10. Wildcard

Finalizada.

Unique: Don't wait for me

Você quer brincar de casinha? Eu poderia ser a sua esposa
Ir conhecer a sua mãe em um vestido justo demais
Talvez eu pudesse ficar e não partir o seu coração
Mas não se esqueça, amor, eu sou imprevisível


Ela era uma bomba atômica prestes a explodir.
Emanava calor, ansiedade, medo, loucura, como se quem tivesse a ousadia o suficiente de tocá-la para tirar a prova, estava completamente por sua conta e risco. E certamente sairia com algumas lesões.
Fora isso, ela era a mulher mais linda que Dante tinha visto. E também a mais perigosa. O coringa que amava ver o circo pegar fogo.
Mas ela passaria tanto tempo com ele se ainda tivesse a ideia de que não queria nada além do sexo? Por quanto tempo mais ele iria nutrir esse tipo de esperança unilateral?
Quando foi exatamente que passou a ter esperança?
O teto baixo do apartamento na Abbey Road exibia uma colônia de teias de aranha. Mia fez uma careta quando raspou as unhas pintadas de vermelho no mármore acima da lareira, e não ficaria surpresa se olhasse nos outros cômodos da casa e encontrasse ainda mais pó.
— Você não disse que estava mantendo os empregados? — Dante disse em tom brincalhão. Mia suspirou forte pelo nariz, virando-se para o homem com um dar de ombros.
— Como vê, não se pode confiar em todo mundo.
Não era nenhuma surpresa, considerando da onde os funcionários vinham. A partir do momento em que sua mãe, a grande empresária do conglomerado de sucesso soubesse que a querida filha não morava mais onde deveria estar morando, as regalias acabariam em um piscar de olhos.
Mia caminhou em direção às duas portas na outra extremidade do andar, adentrando na enorme sala de jantar que já era intocada e cheia de poeira antes mesmo que ela se mudasse.
Por um momento, conseguiu ver a antiga família reunida naquelas cadeiras de mogno, rindo e se divertindo como se não estivessem tentando manter as aparências.
— Não me diga que está pensando em quebrar tudo.
Dante esticou o pescoço na direção do porta retrato puído e largado dentro de um armário de vidro, dividindo espaço com taças de cristal e demais vidrarias que certamente não combinavam em nada com a mulher que andava dividindo a cama nos últimos meses.
Mia apenas riu pelo nariz e olhou em volta no espaço amplo, pensando que quebrar tudo talvez não fosse uma ideia tão ruim.
— Eu gostaria que grande parte disso desaparecesse — estalou a língua, movendo os olhos por cada partícula de poeira, cada protuberância na madeira, cada detalhe em bordado das antigas toalhas de mesa, como se estivesse vendo-as pela primeira vez – e não gostasse nada delas.
O vasto aposento tinha sido palco de tanta merda que Mia não conseguia chamá-lo de belo. Nada nem perto disso.
Dante vasculhou a mesma coisa, colocando as mãos nos bolsos da frente da calça social, examinando a melancolia do ambiente avermelhado pelo sol da tarde que entrava pelas dezenas de vidraças, concluindo que sim, era bonito. Bonito e afiliado de coisas que nitidamente não deixavam Mia querer sorrir como sempre.
— Elas vão desaparecer. Já falei da proposta.
— Morar juntos? Já estamos praticamente fazendo isso, não é?
— Estamos. Mas não oficialmente.
Mia baixou os ombros. Aquela palavra era engraçada e assustadora na mesma proporção.
Aquele cara lindo e sorridente ainda não tinha entendido como as coisas funcionavam?
— Não vamos nos casar, Dante.
— Por que não?
— Porque não quero me casar com alguém como você.
A resposta direta não veio em um tom indulgente ou ofensivo. Dante sabia disso, e podia dizer que estava mais do que acostumado com as alfinetadas um tanto glamourosas da mulher. Mas tal comportamento padrão não impedia de cutucar um breve sentimento de frustração pela recusa.
— Achei que eu fosse o príncipe encantado que você pedia no seu diário.
Mia sorriu quando ele se aproximou de seu pescoço, exalando o próprio perfume masculino que ele guardava em cima da cômoda.
— Você é um príncipe — respondeu, puxando o rosto do rapaz para encará-la — Mas eu não sou uma princesa.
Então, com um beijo rápido em seus lábios, Mia andou na direção que lhe interessava, na gaveta abaixo de uma vitrola, onde a carta ainda estava intocada, parecendo o único objeto sem ser vítima da poeira.
Pela primeira vez em dias, ela se deixou sentir um pouco de alívio por não ter jogado aquilo fora. Afinal, era a única prova escrita existente de que a maléfica mulher montada em saltos Gucci que ocupava o cargo de mãe em sua certidão de nascimento não poderia destruir sua vida por completo.
Não antes que Mia a destruísse.
Ela se esgueirou para passar por Dante e começou a subir os degraus. A única lâmpada que iluminava a sala de jantar não ia longe escada acima, mas por uma questão de respeito àquela moradia que lhe serviu de refúgio por tantos anos, Mia gostaria de olhar cada detalhe dela pela última vez.
À medida que ia perscrutando o ambiente e analisando as fotografias antigas na parede, onde os olhos congelados pareciam seguir cada um de seus movimentos, ela soube que estava certa quando abandonou tudo aquilo. Provável que os outros membros da família também pensassem a mesma coisa.
— Nossa, que cheiro — Dante arfou logo atrás. Mia estava quase se esquecendo que ele ainda estava ali — Um desses é o seu quarto? Ele vai ser todo cor de rosa e cheio de bonecas?
— Vai ser cheio de furões — Mia murmurou com seriedade, mas Dante lhe deu uma risada. Ele ainda continuava no alto da escada quando ela se virou para ele com um meio sorriso.
— Se eu disser que vou colocar fogo nisso tudo, o que você diria?
Mia lançou um olhar para o homem que ele suspeitou ser mais perigoso que qualquer coisa que ele encontraria no sótão daquela casa abandonada.
No entanto, estava acostumado àquele ar intimidante de Mia, até o ponto de dar de ombros e responder-lhe:
— Diria pra mandar ver.
— É claro que diria — ela se aproximou mais dele pelo corredor sufocante, falando mais certeira — No entanto, se eu realmente chegasse ao ponto de fazer, o escândalo seria nefasto. Principalmente porque eu não faria questão de esconder que fiz. Você compreende, querido?
— Não é como se você nunca tivesse dito que odeia a sua família — ele deu de ombros, tranquilo novamente. Mia assentiu.
— Você está certo, eu os odeio. Mas você ama a sua — Mia se aproximou mais. O ar que se movia em volta deles era um tanto fétido — Ama a sua família, não é, querido?
Dante franziu o cenho. Olhou rapidamente para as paredes tomadas de poeira e ainda não conseguia dizer ao certo qual era o cheiro tenebroso que incomodava suas narinas.
— Ahn… Sim, é claro que eu amo.
— E você me ama — não era uma pergunta.
— Pra caramba, linda — os braços por dentro da camisa social se estenderam para passar ao redor de Mia. Embora essa abertura já fosse familiar entre eles, hoje em especial, a mulher se sentiu enojada — Já te disse mil vezes.
— E você se casaria comigo, se eu quisesse.
— Sim, sim. Por que…
— E como explicaria à sua querida família feliz que quer se casar com uma garota que matou o pai?
Dante afrouxou o aperto sem notar. Agora talvez o cheiro forte ao redor tenha se intensificado, transformando-se no odor de pés e cebolas podres, ou até mesmo enxofre, fedendo a algo que o lembrava a morte.
— Do que está falando? — ele tentou rir, mas geralmente era acompanhado por Mia. E ela não estava rindo — Do que…
— Não sou confiável, querido. Não sou boa, nobre ou gentil. Sou uma granada. Sou imprevisível — disse ela, sem precisar fazer força para se soltar em seguida. Os braços moles de Dante fizeram o serviço.
Mia andou alguns passos de volta para a escada, sentindo que o cheiro ao redor lhe parecia até doce e familiar. Era cheiro de escuridão, de morte, de um ajuntamento de defuntos. Era o cheiro daquela casa, que sempre tinha sido mal assombrada.
Uma casa onde vozes terríveis ecoavam por dentro das paredes.
Dante engoliu em seco e se virou para ela, um pouco atordoado, e não se surpreenderia se ela tivesse simplesmente sumido.
— Espera aí…
— Anda. Vamos sair daqui. Já peguei o que precisava — ela raspou os dedos pelos jeans cintura baixa, onde guardou a carta misteriosa nos bolsos traseiros. Em seguida, puxou o isqueiro Zippo dos bolsos dianteiros, e deslizou um dos dedos até acender a pequena chama, que iluminou seu sorriso grotesco — E não brinquei sobre o fogo.
Ele levantou uma sobrancelha e pensou em rir, mas pela primeira vez, não duvidou de Mia.
Não duvidou daquele cheiro fétido, não duvidou da escuridão e não duvidou daquele sorriso esquisito.
Imprevisível. Uma granada. Por um instante pavoroso, ele acreditou em tudo aquilo e não estava afim de ficar para ver o resto.
Rapidamente, ele colocou força nas pernas e desceu as escadas com os músculos tensionados, corrigindo a postura apenas quando já estava de volta no hall.
E olhando para trás, Dante não viu mais a garota em seu encalço. Apenas a luz crepitante no andar de cima, indicando o início de um incêndio.


FIM


Nota da autora: Oiê! Você chegou a mais um ficstape!
Escrevi essa fic com um espaço de tempo muito grande, mesmo ela sendo bem curtinha, e fiquei preocupada dessa lacuna ficar evidente na narrativa, mas eu tava afim de matar a saudade dos meus plots com pegada sombria e isso foi o que saiu sem muito planejamento. Espero que tenha ficado minimamente coerente ahaha
Se você chegou até aqui: muito obrigada pela sua leitura e pelo seu tempo. É sempre um milhão de vezes prazeroso escrever quando a gente sabe que não foi apenas pra apodrecer no docs. Tenho outras histórias também, aliás. Tá lá no meu tumblr, e no meu instagram também (ambos os links aqui embaixo)
E foi isso. Um grande beijo e abraço. Sial.

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