Última atualização: 14/04/2018

Capítulo Único

Julho de 2076, Washington, DC
A luz do sol começava a finalmente incomodar meus olhos, enquanto eu acordava calmamente. As dores por fim haviam dado uma trégua nas últimas horas, o que me fizera ter uma noite tranquila de sono que há muito não tinha. Eu sabia que, em razão do avançado da minha idade e da doença que me acometia, eu deveria me virar com cuidado na cama, mas o fiz rapidamente assim que despertei completamente, sentindo a decepção ao perceber que ela estava vazia no lado em que meu homem deveria estar. Encontrei, no entanto, um pequeno buquê com lírios brancos e um bilhete. Alcançando os óculos na mesa de cabeceira, abri o pequeno pedaço de papel endereçado a mim em uma letra escrita à mão:
“Você está prestes a completar oitenta e cinco anos. Já diminuiu alguns centímetros, assim como diminuíram os fios brancos que se estendem pela sua cabeça. E no topo de tudo isso, continua sendo a mulher mais linda em quem já coloquei os olhos, e não consigo me imaginar desejando alguém mais do que a você. Preferi te deixar dormir mais um pouco, mas volto antes que você possa sentir minha falta.
Sempre seu, ”.
Abri um sorriso ao mesmo tempo que senti lágrimas escorrendo por meu rosto, mas estava errado. Eu já era capaz de sentir a sua falta. Qualquer segundo que passava longe dele era o suficiente para que eu sentisse meu coração apertar um pouco, especialmente quando eu me lembrava que nosso tempo juntos estava esgotando-se como os últimos grãos de areia em uma implacável ampulheta.


Agosto de 2008, Los Angeles, CA
Era mais uma daquelas tardes quentes e sufocantes do verão da Califórnia. O ventilador acima da minha cabeça não parecia ajudar, menos a janela escancarada, por onde não passava nem uma leve brisa. Mas o que me sufocava da forma mais incômoda não era o clima quente e seco, mas a pessoa sentada a alguns pés de distância de onde eu estava.
– A gente nem conversa mais, . Eu sinto como se eu estivesse namorando um fantasma.
Eu ouvia as palavras de Arthur de maneira um tanto quanto desconectada. A cada meio minuto, eu me virava para ele e lançava um sorriso sem mostrar os dentes, tentando mostrar o mínimo de interesse necessário, enquanto lia alguns posts em um grupo do MySpace. Mas agora ele havia acabado de tocar em meu ombro, rodando minha cadeira de forma que eu ficasse de costas para o computador, captando minha total atenção.
– Você sequer está ouvindo o que eu estou falando? Eu não sei se consigo continuar esse namoro frio que a gente vem levando...
Meu namorado me olhava com os olhos demonstrando um certo cansaço e desespero. Ele tinha razão, eu não poderia negar isso. Eu nunca me senti realmente apaixonada por Art, mas há alguns meses a situação tinha atingido um estado crítico, no qual eu não conseguia sequer fingir algum interesse no nosso relacionamento. Na verdade, o que eu sentia é que mantinha aquele namoro desde sempre por puro comodismo. Por um lado, eu sabia que muitas vezes eu era racional e prática demais, mas por outro, um namoro entre dois adolescentes de dezesseis anos não deveria ser assim. Então em nenhum momento me arrependi da decisão que tomei naqueles segundos.
– Art, desculpe-me. De verdade, eu sei que não tenho sido uma boa namorada nos últimos tempos...
– Pelo menos você reconhece isso. – ele me interrompeu, enquanto nos sentávamos na beirada da minha cama.
– Deixa eu terminar, por favor. Você merece muito mais do que meia namorada. Ou um fantasma, como você disse. E eu não sei se posso ser essa pessoa agora. Talvez, o melhor para nós dois...
– Você está terminando comigo? – essa mania de interromper as pessoas era um dos motivos pelos quais namorar com Arthur tinha se tornado um pouco sufocante. – , não... Eu te amo tanto, tanto, eu quero me esforçar para fazer dar certo.
– Art, esse é justamente o problema. Nós não deveríamos nos esforçar para fazer dar certo, se a gente se amasse de verdade, as coisas simplesmente dariam certo.
Pela primeira vez em todo o tempo que eu conhecia Arthur, vi-o sem palavras. Desde criança, Art era meu melhor amigo, e isso se dava principalmente pelo fato de o garoto ser alguém extremamente comunicativo, contrastando com a minha personalidade introvertida, sempre imersa em meus livros. Eu olhava para ele sem qualquer emoção nos meus olhos. Finalmente, ele se levantou da cama e me perguntou:
– Você está saindo com outra pessoa, ?
– O quê?! – disse, saltando da cama. – É claro que não, Arthur. Eu jamais faria isso com você.
– É só que você está sempre nesse computador agora, conversando com só Deus sabe quem... – eu apenas neguei com a cabeça, desviando meus olhos dos dele. Alguns segundos se passaram em que o quarto permaneceu no mais profundo silêncio, até que ele por fim resolveu. – É melhor eu ir embora.
O rapaz simplesmente virou as costas e me deixou com o olhar perdido dentro daquele cômodo. Eu deveria me entristecer com aquele término, e no fundo era estranho saber que talvez um relacionamento de anos com Arthur, seja como namorados ou amigos, havia se encerrado ali. Mas desde que meu pai havia saído de casa sem sequer olhar para trás, eu aprendi a lidar com o fim. Tudo chega a um fim na vida, e cabe a cada um de nós enxergar quando não há mais como continuar com isso e que é como um ciclo natural, para sofrermos o menos possível. Era muito para alguém tão jovem quanto eu, mas isso é o que acontece quando se é abandonada tão pequena e tem de ser a mais forte – já que minha mãe e minha irmã, Ashley, passaram pelo pior momento de suas vidas naquela época e aguentaram tudo por um fio.
Eu realmente não estava saindo com alguém, mas há algum tempo outra pessoa vinha mexendo com as minhas emoções de um jeito que ninguém havia feito antes – Carter.
e eu havíamos começado a conversar em um desses grupos do MySpace há cerca de sete meses, e, desde então, nossas conversas foram ficando cada vez mais frequentes. Eu não sabia explicar a afinidade que havia entre nós, mas nos entendíamos como ninguém – éramos grandes fãs das Artes de uma maneira geral, mas principalmente pela Literatura. Autores que iam desde os clássicos como Charles Dickens, Shakespeare e Jane Austen, passando por toda a obra de Conan Doyle, chegando a Tolkien e Rowling – todos estavam entre os que mais gostávamos. Mas o mais curioso era que tínhamos o mesmo livro favorito: Guerra e Paz. Ele era o único adolescente que eu conhecia que já havia lido Tolstói, além de mim mesma. Também partilhávamos alguns gostos nerds em comum, especialmente as histórias em quadrinho e sagas como Star Wars. Ainda éramos dois viciados em fast-food, sendo o que chamávamos de “comida oficial de domingo à noite – especialmente nas noites de futebol” – outra paixão que dividíamos.
era órfão por parte de mãe, que havia morrido durante seu parto, e morava com seu pai, a madrasta e sua irmã mais velha, Helena, que já estava na faculdade, cursando moda. Segundo ele, o pai era um empresário muito importante em Washington e queria que o filho assumisse os negócios futuramente, por isso era muito rígido com o currículo escolar do herdeiro mais novo. Mas sempre que falávamos sobre isso, eu sentia que se esquivava, o que me fazia não insistir muito no assunto e respeitar seu espaço – algo que ele retribuía quando o assunto era a minha família.

[02/08/08 – 19h07 – says]: Hey, menina. Está por aí?
[02/08/08 – 19h09 – says]: Olá, estranho.
[02/08/08 – 19h10 – says]: Como foi o seu dia? Desapareceu...
[02/08/08 – 19h11 – says]: Bom, digamos que de repente ficou bem movimentado. Mas nada demais. E você? Tudo bem?
[02/08/08 – 19h13 – says]: Movimentado? Agora eu fiquei curioso!
[02/08/08 – 19h15 – says]: Bom, lembra daquele namorado que eu falei que eu tinha? Então, não tenho mais.
[02/08/08 – 19h20 – says]: Wow! Isso é o que eu chamo de movimentado. Até precisei de alguns minutos para processar a informação. Como isso aconteceu?
[02/08/08 – 19h20 – says]: Eu acho que só não era para ser, sabe? A gente namorava há muito tempo, mas eu sempre senti que faltava alguma coisa.
[02/08/08 – 19h22 – says]: E como sei! Tenho a sensação de que minha vida é assim desde sempre.
[02/08/08 – 19h23 – says]: Será que nós vamos passar a vida inteira como dois meio perdedores?
[02/08/08 – 19h23 – says]: Meio perdedores?
[02/08/08 – 19h24 – says]: É, sempre incompletos, sempre perdedores HAHAHA
[02/08/08 – 19h25 – says]: Eu espero que não, . Eu espero mesmo que não.
*
Dezembro de 2008, Los Angeles, CA
Ashley, minha irmã mais velha, era estudante de medicina na Universidade do Sul da Califórnia, que chamávamos de USC. Era também minha melhor amiga, apesar de oito anos mais velha. Logo, ela sabia de desde o começo, e percebeu, antes mesmo de mim, meus verdadeiros sentimentos por ele. Já se haviam passado quatro meses desde que eu e Art tínhamos terminado, e a verdade é que não me arrependi da minha decisão nem por um minuto. E, já por algum tempo, isso nem passava mais pela minha cabeça, que andava ocupada em encontrar um jeito de conhecer pessoalmente. E foi a minha própria irmã quem apareceu com a solução diante de mim.
– Você vai me amar tanto depois que eu te contar o que eu consegui. – ela entrou em meu quarto sem nem bater, naquela sexta à tarde.
– Legal, porque até agora eu só te achava legalzinha. – respondi, irônica.
– Tonta. – ri sozinha de sua resposta e esperei que ela continuasse. – A sua irmãzona aqui vai em um congresso de medicina, um dos mais importantes do país, e você vai comigo.
– Ash, você sabe que é a minha pessoa favorita no mundo todo, mas o que eu faria em um congresso de medicina?
– Calma, eu ainda não te disse onde vai ser esse congresso. – ela continuou quando não esbocei nenhuma reação. – Na capital do poder deste país, . Nós vamos pra Washington.
Fiquei por alguns segundos apenas encarando minha irmã com uma expressão de peixe morto na cara até ela estalar os dedos na frente do meu rosto, fazendo-me voltar para a realidade.
– Was-Washington? Co-como assim? Qu-quando?
– Credo, você vai desenvolver gagueira agora que eu vou te levar para conhecer meu futuro cunhado?
– Você sabe que nós somos só...
– Só amigos, eu sei. Mas também sei o quanto e como vocês se falam. Pois é, já ouvi vocês conversando por vídeo algumas vezes. – ela completou quando viu que eu ia perguntar alguma coisa.
Levantei da minha cama e me joguei em cima de Ashley, quase derrubando nós duas no chão.
– E quando nós vamos?
– Março. Partimos no final de março.
*
Março de 2009, Washington, DC
O dia finalmente havia chegado. Não sei sequer como consegui dormir um pouco naquela noite. Quando minha irmã veio me apressar, acreditando que eu ainda estivesse dormindo, minha mala já estava pronta e todas as coisas checadas por três vezes. Pegamos um táxi até o aeroporto e rapidamente já estávamos nós duas na sala de embarque. As cinco horas que passamos depois, dentro do avião, arrastaram-se como cinco dias, mas finalmente aterrissamos em Washington.
havia prometido me encontrar no estacionamento do aeroporto, então procurei por alguém com a descrição que ele tinha me dado: aproximadamente 1,85m, cabelos e olhos castanhos, estaria vestindo uma calça jeans e uma camisa azul marinho. Ele só tinha esquecido de mencionar os óculos escuros que o deixava tão charmoso quanto os atores de Hollywood e o buquê de lírios brancos com detalhes cor-de-rosa – as minhas flores favoritas.
Uma sensação inédita começou pelos meus pés e pernas, por onde uma onda fria parecia passar, fazendo-se duvidar se seriam capazes de me manter em pé por muito tempo. Depois, a sensação passou por minha barriga, causando um sentimento de dor em minhas entranhas e de que nunca mais seria capaz de colocar qualquer coisa no estômago. Finalmente, senti meu coração aquecendo todas essas sensações, bombeando o sangue em minhas veias tão rapidamente que não me espantaria se um ataque cardíaco me atingisse naquele mesmo instante. Quando ele abaixou os óculos e nossos olhos se encontraram, eu tive certeza que jamais veria algo tão bonito quanto o que via naquele momento. Senti as mãos de Ashley nas minhas costas, empurrando-me na direção do carro onde ele também estava aparentemente paralisado.
foi se aproximando de mim conforme nossa sintonia parecia nos puxar para perto um do outro. Eu nunca tinha me sentido daquela forma, e ao mesmo tempo meu cérebro mal conseguia raciocinar. Quando finalmente estávamos a um braço de distância um do outro, me ofereceu as flores que tinha nas mãos, mas as minhas pareciam ter ganhado vida própria e tocaram calmamente a lateral de seu rosto. Meus dedos iam sentindo cada traço dele, conforme seus olhos se fechavam com a sensação do meu toque. Senti seus cabelos, que eram mais macios do que eu imaginava, e dei mais um passo em sua direção, abraçando-o pela nuca. Respirei fundo, sentindo seu cheiro que, para mim, era como uma mistura de terra molhada, flores e livros novos – aqueles cheiros que me traziam paz, mesmo nos momentos mais difíceis. Respondendo as minhas ações, passou os braços ao redor da minha cintura, fazendo com que meus pés não tocassem o chão por alguns segundos. Contra a minha vontade, fomos afastando-nos aos poucos, e quando nossos olhos se encontraram novamente, nossos sorrisos se abriram ao mesmo tempo. Nossas mãos se aproximaram, e a dele apertou a minha com certa intensidade. Olhei para as flores que ele segurava com a outra mão, e, acompanhando meu olhar, falou:
– São para você. Eu lembrei que são suas preferidas.
– São lindas. – respondi, segurando o buquê com as minhas mãos. – Eu estou oficialmente sentindo-me em um daqueles filmes água com açúcar que eu insisto em assistir mais do que eu gostaria de admitir.
Rimos juntos e senti Ashley parar ao nosso lado.
– Você deve ser o protagonista d’O Diário de Uma Paixão aqui. – minha irmã disse com um certo deboche na voz. – Eu sou a irmã coadjuvante que ajuda a mocinha a conquistar o mocinho, Ash.
– Prazer, Ashley. – respondeu entre risos, enquanto eu me equilibrava entre a vergonha e alegria por finalmente estar ali. – me falou bastante sobre você, está aqui para um congresso de medicina na Universidade George Washington, né?
– Isso. – ela respondeu com um sorriso orgulhoso no rosto. – E, a propósito, eu preciso me apressar para conseguir fazer o check-in no hotel e na universidade. Você sabe onde a gente pode achar um táxi?
– Está brincando, né? Eu sou o motorista oficial das duas aqui, garanto que sou bem melhor do que qualquer taxista que vocês poderiam encontrar em Washington.
, realmente não precisa, a gente não quer incomod...
, por favor, nem tente discutir sobre esse assunto. – me cortou antes que eu pudesse terminar minha frase. – Vamos, eu ajudo vocês com as malas.
Percebi que de nada adiantaria negar sua ajuda, então rapidamente colocamos as malas no carro e seguimos para o hotel. Ao chegar lá, Ashley insistiu para que fôssemos passear pela cidade e ela se arranjaria para chegar até a GW, já que nosso hotel era muito próximo à universidade. Ao mesmo tempo em que o que eu mais queria era ficar a sós com , fiquei apavorada quando ele fechou a porta do carro e meu desejo se realizou.
Ele saiu pela avenida do hotel em que me hospedei, e passamos alguns quarteirões em silêncio. Cansada daquele clima, decidi ser a primeira a iniciar uma conversa:
– Eu sei que acabei de te conhecer, mas pela sua linguagem corporal, eu arriscaria dizer que você está um pouco nervoso.
– E você não?! – ele riu, olhando-me com o canto dos olhos. – Bom, é você que está dentro do carro de um estranho em uma cidade que você não conhece.
– Se eu não estava, acabei de ficar. – ri junto com ele e abaixei minha cabeça. – Mas estou tentando ignorar isso. E eu achei que você não gostava de ser chamado de estranho.
apenas riu, aparentemente ignorando meu comentário sobre a forma como eu costumava chamá-lo.
– Para onde estamos indo, estranho?
– Você realmente vai continuar chamando-me assim para o resto da vida, não é? – apenas levantei as sobrancelhas quando ele me olhou ao parar em um semáforo. – Bom, eu sei que você está ansiosa para conhecer todo o National Mall, mas como já está um pouco tarde, não vamos conseguir conhecer tudo hoje. Pensei em começar com o pé direito e te levar para ver o Espelho d’Água e o Memorial Lincoln, e depois te surpreender ali por perto.
– Sério?! – respondi, sentando-me de lado no banco do carro quando ele começou a se mover novamente. – E você pretende superar de qualquer forma esse lugar? Não é muito arriscado começar uma temporada turística no melhor lugar da cidade?
– Baby, deixa comigo. O Espelho d’Água é realmente maravilhoso, mas tenho certeza que posso te mostrar lugares ainda melhores.
Dois minutos depois já estávamos estacionando próximos ao Lincoln Memorial. Descemos do carro e segurou minha mão. Um gesto tão pequeno, mas que encheu meu coração de alegria. Caminhamos em silêncio até as escadarias onde Martin Luther King Jr. havia feito o histórico discurso pelo fim da discriminação racial nos Estados Unidos, e era inegável: aquele lugar era mágico, além de magnífico para os olhos. No topo das escadas, chamou minha atenção para que eu me virasse e encarasse o Espelho d’Água que se estendia em frente de onde estávamos com o Monumento a Washington ao fundo, e aquela era definitivamente uma das paisagens mais bonitas que eu já tinha visto. Deixando um pouco de lado a admiração por aquele lugar, chegamos aos pés da estátua de Lincoln em seu memorial, e aquilo era realmente imponente. Analisamos um pouco mais cada detalhe do local – claro, eu muito mais do que , que parecia mais um guia turístico do lugar – e caminhamos um pouco às margens da piscina aos pés do Memorial, até que ele disse para nos apressarmos, pois havia mais um lugar para conhecer ainda naquele dia, por mais que a noite quase já estivesse sobre nós.
Entramos no carro e dirigiu por mais cinco minutos até que estacionamos próximos a uma construção em formato de círculo, que eu lembrava vagamente de ter visto nas minhas pesquisas sobre a capital americana, mas não conseguia me lembrar o que era exatamente.
, parece que o lugar já vai fechar. Os guardas já estão fechando as portas.
– Ótimo, chegamos no horário certo. – ele me olhou com um riso em seus olhos. – Confia em mim, eu tenho meus contatos. E aí, Frank. Tudo certo?
– Senhor , estava só esperando que vocês chegassem. – o segurança que estava encostado ao lado da última porta aberta respondeu o rapaz ao meu lado. – Já está tudo certo com o Alex, ele vai assumir o turno da noite. Se precisar, o senhor sabe onde encontrá-lo.
– Valeu, Frank. Mas já disse para parar com toda essa formalidade comigo. De qualquer forma, devo-lhe uma.
segurou minha mão e me puxou para dentro do que eu descobri ser o Museu Hirshhorn ao ler as sinalizações próximas ao local. Chamei a atenção de , procurando por algumas explicações.
, porque o segurança falou com você daquele jeito? Seu pai é dono desse lugar, por isso você pode entrar aqui depois do horário de funcionamento?
, todos os museus do Smithsonian são controlados pelo governo, achei que você soubesse disso – mordi os lábios culpada pelo meu esquecimento de algo tão óbvio sobre Washington –, então meu pai não poderia ser exatamente dono desse lugar. Nós vamos falar sobre ele hoje, mas mais tarde. Agora eu quero te mostrar um lugar especial aqui. E prometo responder todas as suas perguntas depois também. – completou, sentindo meu olhar desconfiado sobre ele.
Assenti, sabendo que eu jamais seria capaz de discutir quando aquele olhar repousava no meu. me guiou por três exposições diferentes, e eu não conseguiria dizer por qual delas fiquei mais apaixonada. Arte moderna era mais um dos gostos que dividíamos, e ver tudo aquilo, ainda mais em uma visita exclusiva, era simplesmente incrível. Eu já não tinha noção de onde estava depois de andar quase uma hora por aquele lugar, mas mais incrível ainda foi quando chegamos a uma pequena sala adornada com espelhos em todas as suas paredes, com a exceção de uma que era inteira de vidro, que permitia a vista para a fonte que ficava bem no centro do museu. As luzes refletidas naquele lugar traziam uma aura mística ao momento, especialmente quando encaixada com a melodia em piano que equalizava no ambiente. Virei para sem que conseguisse emitir uma palavra, apenas com os olhos quase cheios de lágrimas.
– Gostou? – ele me perguntou, parecendo um pouco inseguro.
– Se eu gostei?! – respondi, ainda girando em meus próprios pés, tentando absorver toda a beleza daquilo. – Esse lugar é incrível, .
– Que bom que você gostou. – ele me disse, relaxando um pouco seus ombros. – Vem, eu pedi para prepararem um jantar para a gente.
Encarei-o, enquanto ele segurava uma das cadeiras que estavam postas uma de frente para outra em uma mesa com todo um jantar servido. Permaneci parada, observando-o, conforme sentia a tensão tomando conta de seu corpo novamente. Ele caminhou até mim novamente.
, está tudo bem?
– Diga-me você, . Olha, eu não quero parecer paranoica, menos ainda mal-agradecida por essas poucas horas, as mais incríveis da minha vida sem graça até agora. Mas eu não entendo. Eu sei que seu pai é alguém importante e, definitivamente, dinheiro não é um problema para você. Mas ainda assim, tudo isso parece muito surreal, e eu preciso saber o que está acontecendo, quem você é de verdade. Por que você sempre evitou esse assunto? Falar sobre seus pais?
– Eu queria deixar esse assunto para depois do jantar, mas parece que você não vai mais me deixar adiar isso. – ele fez uma pausa, esperando, em vão, que eu negasse o que ele havia acabado de dizer. – Eu preciso que você mantenha a sua mente aberta para o que eu vou te dizer agora e tentar entender que eu tive meus motivos para esperar até agora para te contar isso.
Ele suspirou e olhou para o chão, enquanto eu permaneci em silêncio, começando a sentir medo do que ele estava prestes a me contar.
, meu pai se chama Hunter . Esse nome é familiar para você?
Prendi a respiração por alguns segundos. Talvez alguém que não se interessasse muito pelos assuntos políticos do país não reconhecesse aqueles nomes, mas eu acompanhei toda a campanha presidencial do último ano e sabia que aquele era o Vice-Presidente dos Estados Unidos. A única reação que eu consegui esboçar foi começar a rir. Rir muito. Dobrei minha barriga com as mãos sobre elas e lágrimas nos olhos. Quando finalmente me recuperei, encarei , e ele permanecia sério.
– Qual é, ?! Você não pode estar falando sério.
– Na verdade, não é tão difícil de comprovar. Espanta-me que você não tenha descoberto antes. Bastava você procurar pelo meu nome na internet e descobriria.
Respirei fundo, tentando processar aquela informação.
– Mas... – afastei-me dele, cobrindo meu rosto com as mãos. – Mas seu sobrenome é Carter. Como? Você mentiu para mim todo esse tempo?
– Não, , eu nunca menti para você. Meu nome é Carter . Eu evito usar o sobrenome do meu pai justamente para tentar me manter afastado da sombra dele. – eu me mantive afastada dele, incapaz de encará-lo. – , por favor, diga-me qualquer coisa. – ele se aproximou de mim, colocando as mãos nos meus braços. – Eu sei a importância que meu nome tem, mas isso não muda quem eu sou. Ou o que eu sinto.
Levantei meus olhos, encarando os de .
– O que você... sente?
– É loucura, eu sei. A gente se conheceu de verdade há algumas horas, mas eu sempre soube, . Desde a nossa primeira conversa há mais de um ano. Eu sabia que você não seria qualquer uma que passaria pela minha vida. – ele dizia, aproximando ainda mais nossos corpos, sem tirar os olhos dos meus. – , eu estou apaixonado por você.
Ele colou nossas testas e nossos olhos foram fechando-se calmamente. Suas mãos foram descendo pela lateral do meu corpo, e conforme seus braços envolviam minha cintura, começou a roçar seu nariz com o meu. Eu mal podia sentir minha respiração naquele momento. Lentamente, nossos lábios foram aproximando-se, apenas repousando um sobre o outro. Comecei a sentir a respiração ofegante dele contra meus lábios e não pude mais resistir – apertei mais minhas mãos no pescoço de , apertando meus lábios entreabertos contra os dele. Não demorou para que nossas línguas se encontrassem e eu sentisse aquela sensação de fogo queimando o estômago à medida que nossos lábios e línguas se confundiam em um só. Ele puxou meu lábio inferior ao mesmo tempo em que eu passeava com a minha língua sobre os seus. Quando eu me dei conta do que estava acontecendo, coloquei minhas mãos em seu peito, empurrando-o para longe de mim.
– Não, . Você – respirei fundo e fechei meus olhos por um segundo, encarando-o em seguida –, você não tem direito de me esconder uma coisa tão grande assim esse tempo todo, deixar-me vir até aqui para descobrir isso e depois vir com esse papinho de estar apaixonado e me beijar como se tudo estivesse bem. Não está tudo bem, .
, por favor, eu não podia.
– Ok, eu entendo, você não sai por aí com um anúncio no pescoço que seu pai é o vice-presidente da América, mas a gente se conhece agora há mais de um ano. Você não confiava em mim o suficiente para me contar antes?
– Não tem nada a ver com confiança. Quando você me contou que vinha para cá, eu me senti o cara mais feliz e sortudo desse mundo, mas ao mesmo tempo não sabia como te contar isso àquela altura. E eu, eu sei lá, a gente nunca se tinha visto pessoalmente.
– Ah, claro, eu atravessei a porra do país todo para te encontrar, porque acreditei que existia alguma coisa aqui, alguma coisa que valesse a pena. Mas para você não valia nada enquanto não garantisse uma boa checada pessoalmente.
, por favor. – ele se aproximou de mim, tentando me abraçar.
– NÃO! – falei mais alto do que eu pretendia. – Eu não consigo olhar para você agora. Eu quero ir embora, eu... Por onde eu saio desse lugar?
Saí correndo pela primeira porta que encontrei, ignorando os gritos de atrás de mim. Já estava na calçada quando ele me alcançou e me puxou pelo braço.
– Deixa eu pelo menos te levar, então. Você não conhece nada em Washington, é mais seguro.
– Eu já não sei mais se é seguro ficar perto do grande filho do vice-presidente. Mas está certo, não vou ser burra de tentar andar sozinha pelas ruas dessa cidade a essa hora da noite. Só, por favor, não fala comigo no caminho, ok? Eu não posso ouvir sua voz agora.
apenas assentiu e caminhamos em silêncio até seu carro, o que permaneceu no trajeto até o hotel. Ao estacionar, percebi que ele me olhava, mas me apressei a abrir a porta, quando ele, então, segurou minha mão.
, eu sei que você está chateada e assustada agora com toda essa informação. – ele começou, enquanto eu permaneci quieta, sem direcionar meus olhos para ele, com medo das lágrimas que eu poderia deixar aparecer se o fizesse. – E eu entendo toda a sua raiva, eu não sei, acho que eu reagiria da mesma forma se estivesse no seu lugar. Eu só quero que você saiba que nunca foi minha intenção enganar você. Você acreditando nisso ou não, eu realmente me apaixonei por você. E hoje, depois de te ver, abraçar-te, beijar-te, eu tenho certeza do que eu sinto por você.
Puxei minha mão com certa violência e abri a porta do carro, dizendo antes de sair apenas:
– Adeus, .

Ótimo. Eu não podia voltar pra Los Angeles naquela mesma hora, porque as passagens estariam estratosfericamente caras. Não podia passar o dia inteiro com a minha irmã, porque ela estava quase todo o tempo na George Washington. E não queria sequer ouvir o nome de , quem dirá conhecer a cidade com ele. A solução que encontrei já no meu quarto dia em Washington, depois de passar os outros dias enfurnada no quarto do hotel ignorando as ligações de , foi conhecer a cidade sozinha. Já iria embora no dia seguinte, e eu não ia me permitir deixar de conhecer a capital do poder americano por causa de um cara babaca qualquer.
Washington é uma cidade incrível, e vai muito além de ser simplesmente a “cidade do presidente”. Visitei diversos museus naquele dia, todos eles gratuitos e todos eles fantásticos. O National Mall tem jardins e paisagens muito bonitas, o Memorial da Segunda Guerra Mundial foi um dos lugares mais sensíveis que já visitei e, por ser próximo do Espelho d’Água, resolvi voltar até lá, e me lembrar do dia que havia passado com ali foi inevitável. No exato instante em que estava pensando nisso, meu celular tocou; era ele. Resolvi atender sem pensar muito sobre isso.
– Alô.
, finalmente você me atendeu.
– O que você quer, ? Eu acho que a gente já conversou tudo o que tinha para conversar, não é?
– Olha, você está puta comigo e com todo o direito. Mas eu quero, aliás, eu preciso muito falar com você antes que você volte para Los Angeles. Por favor, talvez eu não mereça nem isso, mas vamos conversar pessoalmente uma última vez.
Mordi o lábio, tentando raciocinar todos os prós e contras daquele encontro.
– Está bem, . Eu não sei o que você possa ter a dizer ainda, mas eu aceito me encontrar com você.
– Sério? Ótimo! Eu passo aí no seu hotel em cinco minutos e...
– Eu não estou no hotel. – respondi, ríspida, irritada por ele pensar que era lá onde eu estaria, provavelmente chorando por ele. – Eu estou perto da Bacia das Marés. Se quiser, encontre-me por lá.
– Cinco minutos.
Desliguei o telefone e levei um minuto para chegar até o lugar que combinamos. A Tidal Basin, ou Bacia das Marés, estava lindíssima, rodeada pelas cerejeiras típicas daquela época do ano, e a luz do sol já se pondo só deixava o cenário ainda mais bonito. Debrucei-me sobre a cerca que rodeava o lugar e, alguns segundos depois, senti a presença de ao meu lado.
– É lindo, não é? – ele disse após algum tempo, acredito que na tentativa de quebrar o iceberg entre nós.
– Vi poucas paisagens tão lindas quanto essa.
– Hoje está particularmente mais linda. – percebi que me encarava e resolvi olhá-lo de volta, sentindo minhas bochechas corarem.
– O que você tanto quer falar ainda, ?
, eu reconheço que pisei na bola. – ele aproximou sua mão da minha, fazendo com que eu desse um passo para longe dele –, mas eu nunca quis te magoar. Você tem toda razão quando diz que eu deveria ter confiado em você e ter lhe contado antes, mas eu tive medo. Medo de alguma coisa mudar entre a gente, medo da sua reação, eu sei lá.
, eu não sei se consigo acreditar nisso. E ainda que eu acreditasse, como as coisas poderiam voltar a ser as mesmas? Você é filho do vice-presidente, e eu sou uma ninguém.
– Você é alguém para mim; alguém muito especial, a propósito.
Sorri com suas palavras, sentindo que não conseguiria manter a mágoa por muito tempo.
– Eu só queria que você pudesse de alguma forma me perdoar, . – ele completou e segurou minha mão entre as suas, e dessa vez não me afastei.
– Eu não tenho o que perdoar, . A verdade é que minha reação foi diretamente proporcional à bomba que você soltou em mim e o desespero que eu senti no meio de toda essa situação. – respirei fundo e continuei evitando encontrar meu olhar com o dele. – Eu não posso negar que me envolvi com você e que há algum sentimento entre nós, disso não há dúvidas. Mas que relacionamento nós poderíamos ter?
– Você quer ir para Columbia, não é? – ele se aproximou mais de mim, como se estivesse prestes a contar um plano ultrassecreto. – E eu tenho certeza que você vai entrar e vai ser uma grande jornalista.
Sorri com a menção que ele fazia aos sonhos que eu havia partilhado com ele. Eu realmente queria estudar jornalismo na Columbia e trabalhar para um jornal importante em Nova York. Eu nunca me senti verdadeiramente em casa na Califórnia, e o mundo parecia mais o meu lugar.
– Isso é só um sonho, , eu não recebi qualquer resposta de Columbia ainda.
– Mas vai receber. E eu vou pra Yale, ou seja, nós estaremos a aproximadamente uma hora e meia de distância de carro um do outro. A gente pode fazer isso dar certo, . Dá uma chance para a gente.
– Como essa conversa passou de te perdoar para fazer algum relacionamento hipotético dar certo? – ri, afastando-me de e virando-me para a Bacia de novo. – Você sabe que eu não gosto de fazer planos que ainda não são concretos.
– Eu sei, e eu amo isso em você. – congelei, ouvindo a palavra com “a” sair da boca de . – Mas isso é concreto, . Ou quase isso. – ele completou quando dei um riso de descrença.
– Olha, , eu perdoo qualquer idiotice que você pode ter feito. – virei-me para ele, sentindo meu coração apertar com o brilho que havia em seus olhos –, mas eu não posso fazer isso agora. Eu preciso de espaço e tempo para digerir toda essa história, para terminar o ensino médio, decidir o que vai ser da minha vida a partir do próximo ano letivo, e eu não posso fazer isso e ainda me preocupar com seja lá o que exista entre a gente. Eu quero acreditar que a gente vai ficar junto, mas não posso planejar minha vida em cima disso.
Passaram-se alguns instantes de silêncio entre nós, sem que nos atrevêssemos a encarar um ao outro.
– Eu te entendo, eu acho. Eu vou te dar esse tempo, mas eu não vou desistir de você, eu espero que você saiba disso. – ele se aproximou de mim, alisando meus braços com as suas mãos. Levantei meus olhos para encontrar os deles muito próximos aos meus. Percebi ao que aquilo acabaria levando-nos e deixei acontecer. A verdade é que eu estava realmente apaixonada por , e, apesar de o meu lado racional não me permitir manter um relacionamento à distância com ele, isso não me impediria de aproveitar aquele momento.
colou seu corpo ao meu, passando as mãos por minha cintura. Como um reflexo, minhas mãos passaram por seus ombros e nossos rostos também se aproximaram. Eu suspirei e fechei os olhos, apenas sentindo o cheiro que vinha de , e senti seus lábios tocando meu rosto. Ele beijou minha bochecha lentamente, arrastando seus lábios até meu queixo, e sua respiração contra minha pele me deixou arrepiada. Apertei minhas mãos na nuca do rapaz e ele colou sua boca na minha. Entreabri meus lábios, deixando que nossas línguas se encontrassem e nos entregamos a um beijo apaixonado e de despedida ali, enquanto o sol dava espaço para que a noite nos abraçasse finalmente.
*
Maio de 2009, Los Angeles, CA
Foi estranho voltar para LA depois de tudo o que tinha acontecido em Washington. Felizmente, voltei às aulas logo e pude ocupar minha cabeça com meus últimos meses no ensino médio. respeitou meu pedido e não me procurou durante aquele tempo, apesar de, no fundo, eu desejar que ele o fizesse. Eu tinha medo de que ele simplesmente me esquecesse, mas sabia que tinha tomado a decisão certa.
Quando a resposta de Columbia chegou na caixa de correio de casa, eu não sabia que era capaz de sentir tanta felicidade. Eu havia sido aceita e começaria meus estudos em Nova York no próximo outono. Passada a euforia (minha, da Ashley e da minha mãe), pensei no que me havia dito na última vez que nos falamos, mais de dois meses atrás. Pensei em procurá-lo para contar a novidade, mas o que eu diria? “Oi, eu estou indo morar em Nova York e acho que agora quero ficar com você, bora?!”. Era ridículo. Eu havia decidido me afastar de , e agora ele podia ter encontrado outra pessoa, me esquecido, e eu não queria correr o risco da humilhação de ter me mantido conectada a ele de alguma forma mesmo depois de tudo o que aconteceu. Era isso, eu deixaria o destino decidir por mim e aproveitaria ao máximo cada experiência que aparecesse no meu caminho.
*
Agosto de 2009, Los Angeles, CA
– Eu realmente não entendo porque você já quer ir pra Nova York duas semanas antes das aulas começarem, . – Ash tagarelava, enquanto eu terminava de fechar a última mala que levaria para minha nova moradia. – Quer dizer, eu entendo que é Nova York, mas eu queria passar mais tempo com a minha irmãzinha, já que nem sei quando isso vai acontecer de novo.
– Você fala como se eu estivesse partindo numa missão espacial e fosse me perder num paralelo de tempo e espaço, e nunca mais fosse me ver. – respondi ao me jogar em minha própria cama. – Eu já te expliquei que eu quero ir deixar tudo organizado antes de começarem as aulas, acostumar-me com a cidade, conhecer alguns lugares. Eu não sei exatamente como vai ser minha rotina quando começar a faculdade, mas provavelmente não vou ter muito tempo livre. Além disso, eu preciso ir acostumando-me com a solidão e com toda a independência e a responsabilidade que vem com ela.
Minha irmã respondeu fazendo bico, mas sabia que ela havia entendido. Eu não aguentava mais a Califórnia e estava muito ansiosa para começar a nova fase da minha vida. Só mais um dia e eu estaria em um voo rumo à Big Apple. Ouvi a campainha tocando no andar de baixo e, sabendo que minha mãe ainda não tinha chegado do trabalho, encarei minha irmã, como em um pedido para que ela atendesse.
– Nem pensar! Vai você, dona . Eu sempre atendo telefone e campainha nessa casa, não disse que quer começar a se sentir responsável e independente?! Eis a sua chance.
Arremessei uma almofada em sua direção que ela segurou com as mãos. A campainha tocou novamente e eu sabia que aquela batalha estava perdida. Quem aparecia sem avisar em plena segunda-feira? Desci as escadas, prendendo meu cabelo em um rabo-de-cavalo alto, tentando disfarçar a bagunça que ele estava. Abri a porta já pronta para mandar quem quer que fosse embora, mas perdi qualquer capacidade de fala no momento em que vi quem estava parado em minha frente.
Carter, ou melhor, me encarava, e eu não sei como não desmaiei ali naquele mesmo instante. Dei um longo suspiro e resolvi me pronunciar quando ele não o fez.
? O que você está fazendo aqui?
– Oi, . – ele tomou um tempo, aparentemente tentando encontrar palavras para me explicar qualquer coisa. – Eu vim porque precisava muito te ver, conversar com você. Eu sei que é inesperado, e que você queria que a gente se mantivesse afastado, mas eu... – ele parou por um instante ao dirigir seu olhar para meu rosto. – Do que você está rindo?
Sem pensar, sem hesitar, joguei-me nos braços de . A saudade que eu sentia era tão grande que deixei de lado toda a razão e o beijei. Era um beijo apressado, urgente, de tirar o fôlego. levou uma de suas mãos até minha nuca, bagunçando um pouco o cabelo que eu havia acabado de prender. Apertei meus braços em volta dele o mais forte que pude, enquanto apenas sentia os lábios de sobre os meus. Aos poucos, fomos afastando nossos lábios, sem fazer o mesmo com nossos corpos.
– Mas eu não conseguia mais suportar a saudade que eu estava sentindo de você.
– Eu não estou acreditando que você está aqui mesmo, que isso é real. – eu disse enquanto colocava minhas mãos sobre o rosto dele. – Eu também senti muito sua falta. Tanta, tanta saudade. E eu fiquei com medo que você já tivesse deixado tudo entre a gente de lado, e isso estava me corroendo por dentro.
– Impossível! – ele exclamou, afastando-se um pouco, e eu não pude evitar sorrir ainda mais com sua reação. – Esses meses foram de longe os piores da minha vida. Nesse último final de semana, eu acabei indo para uma festa, bebi mais do que eu deveria... Eu queria só esquecer. Mas no dia seguinte eu só podia pensar em como eu tinha sido idiota de achar que eu conseguiria isso. Eu sei que um relacionamento à distância pode ser muito difícil, mas ficar assim, longe, é bem pior.
– Eu acho que a gente tem bastante coisa para conversar. Vem, entra. – afastei-me da porta, dando passagem para que ele entrasse em minha casa, fechando a porta atrás de nós, quando notei que minha irmã nos observava do topo da escada. – Ash, você tem alguma coisa a ver com isso?
– É claro que sim – ela me respondeu entre risos –, como você acha que ele conseguiu nosso endereço? Mas vou deixar os pombinhos conversando. Qualquer coisa, estou no meu quarto.
Virei-me para quando Ashley saiu do nosso campo de visão. Eu não sabia por onde começar, como agir, então pensei como uma boa anfitriã.
– Você quer alguma coisa? Uma água? Está com fome?
– Eu estou bem, , mas acho que aceito um copo d’água.
– Certo, você pode sentar, fica à vontade, eu já volto com a água.
Fui até a cozinha o mais rápido possível e procurei pelos nossos melhores copos. Levei uma jarra e dois copos até a sala, onde estava sentado, encarando as próprias mãos e parecendo quase tão nervoso quanto eu estava. Mas ele tinha vindo atrás de mim, certo? Isso só podia significar que ele realmente gostava de mim, que ainda havia esperança para nós dois. Aproximei-me de , chamando sua atenção ao me sentar do seu lado.
– Obrigado. – ele me disse ao aceitar a água que eu lhe oferecia. – , escuta, eu entendo tudo o que você disse em Washington, mas eu realmente quero fazer dar certo entre a gente. Eu sou filho do vice-presidente, caramba, não um ser com uma doença contagiosa que não pode se relacionar com ninguém. E na distância a gente dá um jeito, a gente pode se ver a cada quinze dias, você vai para Washington, eu venho para cá...
, eu tenho uma coisa para contar.
– Certo, a Ash me disse que talvez você tivesse alguma coisa para me contar, e pelo jeito tem mesmo, não é? Não vai me dizer que você está grávida e vai se casar?
– Está maluco, estranho? – respondi, empurrando de leve seu ombro com o meu. – Você sabe bem que eu não tenho a menor vontade de ter filhos e casamento nem passa pela minha cabeça agora. Eu tenho alguma coisa para lhe contar, sim, mas acho que você vai gostar de ouvir. Pelo menos eu espero.
– Desembucha logo, então. – ele pareceu desesperado ao insistir que eu continuasse.
– Bom, alguns meses atrás eu recebi minha carta de Columbia. Eu já tinha perdido as esperanças, todas as cartas já deviam ter chegado àquela altura, então provavelmente seria alguma dizendo que agradeciam meu interesse, mas que não era dessa vez. Acontece que no fim das contas eu estou de mudança para Nova York.
– Você entrou em Columbia?
– Eu entrei em Columbia!
se inclinou em minha direção e no meio de abraço me tirou do sofá, girando-me em seus braços. Nós ríamos juntos no meio da minha sala e ele começou a beijar meu pescoço repetidamente, conforme me colocava no chão.
, isso é maravilhoso! Por que você não me disse isso antes? Você já arrumou um lugar para morar lá? Quando você vai?
– Calma, uma coisa de cada vez. – eu respondi, enquanto me sentava novamente, sendo seguida por . – Eu já tenho onde morar e estou indo para lá amanhã, na verdade, para terminar alguns detalhes, já deixar alguns documentos na faculdade, essas burocracias, além de aproveitar para passear um pouco em Manhattan.
– Uau, já amanhã. – ele pareceu levar alguns instantes para processar a informação. – Vai ser ótimo, eu voo para lá com você e posso te mostrar a cidade. Mas você podia ter me contado isso, . Você ainda tem meu contato, não é?
– Tenho, tenho sim. É só que – eu tentava encontrar as palavras para responder àquilo – eu não sabia como te contar e nem se eu devia. Não faz essa cara. – completei, pousando minha mão sobre seu rosto, virando-o para mim novamente. – Eu te pedi para ficar longe, falei para seguirmos nossa vida, não era justo eu achar que você estaria esperando eu te ligar, dando as novidades. Era ridículo.
Ele sorriu descrente, abaixando a cabeça, mas finalmente me respondeu.
– Não é como se eu tivesse fazendo isso. – eu abaixei meu olhar com o pensamento de com outra garota. – Mas eu gostaria de saber. Mas não é isso que vai fazer a gente brigar agora. Eu consegui você agora, nada vai ficar entre nós.
– Conseguiu-me? Quão presunçoso da sua parte, senhor Carter-, não acha? – coloquei meus braços ao redor do seu pescoço, inclinando-me em sua direção e aproximando meu rosto do dele.
– Bom, eu estou aqui, com uma aluna de uma das melhores universidades do país, tão perto... Acho que eu tenho o direito de ser um pouco convencido, não é?!
Arrastei meu nariz pelo pescoço de até sua orelha. Fui depositando beijos dali até o canto de sua boca, onde me demorei um pouco mais. Ele virou seu rosto lentamente para o meu, deixando nossos narizes encostados, um podendo sentir a respiração do outro. , então, avançou sua boca sobre a minha em um beijo voraz, e foi assim que ficamos por longos minutos no sofá da minha sala.
Mais tarde, depois da insistência da minha mãe para que jantasse com a gente para que eles pudessem se conhecer, ele finalmente foi para um hotel quando já eram mais de onze horas da noite. Meu voo para Nova York sairia cedo no dia seguinte, e ele prometeu me encontrar no aeroporto e viajaria comigo para lá.
Conforme o combinado, ele já estava sentado próximo aos balcões das companhias aéreas quando cheguei ao aeroporto no dia seguinte. Caminhou rapidamente na minha direção e cumprimentou minha mãe e irmã antes de se dirigir a mim. Trocamos um olhar de cumplicidade e apenas trocamos um beijo no rosto.
– Bom, é melhor eu fazer logo meu check-in, não quero nem pensar em perder esse voo. – falei rapidamente, encaminhando-me ao balcão.
, espera. – segurou minha mão, chamando minha atenção. – Eu tomei a liberdade de trocar a sua passagem e já fiz o check-in.
– Como assim, trocou minha passagem?
– Bom, eu queria que a gente viajasse junto, achei que não teria problema.
– Problema nenhum. Que isso, filha? – minha mãe me repreendeu. – O rapaz só queria lhe fazer uma gentileza.
– É que ele sabe que eu não sou a maior fã de surpresas, mama – respondi e ao mesmo tempo lancei um olhar de censura para ele, que deu de ombros –, mas eu estou indo realizar um dos meus maiores sonhos hoje, então nada vai estragar meu humor. Já que o senhor aprontou essa, melhor irmos para o portão de embarque, né?
– Eu não quero parecer uma mãe desnaturada, mas eu ainda preciso dirigir quase uma hora para deixar a Ash em casa de novo e ir para o trabalho, então. – minha mãe completou, acanhada, mas eu ri da situação.
– É, e eu estou louca para voltar para minha cama, então, tchau, maninha. Juízo. Não faça nada que eu não faria. – minha irmã me deu um abraço forte e sussurrou só para mim. – E aproveita esse príncipe que o destino colocou no seu caminho, por favor.
Rimos juntas e me dirigi à minha mãe, que já tinha lágrimas nos olhos.
– Mama, não fica assim. Você sabe que eu vou tentar voltar para casa o máximo possível, e vocês podem me visitar em Nova York.
– Eu sei, filha. E eu sei que é o melhor para você, que está indo atrás de um sonho e da felicidade, mas é difícil me despedir da minha caçulinha, eu não esperava que você crescesse tão rápido.
– Acho que eu também não queria isso, mama – a abracei forte, me aninhando em seus braços por longos segundos.
– Eu te amo, filha. Não esquece disso, ok? – ela enxugou as lágrimas em meus olhos, enquanto as suas próprias não davam trégua. – Agora vão, não quero atrasar vocês e nem me atrasar mais ainda.
– Prometo que eu vou cuidar bem dela. – estendeu a mão na direção da minha mãe, que o puxou para um abraço.
– E a casa está de portas abertas sempre que quiser voltar, . Façam uma boa viagem. Agora vão, os dois, andem.
arrumou em um carrinho nossa bagagem que não foi despachada, e seguimos lado a lado para o portão de embarque. Não demorou para que eu descobrisse que ele havia trocado a minha passagem para uma de primeira classe.
– Você sabe que eu não gosto que você fique me dando essas coisas caras. – eu o repreendi quando entramos na sala de espera VIP.
– E você sabe que isso para mim não é nada, né? – ele replicou, passando o braço por cima dos meus ombros. – Vem, você não me pediu nada, eu sei, mesmo assim eu quis te dar, ok? Só curte o momento, boo.
– Boo?! – sorri com o novo apelido pelo qual ele me chamava. – Gostei, pode continuar chamando-me assim que talvez você ganhe alguma coisa com isso.
– Ah é?! – ele riu e parou na minha frente. – Pois aqui vai mais um: boo – ele beijou um lado do meu rosto –, e o segundo: boo – beijou o outro lado –, e o terceiro: boo. – e beijou meus lábios delicadamente.
Passado o momento de romance, seguimos nossa viagem até Nova York conversando sobre os mais variados assuntos, trocando beijos e abraços vez ou outra. Chegamos em Nova York e almoçamos no aeroporto mesmo, em seguida pegando um táxi do JFK até Columbia, e seguiu viagem até um hotel próximo ao campus, prometendo voltar mais tarde e pedindo para que eu me arrumasse, pois tinha uma surpresa para mim.
Por volta das cinco horas, ele estava esperando-me na frente de uma limusine preta, vestido em uma calça jeans de lavagem escura e uma camisa cinza com as mangas dobradas até o cotovelo, marcando seu braço de uma forma que me fazia morder meus lábios. Eu também não estava mal com um vestido azul marinho com alguns pequenos detalhes em dourado que iam até o meio das minhas coxas, um salto da mesma cor dos detalhes em meu vestido e uma pequena bolsa marsala, mas parecia uma maldita celebridade, mesmo sem fazer esforço algum.
, para que tudo isso? Pirou de vez, estranho? – repreendi-o quando me aproximei dele.
– Antes de qualquer coisa, deixe-me dizer que eu sou o cara mais sortudo do mundo. – ele me encarava dos pés à cabeça, deixando-me um pouco sem graça. – Você está maravilhosa. – e depositou um beijo em meu rosto.
– Bom, você me disse que iríamos sair para jantar depois e que eu devia me arrumar para isso, então...
– Então você decidiu humilhar todas as outras mulheres nessa cidade.
– Para de ser idiota. – dei um tapa em seu ombro. – Vai me explicar para que essa limusine?
– Bom, eu não sou nenhum Chuck Bass, mas pensei em levar a mais nova rainha de Manhattan no estilo Gossip Girl. Admita, você até já me fez assistir essa série, impossível você não estar com pelo menos um pouco de vontade de se sentir como a Blair Waldorf. – fiquei encarando com um sorriso vencedor por um instante
– Está bem, eu não conseguiria negar isso mesmo. – dei-me por vencida, entrando no carro assim que ele abriu a porta para mim.
Depois de quase meia hora dentro da limusine atravessando Manhattan na direção sul, chegamos a um heliponto. Mal podia acreditar na vista que eu tinha dali, ainda no chão, e mais ainda na experiência que estava proporcionando-me. Saímos do carro e eu ainda não conseguia emitir uma palavra sequer, apenas olhava dele para o helicóptero que nos esperava.
– Eu espero que você não tenha medo de altura, boo. – exclamou, encarando minha expressão de assombro.
– Não, não é isso. É que você tem noção do quanto tudo isso é surreal para mim?
sorriu de lado e passou os braços ao redor dos meus ombros, fazendo com que eu me movesse na direção do helicóptero que nos esperava. Ele cumprimentou rapidamente o homem que provavelmente seria nosso piloto e, então, segurou a porta do helicóptero aberta, fazendo sinal para que eu entrasse. Logo depois de nos acomodarmos no banco traseiro do helicóptero e o piloto também dar início ao processo de decolagem, se virou para mim:
, se eu pudesse, eu te daria o mundo inteiro. Eu sei que você não precisa de nada disso, mas eu fico feliz de poder estar aqui, fazendo qualquer coisa com você. E esse brilho nos seus olhos – ele se aproximou de mim, tocando o indicador na ponta do meu nariz –, não tem nada no mundo que pague.
Sorri, encostando meu rosto na mão de . O helicóptero foi aos poucos saindo do chão e seu primeiro destino foi a Estátua da Liberdade. Apesar de não estarmos muito perto dela, foi o suficiente para o meu coração bater mais forte, sabendo de todo o significado sobre a liberdade e a chegada de tantas pessoas aos Estados Unidos por causa daquele lugar. Depois disso, nosso voo se dirigiu de volta à Manhattan, e passamos pelo Financial District, que àquela altura já estava mais calmo. Apesar de ainda ser dia, as luzes neon da Times Square e da Broadway brilhavam forte no centro da cidade.
– Eu quero muito assistir um musical na Broadway. – virei-me para . – Nós podíamos ir um dia nessa semana ainda, né?
– O que você quiser, boo. – ele me respondeu, colocando e apertando minha mão entre as dele.
O helicóptero seguiu seu caminho, e sobrevoamos o Empire State de tão perto que eu sentia que podia tocá-lo se as janelas e portas do helicóptero não me impedissem. Eu podia ver o Central Park e o campus da minha universidade quanto atingimos o Upper Side de Manhattan. O voo ainda seguiu passando por Brooklyn, até voltar ao Píer 6 em Downtown Manhattan. A limusine já nos esperava quando desci da aeronave com a ajuda de . O motorista dirigiu por pouco mais de dez minutos até chegarmos em outro porto do Rio Hudson. havia colocado um blazer no caminho e abriu a porta do carro para mim, estendendo a mão em um gesto cavalheiresco. Várias pessoas muito bem arrumadas se encaminhavam para um cruzeiro aportado em nossa frente, e me virei para , surpresa.
– A gente vai entrar nesse navio aí?
– Por quê? Você não quer?
, eu não sei nem se consigo me portar decentemente perto dessas pessoas. Sem falar que esse passeio deve custar... – ri do meu próprio pensamento, lembrando que dinheiro não é problema para .
– Não se preocupa, você não fica devendo em nada para toda essa gente. E me garantiram que é um passeio maravilhoso, e o chef é um dos melhores da cidade.
– Calma, a gente vai jantar aí? – coloquei minha mão sobre o peito de , colocando-me em frente a ele. – Sem chance, você já está pagando tudo isso para mim, ainda vai pagar um jantar caríssimo? Nós podemos jantar em uma dessas lanchonetes sobre as quais eu já ouvi maravilhas, e cada um paga pelo que comer.
, esse é o nosso primeiro encontro oficial, porque aquele em Washington é um desastre que eu quero esquecer. – ele dizia para mim, que pensei sobre o quão terrível foi por culpa única e exclusivamente dele. – Então me deixa te oferecer o melhor, ser uma noite mágica. Não me leva a mal, eu amo Shake Shack tanto quanto o próximo cara, mas hoje eu quero te dar uma noite de princesa.
– Acontece que eu me sinto uma interesseira aceitando todas essas coisas, .
– Ei, para com isso. Você não me pediu absolutamente nada, e eu sei que você não precisa dessas coisas, mas sou eu quem está oferecendo. Só seja uma boa menina e aceita.
Lancei para um olhar de desgosto com aquela última frase.
– Eu aceito, se você retirar essa última frase machista horrível que você disse. Não sou nenhuma cachorrinha para me comportar como “uma boa menina”.
gargalhou, mas cortou o riso quando percebeu que eu falava sério.
– Está certo, desculpe-me por isso. Eu preciso melhorar muito para merecer uma mulher como você mesmo, então esse jantar não é nada.
– Tonto. – dei um empurrãozinho em . – Mas vamos logo, então, porque eu já estou morta de fome, para ser sincera.
Aquela noite foi realmente mágica. O cruzeiro era muito elegante, e um balde com champanhe e um buquê de rosas já estava depositado em nossa mesa quando chegamos. Assistimos ao pôr-do-sol na linha do horizonte de Manhattan pelas janelas panorâmicas do interior do navio e jantamos uma comida maravilhosa ao som da banda de jazz que se apresentava no local. Depois de me deliciar com uma fatia de cheesecake como sobremesa, me levou para a pequena pista de dança que havia entre as mesas.
, não tem ninguém dançando. – eu sussurrei em seu ouvido, enquanto ele nos posicionava no centro das atenções.
– Eu não me importo. – ele sussurrou de volta para mim e então olhou em meus olhos, enquanto começávamos a dar passos no ritmo da música que preenchia o ambiente. – Sabe, eu sei que nós somos novos demais e que temos uma vida inteira ainda para viver, mas eu não consigo imaginar essa vida sem você, . Seu sorriso, seus olhos, o perfume que vem do seu corpo, mas mais do que isso, a sua inteligência, o seu senso de humor – eu ri sem graça nesse momento, sentindo minhas bochechas ficarem vermelhas –, sua força de vontade e o amor pela sua vida. Eu te amo, . Eu nunca encontrei nada sequer parecido com isso em toda a minha vida.
Coloquei minhas mãos sobre o rosto de , ao passo que ele fechou os olhos ao sentir meu toque.
– Eu ainda não consigo acreditar que tudo isso é real, que você é real. – depositei um beijo breve sobre os lábios dele. – E eu não estou falando da visita exclusiva a um museu em uma das cidades mais importantes do país, do passeio de helicóptero, ou do jantar maravilhoso e caro que nós acabamos de ter. Eu estou falando da forma como você me trata e me enxerga, do seu carinho, da sua paixão, e até da sua loucura e falta de juízo – rimos juntos com nossos narizes encostados um no outro –, e eu espero não ter que viver essa vida sem você nunca mais, porque eu também te amo, .
A música acabou enquanto abraçava meu corpo mais próximo ao dele com a cabeça deitada em meu pescoço, respirando fundo ali na tentativa de sentir mais meu o meu perfume. Afastamo-nos momentaneamente, acompanhando as palmas dos demais presentes no local.
– Espera um segundo. – me disse e se aproximou da vocalista da banda, cochichando algo em seu ouvido, e ela acenou com a cabeça para ele.
– O que você foi falar com a banda? – eu perguntei quando ele voltou e segurou minha mão com uma das suas e com a outra aproximou meu corpo do dele novamente.
Ele apenas sorriu enquanto “The Way You Look Tonight” começava a tocar docemente. foi guiando nossos passos e aproximou seus lábios do meu ouvido enquanto a vocalista entoava as letras daquela canção de Sinatra.
– Algum dia – começou a cantar para mim –, quando eu estiver terrivelmente para baixo, quando o mundo estiver frio, eu sentirei o brilho só de pensar em você e no jeito como você está hoje à noite. Sim, você está encantadora com seu sorriso tão caloroso e suas bochechas tão macias. – nesse momento, passou seu rosto suavemente pelo meu, enquanto meu coração batia forte e minhas mãos suavam e meus olhos se fechavam. – Não há nada mais para mim a não ser amar você e o jeito como você está hoje à noite.
Calei com um beijo, conforme nossos passos continuavam ao ritmo da música. Soltei minha mão da de e pousei as duas em sua nuca, subindo até seus cabelos, puxando-os levemente. Nossos lábios buscavam um pelo outro com certa urgência e nossas línguas passavam toda paixão que sentíamos naquele momento ao se tocarem.
me guiou de volta à limusine após nosso jantar e ele pediu que o motorista passeasse conosco mais um pouco ainda pela ilha. Mas a verdade é que não conseguíamos prestar atenção a nada que não fosse nós mesmos. Apenas dois minutos depois de estarmos andando pelas ruas de Manhattan, se aproximou de mim e começou a beijar meu pescoço, fazendo com que eu sentisse os pelos dos meus braços se arrepiarem. Fui virando-me para ele lentamente, e ficamos apenas com os rostos muitos próximos, roçando nossos lábios algumas vezes, como que numa provocação mútua. Eu coloquei uma das minhas mãos sobre a coxa de e apertei com certa força, o que o fez passar as mãos pela minha nuca e embrenhá-las em meu cabelo, puxando-me para um beijo ardente. Conforme nos beijávamos, inclinávamos mais nossos corpos um em direção ao outro, e quando dei por mim, já estava no colo de e uma de suas mãos acariciava um dos meus seios delicadamente por cima do meu vestido. Afastamos nossos rostos por um momento, e fiquei olhando dos olhos para os lábios de , que pronunciaram:
– Tem certeza?
Eu apenas assenti e voltei a beijá-lo desajeitadamente, com minhas mãos sobre os botões de sua camisa, fazendo com que ele tirasse a peça completamente depois. passeava com suas mãos por todo o meu corpo, apertando-o mais contra o dele. Nossos corpos suados embaçavam os vidros da limusine, mas me garantira que a parede que existia entre nós e o motorista não permitiria que ele percebesse nada. Decidi me entregar definitivamente ao momento e a , em uma cena completamente clichê, altamente improvável e completamente inspirada em um dos meus seriados favoritos.
*
Novembro de 2009, Nova York, NY
e eu estávamos prestes a completar três meses juntos. É verdade que nossas vidas universitárias estavam muito mais corridas do que esperávamos e não conseguíamos nos ver todos os finais de semana, mas nos esforçávamos para estar juntos o máximo possível, e havia prometido que viria para Nova York naquele final de semana, então, é claro, a semana parecia não acabar nunca. Quando a tarde de sexta-feira finalmente chegou, apressei-me para o apartamento que eu dividia com uma colega de Columbia no campus e comecei a me arrumar da melhor forma possível. Eu havia pedido para não preparar nada grandioso, pois Jenny, minha companheira de quarto, voltaria para sua cidade e teríamos o lugar só para nós dois e poderíamos pedir uma pizza e assistir filmes até não aguentarmos mais; ainda assim, eu queria estar linda para ele.
Por volta das sete da noite ouvi alguém bater à porta e já senti meu estômago se afundar em minha barriga. Abri a porta com meu melhor sorriso no rosto, mas ele se desfez assim que meus olhos encontraram os dele e me dei conta de que ele havia chorado. Ficamos nos encarando por longos segundos, que mais se pareceram horas – ele com um olhar profundamente triste e eu com a preocupação tomando conta dos meus. Por fim, foi ele quem tomou a iniciativa de dizer alguma coisa.
– Será que eu posso entrar?
Assenti com a cabeça e dei passagem para que ele entrasse no apartamento. Ele entrou e eu senti que uma lágrima rolava pelo meu rosto, já sofrendo pelo o que poderia vir a seguir. Ele apoiou as mãos sobre o balcão que dividia a cozinha e a sala enquanto eu fechava a porta atrás de nós dois. Aproximei-me lentamente de e apoiei minha mão sobre um de seus ombros. Percebi que ele respirava fundo e levantava a cabeça algumas vezes, aparentemente em uma tentativa de conter as lágrimas. Apertei a mão que estava apoiada nele, acariciando-o, numa tentativa de acalmá-lo e fazer com que olhasse para mim. Ele segurou minha mão e a apertou, finalmente virando-se para mim. Eu olhei de forma acolhedora para , para que ele percebesse que podia confiar em mim. Ele, então, puxou-me para um abraço apertado, passou seus braços em volta do meu corpo e levou suas mãos até minha cabeça, aconchegando-me próximo a si, e senti que ele deixava suas lágrimas caírem sobre meus ombros. Agarrei-me a ele como resposta, sentindo seu coração pulsar rápido e seu tronco tremendo contra o meu.
Permanecemos daquela maneira por algum tempo, até que eu sentisse que se acalmava. Afastei apenas meu rosto, para que pudesse olhá-lo nos olhos e tirei meus braços de sua cintura para que pudesse segurar seu rosto entre minhas mãos, ao mesmo tempo em que secava suas lágrimas.
– Baby, o que foi? Por que você está chorando tanto assim?
Ele tirou minhas mãos do seu rosto e as segurou ao mesmo tempo em que se distanciava de mim. Meu coração apertou quando o senti fazê-lo, e mordi meu lábio para não começar a chorar também.
– Vem, boo. – ele me puxou por uma das mãos até o sofá. – Senta aqui, a gente precisa conversar.
, fala logo; o que está acontecendo? – obedeci-o e sentei-me ao seu lado no sofá, mas deixando meu corpo virado em sua direção. – Você está me deixando nervosa, você está machucado? Aconteceu alguma coisa na estrada vindo para cá?
– Não, não, . – ele negou também com a cabeça, olhando para baixo. – Eu estou bem, pelo menos fisicamente.
– Então?
– Eu não sei como contar isso para você, eu...
– Baby – coloquei uma das minhas mãos em seu queixo, fazendo com que ele olhasse para mim –, você pode me contar qualquer coisa. Você sabe que pode confiar em mim.
– Eu sei, boo. Isso é o que torna tudo ainda mais difícil.
Afastei-me um pouco de e encostei no sofá, esperando que ele disparasse qualquer coisa e acabasse logo com aquela angústia.
– Você lembra – ele recomeçou depois de algum tempo –, lembra do tempo que nós estávamos afastados?
– Lembro. – abaixei minha cabeça, imaginando para onde aquela conversa podia nos levar. – Eu lembro também que te disse que não me importa o que você fez ou com quem você esteve, eu te deixei livre para fazer o que quisesse, você não me deve satisfações.
– Eu sei, mas aconteceu uma coisa que você precisa saber. Eu me envolvi com uma pessoa naquele tempo, Olivia, é o nome dela. É claro que não se comparou nem de longe com o que a gente tem, e ela nunca foi capaz de me fazer esquecer de você sequer por um segundo. Mas ela foi uma boa amiga e se esforçou para me deixar feliz, por mais miserável que eu pudesse estar me sentindo.
– Ela parece ser uma boa pessoa. – eu respondi, encarando minhas mãos que repousavam sobre meu colo, sentindo-me um pouco enciumada. – Por que você decidiu ir me procurar, então?
– Porque ela não é você, , e ela sempre soube disso. Eu nunca fui desonesto com ela.
– Eu não estou entendendo porque você está me contando isso agora, então, .
– Nós ficamos algumas vezes, a última foi naquele final de semana antes de eu ir te ver em Los Angeles, a gente acabou bebendo muito, e eu não lembro exatamente como, mas a gente transou naquela noite, .
Senti uma pontada acertar meu coração e, se fosse possível, ele estaria jorrando sangue ao invés de pulsá-lo. Assenti e esperei continuar contando sua história.
– Bom, ela também estuda em Yale, e hoje ela me procurou no meu quarto quando eu estava preparando-me para vir para cá. Ela estava muito abalada, chorava muito, e eu tentei acalmá-la, dei um pouco de água com açúcar para ela.
, por favor, termina com esse sofrimento e me conta logo o que você realmente precisa me contar.
Ele respirou profundamente, segurando o ar em seus pulmões por um tempo e desviou o seu olhar do meu.
– A Olivia está grávida, . E ao que tudo indica, eu sou o pai dessa criança.
Eu achei que fosse desmaiar naquele momento. Grávida? seria pai?! Eu não podia acreditar nas palavras que haviam acabado de sair da boca do meu namorado. Aliás, e eu nunca havíamos conversado abertamente sobre isso, mas eu me considerava dele, e o considerava meu, independentemente do rótulo que decidíssemos colocar na nossa relação. Mas uma gravidez mudaria tudo. Meu cérebro já começou a pensar em mil e um cenários. Eu podia gritar com ele agora, xingá-lo de todos os palavrões existentes na nossa língua e em outras, expulsá-lo do meu apartamento e fechar a porta para nós dois para sempre. Mas ele não tinha feito nada de errado para isso, nada além de transar sem camisinha, pelo menos. Eu podia pedir para que ele ignorasse toda aquela história, saísse de Yale e fugiríamos juntos para viver nosso amor longe de todas as pedras que a vida insistia em colocar no nosso caminho. Tampouco eu seria capaz de tamanha atrocidade. Primeiro porque eu sabia como era crescer sem um pai, e segundo porque eu era racional demais para abandonar tudo o que eu tinha para viver um amor assim. Eu podia sentir as lágrimas escorrendo agora pelo meu rosto, ainda que eu não houvesse definido o que estava sentindo naquele momento. Quando tudo isso passava pela minha mente, chamou a minha atenção.
– Boo, pelo amor de Deus, fala alguma coisa. Me xinga, me bate, me manda embora, fala qualquer coisa, mas não chora, baby.
– O que você falou para ela, ?
– Ela sabe sobre a gente – ele engoliu em seco –, e eu deixei claro que eu sou completamente maluco por você. Ela disse que não tinha qualquer intenção de ficar entre nós dois, só tinha ido até mim porque ela estava realmente perdida.
– Mas o que você decidiu, ?
– Eu decidi a única coisa que um homem de verdade poderia decidir nesse momento, . Que nós vamos ter essa criança e que eu vou ajudar a criá-la.
Assenti, limpando as lágrimas do meu rosto.
– Boo – se virou para mim e segurou minhas mãos entre as suas –, mas isso não significa que eu precise ficar com ela, ou que qualquer coisa entre nós precise mudar.
– Como, ? – olhei-o com ternura, apesar de tudo, eu não sentia raiva dele naquele momento. – Como as coisas não mudariam entre a gente quando um de nós está prestes a se tornar um pai. Baby, eu não poderia ficar entre você e seu filho. E são tantas coisas além disso, você acabou de entrar na faculdade, não pode abandonar seus estudos, e imagina o escândalo que vai ser quando a mídia descobrir que você engravidou uma menina.
– Foda-se a mídia!
– Foda-se a mídia, mas seu pai é um homem importante para você e para todo o país, as coisas não são tão simples, . Por mais que me doa ter que colocar isso em palavras, eu não consigo imaginar um futuro para nós dois agora. Nenhum de nós fez nada de errado, mas parece que simplesmente não é pra ser.
– Eu não vou conseguir sem você, . – ele respondeu, enxugando mais uma lágrima do meu rosto.
– Você conseguiu até agora, baby. Pode ter certeza que para mim está sendo muito difícil admitir isso e vai ser mais ainda daqui para a frente. Mas nós dois sabemos qual a coisa certa a fazer, não é?
não me respondeu. Apenas se distanciou um pouco no sofá e encarou o chão.
– Eu amo você, . Eu realmente te amo e não consigo imaginar um dia em que eu seja capaz de não te amar. Você traz o melhor em mim e faz dos meus dias mais iluminados com esse seu jeito de ser e seu sorriso tão maravilhoso. Mas eu entendo, e no fundo, eu acho que você está certa.
Ficamos naquele sofá por longos minutos, pensando em como o destino brincava com as nossas vidas. Eu havia apaixonando-me perdidamente por , e eu acreditava que iríamos ficar juntos para sempre. Eu ainda sentia aquilo, apesar de tudo. Aproximei-me dele e coloquei minha mão sobre sua perna, momento em que ele finalmente olhou para mim.
– Perdoe-me, boo.
– Eu não tenho nada para perdoar, – limpei seu rosto com minha outra mão –, mas eu posso te pedir uma última coisa?
– Qualquer coisa.
– Me dá um beijo?
Ele colocou seu braço no encosto do sofá sem tocar em mim. olhava fundo em meus olhos, como se tentasse dizer tudo o que sentia em apenas um olhar. Aos poucos, percebi que o corpo dele se aproximava lentamente do meu, e me inclinei na direção de . Ele pousou uma de suas mãos sobre o meu rosto, acariciando-o e eu fechei meus olhos, apenas sentindo seu toque. Ele colocou meu cabelo atrás da minha orelha e aproximou seus lábios do meu pescoço, onde depositou beijos e, algumas vezes, deslizava sua língua até minha orelha. Fui virando meu rosto para o dele, embriagada com o calor que emanava de nós dois. Ele colou os lábios nos meus, apenas apertando-os levemente. Eu, então, mexi minha cabeça, esfregando meus lábios sobre os dele, pedindo passagem para um beijo apaixonado, e ele prontamente o fez. Com a mão em minha nuca se entregou a um beijo caloroso entre nós dois. Empurrei delicadamente o corpo de para que deitássemos no sofá, e passei cada uma das minhas partes em um lado do seu corpo. As mãos do rapaz passeavam pelas minhas costas, levantando um pouco a blusa que eu vestia e colando ainda mais nossos corpos. Quando ele desceu uma de suas mãos um pouco mais, eu mordi seu lábio inferior, sugando-o com certa força.
– Eu te amo. – sussurramos em uníssono com aquela pausa em nosso beijo.
Era claro que nada mais precisava ser dito naquele momento, e apenas nos entregamos uma última vez à nossa paixão, antes que fosse para longe de mim e eu escondesse dentro de mim tudo o que eu sentia. O que havíamos vivido foi um sonho, mas eu já havia acordado.
*
Dezembro de 2018, Paris, França
, o que eu estou dizendo é que você precisa superar a morte da mamãe. – minha irmã me repreendia por uma chamada via Skype. – Já vão fazer dois anos, e desde então você só vive para o seu trabalho e seus estudos. Não que você deva abandoná-los, mas você precisa ter uma vida além disso.
– Ash, eu não sei porque você está enchendo-me com esse assunto de novo.
– Talvez seja porque você está em Paris há quatro meses, hoje é uma sexta à noite e você está trancada dentro de casa, enquanto poderia estar divertindo-se em algum lugar dessa cidade luz e permitindo-se sentir qualquer coisa.
– Você fala como se eu não tivesse nenhum relacionamento.
– Transar com algum desconhecido vez ou outra dificilmente pode ser considerado como ter um relacionamento, .
– Uau, senti-me a maior promíscua do hemisfério Norte agora. – brinquei com minha irmã, e logo em seguida ouvi o choro de uma criança ao fundo.
– Não é nada disso, eu só não quero que você fique sozinha, minha irmã. – o choro ficou mais forte, deixando a expressão de Ashley ainda mais preocupada. – Olha, eu tenho que ir, já está na hora da Eve mamar, e você sabe como ela fica. Só me promete que você vai tentar viver um pouco.
– Não se preocupe, sis. Eu prometo. Mande um beijo para o Josh e para as crianças. Te amo.
Assim que encerrei a chamada, fiquei pensando no que Ashley havia me dito. Eu definitivamente não estava procurando por marido e filhos, apesar de admirar a vida de casada que minha irmã levava agora. Mas aquilo não era para mim. Eu ainda precisava terminar o meu intercâmbio na Science Po em Paris e meu PhD em Jornalismo na Columbia. Ainda queria alcançar tantas coisas na minha carreira, e um casamento não se encaixava nisso tudo. E eu estava perfeitamente bem com os relacionamentos casuais que vez ou outra eu tinha. Matava os meus desejos carnais, conhecia alguém bacana, mas quando aquilo começava a me atrapalhar, eu saía sem arrependimentos. E isso não tinha nada a ver com a morte de minha mãe, que havia sido extremamente dolorosa, mas eu sempre soube entender que na vida tudo é efêmero. De qualquer forma, em uma coisa Ash tinha razão: eu estava numa sexta-feira à noite em Paris trancada dentro de um apartamento. Decidi sair, então. Sequei meus cabelos, fiz uma maquiagem condizente com a noite parisiense e a roupa que havia escolhido, passei meu melhor perfume e fui à procura de algum lugar para jantar e beber alguma coisa, quem sabe conhecer alguém.
Finalmente cheguei ao restaurante de um hotel próximo ao lugar onde eu estava morando em Paris e que era um dos meus favoritos. Havia uma lista de espera, mas decidi esperar por uma vaga tomando um gim Martini. Havia acabado de fazer o pedido para o garçom quando o ouvi chamando meu nome em tom de surpresa.
?
Eu mal podia acreditar que, depois de nove anos sem nos falarmos, e eu nos encontraríamos em Paris, em um restaurante de hotel. Desde o nosso término, ele havia se casado com Olivia, tido dois filhos com ela, Rebecca e Justin, e se envolvido na política como o pai, elegendo-se o mais novo deputado dos Estados Unidos assim que terminou o curso em Yale. Mas eu só sabia de tudo isso por ser uma figura pública e sua vida ser constantemente retratada nas mídias. Uma vez que tomamos a decisão de nos separarmos, nunca mais mantivemos qualquer tipo de comunicação. Eu não poderia mentir: superar foi uma das coisas mais difíceis que eu já tinha feito, e por dois anos eu não fui capaz de me envolver com nenhuma outra pessoa. Mas aquela chama que estava tão bem guardada dentro de mim se reacendeu instantaneamente quando ouvi meu nome pronunciado por aqueles lábios.
– Que surpresa te encontrar aqui. – ele respondeu e ficamos encarando-nos por alguns segundos sem saber como nos cumprimentarmos apropriadamente.
– Pois é. – exclamei ainda incrédula. – O que te traz ao velho continente?
– Bom, estou aqui apenas a passeio. Férias no Congresso, aproveitei para fazer uma visita à minha cidade favorita no mundo. E você?
– Eu estou fazendo um PhD em Columbia e fui convidada para o programa de intercâmbio com a Science Po. Já estou morando aqui há três meses.
– Uau, PhD, hãn? – sorriu de uma maneira encantadora. – Eu sempre soube que você seria um sucesso, . Na verdade, eu li algumas matérias que você escreveu para o New York Times. Você é realmente incrível.
– Muito obrigada, senhor congressista. Você tem feito um ótimo trabalho também. – virei-me para o garçom que trazia minha bebida e o agradeci rapidamente, virando-me para de novo. – Onde está a família?
– Eu vim sozinho. – ele me respondeu e a recepcionista o convidou para ocupar a mesa que estava esperando. – Você quer jantar comigo? Você está esperando uma mesa também, seria um prazer ter uma companhia hoje. A não ser que você esteja esperando alguém.
– Não, não, estou sozinha também. – pensei por um segundo na proposta que me fizera. – E eu adoraria a companhia para jantar também.
Ao contrário do que eu imaginei que seria, o jantar com foi extremamente agradável. Estar com ele era tão leve quanto era nove anos antes, e como minha área jornalística era prioritariamente a política, assunto não faltava entre nós dois. Também falamos sobre o que havíamos feito no tempo que passamos afastados, foi como reencontrar um velho amigo. E percebemos que mantínhamos os costumes de antes quando discutimos sobre quem pagaria a conta. também insistiu em me acompanhar até meu apartamento, e não aguentei mais a curiosidade que eu havia tão bem escondido durante o jantar.
, por que você está sozinho aqui?
– Não sei se você é a pessoa mais apropriada para ouvir meus lamentos, . – ele riu desanimado, enquanto caminhava ao meu lado.
– Se você não quiser falar, tudo bem. Eu fiquei apenas curiosa.
– Não, tudo bem. É que as coisas no meu casamento não têm andado muito boas. Eu e a Liv estamos constantemente brigando pelos motivos mais fúteis possíveis, e ela resolveu passar um tempo com as crianças na casa dos pais dela. Como eu não estou nenhum pouco a fim de aturar o sermão do Sr. e Sra. , resolvi me refugiar aqui em Paris.
– Entendo. – concordei com a cabeça. – Mas todo casamento passa por altos e baixos, não é mesmo. Seria estranho se vocês não tivessem nenhum problema para resolver.
– É, pode ser. – respondeu e então se virou para mim. – E você? Se casou? Tem filhos?
– Não e não. Continuo priorizando o trabalho, como sempre, e não me sobra muito tempo para as outras coisas da vida. – ele sorriu para mim, compreensivo, e eu sorri de volta, sentindo alguma coisa dentro de mim se balançar. – Bom, eu fico aqui. – exclamei quando finalmente alcançamos meu prédio.
– Foi muito bom te rever, . – disse se aproximou de mim para se despedir. Apesar do ar gelado da noite, quando ele encostou seus lábios em minha bochecha foi como se tudo dentro de mim esquentasse de dentro para fora. Ele se demorou alguns segundos ali, segurando um dos meus braços, e eu fechei os olhos sentindo seu toque. Pouco a pouco nossos rostos foram virando-se até que nossos lábios se encontrassem, fazendo com que tudo que existisse ao nosso redor desaparecesse. segurou meu rosto com suas mãos e eu passei meus braços por sua cintura, conforme nos beijávamos naquela noite em Paris. Eu era capaz de sentir os arrepios na espinha a cada movimento que ele fazia e sabia que aqueles tremores que compartilhávamos não era de frio. Conforme nosso beijo se intensificava, o desejo de ter mais uma vez me consumia por completo e nossas carícias foram ficando muito ousadas para um lugar público. Fiz, então, a coisa mais idiota que poderia fazer naquele momento.
– Você quer entrar?
– Quero. – me respondeu com a luxúria em seus olhos e com os lábios vermelhos.
Não esperamos sequer chegar ao meu apartamento. Parecia que a saudade que sentimos por tantos anos não era capaz de nos manter afastados, e me prendeu contra a parede e avançou com ferocidade para minha boca, fazendo-me ficar na ponta dos pés, enquanto embrenhava minhas mãos em seus cabelos. Quando finalmente chegamos ao meu andar, me segurou pelas pernas, encaixando-me em seu corpo e caminhando comigo para fora do elevador. Permanecemos no corredor do prédio por um tempo, trocando beijos e carícias até que finalmente eu tomei a dianteira e desci de seu colo, dirigindo-me ao meu apartamento com ele em meu encalço.
Sequer me dei ao trabalho de acender as luzes, e, assim que fechei a porta, me prensou contra ela de costas para ele e passou a mordiscar minha orelha enquanto suas mãos passavam de minha cintura para os meus seios, os quais ele apertava com certa força. Virei-me para ele e tiramos nossos casacos ao mesmo tempo, caminhando, então, até o sofá, guiados pela meia-luz que iluminava o cômodo pela janela. E assim como na última vez em que nos vimos, nos entregamos à paixão no sofá do meu apartamento.

Acordei no dia seguinte com a luz do sol incomodando meus olhos. Quem diabos havia aberto a cortina do meu quarto? Conforme ia despertando, flashes da noite anterior atingiam minha mente, o jantar com , as bebidas que tomamos, a caminhada até em casa, e céus! O que eu tinha feito? Eu mal me lembrava como havíamos chegado ao meu quarto, mas lembrava perfeitamente bem das sensações orgásticas que ele havia me proporcionado. Eu não podia acreditar que tinha feito aquilo. Imediatamente tirei a mão de da minha cintura e o afastei na cama, o que acabou por acordá-lo.
– Bom dia. – me disse, abrindo um sorriso ao me olhar.
– Bom dia. – eu o respondi rapidamente e levantei da cama, correndo para pegar um roupão em meu armário para cobrir a nudez em que eu me encontrava naquele momento.
– O que foi, ? Está tudo bem?
– Não; quer dizer, está, eu só acho que você devia se arrumar e ir embora, não é? – e me apressei para a porta do banheiro. me seguiu e se encostou à porta, enquanto eu lavava meu rosto.
– Não faz isso, .
– Fazer o quê? – eu perguntei, alcançando uma toalha para secar meu rosto.
– Fugir do que a gente sente.
– E o que você esperava que eu fizesse? – falei alto e joguei a toalha sobre a pia, virando-me para ele. – Você é casado, , eu acabei de passar a noite com um homem casado.
– Eu sei, também não estou achando-me o homem mais correto do universo, mas eu não vou me repreender por viver um sentimento, . Você sabe que eu não me casei por amor, você sabe que amor eu só senti por você.
– Você não me ama, . Você ama as lembranças do passado, de um tempo que sua vida era mais fácil talvez, mas a gente nem se conhece mais. – eu despejei tudo em cima dele, que pareceu magoado com tudo o que eu dizia.
, eu sempre tentei te entender e respeitar suas decisões. Mas você não pode negar que exista alguma coisa entre a gente ainda, para de tentar negar – ele completou quando eu balançava a cabeça tudo o que ele dizia –, e mais do que isso, eu sempre lutei por nós dois, por mais que você tentasse me afastar.
, por Deus, você é casado. Você está sendo um canalha com a sua esposa e mãe dos seus filhos, e eu acabei de atingir o fundo do poço nos meus relacionamentos amorosos. Um homem casado, eu não consigo acreditar que fui tão fraca.
– Para de repetir que eu sou um homem casado, eu sei disso. Mas não foi com um homem casado que você transou noite passada, foi com o amor da sua vida. Admite para si mesma que ainda me ama, .
– Você sempre foi muito presunçoso, não é mesmo? – respondi-o, ríspida, e saí pela porta do banheiro e deixando meu quarto em direção à sala.
– Você não vai fugir dessa vez. Você vai ouvir o que eu tenho para dizer. – ele gritou seguindo meus passos, e eu me virei para ele com uma expressão cheia de raiva e culpa ao mesmo tempo. – Quando eu te vi ontem naquele restaurante, eu entendi que nós fomos feitos para ficar juntos, é só a gente que insiste em complicar tudo. , já se passaram quase dez anos, e você ainda é a única capaz de fazer com que eu me sinta vivo. – mordi meus lábios para que eu não começasse a chorar, sabendo que ele também era o único que me fazia sentir daquele jeito. – , se você disser que também quer ficar comigo tanto quanto eu quero ficar com você, nós vamos dar um jeito. Não vai ser fácil, mas nós não somos mais crianças, já temos quase trinta anos, então a gente pode fazer dar certo. Eu peço o divórcio, e quando você voltar para os Estados Unidos a gente vai ficar junto definitivamente, nem que eu tenha que me mudar pra Nova York, ou para onde quer que você vá. Mas se você me disser que qualquer coisa que você sentia por mim acabou, eu vou desistir de você e seguir com a minha vida.
, não é tão simples.
– Chega de desculpas, , por Deus.
– Não são desculpas. Eu não lembro mais como nós começamos, mas eu sei que eu sempre amei você. E eu ainda amo, é verdade. Eu não vou negar que te ver e te sentir assim mexeu comigo e que eu precisava de tudo isso tanto quanto eu preciso de oxigênio. Mas eu não posso – ele abaixou a cabeça incrédulo –, ou melhor, eu não quero ficar com você. É tudo muito complicado, a gente leva vidas muito diferentes, eu não seria capaz de pedir para você acabar com a sua família por minha causa.
– Quer saber, ? Você tem razão, é tudo muito complicado para você. – ele disse enquanto começava a recolher suas roupas que estavam espalhadas pelo chão da sala e se vestir. – Porque para mim foi tranquilo te ver indo embora de Washington pedindo-me para te esquecer. E depois eu ter que ir embora e te deixar para trás. E está sendo muito fácil agora ouvir isso que você está falando. Então eu vou facilitar para você agora e ir embora, ok? Não se preocupe, porque eu vou me esforçar para dessa vez ser para sempre. – ele me encarou por alguns instantes quando já estava completamente vestido, provavelmente esperando que eu dissesse alguma coisa.
Mas eu não respondi e apenas encarei a porta que ele bateu atrás dele. Tudo o que eu conseguia sentir naquele momento era dor, e chorei ajoelhada no chão da sala por horas. Maldito que havia reaparecido e trazido de volta todos aqueles sentimentos que eu já tinha conseguido esconder tão bem por anos.
*
Abril de 2032, Washington, DC
Eu mal podia acreditar que depois de tantos anos eu estava em Washington novamente. O convite da Organização dos Estados Americanos para que eu me juntasse a eles como porta-voz oficial me encheu de orgulho e alegria, então não tive dificuldades em aceitá-lo. E eu sentia que dessa vez eu encontraria um lugar para ficar por um longo tempo. Desde que eu havia deixado a Califórnia, mais de vinte anos atrás, eu já havia morado em Nova York, Paris, Londres, Islamabad, Buenos Aires, Brasília, Tóquio, Beijing e Chicago, sempre buscando levar o jornalismo e a informação a outro nível, de forma que pudessem ser úteis àqueles que necessitavam. Ganhar o Prêmio Pulitzer também havia sido um dos maiores momentos da minha carreira, e eu me sentia totalmente realizada, ainda que jamais tivesse me casado ou tido filhos.
Ainda assim, o fato de estar em Washington mexia comigo, e a razão tinha nome e sobrenome: . Eu sabia que sua esposa havia falecido há três anos e que ele não havia se casado novamente desde então. era agora Secretário de Estado, cargo de confiança do Presidente da América, e ele estava ali, tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe.
Nosso último encontro havia sido definitivamente o pior momento da nossa história. Depois da nossa discussão na frente do meu prédio, eu pensei em procurá-lo algumas vezes, sempre desistindo por não saber o que dizer. É verdade, era possível que me odiasse e sequer aceitasse me ver novamente depois de tudo o que aconteceu, mas eu precisava tentar. Não podia encarar como uma mera coincidência estar ali no final das contas.
Assim, encaminhei-me para o seu escritório naquele dia com meu coração nas mãos. Eu não sabia o que encontraria, mas precisava tentar. Pensei em desistir várias vezes, mais ainda quando cheguei em frente à secretária dele, que me perguntou o que eu desejava. Ah, eu desejava tantas coisas. Mas a mais urgente agora era ver o homem que eu sempre amei, desde a minha adolescência.
– Senhora? – a secretária me chamou novamente, tirando-me de meus devaneios. – Posso ajudá-la em alguma coisa?
– Na verdade, não. Eu acho que vim ao lugar errado, perdão.
Apressei-me para sair dali, antes que algum conhecido me reconhecesse. Apertei o botão do elevador repetidas vezes, torcendo para que isso o fizesse chegar mais rápido. Apertei o térreo, completamente confusa. Eu dividia o arrependimento entre ter ido até ali e o de ter ido embora sem falar com . As portas do elevador se abriram e eu comecei a andar sem olhar para a frente, até trombar com alguma coisa antes de conseguir sair de fato do elevador.
– Desculpa, eu estava. – e perdi qualquer possibilidade de me expressar. Era ali, bem na minha frente, tão lindo quanto estava na última vez que o havia visto pessoalmente.
? O que você está fazendo aqui?
– Eu vim, eu... Eu precisava de um, hãn...
– Você veio me ver?
– O quê? Puff, claro que não, eu nem sabia que você ia estar aqui. Aliás, o que você faz aqui? Que surpresa. – tentei minha melhor interpretação, mesmo sabendo que eu era uma péssima atriz.
– Você espera que eu acredite que uma jornalista política premiada não saiba que eu sou Secretário de Estado?
Respirei, relaxando meus ombros, sabendo que aquela batalhava estava perdida.
– Certo, você venceu. Eu vim te ver, queria saber como você estava, enfim, queria te ver, era isso.
– Ver-me? Eu achei que você não queria me ver, baseado no nosso último encontro.
– Você tem razão. Por isso eu já estava indo embora. Passar bem. – respondi, ríspida, a e me encaminhei para fora do edifício a passos largos. Já estava prestes a acenar para algum táxi quando senti um forte apertão puxando meu braço.
– Você não tem o direito de aparecer aqui depois de todos esses anos e simplesmente sair assim, sem dar qualquer explicação.
– Que explicação exatamente você quer ? Que eu me mudei para cá e pensei que talvez ainda existisse alguma esperança para nós? Que eu te amo, sempre te amei e sempre vou amar? Que eu não sou capaz de te esquecer e seguir a minha vida em paz?
– Não – ele soltou sua mão do meu braço aos poucos –, não é isso que eu quero, . Eu quero entender por que depois de tanto tempo você resolveu que agora é a hora de dar uma chance para nós.
, eu soube que te amava desde a primeira vez que coloquei meus olhos em você, ou talvez até antes disso. Mas é verdade que eu sempre fui uma pessoa complicada. Meu pai abandonou minha família, e minha mãe, que tinha deixado tudo na vida dela para ser a esposa e a mãe que ele queria, ficou sozinha, tendo que começar tudo do zero. Eu jurei para mim mesma que eu sempre me colocaria em primeiro lugar, que eu nunca deixaria de fazer alguma coisa por outra pessoa que não fosse por mim e que nenhum homem iria me subjugar, eu jamais seria submissa a ninguém. Quando eu descobri que você era uma pessoa importante e rica, eu me senti pequena. E eu não queria me sentir assim com ninguém, então eu levantei minha guarda. Mas você – aproximei-me dele e ensaiei colocar minha mão sobre seu rosto, mas recuei antes de alcançá-lo –, você com esse seu coração enorme não desistiu e me fez aceitar esse sentimento. E então, quando eu tinha esquecido por um momento de todas as minhas inseguranças, você se tornou pai. E eu não podia ficar no meio de uma família, . Eu sabia que se eu aceitasse ser a madrasta e te impedisse de ficar com a mãe dos seus filhos eu me sentiria como o crápula do meu pai, que fugiu de casa com uma mulher casada, que também abandonou o marido e um filho. Eu te amava quando eu te deixei ir naquela noite em Columbia, – ele apenas me ouvia, então eu continuei –, e me doeu muito passar por tudo aquilo, mas eu sabia que eu ia te reencontrar. Eu sentia no fundo da minha alma que você e eu estávamos destinados a ficar juntos, da mesma forma como você havia me dito uma vez.
– E quando a gente se encontrou em Paris? – ele me interrompeu. – Se você ainda me amava naquela época, por que me afastou de você de novo?
– Primeiro pelo óbvio: você ainda era casado, e por mais problemas que você podia ter no seu casamento, você permaneceu casado por vários anos ainda depois.
– Quando a Liv faleceu naquele acidente de carro, nós já não vivíamos como marido e mulher. Decidimos manter o casamento para evitar escândalos e pelas crianças, mas desde aquela noite em Paris, eu nunca mais toquei na Olivia. – se explicou e uma culpa por todo o sofrimento pelo qual nós dois havíamos passado me atingiu.
– Mas não era só isso, . Você sabe o quão importante a minha carreira sempre foi para mim. E se eu aceitasse ficar com você naquele momento, em que eu ainda era uma ninguém que estava batalhando para chegar em algum lugar, eu seria para sempre apenas a sua mulher. Não mais a , mas a -, esposa do político americano, filho do ex-Vice-Presidente. Eu precisava alcançar meus objetivos antes de poder ser qualquer coisa para você, . Eu precisei pensar em mim. E me desculpa se isso te machucou, porque isso me machucou também, e muito. Mas poderia ter sido muito pior se eu passasse a vida inteira pensando como seria se eu não tivesse abandonado meus sonhos por você e culpando-te por isso. Isso poderia destruir tudo o que já sentia um pelo outro. Mas acho que de qualquer forma eu destruí esses sentimentos – olhei para esperando alguma resposta, mas ele permaneceu em silêncio –, desculpe-me por depois de tudo isso ainda vir aqui te importunar. Eu não deveria ter vindo.
Virei-me para rua novamente, esperando ver algum táxi para me tirar dali o mais rápido possível.
– Você não vai para lugar nenhum. – , então, me puxou pelo braço e colou meu corpo ao seu, levando sua mão livre até meu rosto. – Eu nunca mais vou deixar você ir para qualquer lugar, porque o seu lugar é aqui, comigo. Sempre foi aqui.
E me beijou como nunca havia beijado antes. De uma forma urgente, mas ao mesmo tempo carinhosa e apaixonada. Uma de suas mãos passou pela minha nuca e depois bagunçou meu cabelo, segurando-o entre seus dedos. Eu me rendi ao momento e o abracei pela cintura, apertando seu corpo contra o meu.

e eu havíamos decidido que não iríamos trabalhar naquele dia, que passamos quase todo em seu apartamento, matando a vontade e a saudade que sentíamos um do outro. Depois de muita insistência, ele aceitou fazer waffles com chocolate para mim, e nos amamos mais uma vez, já no cair da noite, ali na cozinha mesmo. Tomamos um banho juntos e resolvemos assistir qualquer coisa na TV até pegarmos no sono. Eu estava deitada com a cabeça no peito de quando ele me pediu aquilo.
– Casa comigo. – disse em um tom de ordem.
– Por quê? – eu ri do que ele havia dito, aconchegando-me em seus braços com os meus ao redor de seu pescoço. – A gente acabou de se reencontrar, estranho.
– Porque eu esperei a vida toda para te ter ao meu lado, e agora eu quero fazer todo o possível para te manter assim. – ele disse, mantendo-se sério, sem dar importância para o apelido que eu havia restituído. – Porque eu quero viver cada segundo do resto da minha vida com você. E mais um dia depois disso. – ele depositou um beijo longo, mas suave sobre meus lábios. – E se isso não for suficiente, porque eu te amo como nunca amei nenhuma outra mulher na minha vida em todos esses anos.
Sorri, sentindo a verdade em seus olhos, onde eu podia ver uma vida inteira de desencontros que tivemos. Mas ali, naquele instante, eu senti que este nosso encontro seria para sempre.
*
Epílogo – Agosto de 2076, Washington, DC
Havia uma pequena mesa em nosso quarto, onde um jantar estava servido para duas pessoas. Ao lado da nossa cama, um aparelho tocava músicas antigas, que lembravam uma vida inteira ao lado de , que estava sentado em uma das cadeiras junto à mesa, olhando-me como se estivéssemos encontrando-nos pela primeira vez novamente.
– Para que tudo isso, meu amor? – eu disse enquanto nos aproximávamos lentamente um do outro.
– Bom, é o seu aniversário, não é? – ele respondeu em um tom óbvio.
– Você fala como se houvesse algum motivo para comemorar. – completei e me sentei na cadeira que ele segurava para mim.
– Eu posso te dar alguns motivos para comemorar. A carreira brilhante que você construiu ao longo desses oitenta e cinco anos. Todos os prêmios que você ganhou. O papel importante que você exerceu em tantos momentos ao longo da história do mundo todo. O impacto que você causou na vida de tantas pessoas, mas, principalmente, na minha. Eu não sei você, , mas eu tenho um motivo para comemorar todos os dias quando eu acordo e tenho você ao meu lado.
– É impressionante como você consegue parecer um político até quando diz essas coisas maravilhosas para mim. – segurei a mão de que estava sobre a mesa, encarando-o com ternura.
– Você sabia no que estava metendo-se quando casou comigo, senhora , não adianta reclamar agora.
– E eu nunca me arrependi nem por um segundo de ter feito isso, . Você completou a minha vida que já era tão boa e a deixou perfeitamente imperfeita. E é por você ser esse homem tão magnífico, que eu não posso deixar que você cometa essa loucura comigo, estranho.
, nós não vamos mais discutir isso. – respondeu, afastando sua mão da minha e recostando-se na cadeira.
, sou eu quem está morrendo. Eu que mal passo uma noite sem sentir essas dores que certamente são piores do que não viver. Eu tomei essa decisão, mas nunca passou pela minha cabeça que você colocaria na sua que faria o mesmo.
, como você acha que eu seria capaz de assistir você morrer? De segurar as suas cinzas depois e continuar a viver? – ele me encarava com um certo olhar de indignação. – Você diz que está morrendo, mas todos nós estamos. De alguma forma, desde o dia em que chegamos a essa vida mundana, estamos caminhando em direção ao fim da estrada. E está tudo bem quando chegamos ao fim dela, se o caminho pelo qual viemos puder justificar todas as nossas escolhas até aqui. Eu tenho quase oitenta e seis anos, boo. Eu vivi a vida que eu queria. E não consigo enxergar um final melhor para essa vida tão boa do que ao seu lado.
Eu abaixei meus olhos, desviando do seu olhar por alguns instantes. Eu sabia quando optei por um suicídio induzido que meu marido não aceitaria bem a ideia, mas imaginei que eventualmente ele entenderia. Só não esperava que ele tomasse a decisão de unir não só nossas vidas, como nossas mortes, selando nosso amor de uma maneira tão shakespeariana. No fundo eu também o entendia, e sabia que morreríamos esperançosos por um despertar juntos em outro lugar.
Jantamos em silêncio e, depois de uma taça de vinho, se levantou, estendeu sua mão para mim e me guiou em uma dança a passos lentos, quase imperceptíveis, com nossos rostos colados e sussurrou em meu ouvido alguns versos daquela música que havia sido lançada quando ainda éramos jovens adultos e que foi a primeira que dançamos como Sr. e Sra. . Ela falava sobre pensamentos em voz alta de um amor que persistiria mesmo quando os dois amantes já não fossem mais jovens. Não poderia ser mais propícia naquele momento. No final da música, ele me olhou e apenas disse:
– Está na hora.
Alcancei duas folhas de papel e duas canetas em nossa escrivaninha e escrevemos cartas de despedida aos nossos familiares e entes queridos. Nelas, explicávamos a decisão que havíamos tomado e agradecíamos tudo o que a vida nos havia dado. abriu, então, a última gaveta, onde havia um vidro de remédios, com apenas dois comprimidos dentro.
– Garantiram-me que o processo é indolor. Que iremos apenas dormir, e a substância fará o resto. – ele tentou me acalmar conforme nos deitávamos lado a lado em nossa cama.
– Está com medo? – eu perguntei e me virei para ele na cama ao aceitar o comprimido que ele me oferecia.
– Morrendo. – ele riu. – E você?
– Não. Eu sempre soube que o meu destino era esse. Sempre foi por você e eu.


Fim.



Nota da autora: Olá!
Eu espero que você tenha tido paciência para chegar até aqui e acompanhar essa história de amor até o fim. É a primeira vez que eu me aventuro no mundo da escrita de fanfics, apesar de já ter lido tantas que eu nem poderia mais contar. É a história de uma vida toda de encontros e desencontros reduzida a menos de quarenta páginas, então espero que relevem se em algum momento tudo pareceu acontecendo rápido demais, e que isso não tenha sido um grande problema para a leitura.
Posso pedir só uma coisinha? Comenta aqui embaixo o que você achou, mesmo se você tenha achado uma merda HAHAHA
Thank you!



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