passou na faculdade que queria? Eu vou sentir tanto a sua falta. — ela o abraçou.
, a gente precisa conversar.
se afastou um pouco dela, apenas para que pudesse ficar de frente novamente para . Ele sentia o coração palpitar, quase como naqueles desenhos animados onde o coração literalmente saía do personagem que estava apaixonado.
— Já estamos fazendo isso. — ela deu de ombros.
— Eu preciso te contar uma coisa… será que você me deixa contar? Eu esperei muito por isso. — ela olhou para ele. — Ok. Aqui vai. Eu esperei muito pra te contar isso. E pelo menos me deixe terminar de falar tudo porque eu demorei quase uma semana para criar o que eu pensei que seria o texto perfeito e ensaiei muito para chegar até aqui. — ele limpou a garganta.
— Ai meu Deus, você é gay. — ela disse com um sorriso. — Isso é tão óbvio.
, eu não sou gay.
— Ah, tá tudo certo, . As pessoas irão continuar ao seu lado. A cidade pode ser um saco, machista, retrógrada, idiota, mas aqui todo mundo te dá suporte pra ser quem você quiser!
, eu não sou… , não tem como eu ser gay se eu estou completamente a fim de você. — ela tentou começar a falar, mas prosseguiu. — Você é a pessoa mais incrível desse mundo. Não tem como passar dois minutos perto de você sem se apaixonar.
Ele voltou a olhar para as mãos, já que olhar para seria muito difícil. Era óbvio que não era recíproco, mas mesmo assim, uma pequena parte de se recusava a acreditar que existiria um cenário onde ela diria não para ele.
se aproximou dele, sorrindo. Os olhos dela brilhavam como um sol, já que falar que brilhavam como uma estrela seria completamente ruim, quando o brilho das estrelas se parecem minúsculos no céu, quando comparado com o brilho do sol.
— Achei que você nunca falaria isso.
Ele levantou o rosto e encontrou o rosto dela bem em frente ao seu. Ela fechou os olhos e encostou seus lábios nos dele. Nenhum dos dois acreditava que finalmente tudo aquilo estava acontecendo daquela maneira.


II.

O dia estava claro, o céu um azul limpo e belo, o sol brilhava e iluminava as pessoas que estavam saindo para trabalhar. sabia que, para um dia ser tão lindo assim, aconteceriam coisas horríveis nele.
Sempre foi assim e até mesmo as pessoas da cidade aceitavam que, para eles terem um dia lindo no parque, algum assassinato iria ocorrer. Era como viver dentro de uma história do Stephen King para sempre, procurando aquela Coisa desgraçada.
não levou muito tempo para chegar em seu departamento, encontrando com seu chefe, sempre com a mesma cara de quem está irritado com tudo, e sentando em seu nicho, se preparando para as primeiras atividades do dia.
— Bom dia, . — o chefe disse com um tom muito mais irritado do que o normal. — Hoje receberemos a esplêndida visita dos contadores do governo. Seja boazinha com eles e mostre todos os projetos que funcionaram e não funcionaram até o momento.
revirou os olhos, fazendo com que o chefe risse. Da última vez que os contadores vieram, foi para dar a notícia de que mais da metade das pessoas do departamento seriam mandadas embora, porque o governo não tinha dinheiro o suficiente para suportar tudo aquilo de funcionários.
— Lola e Justin logo estarão aqui para se juntar a você no grande e brilhante time. — ele sorriu, o que a deixou assustada. — E então eu vejo vocês no final do dia. Espero.
E ainda com o sorriso no rosto ele bateu a porta, se sentando em sua mesa e fazendo sabe-se lá o que ele fazia naquele lugar. Ninguém entendia ao certo, mas todo mundo sabia que ele era o chefe.
A manhã toda foi passando entre milhares de planilhas e ideias que deveriam ser mostradas para essa equipe. Mesmo que os três não gostassem nem um pouco disso, era mais do que necessário mostrar em números o quanto aquilo que faziam tinha melhorado, não só na qualidade do trabalho, mas também na qualidade de vida dos moradores da cidade.
Justin, como sempre, já estava cantando alguma música conhecida e icônica enquanto terminava de lançar os dados do último evento que fizeram na planilha, enquanto Lola apenas observava o grande movimento.
Dois homens vestidos de ternos pretos, com pasta de couro pretas para combinar, entraram no departamento, um deles sorria de orelha a orelha, deixando ainda mais menos à vontade.
— Olá! — o sorridente disse. — Eu sou Roger Baker e esse é o meu ajudante, Wally. — o outro continuou sério. — Nós trabalhamos como contadores para governos falidos. E hoje nós viemos ajudar o seu! — ele disse com uma voz televisionada.
Lola segurou o riso, enquanto Justin encarava o homem de boca aberta. Baker era enorme, muito musculoso e parecia que nunca perderia o pique para nada. Já Wally, ele parecia não ver a hora daquilo acabar.
— Nós vamos precisar de todos os documentos que comprovam que vocês trabalharam pelos últimos cinco anos aqui. — Wally falou. — Tudo aquilo que mostra que esse Departamento não ficou parado. E também preciso conversar com quem é que esteja no lugar da vice- diretora.
— Infelizmente a Vice está de férias. — Justin disse, sorrindo de orelha a orelha. — é quem assumiu o cargo durante o período.
— Eu já tenho quase tudo em mãos. — ela respondeu, sorrindo. — Acho que podemos começar a reunião, pelo menos. — ela sorriu para Roger.
— Tudo bem, você conversará com Wally, porque agora chegou o meu momento de correr. — ele olhou para o relógio, e praticamente tirou a camisa que usava, dando tudo para que Wally segurasse. — Até mais tarde, e bom serviço para vocês.
Os quatro observaram o homem com o maior sorriso sair do ambiente e começar a correr. Nenhum deles conseguiu comentar algo quanto aquilo. Era bizarro ver aquele homem fazendo algum exercício sem perder o sorriso do rosto.
Wally sorriu para enquanto a mostrava o caminho para a sala de conferências que tinha reservado justamente para discutir tudo aquilo que deveria ser discutido. A importância daquele departamento, das pessoas que trabalhavam no departamento e os projetos que eles tinham que criar.
— Sabe, June volta de férias daqui a uma semana. — ela dizia enquanto se sentava. — Não me sinto muito à vontade fazendo esse tipo de reunião.
— Tudo bem. — Wally sorriu. — Provavelmente hoje você só vai me convencer a não fechar o seu departamento.
Ela engoliu seco, puxando os milhares de papéis que tinha impresso e deixou nas mãos do homem, que passou quase meia hora em silêncio lendo atenciosamente cada um deles. nunca tivera que participar de uma reunião assim antes, mas o chefe já estava em outra reunião, com todos os outros chefes de outros departamentos.
— Vocês fizeram muitas coisas boas… A festa da primavera foi ótima, e espero que estejam planejando algo para o Quatro de Julho. — ele sorria. — Mas ainda assim teremos que diminuir gastos. A partir de agora todos os seus projetos terão que passar para uma equipe que irá avaliar a quantia que será gasta.
— Isso é fácil de fazer. — ela sorriu. — E você já conhece o local?
— Eu? Bem, eu sou daqui, sabe? Tive que me mudar antes do final do ensino médio. Mas era uma boa cidade. — ele sorriu. — O HFK ainda existe, certo?
— HFK! Caramba! Faz muito tempo que não ouço alguém falar desse pub! Sim! Ele fica no mesmo lugar de sempre. Agora está um pouco maior, e muito mais alternativo. Costumava a ir muito nele com meus amigos.
— Eu também! Às vezes a gente até já se esbarrou por lá e nem lembra.
Os dois sorriram enquanto ajeitavam toda a papelada que tinham lido durante aquele tempo. Fazia muito tempo mesmo que não ouvia alguém falando do pub da cidade. Fazia muito tempo que não saia com pessoas, na verdade.
Era muito mais fácil se fechar e voltar para a casa depois de um dia de trabalho e ficar no quarto ouvindo música. Depois que tinha se mudado, ela perdeu o interesse de sair como faziam antes.
— A gente podia passar lá depois do expediente. — ele disse um pouco envergonhado. — Se você quiser, claro.
— Seria ótimo! — ela segurou os arquivos rente ao seu corpo. — Nos encontramos na frente dele.
Se pensasse que um dia ela iria combinar de sair com alguém que nem naquelas fanfics melosas onde a fã coincidentemente se encontra com o astro de rock e do nada eles estão saindo e estão super apaixonados, ela nunca acreditaria. Mas era isso que a vida dela parecia no momento: uma fanfic.
Depois de conferir novamente as planilhas que Justin tinha que ter terminado até o fim do expediente, foi para casa para pelo menos tomar uma ducha e trocar sua roupa social por algo mais casual.
Enquanto ela tentava fazer aquele delineado que todo mundo usava e ficava lindo, menos ela que não tinha a menor coordenação motora para conseguir fazer, ela olhou para uma de suas fotos, onde posava com Lola e as duas sorriam para a câmera. Ela sorriu, enquanto encontrava logo ao lado uma foto dela com , meses antes dele se mudar.
Era impossível que ele não tenha reconhecido.
O caminho até a HFK não era tão longo, afinal, estamos falando de uma cidade minúscula do interior do estado, mas cada segundo no carro parecia ser mais um segundo para seu coração parar de bater. Suas mãos suavam e suas pernas pareciam não saber se portar direito, tremendo. Estacionou o carro e foi para a fila.
Wally estava lá, encostado no muro e olhando seu celular, entediado. Alguns jovens conversavam animadamente sobre qualquer que fosse o assunto em alta do dia, mas nada parecia chamar a atenção dele.
sorriu enquanto se aproximava dele, que guardava o celular no bolso e arrumava sua roupa. Os dois sorriram enquanto entraram no lugar, assustando com a música que tocava.
— Vou parecer muito velho se comentar que na minha época tocava Blink-182? — ele riu, pedindo uma bebida.
— Um pouco só. Não pela música, mas por falar “Na minha época…”. — ela riu. — Mas também tocava Britney!
— E Kesha.
— E Black Eyed Peas.
— Tocava Yeah x3 do Chris Brown! Parece algo de séculos atrás! — ele deu um gole na cerveja antes de continuar. — E tinha aquela que minha amiga amava…
— Titanium. — o rosto de estava muito mais quente. — É, eu ainda amo essa música. Mas eu também gosto dessa cantora de agora. Ela quem cantou com aquela outra banda uma música de melodia parecida com músicas infantis.
— Que?
— Sabe? Closer? — ele balançou a cabeça em afirmação. — O toquinho dela é que nem o daquela música “Como pode um peixe vivo…”
Os olhos de Wally estavam arregalados enquanto ele ainda processava o que a moça estava falando. Alguns segundos depois ele sorriu e riu, enquanto cantarolava de forma inexplicável a música, mesmo com o barulho do local.
— MEU DEUS! VERDADE! EU SABIA QUE CONHECIA ESSE TOQUE! — ele gargalhava. — Quem diria que não mudou nada. — ele sorriu.
— Ficando aqui não tem como mudar. — ela deu mais um gole em sua bebida. — Vem, vamos dançar. Cansei de brincar que você não me conhece e eu não te conheço, .
Pelas memórias de , nunca fora um exímio dançarino. No máximo ele movia os dedos para cima e para baixo enquanto dava um passo para um lado e para o outro. E isso também não tinha mudado.
Ela sorria para ele enquanto dançava animada ao som das músicas mais atuais que não fazia nem ideia de quem estava cantando. Ele mais ria do que dançava com ela, já que não tinha habilidade de mover o corpo conforme as batidas sem passar vergonha.
Quando tocou a primeira música mais lenta da noite, se aproximou dele, puxando as mãos de para sua cintura enquanto dançavam juntos ao ritmo lento da balada que tocava.
Ela encostou a cabeça em seus ombros, deixando se levar pelo o que ouvia, e copiava os movimentos, tentando não pisar no pé dela, ou esbarrar em outra pessoa. Logo os dois pareciam achar seu ritmo e seu momento para fazer o que queriam ali na pista de dança.
levantou o rosto, olhando para os de . Ele sorriu, ainda que incomodado pela proximidade dos dois. Ela sorriu para ele, tornando nulo o espaço entre suas bocas. Ela o segurou pela nuca enquanto continuavam o beijo, enquanto ele a puxava ainda para mais próximo dele.
não fazia ideia de como sentia falta daquele beijo, de como sempre o deixava nervoso e ansioso. De como os lábios dela, mesmo após esses anos, foram a melhor coisa que ele já tinha beijado. era diferente de tudo o que ele já tinha feito.
— Como eu senti a sua falta. — ele disse entre os beijos.
— A gente podia ir para um lugar mais… Calmo. Você já matou a saudade do HFK, né?
Ele voltou a beijá-la, agora com mais urgência. Era como se ele tivesse deixado sua sanidade no hotel onde estava hospedado e ali era outro homem, completamente diferente do que conhecia.
— Merda. — ele bateu a palma da mão na testa. — Roger está no hotel. No mesmo quarto que eu.
— Tudo bem, a gente sempre tem a minha casa. — ela sorriu.
Eles fizeram o caminho até o carro dela em silêncio, apenas com o barulho abafado da música que tocava no pub e o salto de que batia no asfalto e não deixava um silêncio ensurdecedor voltar a se instaurar.
Ela já estava colocando a chave na ignição quando voltou a falar.
— Você não bebeu?
— Bebi. Menos que você. — ela girou a chave.
— Mas dirigir bêbada…
, você também bebeu. E são sete da noite de um dia de semana. Não é como se as pessoas estivessem doidassas. Nem é sexta. — ela deu partida no carro. — E qualquer coisa que possa acontecer, existe o famoso suborno. — ela piscou para ele, conduzindo o carro pela avenida principal da cidade.
A casa de não ficava tão longe da avenida principal, mas já era na parte da cidade que você poderia encontrar pedaços da floresta que dominava o local. Era uma casa pequena, mas aconchegante, com vista para essa floresta.
Os pais de moravam do outro lado da cidade. lembrava que a antiga casa da amiga era perto de praticamente tudo, e, como os pais dela nunca deixaram fazer algo fora da zona de conforto deles, essa seria a forma que ela achou de burlar um pouco as regras.
— Mi casa es su casa. — ela disse com sotaque. — Fique à vontade.
A sala era enorme, com uma televisão de muitas polegadas e armários por todos os lados. se aproximou da lareira, pegando um porta-retratos que tinha uma foto dos dois na adolescência. As outras fotos eram com os atuais amigos de , e pessoas do trabalho. Havia várias fotos dela com Justin e Lola, a algumas só das duas.
Ele não tinha percebido como Lola era bonita e sorria em todas as fotos. Ela parecia estar muito à vontade com , ao contrário de como estava no Departamento quando ele fora apresentado. Justin era o único que parecia ser o mesmo dentro do Departamento e fora dele.
Enquanto ele deixava o porta-retratos de volta ao lugar, não ouviu mais barulho algum vindo da cozinha e se virou para procurar algum sinal de , levando um grande susto ao encontrá-la ao seu lado.
— Éramos tão fofos. — ela sorriu, entregando um copo para ele. — Pena que agora crescemos. Olha como que você tá.
olhou primeiro para o cabelo curto de , que caía sob o olho dele. Logo em seguida viu atentamente os olhos que por tanto tempo sonhara em noites longas e solitárias. Cada linha de expressão que agora fazia parte do rosto dele parecia contar uma história diferente, uma história que ela não conhece. A barba por fazer, que não dava para saber se era desleixo do rapaz ou uma pequena tentativa de começar a cultivar uma barba, parecia estar ali só para indicar que não tinha mais dezessete anos.
colocou as mãos na cintura, imitando um super herói de quadrinhos, rindo logo em seguida.
— Que isso, eu tô na minha melhor forma. — levantou uma das sobrancelhas. — Ok. Mas você tá ótima. E não é da boca pra fora que eu falo.
Ela deu um passo para frente, ficando muito mais próxima do que esperaria. E se inclinou, dando um selinho no rapaz, que logo em seguida novamente a puxou para perto dele, beijando-a com vontade.
E os dois ficaram ali, curtindo um ao outro até que pudessem se cansar.


III.

A casa estava muito escura quando Lola chegou em casa. Ela sempre ajudava Justin no Club-a-Dub-Dub todas quartas e quintas, organizando o estoque para os três dias de final de semana que o local lotava. Bebidas, comidas, guardanapos. Fazer isso sozinha era um saco, e então ela ajudava o amigo, já que pelo menos assim eles ficariam em outro ambiente criando as histórias mais malucas.
As luzes da frente da casa estavam apagadas e até Justin comentou que algo parecia fora de ordem. A casa inteira parecia um breu, e tudo levava a acreditar que tinha saído com o cara novo que acabou de chegar na cidade e provavelmente iria demitir um deles.
— Você quer que eu entre com você? — ele sussurrava sem motivos. Os dois olhavam fixamente para a entrada da casa completamente escura.
— Mas é claro! Vai que tem alguém lá dentro! Você sabe como cidade pequena funciona: quando tá tudo calmo é porque alguém vai endoidar e matar outra pessoa do pior jeito possível.
— E você quer que eu vá junto?
— Claro, aí pelo menos eu não morro sozinha. — Lola se vira para ele. — E a gente sabe que você morreria primeiro, então talvez poderia ser a minha chance de escapar. — ela ri enquanto ele revira os olhos e guarda a chave do carro. — Eu juro que vingo a sua morte, Justin.
Cada passo que os aproximava da porta era uma respiração que ficava presa, era o coração ficando cada vez mais acelerado, era a aflição tomando conta deles. Como que uma noite tão divertida poderia acabar se tornando tão assustadora.
Lola colocou a chave na fechadura e girou com tamanha cautela que Justin quase gritava pedindo para que a amiga fosse mais rápida. Os dois se encolhiam no pequeno espaço que a porta deixava para uma pessoa ficar. Nenhum deles ficaria mais atrás.
Assim que Lola abriu a porta era possível ver dois copos de vidro na mesinha de centro, e o sofá todo bagunçado. Seguindo para o corredor ela encontrou pares de sapatos deixados pelo corredor até o quarto de , que estava fechado.
— Mas que…
Justin sussurrou enquanto continuava andando até o quarto da amiga. Ele já estava abrindo a porta quando sentiu algo puxando seu braço e se assustou. Lola o puxou para o quarto dela.
— A gente não pode fazer isso. — ela sussurrava também.
— Você não pode fazer isso. — ele sorriu. — Eu só quero ver se está tudo bem. A é muito sistemática pra ter deixado todas as luzes apagadas.
— Justin…
— Ai, a é a sua ex, não minha. — ele deu de ombros, se jogando na cama dela. — Você quem quis continuar aqui e não é que vocês se deram muito bem sendo só amigas? — ele mostrou a língua para ela. — Vamos, Lola querida. Vai me dizer que você não está nem um pouco curiosa em saber se o cara está aqui também.
— Justin, você viu os sapatos.
Ok!. — ele disse, tirando os sapatos. — Mas então hoje eu também durmo aqui.
Ok. — ela revirou os olhos. — Mas só porque hoje você ganhou o jogo no Club.
Justin parou por alguns segundos para absorver o tanto de informação que tinha no quarto de Lola. Não era a primeira vez que entrava nele, mas sempre levava um baque em ver quantas coisas tinham para ser vistas. Uma penteadeira com luzes brancas, para que fosse mais fácil de se arrumar. Um closet, uma escrivaninha de sândalo, e paredes rosa que deixavam o ambiente ainda mais com cara de um quarto de uma garota de dez anos milionária.
— Agora eu entendo porque você é toda quieta no trabalho. — ele disse, enquanto deitava na cama de Lola. — Olha só esse luxo!
TREAT YO SELF! Isso é a mágica desse dia!
— Você comprou tudo isso nos dias de Treat Yo Self? Você tá muito rica, Lola.
— Meu querido, eu só sei lidar muito bem com as minhas finanças. — ela se abanou com um pedaço de papel, fazendo ele rir. — Economia, o nome.
Os dois deitaram, esperando não ouvir nenhum barulho vindo de nenhum lugar da residência. Não seria a primeira nem a última vez que eles dormiriam juntos naquele quarto.

IV.

A cabeça dela parecia estar no lugar. estava mesmo ali com ela? Na cama, dormindo depois de uma boa noite juntos? Por quanto tempo ficou imaginando o dia em que reencontraria com ele?
Ela levantou vagarosamente, pousando seus pés no chão fazendo o mínimo de barulho possível pelo piso do quarto e se dirigiu ao banheiro, tomando um banho gelado o suficiente para entender que aquilo não era um sonho.
Não importava quantas vezes dissesse que tinha seguido em frente quanto à paixonite da adolescência, não importava o quanto dissesse para os namorados que estava bem e que se sentia bem com eles, todos os términos aconteciam por um único motivo.
Assim que abriu a porta do banheiro sentiu o cheiro do seu sabonete se misturar com um cheiro de café sendo passado. colocou sua roupa e enrolou a toalha na cabeça, seguindo em direção à cozinha, com o cheiro aumentando e sendo o suficiente para deixá-la ainda mais acordada.
Ela se aproximou da cafeteira, passando suas mãos pela cintura da pessoa que estava à sua frente, encostando a cabeça nos ombros, sentindo agora um perfume amadeirado vindo de quem estava à sua frente.
— Awn, ! Não acredito que você finalmente percebeu que eu sou o cara certo pra você!
soltou seus braços muito mais rápido do que tinha percebido, finalmente olhando para quem estava fazendo café.
— Justin? O que você tá fazendo aqui?
O rapaz sorria com a cara que a moça fazia. Claro que Justin poderia ter algum sentimento por ela, mas isso já tinha passado fazia tempo. Até mesmo Lola já tinha passado por alguns problemas por gostar de .
— Eu dormi com a Lola ontem.
— Vocês o que…?
— Não, eu dormi de deitar e dormir mesmo. Sem rolar nada. — Justin revirou os olhos, bebendo um pouco do café. — Você e sua mente,
— Justin! — a garota deu um tapa leve no braço do rapaz.
Ele continuou rindo da resposta de , mesmo que já tivesse dormido várias vezes na casa delas, no quarto de Lola. Ele abriu um dos armários pegando duas xícaras, depositando o café nelas e entregando uma para a moça.
— E como foi ontem no Club-a-Dub-Dub?
— Bem, com a Lola me ajudando o trabalho fica fácil. — ele sorriu, experimentando o café. — Quarta é sempre o dia mais parado em qualquer lugar nessa cidade. — ele pegou outra xícara já com café e se virou em direção ao corredor. — Bem, qualquer dia você devia aparecer por lá. Vai ser legal.
Justin sumiu pelo corredor da casa, enquanto tomava o que seria a sua primeira xícara de café do dia. Logo ela ouviu novamente passos no corredor, e logo um rosto conhecido aparecera.
— Bom dia luz do dia. — ela disse, sorrindo. — Café?
estava com os olhos arregalados e apontava para o corredor enquanto se aproximava da moça. Os cabelos bagunçados eram a única coisa que ainda denunciavam que ele tinha levantado da cama, já que já estava vestido novamente.
— Eu acabei de ver outro homem nessa casa… E ele não é lá da…?
Ele continuou a andar apontando para o corredor, enquanto se aproximava da mesa de centro da cozinha, onde estava sentada. Ela colocava uma xícara com café fresco em frente à cadeira que estava sentada, indicando o lugar para se sentar.
— Ele é o melhor amigo da Lola. — sorriu. — Ele sempre acaba dormindo aqui em casa.
— Eu acho que não consigo ver a Lola e ele juntos… — ele riu, tomando mais um gole de café. — Não é ele o cara que deixa pra fazer tudo de última hora por causa da boate dele?
— Às vezes. Mas ele é o cara do departamento que sempre que precisamos de dinheiro pra reformar algum parque, ele quem consegue os patrocínios.
tomou um pouco de seu tempo para apreciar o café que Justin tinha preparado. Era forte e amargo, mas a cada gole ela sentia que estava ficando mais acordada por causa da cafeína.
— Eu não acredito que você está falando de trabalho fora da hora de trabalho! — ela sorriu, colocando a xícara na mesa. — Vamos falar sobre outra coisa!
— Então me conta mais sobre os seus amigos. — sorriu. — É bom ver você saindo com mais pessoas. Antes éramos só nós…
— Eu devo isso à Lola. — riu. — Ela simplesmente chegou um dia no trabalho, quando ainda éramos estagiárias, e falou que eu deveria parar de parecer uma babaca e falar mais com as pessoas do trabalho. Principalmente se eu quisesse escolher o departamento para trabalhar.
— Ela parece ser muito… Segura de si. — sorriu.
— Lola é uma pessoa maravilhosa! Ela sabe ficar no canto dela e também falar quando é necessário. Se não fosse por ela eu nunca tinha virado a vice no departamento. Ela quem ficou na minha cabeça para concorrer, já que o diretor estava se aposentando e o vice iria ficar no lugar dele. — ela riu ao se lembrar daquele dia. — Ela quem disse que deveríamos comprar uma casa juntas.
— Vocês compraram essa casa?!? — riu ainda mais quando percebeu que tinha engasgado com um pouco de café.
— Sim! Basicamente é por isso que dividimos o lugar.
— Vocês viraram melhores amigas então. — sorriu. — Isso é ótimo.
— Podemos dizer que sim.
Ela terminou o café dela e voltou ao quarto, terminando de se arrumar para poder ir trabalhar. Mais um dia revisando todos os dados do que o departamento tinha feito nos últimos dez anos parecia tão divertido quanto uma aula de matemática do ensino médio.
O caminho de volta para a prefeitura foi feito em absoluto silêncio. parecia perdido em pensamentos enquanto parecia não querer falar muito mais. Tinha sido uma noite muito estranha, e era tudo muito recente para que ela conseguisse assimilar. continuava ao lado dela.
Ela estacionou o carro e já estava para abrir a porta quando ela acionou as travas, fazendo com que o rapaz olhasse para ela assustado.
?
— Eu tenho que te contar uma coisa. — ela olhava para o volante do carro. — Ainda mais se a gente continuar com isso. — ele se ajeitou no banco do carro, esperando ela continuar. — Acontece que Lola não é só a minha melhor amiga. Ela também foi minha namorada.
procurou a mão da moça, segurando-a mais forte. Ele ficou quieto enquanto procurava algumas palavras que estavam presas em sua garganta.
— E o que aconteceu? — a voz dele era calma, quase melosa.
— A gente percebeu que não conseguiríamos ser boas namoradas. Mas que melhores amigas era muito fácil de ser do que alguém em um relacionamento. Por isso compramos a casa juntas. Nós éramos aquele casal fofo e feliz fazendo aquelas escolhas difíceis e comprometedoras. Só que um dia tudo isso acabou.
Ele passou o braço pelos ombros dela, numa tentativa meio inútil de abraçá-la.
, isso é…
— Eu sei. — ela suspirou. — Às vezes eu sinto falta dela como minha companheira. Mas ela parece sempre tão bem, eu não consigo nem voltar nesse assunto com ela.
— Você devia contar isso a ela. Se isso te machuca, principalmente com ela levando Justin lá para a casa de vocês…
— Não, Justin e ela não ficariam juntos. Tipo, nunca.
— Nunca diga nunca. — ele sorriu. — Pode ser que…
— Você não pode querer que ela fique com um homem se ela já contou para todos que é lésbica. E sabe o que é pior que tudo isso? Ela nunca leva mulheres pra casa. A única pessoa que dorme lá é o Justin. Eu nem sei se ela tá ‘ok’ com você ter dormido em casa sem eu avisar.
levou as mãos ao rosto, buscando um pouco de silêncio na mente para colocar os pensamentos em ordem. Tudo era muito confuso para ela, e colocar isso para fora era ainda mais estranho. Falar sobre seus sentimentos em voz alta era algo que ela nunca tinha lidado, e pela primeira vez sentia que era certo fazer isso.
Ela olhava para , que parecia estar aceitando tudo o que estava falando tão bem que tinha até receio de continuar e descobrir que não precisa mais dela. Que eles não seriam mais nada um para o outro. Que ele sairia correndo pela porta o mais rápido possível.
Os dois se encaravam, procurando palavras para continuar a conversa, mesmo que frase nenhuma seria suficiente para quebrar o clima estranho que tinha se instaurando no carro. tentou confortar a amiga a todo modo, mesmo que parecesse que nada fosse suficiente para isso.
Um barulho de batida no carro fez com que os dois se assustassem, provocando risos em quem quer que estivesse do lado de fora dele. Lola sorria enquanto andava e falava com eles.
— Hora de trabalhar pombinhos!
Eles saíram do carro, com o barulho das conversas e discussões das pessoas ao redor, até chegarem ao Departamento de Parques e Recreação. Todos os funcionários estavam lá, inclusive Roger Baker.
Ele se aproximou de , sem mesmo se tocar que estava ao lado do amigo.
— Wally! Te procurei a manhã toda! Não ficou sabendo? — ele sabia a resposta só por olhar na cara no amigo. — Aparentemente nós fomos chamados para trabalhar em outra prefeitura. Então hoje é o nosso último dia aqui. — ele levantou a mão para um high five, mas não recebeu resposta. — Tudo bem, preciso correr nos outros departamentos e chamar a equipe para irmos embora.
não conseguia acreditar. Nem tinha se passado um dia e já estava na hora de partir daquela cidade que tinha tantas histórias para contar. Ele segurava forte a mão de , e ela também não fazia esforço para soltá-la. Seriam poucos os momentos que ainda teriam juntos.
— Você… já vai? — foi o que ela conseguiu falar.
— Aparentemente. — ele passou a mão na testa. — E o pior é que Roger nem me contou para onde vamos agora.
— Esse é o seu trabalho? Ficar vigiando prefeituras? — não pode deixar de sorrir ironicamente.
— Em partes. Roger e eu temos uma pequena equipe para procurar prefeituras e mandatos que possam ter cometido corrupção. É chato, mas dá dinheiro. E também não me deixa ficar mais do que cinco dias na mesma cidade. — ele deu de ombros. — Então é isso.
— Você vai me deixar? — ela perguntou, os olhos arregalados. — De novo?
— Eu nunca te deixarei, . — ele suspirou. — Só me dê um tempo para conseguir um emprego aqui. Alguns meses, e estarei de volta.
se aproximou de , puxando a moça para mais próximo dele, a beijando suavemente. se deixou levar pelo momento, abraçando o rapaz enquanto se beijavam.
Tinha levado anos para finalmente conseguir seguir em frente, para deixar de gostar da pessoa que mais o apoiou durante o ensino médio e também marcou a sua vida. Vê-la ali, poder tocar novamente nela, era tudo o que ele mais quis fazer durante esse tempo que ficaram separados.
Tivera toda a chance de estar com por muito mais tempo do que jamais teria imaginado. Tivera a chance de falar muito mais do que tinha falado, de ouvir muito mais do que havia escutado. De viver uma história por mais tempo ao seu lado.
observou se afastar, acreditando que aquela seria a última chance que o veria pessoalmente.

Seis Meses Depois

A porta da casa ainda tinha a mesma aparência. Era branca, com a casa agora toda bege. O jardim tinha as mesmas flores, mesmo que agora ainda parecessem secas por causa do outono. O carro estava estacionado em frente ao caminho de pedras entre a calçada e a porta, e não parecia trazer problema algum para que outra pessoa pudesse tirar o carro de casa.
Segurava um buquê de rosas e tentava ignorar o suor que estava marcando a camisa. Tinha ensaiado várias vezes o que falaria a partir do momento que abrissem a porta. Tocou a campainha. Agora não tinha mais volta.
Quem abriu a porta não fora quem ele esperava. Lola, agora com os cabelos curtos, usando um short e uma camiseta velha, olhava para ele com espanto.
— Wally? — ela sorriu em seguida.
— Odeio esse apelido. — ele revirou os olhos. — Oi. — e sorriu para a moça. — A tá aí?
O sorriso de Lola sumiu de seu rosto, dando lugar a uma expressão preocupada. Ela encostou-se à porta, olhando para as rosas nas mãos do rapaz.
— Ela não te contou? — Lola estava atônita. — recebeu uma proposta de emprego em Washington. Ela se mudou.
— EM SEIS MESES ELA O QUE? — Inacreditável o que pode acontecer em seis meses né? — Lola sorriu. — Mas acho que essas flores não aguentarão uma viagem até lá. — ela pegou as rosas, levando para dentro de casa. — Eu cuido dessas. Se eu fosse você, tentaria ir para lá o mais rápido possível. — então Lola segurou a porta, alguns centímetros antes de fechá-la. — Você era o único que ela realmente amou.


Fim!



Nota da autora: Olar!
Obrigada mesmo por ter lido a fic! Sério, eu passei muito tempo pensando em uma história que não estragaria essa música. Então muito obrigada por ter lido!
Queria agradecer dona Bruna que leu a história e me dizia o que eu deveria melhorar <3 E também queria pedir desculpas às referências à Parks and Recreation, o melhor seriado de comédia.
Sério, muito obirgada mesmo por ler essa fanfic <3
Lola.



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