Finalizada Em: 03/12/2019

Prólogo

“Tu me diz todo segundo que,
ser liberdade vem de dentro, diz então
por que tuas amarras me machucam?
Eu sei, nossa verdade é bonita
lealdade é coisa rara;
mas meu canto pede solidão pra ver o mundo.”




— Não posso fazer isso com você, . Aproveite a viagem. Você é incrível e eu sei que é o que você precisa. Não posso ir com você, agora o meu lugar é aqui… Quero que você seja feliz — ouço o silêncio e a pausa para respirar. — Amo você.
Era, talvez, a décima vez que ouvia a mensagem deixada pelo meu namorado na minha caixa de recados. Respiro fundo antes de fechar a minha mala para embarcar em uma viagem pelo nordeste brasileiro. Não pedi, novamente, pela companhia porque sabia que se eu ligasse para o e ouvisse sua voz melancólica desistiria de deixá-lo, e ficar presa nessa selva de pedra não é o que vai me fazer feliz no momento.
Ele já tinha saído de casa quando fechei o guarda-roupa, pegando um óculos de sol e deixando todas aquelas roupas pretas - e quase iguais - que ele tinha, para trás.


Capítulo Úninco

Parte um.

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Passei boa parte da minha vida na faculdade trabalhando como uma louca para tirar algumas semanas sabáticas depois da formatura. Hoje, finalmente estou embarcando em uma viagem para um pedaço do meu país que sempre desejei aproveitar com mais liberdade, o Nordeste.
O avião pousou no aeroporto Luís Eduardo Magalhães e eu sabia que havia chegado em Salvador só de olhar pela janela e observar o sol escaldante. O comandante de bordo nos deu boas vindas e informou que, para os baianos, o clima estava “ameno” e os termômetros marcavam 28º lá fora. A fila dos apressadinhos se formou rapidamente no corredor da aeronave, antes das portas abrirem, e eu sorri pensando em quantas vezes o reclamou dos brasileiros amantes de fila, quando viajamos juntos. Afastei o pensamento com um balançar de cabeça. Não era hora de pensar nele. Tirei o celular da pequena mochila com meus pertences pessoais e enviei uma mensagem no grupo da família do whatsapp, avisando que já havia pousado e em breve poderia ir pra praia.
Meia hora depois eu já estava no saguão do aeroporto da capital baiana. Estava quente, e eu sorri, pensando que lá fora estaria ainda mais. Nasci em São Paulo, mas odiava o cinza, o frio que eventualmente fazia e os prédios que sufocavam meu ar; então digo que claramente sou filha do calor litorâneo, porque sempre contei os dias para as férias na praia com a família. Usei o celular para pedir minha carona; meus primeiros dias não seriam na capital baiana, então teria que me deslocar até Praia do Forte, de uber.

☀️


A pousada que eu escolhi pela internet, era uma graça e a família que administrava era muito simpática.
— É sua primeira vez na Bahia? — a senhora dona do estabelecimento perguntou, enquanto terminava meu check-in.
— É — respondi com um sorriso, enquanto prendia meu cabelo comprido em um coque.
— Seja bem-vinda, tenho certeza de que você voltará mais vezes. — ela estendeu uma chave, pendurada em um chaveiro de madeira — Vamos, vou te levar até o quarto.
A mulher de cabelos brancos me guiou pela escada de madeira, até um quarto aconchegante com uma varanda onde uma rede vermelha estava pendurada, perfeita para um cochilo no final da tarde. Depois de me orientar sobre o café da manhã e uso das áreas comuns, ela me pediu licença e se retirou, dando a oportunidade de eu me instalar da melhor forma.
Com tudo já no lugar, troquei de roupa rapidamente, colocando um vestidinho leve com o biquíni por baixo. Eu não tinha outra escolha a não ser fazer a minha primeira parada oficial na praia; segui uma pequena trilha até onde o movimento era mais “calmo”, como me orientaram, até chegar na Praia do Lord. A brisa do mar batendo em meu rosto me lembrou perfeitamente o porquê de eu estar ali. Tirei o vestido na velocidade da luz, o deixando junto com meu chinelo na areia e caminhei em direção ao mar, pedindo proteção antes de entrar, e dando um bom mergulho na água gelada, salgada e revigorante. Liberdade. Essas seriam as melhores férias da minha vida.

☀️


“Dói sem tanto te lembrar,
dando voltas e fazendo meu mundo bambo girar.
Mal tu sabe que meu peito,
tem só falta do teu fogo
e nosso jeito torto de seguir.”


Parte dois.

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15 dias. 15 dias que eu embarquei naquele avião a caminho das férias e liberdade necessárias. Depois da Bahia, minha segunda parada foi bem rápida em Sergipe, e a terceira, pelo litoral do Alagoas. Maceió foi com certeza a capital mais bonita até o momento. Com minha câmera, trabalhei em fotografar a coisa que mais gosto: a vida na natureza. Mas, confesso que meu coração aperta com saudades de casa, mesmo sendo tão incrível fazer absolutamente tudo que quero, para mim.
Deitada na areia da praia do Francês, abro o instagram e começo a fuçar a vida alheia; depois de atualizar o feed pela décima vez, a primeira foto que aparece é do Duke sentado na janela, e eu sorrio para o aparelho em minhas mãos. Eu e o adotamos o vira-lata depois que já estávamos morando juntos e o aniversário dele de um ano estava prestes a chegar. A legenda, no perfil do meu namorado dizia “no meu lugar favorito da casa”, meu coração aperta e depois de quinze dias faço o meu primeiro contato com o , comentando um coração vermelho na foto, enquanto solto um longo suspiro.
A notificação de que ele curtiu meu comentário aparece em questão de segundos e só então percebo como sinto a falta da nossa rotina juntos. Balanço a cabeça, tentando afastar o pensamento, porque eu precisava entender como era estar sozinha, cuidar de mim, realizar os meus sonhos independente de amarras.
Abro a minha galeria de fotos e escolho uma das mais recentes para postar, durante um passeio de barco em Maragogi, no qual eu me senti mais livre do que nunca. Postar a foto funcionou como um lembrete de que eu amei a experiência de estar na minha própria companhia.
Deixo o celular de lado e mais uma vez resolvo tomar um banho de mar. Algumas crianças estão brincando na beirinha e eu dou um tchauzinho para a menina com biquini da Ariel, ela franze a testa e olha pra trás, quase que para ter certeza de que estou realmente falando com ela e não com alguém que conheço. Abro um sorriso relaxado e mergulho, tentando não pensar no , ou até mesmo no nosso cachorro.
Ouço meu celular tocar enquanto tomo banho ao voltar da praia, estranho, porque minha família sabe onde estou e logo antes de ligar o chuveiro conversei com minha mãe, então deduzo que não deve ser nada importante. Termino de lavar o cabelo e estou secando com uma toalha, quando ouço o segundo toque. Estico o braço para alcançar o celular na bancada do banheiro e deslizo o dedo para a direita, atendendo a ligação e ativando o viva-voz sem ver quem era.
? — a voz rouca de invade o ambiente úmido e eu levo alguns segundo para processar a informação de que o dono da maioria dos meus pensamentos do dia é quem está do outro lado da linha. A última vez que ouvi sua voz foi na minha caixa postal, quando ele disse que eu precisaria embarcar sozinha naquele avião.
— Oi — minha resposta sai tão baixa, que não tenho certeza se ele ouviu.

☀️


“Abandonando todas as defesas,
distribuindo nossas cartas em todas as mesas;
fazendo carnaval em terça-feira,
fazendo amor e dizendo besteira.”


Parte três.

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Uma das coisas mais dolorosas que fiz em toda minha vida foi abrir mão de acompanhar a nos primeiros quinze dias de sua viagem, mas eu sabia que ela precisava daquele momento pra si, porque ela fez muito por mim na cidade de pedra, que ela ama e odeia. Hospedei Duke na casa da minha irmã logo depois de interagir no Instagram com a mulher que amo e perceber que não era mais capaz de permanecer tão longe, por mais tanto tempo.
Liguei para ela a caminho do aeroporto, em mais um dos meus atos impulsivos e os primeiros dez minutos de conversa foram esquisitos; não tinha certeza se minha presença iria agradar, se ela ainda precisava se manter recolhida e pela voz baixa - rouca e linda - do outro lado da linha, acho que ela também não tinha certeza; mas acabou me dizendo onde estava hospedada e depois de três horas em um avião lotado, era para lá que eu ia.

.

Eu estava tomando um drink na varanda frontal da pousada quando um táxi do aeroporto estacionou, desligando os faróis. Pisquei três vezes ao ver a silhueta alta, com o cabelo levemente ondulado e bagunçado e uma mochila preta nas costas, sair do lado do carona.
Levanto, com consciência de que no meu rosto existe um misto de alegria e susto. abre um sorriso largo assim que seu olhar encontra o meu e apressa o passo. Alguns outros casais também estão na varanda-restaurante, mas sei que ninguém presta atenção em nós dois. Espero ele se aproximar, pra ter certeza de que não é uma miragem. Tem menos de quatro horas que nos falamos no telefone, ele perguntou onde eu estava hospedada, mas nunca, nunca pensei que poderia ser porque ele estava prestes a embarcar em um avião.
— Espero que essa cara de surpresa não seja do tipo “por favor vá embora” — é o que ele me fala, quando já está a poucos passos de distância. Pisco mais uma vez, e percebo que quero abraçá-lo, mas pareço uma estátua.
— Você está aqui. Você não disse que viria, você… seu trabalho… não pensei que…— começo a cuspir as palavras, mas ele me interrompe.
— Você fez muito por mim, vim te ver depois de perceber que você se encontrou, era só o que podia fazer, pra justificar o nosso último contato em São Paulo — ele tenta explicar, e eu começo a processar tudo. Tudo que ele quis dizer com aquela mensagem na caixa postal e principalmente em tudo que vivi - completamente sozinha - nos últimos quinze dias, mas ele continua. — Eu posso ir embora, se você ainda não estiver pronta, sabe?
— Obrigada por estar aqui, só agora — é o que consigo responder sorrindo de leve. Pelo olhar que ele me deu resposta, percebeu que agora eu compreendia os motivos implícitos de ele se afastar por duas semanas.
— Eu espero que você não tenha cancelado todas as reservas em um quarto duplo — o tom risonho em sua voz é claro, quando ele se aproxima, segurando minha mão.
— Ia dar muito trabalho, sabe… já estava tudo pago — mordo o meu lábio inferior. — E as camas de casal são mais confortáveis, pra dormir sozinha e com espaço.
— Bom… — ele começa colocando uma mecha de cabelo para trás da minha orelha. — Acho que você vai precisar relembrar como é dividir — conclui, se aproximando o suficiente para nossas bocas se tocarem e eu me lembrar de que, apesar de agora saber curtir minha própria companhia, dividir os momentos com alguém que amo é especial.


Fim.



Nota da autora: Oi gente! Obrigada por terem lido essa fic que se tornou um xodó pra mim, isso porque como boa nordestina que sou fiz questão de valorizar nosso país e nossas praias, e amei o resultado! “Dói sem tanto” é pra mim uma música que fala, não só de amor próprio, mas também de saudade, de um relacionamento onde ambos sabem os limites das amarras e da liberdade! Tentei imprimir isso de alguma forma na minha fic, e eu espero que vocês tenham curtido tanto quanto eu!
Um “xêro” enorme com gostinho de brisa do mar, hahaha!





Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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