10. FU

Finalizada em: 19/04/2020

Capítulo Único

07 de setembro de 2019 - 09:30
Olho pros lados esperando que alguma saída divina surja diante de mim, ou então que um buraco se abra embaixo do meu corpo porque qualquer lugar seria melhor do que estar ali, naquele canto minúsculo, encolhida. E como eu daria uma grana ferrada pra poder fazer xixi, juro que nunca senti tanto aperto na bexiga como agora.
Tá legal, a situação está só um pouquinho complicada, e, talvez, minha urina seja o menor dos meus problemas. Mas não tenho nada pra fazer, enquanto tempo eu tenho até de sobra. Por isso decidi contar toda a minha história do começo, por começo eu quero dizer quando as coisas começaram a dar sinais de que eu iria me fuder, sem previsão alguma que seria uma foda sem lubrificante.
Tento olhar alguma coisa, mas está muito escuro e a luz do quarto está apagada, suspiro em frustração por ser burra ao ponto de querer tacar álcool na ferida e sair daquele quarto.
Que bela forma de se passar o sábado!
Pois se prepare, estoure uma pipoca, faça um brigadeiro, abra aquela garrafinha vencida de Dolly Guaraná; porque tudo o que vou lhe contar é intenso, verídico e doloroso demais para que não seja contemplado como uma comédia romântica da Netflix estrelada por Noah Centineo.
Mas que caralho, eu quero muito ir fazer xixi!

05 de junho de 2019
A minha jornada começa numa manhã de domingo, logo após uma noite de festa regada a álcool, comidas de procedência suspeita e muita, muita música alta mesmo. Sou arrastada para fora dos meus sonhos com o som do despertador extremamente irritante.
- , por tudo que é mais sagrado nesse universo, desliga esse celular! - resmungo cobrindo minha cabeça com o travesseiro que deveria estar ocupado pela minha amiga.
- Ah, você acordou! - Responde bem humorada - Infelizmente, não posso te deixar dormir, amiga. Tenho que levar o Dobby para passear e, como você é melhor amiga que eu poderia pedir, você vai comigo! - Informa removendo o travesseiro e para dar garantias de que eu não conseguiria voltar a dormir, abre a janela do quarto antes de sair.
- Você é muito ridícula! - Grito para a porta do quarto insatisfeita, com fome e com ressaca.
Desnecessário comentar que Dobby é o cachorro da , um bichinho vira-lata que de tão feio chega a ser fofinho, igual o elfo dos filmes de Harry Potter; a diferença é que o cachorro é um safado que me força a sair da cama num domingo de manhã.
Mas qual a necessidade de começar por como eu acordei naquela manhã?
Pois bem, a série de fatos que se seguem ao longo dessa história são pura consequência dessa pequena parte do meu longo domingo. Digo que é de crucial importância que se atente ao meu estado de espírito naquela manhã, no porquê eu estar saindo da casa da para ir a um parque e, principalmente, o quão lesa de ressaca eu me encontrava.
Cheguei ao consenso comigo e minha consciência de que o dia seria uma merda quando entrei naquele parque e me deparei com milhares de famílias com crianças pequenas. Não é errado ter filhos, até acho que terei um pestinha um dia, mas não gosto deles gritando pra cima e pra baixo, confesso. Em outras palavras, o parque tinha crianças se divertindo, o que somado à dor de cabeça e ao cachorro da se enroscando na minha perna com a guia a cada cinco minutos estava tornando a minha manhã em uma tortura.
Você está muito chata, . Minha mente resmunga, lembrando de que minha amiga adora aquele parque e adora passear com o Dobby aos domingos de manhã, mesmo depois que eu a arrastei para uma festa na noite anterior. Opto por calar a boca e até me deixar levar pela vibe alegre e espontânea que pairava sobre aquele espaço.
Em algum momento, não sei bem dizer qual foi, eu decidi tirar algumas fotos para publicar no Instagram. Depois das fotos prontas, parei no meio da ponte onde as fotos foram feitas para escolher qual delas faria parte do meu mural de publicações e foi aí que o inimaginável aconteceu...
Um helicóptero de controle remoto acerta em cheio a minha cabeça - que já doía bastante por conta própria, obrigada! E eu, desorientada, começo a andar em busca de um lugar para me apoiar, ou sentar. Porém o cão, que não pegou o clima, decidiu brincar de “De qual lado o Dobby está?”, um jogo demasiado divertido apenas para ele, porque para minha infelicidade eu me enrosco na guia, tropeço no Dobby, e, então, sou atropelada por uma bicicleta.

Por muita sorte, ou foi o que me pareceu naquela situação, a pessoa que me atropelou foi o meu vizinho de porta. Mas que coincidência, não? Sim! E a partir daí foi uma loucura sem precedentes, o meu vizinho ligando desesperado para o filho ir ao parque de carro porque ele estava de bicicleta, minha amiga tentando recuperar o cachorro que saiu correndo atrás de uma borboleta no meio do alvoroço; e eu murmurando palavras sem nexo. No final, estávamos eu, e Dobby no banco de trás, Jorge (vizinho pai) e (vizinho filho) nos bancos da frente, todos a caminho do hospital onde descobri que minha perna direita estava quebrada e que eu não estava tendo derrame como eu jurei à enfermeira.
Prós: Eu teria 35 dias em casa.
Contras: eu tinha uma perna quebrada, o Dobby mastigou meu cabelo, e eu tinha uma mãe traumatizada e 35 dias para ficar apenas em casa.
O caminho de volta foi mais tranquilo, ou eu estava muito drogada de analgésico, ou qualquer outra droga que tenham me dado no hospital, ao ponto de conseguir manter uma conversa quase que constante com meus vizinhos.
- Cê acredita nisso, Seu Jorge?! Ela simplesmente disse que eu não estava tendo um derrame como se soubesse de alguma coisa! - O vizinho pai olha pra mim sorrindo e volta sua atenção à pista.
- Eu acredito, filha! A questão é que ela é formada nesses assuntos, sabe? São mais de seis anos para se formar em medicina, dê um crédito à médica. - Diz com um calma que a minha mãe não teria nem depois de tomar calmante de cavalo na bunda.
- Ah, Seu Jorge… - Digo com pesar - Ela te enganou também. Aquela moça deve ter uns 18 anos, não compro essa história de medicina de hoje e nem nunca! - faço pirraça, com direito a bico e tentativa dolorosa de bater o pé no chão, enquanto minha e tentam disfarçar a risada. E aí eu dormi o resto da viagem.

Deixa eu te contar umas coisas, conselho de irmã, aproveita enquanto você consegue bater perna por aí no seu final de semana, porque eu sofri durante quinze dias e quinze noites sem poder mover um mindinho e resmungar de dor. Trinta e cinco dias que poderiam ter sido muito bem aproveitados diante da televisão, foram os piores melhores dias da minha vida, porque se tem uma coisa que eu deveria ter feito, essa coisa era sentar diante da televisão e ficar assistindo um único canal porque eu não consegui levantar para pegar o controle. Definitivamente, eu não fiz isso.

07 de setembro de 2019 - 09:35
Como eu queria poder me dar um murro na boca!

20 de junho de 2019
- Argh! Como coça essa merda! E que calor é esse?! Misericórdia! - eu reclamava da sacada do meu apartamento.
No meu terceiro dia com o gesso no pé, eu percebi que ficar em casa por 35 dias era, com toda certeza, um contra na minha lista de prós e contras daquele fatídico domingo. Porque ao chegar em casa, fui recebida por uma mãe preocupada e percebi a ausência de um pai relapso, que nem apareceu para saber se estava tudo bem. O que veio com tudo isso foram recomendações intermináveis do que fazer e do que não fazer, como mexer e não mexer a perna, o que comer para o osso crescer forte…
- ...E, principalmente, nada de sair de casa para não se acidentar de novo! - concluiu minha mãe quando eu já achava que não tinha mais proibições a serem feitas.
- Uh, mãe? Você percebeu que eu quebrei a perna, né? - pergunto retoricamente - Então, como eu vou sair de casa, se nem andar direito eu consigo, mulher?
- Fala comigo assim de novo pra ver se eu não quebro tua outra perna, perdeu o juízo?
- E como é que eu vou me manter saudável, sem uma dose sequer de sol? Qual é, mãe? Eu vou ficar super pálida e olha que nem branca eu sou!
- É óbvio que eu já pensei em tudo, sua dose de vitamina D está logo ali, olha lá! - diz apontando para a sacada, onde percebo umas cadeiras para que eu possa me sentar com um sofazinho e um banquinho para apoiar a perna quebrada.
- Tá bom. - digo com pesar soltando o peso dos ombros - Você me ajuda a chegar lá, não consigo me acostumar com a muleta, por favor?
E lógico que sentar na sacada não é tão ruim assim, sair para andar seria mil vezes melhor, mas, na medida do possível, até que venho gostado. Inclusive meu acervo de fofocas aumentou exponencialmente com o tanto de treta que eu consigo testemunhar e histórias insanas de senhoras de 60 anos que não conseguem se conter com as amigas, digamos que tem sido períodos extremamente frutíferos para mim. Mas o drama que eu apelidei de “novela do horário nobre” é justamente o que eu tenho acesso em altíssima qualidade pois se passa no apartamento ao lado.
Uma coisa que eu não contei, mas deveria ter contado, é o seguinte: o namora.
Ele namora? SIM!
E justamente por ele namorar há bastante tempo com uma menina bem legal até, chamada Mabel, conheço de vista e algumas conversas de elevador, coisa básica de condomínio. A questão é que a Mabel adora fazer dilúvio em tampinha de xarope, enquanto o morre de ciúmes de um amigo da namorada, ela conheceu ele na faculdade, parece que até já tiveram um lance antes do aparecer, e isso deixa ele inconformado com a amizade deles, porque segundo ele: “O Adolfo está todo caidinho por você, você que finge que não vê!”
Mas sejamos franco, quem em cargas d’água é capaz de suspeitar que alguém que se chama Adolfo seria capaz de ser um cafajeste ou tentar ficar com uma garota comprometida? Por favor, ! Menos que tá feio!
E é justamente por isso que eu me divirto tanto com as discussões deles, não faz o menor sentido. Eles são tão sem química e conexão que brigam horrores, mas sempre brigam sozinhos. Enquanto a Mabel brigava porque queria que ele fosse na festa da faculdade com ela, o brigava porque a Mabel queria ir na festa só porque o Adolfo sugeriu. No final da discussão, depois que já excederam seus limites, a Mabel ia embora falando que acabou tudo e o ia para a sacada dele, que era literalmente colada na minha, fumar um cigarro. E esse era o meu show a parte.
Tá certo que ele namora, e mais certo ainda que ele não é perfeito; mas pensa num bicho seduzente, esse menino é um pavão com o leque de penas aberto sem sequer tentar. Talvez eu simpatize com ele, até porque eu percebia o quanto ele gostava dela, e toda vez que ela o deixava, era a hora dele fumar e contemplar o horizonte, enquanto eu o contemplava.
Eu assumo que não foi só depois que eu quebrei o pé que eu consegui perceber que ele era bonito, até porque ninguém briga com a namorada todo dia! Foram meses de estudo, um acaso do destino e um pé quebrado que possibilitaram uma aproximação desse nível e eu não estava disposta de deixar essa oportunidade passar.
- Dia complicado, colega? - Pergunto com a voz mais grossa do que eu planejava, fazendo minhas bochechas corarem e meu corpo todo se aquecer de vergonha, minha orelha latejava e meu pé doía numa proporção descomunal, até ele olhar pra mim.
- Nem me fale! - Resmunga, respirando fundo e soltando todo o ar em seguida. - Eu sinto muito por você ter escutado tudo aquilo. Mas eu juro, estou a menos de dois passos de ir ter uma conversa com esse menino. - fala com ressentimento, trincando o maxilar. E eu morria aos poucos por falta de ar para não hiperventilar com aquele monumento extremamente atraente diante de mim querendo abrir seu coração.
- Magina! Você tinha que ouvir as conversas das senhoras do 74, são bem piores! - sussurro como se fosse um segredo, fazendo-o rir. Cara, que sorriso lindo!
- Às vezes eu me pergunto se ela realmente gosta de mim, ou se não está só comigo para mentir pra si mesma que não gosta dele. Porque, de verdade, ela é totalmente dedicada a ele, e tenho certeza de que ela foi atrás dele para desabafar sobre o quão mal eu sou para ela.- Suspira, olhando para baixo onde é vista para a rua e poucos carros são vistos passando. - Às vezes até eu acho que ela deveria estar com ele e não comigo, parece que falamos línguas diferentes - Ele também sabe que não tem sintonia - Já ele… - engole em seco - O Adolfo canta Vitor Kley pra ela e consegue fazer isso parecer brotheragem.
- Você sente tão impotente com tudo isso? - um aceno de cabeça me incentiva a continuar - Então por que você não confia nela? Sabe, ou você confia ou não faz o menor sentido ficar junto. - Dou de ombros por saber que por mais rude que tenha soado era a pura verdade.
Talvez eu tivesse a intenção de fazê-lo desistir desse relacionamento, mas ele estava tão triste e aberto para mim que não parecia justo eu jogar tudo o que eles tinham pro alto pra eu entrar desfilando em meio ao caos.
- Você acha isso?
- Eu tenho certeza, a questão é a seguinte: você quer confiar nela, ou só um pretexto pra discutir e terminar? Cara, tu não é mais criança para ficar brigando por tudo e por nada só pra sacanear o relacionamento. Pensa bem e conversa com ela. Vai na minha que é sucesso! - Assim que termino escuto minha mãe falando que já deu meu tempo de Sol por hoje - Bom, eu tenho que ir, mas se quiser conversar amanhã, eu estarei aqui, aproveita e pensa viu! - Concluo começando a me levantar e esperando minha mãe chegar para me ajudar a sair da sacada.
- Pode deixar, amanhã estarei aqui de novo para conversar! - ELE SORRIU PARA MIM! Puta que pariu, eu to muito a fim desse menino!

07 de setembro de 2019 - 09:40
- Pelo amor de Deus, ! Se você não estava a fim era só ter dito, eu nunca te obriguei a nada! Achei que estávamos na mesma página, mas eu cansei de ir e voltar, cansei de ficar tentando, eu não quero seguir discutindo a manhã… - Sim, por favor não discutir o dia todo facilitaria a minha vida!
Ai, droga, porque isso aqui não é uma suíte…

12 de julho de 2019
- ...E ela sequer se desculpa pela forma como fala comigo, é como se eu estivesse com a perna quebrada por pura vontade própria! - termino meu desabafo soltando os ombros.
Olho para dentro de casa para conferir se minha mãe já a havia retornado da rua e, por acaso, estava ouvindo algo. Por precaução fecho a porta de vidro da sacada, quando ouço o click me sinto confortável para retornar a conversa com .
A briga foi a seguinte: minha mãe começou a reclamar do tempo que eu passava em casa e não estava ajudando em casa, eu falei que não tinha muito o que fazer com a perna quebrada, ela disse que eu sou uma ingrata e nessa história de retrucar uma a outra dissemos coisas que não queríamos e cada uma foi para o seu canto magoada.
Para minha surpresa, no dia seguinte o realmente estava na sacada me esperando e nos dias seguintes voltamos a conversar, o que foi um alívio saber que teria alguém com quem conversar.
- Mas vocês sempre brigam por nada? - seu interesse na minha história era mais do que bem-vindo, fazendo com que eu contasse tudo por precisar desabafar.
- Por nada, não, por tudo! Quero dizer, minha mãe nunca foi a pessoa mais amigável, mesmo quando eu era menor, mas depois do divórcio ela e meu pai se transformaram, sabe? Ela ficou mais estressada, talvez a responsabilidade de cuidar de mim sozinha tenha influenciado, enquanto meu pai se tornou um estranho. Acho que mesmo sendo um consenso, nenhum deles acreditava que o outro iria até o fim do divórcio. Foi muito doloroso para eles...
É estranho desabafar com , do nada, mas não é como se ele fosse um estranho. Eu me lembrava dele. Moravamos no mesmo prédio desde sempre, crescemos juntos, brincamos juntos, frequentamos a casa um do outro, até que um dia não brincamos, conversamos ou nos vimos mais… Eu sabia da vida dele, ele sabia da minha, mas era tão difícil tocar a campainha e dizer “Olá, tudo bem?”, que foi mais fácil deixar pra lá.
Óbvio que com o passar do tempo o menininho que comia minhoca pra cumprir desafios cresceu e virou um homem, e a menininha que mijava na piscina cresceu e virou uma mulher quase responsável. E eu não sou cega, então de amigos fomos a estranhos, e nesse estranho eu encontrei um crush, que namora. Se bem que a Mabel nunca mais apareceu depois daquela briga...
- Mas que perrengue, hein? - De repente algo brilha no seu olhar e uma empolgação descomunal toma conta de sua voz - Já sei! Vamos fazer assim, eu vou para aí, a gente senta, conversa sobre coisas alheias aos nossos problemas, assiste um filme. Só pra descontrair mesmo, o que acha?
- Por mim, tudo bem… - respondo desconcertada.
- Você já consegue andar sozinha pela casa, né? - um aceno de cabeça serve como resposta - Ótimo, te encontro na sua porta em dois minutos!
- EI! Pera aí! - Grito quando ele já estava quase trancando a porta da sacada fazendo-o colocar apenas a cabeça pra fora - Eu estou usando muletas - Ergo as muletas para comprovar o que eu falo - Não vou chegar em dois minutos na porta, pode ir com calma.
- É verdade, desculpa. - Ele ri constrangido com a gafe. Adorável!
- Tudo bem, eu te perdoo se você também fizer a pipoca. - Concluo quando finalmente consigo afastar as cadeiras para me mexer melhor no pequeno espaço.
- Fechado! - Fecha a porta e agora é a minha vez de abrir a porta da minha sacada.
Tento deslizar a porta uma vez, mas ela é pesada e a minha falta de equilíbrio não colaboram comigo. Tento novamente, mas nada acontece. Decido parar e respirar para puxar com mais força, dessa é pra valer. Nada. Droga! Será que eu estou presa aqui?
E então eu me lembro do pequeno click que eu ouvi mais cedo quando fechei a porta e tudo volta como um baque pra mim, eu sou burra pra caramba! Minha mãe não está em casa, o está esperando na minha porta, ninguém vai me ajudar. Meu celular vibra em cima da cadeira.

[ DLÇ]: Eiii, estou aqui fora!
[]: Mano do céu!
[]: Sem condições essa vida!
[ DLÇ]: O que foi?
[ DLÇ]: Tá tudo bem?
[ DLÇ]: Me diz o que aconteceu, mulher!
[]: Eu estou trancada na sacada…
[ DLÇ]: kkkkkk
[ DLÇ]: Fala sério. O que aconteceu?
[]: Eu to falando muito sério kkkk
[ DLÇ]: Mas a sacada estava aberta até um tempinho atrás!
[]: Eu fechei…
[]: Fiquei paranoica que talvez minha mãe estivesse ouvindo a nossa conversa
[ DLÇ]: E por que ela não abre a porta?
[]: Ela saiu.
[ DLÇ]: PQP, JOANA. TU É MUITO FODIDA, CARA KKKKK
[ DLÇ]: Pera aí que eu vou voltar pra casa e ver o que podemos fazer pra te tirar daí.
[]: Meu herói….

Nos trinta segundos que levaram para o voltar eu refleti sobre o quão fatal seria me jogar do oitavo andar e aterrissar no solo como um perfeito felino, o gato da vizinha do 81, Bichano, caiu da janela do quarto da dona, aterrissou pleno e saiu desfilando, descobri mais tarde que a pata do bichinho ficou quebrada, mas como eu já tenho uma perna quebrada não é como se houvesse muito a perder, não é mesmo?
- Cara, como você consegue se ferrar tanto, menina? - sou tirada de meus devaneios com o entrando na sacada com um jogo de chaves em mãos.
- Eu lá vou saber, pra que são essas chaves? - silêncio absoluto e uma face inexpressiva são as respostas que recebo.
- Pra que que se usam chaves, ?
- Tá, entendi - reviro os olhos - Passa pra cá.
Em um movimento porcamente pensado, joga o molho de chaves que cai no chão pela minha falta de reflexo. Aperto os olhos para o rapaz, e resmungo diversos xingos enquanto tento me abaixar para pegar as chaves, sendo obstáculo a Robofoot (boto ortopédica) que travava meu joelho direito. Uma gargalha nas minhas costas me distraem das tentativas frustradas de conquistar minha liberdade, levantei meu tronco dando de cara com um sorriso debochado.
- Acho que alguém não tem se exercitado muito ultimamente. - Diz com um olhar estranho.
- Vai a merda, eu não consigo alcançar! Você deve estar se divertindo horrores com a minha miséria. - Respondo fingindo não me incomodar.
- Me divertindo? EU? Que absurdo. Eu estou é amando assistir esse show com direito a lugar VIP. - Algo na forma como ele me responde faz com que eu fique corada.
- Babaca. Como eu vou sair daqui? - Mudo de assunto para evitar maiores constrangimentos.
- Boa pergunta… - pensativos, ficamos em silêncio. - Ah, lembra quando éramos crianças e você ficava de castigo? - resmungo “sim” na expectativa de qual seria a ideia que me tiraria daquela sacada - E quando ficávamos cansados de conversar pela sacada o que fazíamos? - A pergunta e seu olhar sugestivo me fizeram refletir sobre o assunto, até que me bateu.
- Você é um gênio! - comemoro com uma dancinha mal feita.
O lance era o seguinte, quando éramos pequenos, nós dois fomos muito mais amigos do que eu disse, na verdade, fomos melhores amigos. Vivíamos grudados pra cima e pra baixo, o problema era que justamente por andar muito juntos também aprontamos juntos, e ficávamos de castigo sendo a sacada nosso único recurso de comunicação justamente porque apenas uma muretinha, que batia na altura do meu quadril, e a tela de proteção que separa os dois apartamentos. Um belo dia, estávamos de castigo brincando na sacada quando surgiu a ideia de abrir um buraco na rede e pular a muretinha para brincar. Desnecessário falar o quanto que isso era perigoso no tange a segurança comprometida da rede e quantas vezes precisamos trocar as telas de proteção.
- Tá bem, mas não me inventa de rasgar a rede como fazíamos, apenas desmonta ela do ganchinho - Digo quando vejo que ele tentava estourar a rede com muito esforço.
- Faz sentido. - E então removemos parte da rede o bastante para que ele conseguisse passar e pular a mureta.
Claro que a gente achou que ia ser fácil e até rápido, porém acabou que o fez todo o trabalho de desenganchar a rede e acabou enroscando a mão enquanto tentava subir no murinho, no final das contas ele pulou, a mão prendeu e quase trombou em mim durante todo o processo.
- Caramba, que ato heróico! - Ironizo dando dois pulinhos para trás evitando que ele trombe em mim enquanto se agacha para recolher as chaves.
- Cê acha? Eu pensei mais como um ato romântico, todo pensado em como impressionar a “cremosa”. - Responde enquanto se ergue para olhar nos meus olhos.
Eu fico em silêncio, contemplando seu rosto em busca de algum sinal de que aquilo fosse brincadeira, mas diferente do seu tom de voz seu rosto está sério, diria que até me olhava em expectativa. A proximidade que aumentava gradualmente era prova de que as piadas ficaram para trás, imagino que eu já estava vesga tentando olhar de um olho para o outro. Quando sua respiração bateu no meu rosto eu desisti de pensar e me joguei a seu encontro para descobrir o melhor beijo da minha vida.
Como colocar em palavras o beijo do ?
Ah, era insano, pareceria bagunçado e desesperado para quem visse de fora, mas, assim como o meu quarto, aquele beijo tinha uma organização única, orquestrado para a compreensão de quem estava lá, vivendo aquilo. E como eu queria viver aquele beijo mais e mais!
Quando nos separamos, a boca latejante e o sorriso dando sinal de manifestação no canto dos lábios, eu soube que aquele não seria o último beijo que daríamos naquele dia, mas deveria ter sido…

07 de setembro de 2019 - 09:45
- Você sabe muito bem que eu tentei falar, você tem noção do quanto que foi difícil pra mim reconhecer que chegamos a esse ponto! Eu te amo, mas não sei mais o que fazer!
Eu já ouvi falar que a dor física não se compara ao estrago da dor emocional, mas puta que pariu, hein?
Coração, vai com calma, por favor!

25 de julho de 2019
[ DLÇ]: É definitivo, não tem mais volta. Já estou cansado de dar murro em ponta de faca...
[]: Nossa, que péssimo! Quer conversar sobre isso?

Eles terminaram pra valer!
É só isso que eu tenho a declarar pro universo: e Mabel não estão mais juntos!
E você fica feliz com o fim de um relacionamento?
Por que eu não ficaria? Vamos e convenhamos, eles já estão em crise há tempos, tenho consciência de que é triste e blá blá blá, mas não sou burra, né? Seria muita falta de noção eu ficar me culpando quando já tem meses que eu os escuto discutir, definitivamente não tenho nada a ver com isso. Sem contar que eu sei que foi difícil chegar a um fim, mas paciência, vida que segue e por acaso eu estou aqui linda e disposta!
Permaneço olhando para o meu celular na espera de uma resposta, mas quando vejo que ele ficou offline bufo e jogo meu celular ao meu lado, me arrasto para fora da cama e sigo mancando para a cozinha na emocionante missão de preparar um chá de abacaxi com hortelã, quando ouço o barulho da minha campainha. Um sorriso se abre em meu rosto enquanto vou em direção a porta.
- Quero. - escuto sendo recebida por um beijo antes mesmo de terminar de abrir a porta.
Caramba! Como eu gostava de beijar aquela boca!
Aquela tarde foi simbólica para mim, um misto de empolgação, amizade e amor. Tudo era tão novo e excitante que eu não conseguia pensar muito bem na cronologia dos fatos, em como alguns beijos e um término repentino me levaram a acreditar que tudo estava mais que bem e que o estava mais que aberto para me amar. Eu estava longe de perceber o quão mais embaixo e sujo era esse buraco.

07 de setembro de 2019 - 09:50
A minha bexiga está me incomodando em um nível que não consigo focar na conversa/discussão, mas algo me chama atenção.
- Você sabe que ela gosta mesmo de você, né? - Algo no tom da Mabel me fez criar consciência de que nada do que eu acreditei, do que ele me fez acreditar, era real.

06 de setembro de 2019
Chegou o momento, senhoras e senhores! É dada a hora de revelar o resultado de todos os fatos relatados anteriormente. Estou prestes a contar como eu me fudi, literalmente e figurativamente.
Começarei contando como foi o final da minha recuperação. No total, foram mais de 50 dias com gesso e com a bota ortopédica, porém, de resto, sem complicações. Logo, eu me encontrava livre de qualquer item imobilizador no meu pé e entediada.
Entediada por quê?
Porque meu vizinho, com quem ocasionalmente troco beijos apaixonados, e mais outras coisas, estava muito ocupado com um projeto em grupo do trabalho. Pelo o que entendi, ele é membro de um squad, o que eu não tenho ideia de como funciona, mas parece importante; ou seja, o chegaria tarde da noite e até lá eu teria que me entreter sozinha.
Nossa interação, de fato, estava bem desenvolvida, parecia que nunca deixamos de nos falar, sempre tínhamos histórias para contar e assuntos diversos para conversar. Era como se fôssemos um casal consolidado, estável e bem integrado. Eu estava tão boba de amor, era como um sonho, daqueles que não conseguia e nem queria acordar. Cada beijo, cada toque, cada momento, eram únicos; sempre havia algo para se descobrir, algum novo detalhe na forma como ele se movia, alguma pegada diferente na forma como beijava, eu estava amando a cada dia mais e nem havia como negar!

[ DLÇ]: Estou indo para casa, cola lá em 40 minutos?
[]: Hmm, acho que não… Não estou muito a fim de te ver hoje.
[ DLÇ]: Sério? :(
[ DLÇ]: Pois saiba que eu estou MORRENDO de sdds de você!
[]: Assim fica difícil de dizer não kkk
[ DLÇ]: Ótimo!
[ DLÇ]: Tenho que ir!
[ DLÇ]: Tchau!

E então eu esperei, esperei até não aguentar mais e dormir no meu sofá esperando por ele. E acordei com o som da minha campainha. Ainda meio lesada de sono caminho até a porta para me deparar com um confuso, perturbado, talvez magoado. Mas com o quê?
- Tá tudo bem?
- Eu não sei - foi o que ele disse - Eu sei que preciso de você, desesperadamente… - saiu como um sussurro, mas nunca teve tanta necessidade em sua voz. Para mim, aquilo bastou, saber que ele precisava de mim, que eu bastava para distraí-lo de tudo o que o transtornou.
- Tá bom, deixa eu cuidar de você. - tomei-o pela mão indo em direção ao seu apartamento.

07 de setembro de 2019 às 09h00
- ! Acorda! - sussurrava, mas tinha urgência na voz, o que me deixou em estado de alerta.
- O que foi?!
- Você confia em mim? - perguntou, tomando minhas mãos e olhando nos meus olhos.
- Ah, não! Não me venha com essa de “você confia em mim?”, mais de 50% das vezes isso é furada! - reclamo tirando minhas mãos das suas.
Estico meus braços para procurar minha camiseta, mas o quarto no puro breu por conta das cortinas blackout dificultavam tudo. Tateio a parede em busca do interruptor, mas sou interrompida pelo que segura meu pulso com pressa.
- É sério! - ignoro - , para com isso e olha pra mim, por favor! - Finalmente noto o soar da campainha e seus olhos se arregalam ficando mais ansioso. Analiso sua postura e reparo no quão tenso ele está, opto por acreditar no que ele fosse me contar. Então retiro meu pulso do aperto frouxo de sua mão.
- Fala, o que foi?
- Eu preciso que você se esconda no armário. - Ele diz tão rápido que demoro a entender.
- O QUÊ? - sua mão cobre minha boca. Não acredito no que estou ouvindo. A campainha soa novamente, mas dessa vez com várias batidas acompanhando o som. Quem estiver lá fora está impaciente.
- Shhhh, por favor! - descubro minha boca e revoltada, subo no armário.
- Você tem quinze minutos pra me tirar daqui. - exijo antes de encostar a porta.
Por conta do silêncio na casa consigo escutar todo o diálogo que se passa na sala de estar.
- Oi, Mabel! - Um nervoso atende a porta
- Eu vou ser bem rápida, não quero tomar muito do seu tempo. Na verdade, eu quero ficar o menor tempo possível na sua presença, - A voz embargada me leva a acreditar que ela esteve ou está chorando. - Você esqueceu seu celular lá em casa… -
Espera, ele esteve lá ontem? Antes de vir me ver? - Eu nem sei como eu pude achar que você era o cara certo pra mim, eu pensei que finalmente iríamos dar certo! Sem idas e vindas, sem discussões matutinas, mas… - ela dá uma pausa e respira fundo - Mas aí, ontem, você deixou o seu maldito celular no meu quarto! Depois de tudo o que tivemos e conversamos ontem! Eu cheguei a rir achando que era a merda de uma piada de mal gosto, mas estava ali, preto no branco, meu namorado estava me traindo! - Oh, porra…
[]: Vai se foder, otário!

E aqui estou, sentada em um armário minúsculo infestado pelo cheiro do menino que eu amo, descobrindo que eu sou nada mais nada menos que a amante dele, morrendo de vontade de fazer xixi, ouvindo uma DR infindável e refletindo em como consegui chegar a esse ponto. Na verdade, eu meio que já superei o , até porque não tem como eu seguir com ele sem pensar no quanto a Mabel se machucou nessa história. Acredite em mim, eu gosto da Mabel! Mas agora está doendo tanto em mim quanto nela, em como me sinto suja, usada e desiludida.
Ouvir da boca dele que ele ama outra pessoa, a forma como ele falou, como se ela fosse o bote salva-vidas que o mantinha a salvo no alto-mar; ele reconhecer que sabia dos meus sentimentos, mas que mesmo assim decidiu ir adiante com seu jogo doentio. Tudo isso me partia o coração, fazia com que eu questionasse cada momento, cada risada, cada beijo. De repente, tudo o que parecia um "nós" virou um triste e vazio Eu, um Eu que amou sozinho, riu sozinho. Um Eu que amou sozinho e que agora estava dentro de um armário, no escuro, chorando baixinho, como aquela roupa feia e surrada que você mantém porque faz com você se sinta bem consigo mesmo, mas tem vergonha de assumir a existência dela para os demais.
- Eu só tenho uma coisa pra te dizer, porque tudo o que sinto é nojo desde que eu vi o nome dela no seu celular: Vai se foder! Você não me merecia, nunca mereceu! E a não merece ter os sentimentos dela feitos de brinquedo, assim como eu também não merecia!
Pera aí? Ela falou ? Ah, não!
EU VOU MIJAR NO TAPETE DESSE FILHO DA PUTA, E É AGORA!




Fim.



Nota da autora: Sem nota



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