Finalizada em: 16/06/2018

Prólogo

Essa história não é sobre mim.
Também não é sobre você.
Tampouco sobre sua mãe, irmã, tia, vizinha.
Mas podia ser.
Talvez você conheça alguém em situação parecida.
Talvez você esteja em situação parecida.
Essa história tem um final feliz.
Muitas como essa não tem.
Portanto, se você se identificar com alguma cena aqui retratada, seja no seu relacionamento, seja no de alguém que você conheça, faça alguma coisa, antes que seja tarde demais.
Você pode conversar com alguém em quem confie; discar 180 para a Central de Atendimento à Mulher, que tem funcionamento integral; ou ir até uma Delegacia da Mulher.

Do you know that there's a way out
(Você sabia que há uma saída?) There's a way out, there's a way out, there's a way out (Há uma saída, há uma saída, há uma saída) You don't have to be held down
(Você não tem de ser pressionada) Be held down, be held down, be held down (Ser pressionada, ser pressionada, ser pressionada)



Parte I

Melhor amiga e melhor amigo conhecem o mocinho, ou seria ele o vilão?


(2014)

era uma garota de personalidade forte, independente e de opinião formada.
E segundo os pais dela, sempre fora assim.
Com sete anos ela entrou numa escolinha de futebol só para contrariar uma tia que dissera a ela que futebol não era para meninas.
Com oito ela tentou impedir que cortassem uma árvore na pracinha do bairro.
E é claro, com cinco ela entrou numa briga na escola para defender um garotinho de sua idade de um outro um pouco mais velho e foi assim que ela e se conheceram.

*

A Escola Primária Recanto Feliz era, na opinião do garotinho choroso, tudo menos feliz naquela tarde de maio do ano de 2002.
No parque daquela instituição uma pequena rodinha tinha se formado e ao centro dela estavam dois meninos: o que já soluçava e o que havia começado os gritos que sete das oito crianças espectadoras entoavam.
Sardento! Sardento!
nem mesmo se lembrava o que tinha motivado aquele bullying, se fora algo que o garotinho ruivo fizera antes ou se fora a maldade do outro.
— Sardento! Sardento!
Nenhum professor parecia ter notado aquela situação que perdurou por alguns minutos até que aquele ⅛ das crianças, a criança espectadora que não gritava, , correu até sua sala e voltando minutos depois adentrou a rodinha parando bem em frente ao engraçadinho que tinha começado aquela brincadeira de mau gosto.
O menino, que nem teve tempo de perguntar o que ela queria, foi acertado, certeiramente, na cabeça com o livro pesado que ela buscara e ouviu de um sermão curto sobre o quanto, nas palavras dela, “brincadeirinhas como aquela não tinham a menor, a mínima, graça”.
A garota estava tão séria e batera nele tão forte que o máximo que o menino conseguiu fazer foi ficar quieto até que ela terminasse e depois sair correndo.
jurava de pés juntos que se ele se esforçasse podia sentir a dor que aquela livrada lhe causou.
O engraçado é que, naquela época, quando no dia seguinte ela lhe pediu desculpas (obrigada pela mãe, lhe secretara anos mais tarde), ele não parecia se lembrar do ocorrido e desculpou-a sem pensar duas vezes.
*


sorriu com essa lembrança e fez uma nota mental de agradecer novamente a por ter lhe batido, afinal, além de aquilo ter sido o início da amizade deles, ela ainda havia impedido que ele continuasse a ser um babaca versão infantil.

***


Conhecendo como conhecia, não era de se estranhar o fato de não se assustar com a atitude dela naquele momento.
O que o assustava era a possibilidade de algum daqueles caras se irritarem com ela e resolver descontar nele.
Mesmo assim, receoso e engolindo em seco, a seguiu.
— Ei, vocês. - ela chamou, repetidamente, até que aqueles cinco caras percebessem que era com eles que ela falava. - Acho que esqueceram o seu lixo debaixo daquela árvore. - ela disse educadamente.
— E? - perguntou, desinteressado, um deles.
— E que é proibido jogar lixo aqui, além de ser feio.
— Olha, gente, a mocinha acha feio jogar lixo aqui. - o grandalhão disse ironicamente arrancado risadas de alguns de seus companheiros. - Escuta aqui, querida, eu não ligo.
— Além de babaca é um grosso. - ela bufou.
— E você além de intrometida é nervosinha.
Foi a vez dela de rir ironicamente e antes que pudesse responder à altura que aquele idiota merecia, viu um dos companheiros dele, o que não havia rido, dar um passo a frente e dizer:
— Tá bom, tá bom, gente. - Augusto havia percebido que aquela discussão não ia acabar tão cedo e resolveu se intrometer. - É pouca coisa, eu recolho tudo.
permaneceu de nariz em pé, encarando o babaca que havia lhe respondido, enquanto Augusto fazia o que tinha se proposto a fazer.
— Satisfeita? - ele perguntou ao que terminou.
— Você não sabe o quanto. - sorriu forçadamente e saiu acompanhada de , não antes de reparar o quão lindo o sorriso de Augusto era.
Ah, se ela percebesse as segundas intenções por trás daquele sorriso e soubesse no que aquilo tudo ia dar, tanta coisa seria evitada.
— Uma hora você vai se dar mal, enfrentando esses babacas. - disse ao que passava o braço pelos ombros da amiga.
Não que ele discordasse da atitude dela, essa postura de defensora da natureza e dos injustiçados de era uma das coisas que mais o encantava nela, ele só era um pouco covarde e temia, verdadeiramente, pela segurança dela.
— Você sabe que não consigo ficar quieta, essas coisas me irritam muito.
— É, eu sei. - ele sorriu, aquele sorriso que amava e que dizia ser só dela.
Ah, se ela soubesse que, ultimamente, ela era a principal razão para que ele sorrisse, tanta coisa seria evitada.
— Mas agora vamos pra casa, sua mãe já deve estar louca achando que você se amarrou a outra árvore para salvá-la.
— Hahaha, engraçadinho. - ela disse revirando os olhos, irônica. - Só vou concordar com você, porque hoje disse a ela que ia direto pra casa depois da aula.
— Corrida?
— Corrida. - ela assentiu e antes que houvesse uma contagem disparou pelo caminho que tanto conheciam.
riu, sabia que ela faria isso, e dando a ela alguma vantagem, correu atrás da amiga literalmente, quando, ele sabia, também deveria estar correndo metaforicamente, atrás dela.
Mas como já foi dito, ele era um pouco covarde.

***


encarou a figura do outro lado da rua antes de atravessá-la.
Parecia que ele a encarava e parecia também que ela o conhecia de algum lugar.
Balançou a cabeça, descartando aquelas ideias e caminhou ao lado de Karoline pela faixa de pedestres quando o sinal fechou.
A aula havia acabado e naquele dia, ela iria embora sozinha, uma vez que havia saído mais cedo para ir à uma consulta de rotina e Karoline tomava uma direção contrária a sua para ir pra casa.
— Até amanhã, .
— Até amanhã, Karol.
Virou-se para seguir seu caminho, quando foi abordada pela figura que parecia ser familiar.
Era o garoto que recolheu o lixo no parque, ela reconheceu quando ele sorriu.
— Oi.
— Oi.
— Você tá me seguindo?
— Eu estou andando com você, é diferente.
— Não estou me referindo a agora.
— Ah. - ele riu. - Nada disso, eu só estava passando por perto e quis ter a sorte de te ver. - Mentira, ele estava indo até o portão daquele colégio há dias, esperando o dia em que ela não estaria acompanhado por aquele “amiguinho”. Para sorte de Augusto, esse dia chegara mais cedo do que o esperado.
— E como sabia que eu estudava aqui? - perguntou de cenho franzido.
— Você estava de uniforme aquele dia. - isso era verdade.
— Que observador. - ela disse ainda estranhando aquela situação.
Ele riu, ela não sabia o quanto.
— Mas e então, o que você quer? Achei que você e seus amigos não tinham gostado de mim.
Ele riu novamente, daquelas risadas que se dá quando acha alguma atitude de alguém ingênua demais.
— Eles eu não sei, mas eu gostei bastante.
encarou-o ainda decidindo se havia gostado ou não daquela direta e do olhar que ele lhe dirigiu.
— Agora podemos nos apresentar? - o garoto perguntou depois de uns minutos em que caminharam em silêncio.
. - estendeu-lhe a mão, que ele beijou demoradamente e aquilo, ela decidira, tinha achado super brega.
— Augusto Carvalho.
— Certo, foi um prazer, mas é aqui que nos despedimos. - eles estavam parados na calçada em frente ao parque em que haviam se conhecido.
— Você vai ficar aqui?
— Não, mas você não achava que eu ia deixar um estranho saber onde eu moro assim, né?
Ele achava, mas sorriu meneando a cabeça.
Se ela queria se fazer de difícil (na opinião dele), ele poderia entrar no jogo dela.
— Você está certa. Então, o que você acha de ficarmos um pouco aqui? - apontou para o portão de acesso ao parque. - A gente pode se tornar menos estranhos. - sorriu suplicante e aquele sorriso amoleceu um pouco .
— Não posso.
Augusto bufou, mas não percebeu, estava concentrada em um filhote de Golden Retriever passeando com o dono do outro lado da rua.
Se ela tivesse percebido, talvez tivesse negado o pedido seguinte dele e evitado muita coisa.
— Seu número então?
— Hm. - pensou um pouco. - Pode ser, anota aí.
Ditou a sequência numérica e conferiu com ele se estava certo.
— É isso mesmo, agora preciso ir.
— Tchau, . - aproximou-se e deu um beijo meio próximo demais da boca dela. - A gente se vê por aí.
— Tchau.
Ao seguir seu caminho até sua casa, , por umas duas vezes olhou para trás para ver se Augusto a estava a seguindo.
Alguma coisa nele deixara-a meio receosa, ela só não sabia o quê.
Decidiu por fim, tendo verificado a rua uma última vez antes de entrar em casa, parar de alimentar suas paranoias e esquecer aquilo, que ela decidira naquele momento, não se tratar de nada mais que um pré conceito incrustado.

***


, larga esse celular e presta atenção no filme, por favor.
tentava se convencer de que seu incômodo em relação aos risinhos bobos da amiga, que encarava a tela de seu celular, se devia apenas ao fato de ele odiar ficar ao lado de uma pessoa que ficava o tempo todo concentrado no aparelho eletrônico.
Ele não estava com ciúmes, claro que não. Mesmo que soubesse que ela falava com o tal do Augusto, um dos caras do parque, que, pelo que , lhe contara havia aparecido na porta da escola deles há uma semana.
tinha uma esperança que a coisa entre eles não desse em nada, aquele cara parecia ser um babaca, não gostava de babacas.
E além do mais, ele sabia, enquanto não resolvesse fazer alguma coisa em relação aos seus sentimentos pela amiga não podia querer impedir que ela ficasse com outra pessoa, por mais que isso lhe doesse.
— Tá bom, tá bom. Desculpa. - guardou o celular. - Depois eu te conto o que ele disse.
Ótimo! pensou , a pior parte nem era ver com outro e sim ter que ouvir o que ela dizia, animadamente, sobre ele.
Quem diria que ele tinha reparado no meu uniforme, parece que eu chamei mesmo a atenção dele.”
“Ele tá tão na minha, não é ?”
“O sorriso dele é tão lindo, claro que ainda prefiro o seu, mas…”
O modo que ela sorria e suspirava, com os olhos brilhando ao dizer tais coisas, colocava em uma contradição enorme: ela ficava tão linda e ele gostava tanto de vê-la feliz, mas não podia deixar de querer que aqueles sentimentos tivessem a ele como razão e não o tal do Augusto.

***


fingiu não se importar com cancelando o cinema naquele sábado para sair com Augusto.
Mas é claro que ele tinha se importado, mesmo que ignorasse a parte do ciúme, afinal, eles tinham planejado essa saída bem antes de Augusto convidá-la e o filme em questão era muito esperado por ambos.
, é claro, nem pensou muito a respeito e quando disse ao telefone que não se importava, por nenhum momento ela considerou que talvez ele não estivesse sendo tão sincero ou que Augusto e ela poderiam sair outro dia.
Sendo assim, a noite daquele sábado encontrou em seu quarto, maratonando uma série qualquer e indo à lanchonete que Carvalho tinha escolhido.
O local que era bastante comum, bem limpo e que, segundo Augusto, tinha o melhor sanduíche de todos, estava quase cheio e teve certa dificuldade em avistar a mesa em que o garoto estava sentado.
— Oi.
, até que enfim. - ele lhe sorriu lindamente, a garota suspirou. - Como que você tá? - perguntou ao que deixava um beijo perto demais da boca dela.
— Bem e você?
— Melhor agora. - uma cantada ridícula e antiga, mas na voz dele até que achou meio charmosa.
— Já pediu?
— Ainda não. - respondeu entregando a ela um dos cardápios e eles engataram uma conversa animada sobre assuntos aleatórios.

***


— Eu me diverti. - disse sincera ao que Augusto estacionou o carro na frente da casa dela. - O sanduíche de lá é mesmo bom.
— Eu disse. - ele sorriu.
— Bem, é melhor eu entrar. - disse já tirando o cinto. - Boa noite, Augusto.
Quando ele segurou a mão dela, ela soube o que ia acontecer, mas não pode deixar de se surpreender com o beijo que ele lhe deu.
Pareceu a ela que ainda era cedo pra aquilo, mas isso não mudava o fato de que o beijo tinha sido muito bom.
desceu do carro e sentiu o celular vibrar no bolso assim que entrou em casa, ainda meio nas nuvens.

Boa noite, .
Vê se sonha comigo.”

Ela riu e naquela noite, realmente, sonhou com ele.

***


admitia que o pedido de namoro que veio dois dias depois daquele primeiro encontro, a surpreendeu, mas não ao ponto de ela negá-lo.
Também admitia que o “eu te amo” que ela ouviu ainda na primeira semana de namoro, deixou-a sem palavras e incapaz de dizer o mesmo, era cedo demais pra ela.
E quando Augusto disse que não podia viver sem ela, ela ficou perdida entre achar aquilo lindo ou pensar que ele era precipitado demais.
Mas nada disso fez com que ela ao menos cogitasse terminar o namoro, estava tudo acontecendo rápido demais, mas até onde ela sabia não existia um ritmo certo no que dizia respeito ao amor.
Ela estava feliz e era o que importava.

***


— Esses caras te encarando.
— O quê que tem? - disse ao que olhava em volta.
— Não me respeitam nem um pouco.
Mas eles deveriam respeitar a mim, pensou que não disse nada, porque Augusto já estava irritado, ela não queria piorar as coisas no aniversário de quatro meses de namoro deles.
— E eu também não sei qual o motivo de você usar uma roupa dessas. - a garota encarou o próprio vestido, procurando o que havia de errado com ele. - Você fica bem demais nele, a partir de hoje você não usa mais esse vestido em público.
preferiu se atentar ao elogio indireto que havia naquela frase do que discutir com Augusto que ele não podia decidir quais roupas ela podia ou não usar.
Além do mais, ele deve estar brincando, pensou ela, mas ela descobriria dias depois que ele não estava.
— Ali, vamos sentar naquele banco. - apontou e saiu puxando o namorado ainda emburrado em direção ao assento de madeira, que era igual a tantos outros espalhados pelo parque em que se conheceram.
A garota teve certa dificuldade para convencer Augusto a deixar para lá os outros caras, tendo que repetir várias vezes que só tinha olhos pra ele, quando enfim conseguiu, os dois tomaram sorvete e conversaram.
Estavam agora sentados na grama olhando as nuvens, imaginando sozinha formatos para elas, porque Augusto não gostava dessa brincadeira, quando duas garotas relativamente próximas saíram deixando para trás copos de milkshake.
sempre tentava ignorar essas cenas, mas era mais forte que ela.
— Nem pense em fazer isso, . - Augusto disse ao que adivinhou o que a namorada pretendia levantando-se. - Seria um mico e elas nem são garotos pra você querer impressionar, como fez comigo.
É claro que ele achava que a atitude de no dia em que se conheceram, fora motivada pelo interesse dela em algum deles, e sendo convencido como era, ele só podia supor que ele sempre fora o alvo dela.
Augusto odiava quando as garotas davam o primeiro passo, mas a tática adotada por para chamar sua atenção fora criativa demais e ele achou muito atraente a forma como ela enfrentou Carlos, então preferiu relevar esse fato.
entendeu o que ele sugeriu com aquela fala e indignou-se, mas o tom que ele adotara e o fato de não querer aborrecê-lo no dia do aniversário de quatro meses de namoro deles, fez com que ela ficasse quieta.

era uma garota de personalidade forte, independente e de opinião formada, mas estava se apagando.

He's scared of the light that's inside of her
(Ele tem medo da luz que está dentro dela) So he keeps her in the dark
(Então ele a mantém no escuro)



Parte II

Vilão controla namora a mocinha

(2015)

estava feliz de estar em um relacionamento.
também estava feliz por Karol, que assumira há pouco o namoro com um rapaz que ela conheceu na faculdade, David.
Agora, acreditava, Karoline e ela poderiam fazer muitos programas a quatro e voltarem a ser próximas como antes, uma vez que desde que começara a namorar se distanciou um pouco de todos os seus amigos. Nem mesmo com sua irmã, Marília, ela saía com tanta frequência.
Mas isso, Augusto lhe dissera, eram consequências intrínsecas a qualquer namoro e com o tempo ela passou a acreditar nisso.
nunca diria à Karol, mas achava o namoro dela um tanto quanto estranho.
Karol e David não estavam sempre juntos nas festas, como Augusto e ela, que só saíam juntos.
Karol e David não se viam todos os dias.
Karol e David não brigavam muito.
David não ligava para Karol muitas vezes em um só dia e não se importava se a namorada saísse sem lhe avisar, Karol também agia assim.
David não exigia saber exatamente onde Karol estava em cada parte do dia.
Karol lhe dissera que o namorado não se importava com as roupas curtas que ela usava e até a elogiava bastante quando ela usava um vestido vermelho que amava e pedira emprestado uma vez, antes de namorar, é claro.
Augusto dizia que era porque Karol e David não se amavam tanto quanto ele e , a garota concordava, porque ela e Augusto pensavam de forma semelhante.
O que ela não percebia é que ela estava sendo induzida a concordar com o namorado em tudo.
Se tivesse percebido, muita coisa poderia ter sido evitada.

***


— Já sei! - disse empolgada ao namorado. - Vou fazer academia.
Augusto riu como se ela tivesse lhe contado uma piada.
não entendeu, havia adorado a ideia, seus pais a incentivaram a preencher seu tempo livre com musculação e sua irmã era quem tinha lhe dado a ideia.
— O quê?
— Espera, você estava falando sério?
— Sim.
— Você tá louca, ? Academia, faça me o favor. - o tom de voz de Augusto já estava mais alto que o necessário. - Pra quê você quer fazer academia? Tá querendo ficar gostosa, é? Pra quem? Porque pra mim, o seu corpo já é perfeito do jeito que tá.
— Não é nada disso. - sorriu nervosa, mas ficara um pouco feliz com o elogio dele.
— Então o que é?
— Eu só não quero ser mais tão sedentária.
— Você anda muito a pé.
— Eu sei, mas…
— Mas nada. Quando você tiver um motivo plausível pra isso você me fala e a gente vê. Agora cala a boca e vamos ver o filme que eu não estava a fim de brigar hoje.
se calou, ela também não queria brigar.

***


Quando terminou o Ensino Médio, decidiu que não faria faculdade no próximo ano, tiraria um ano para trabalhar, formar-se no curso de inglês e decidir se letras era realmente o curso que ela queria fazer.
Naquele dia, ela havia recebido o resultado de um vestibular que ela prestara em uma Universidade Federal muito boa que ficava em uma cidade vizinha, ela passara e não podia estar mais feliz.
Mesmo que não pretendesse fazer sua matrícula, uma vez que não tinha certeza se estava disposta a largar sua família e lar para trás e nem queria começar a faculdade no segundo semestre daquele ano, ela estava imensamente satisfeita consigo mesma, pois se provara capaz de passar no curso e na universidade de seus sonhos.
Depois de muito comemorar com seus pais e ligar para , que lhe parabenizou bastante e disse não poder estar mais feliz por ela, estava na casa de Augusto, para contar pra ele a novidade.
— Eu passei! - ela disse erguendo o papel que imprimira, assim que ele abriu a porta.
Carvalho esperou que ela entrasse e depois levou-a até seu quarto, onde pegando o papel de sua mão verificou do que se tratava.
viu a expressão do rosto de seu namorado mudar drasticamente, mas não soube decifrá-la.
— O que é isso, ?
— O resultado do vestibular, eu passei. - ela disse sorrindo largamente.
— Eu sei, não sou idiota.
— Então porque você…
— Eu quero saber o porquê de você estar aqui toda sorridente me mostrando isso, porque se você acha que eu ia ficar feliz com uma idiotice dessas, você não me conhece.
— Idiotice? - não estava entendendo muita coisa.
— Você viu onde é essa Universidade?
— Claro que vi, mas…
— É longe pra cacete e você acha mesmo que mulher minha pode ir morar longe assim? Ainda mais pra estudar numa universidade cheia de playboyzinhos, eu não sou trouxa, ! - ele embuchou o papel e jogou nela.
A garota não gostou do que estava insinuando, não gostou dele ter lhe acertado um papel, não entendia de onde viera aquele surto e não gostou nem um pouco do modo possessivo com o qual ele se referira a ela.
“Mulher minha”, sentiu um bolo estranho na garganta e teve que segurar para não chorar ali, porque ela sabia que se chorasse ele só gritaria mais com ela e diria que ela estava se fazendo de vítima mais uma vez.
E não queria mais se fazer de vítima.
O que ela não sabia ainda, é que ela não estava se fazendo de vítima, ela era uma vítima daquele relacionamento.
— Eu nunca quis fazer essa faculdade, você sabe. - ela exagerou um pouco na negativa, para que ele se acalmasse. - Eu não quero me mudar.
— Então pra que aprontar esse circo todo? - ele disse ainda mais irritado e grosso.
— Eu só quis comemorar, você sabe, eu passei e… - notou que sua voz saía meio tremida.
— Comemorar? Comemorar? - ele riu escandalosamente e ironicamente. - É só um curso de letras, porra!
— Pra mim não é pouca coisa.
— Claro que não. - ele concordou usando aquele tom que sempre fazia se sentir uma burra.
E a intenção dele era exatamente essa.
— Eu vou embora.
— Melhor mesmo. - ele suspirou, já a conduzindo para fora de seu quarto. - Tá vendo, , é por isso que eu gosto que você me avise antes de vir aqui. Olha como essa sua visita inesperada me deixou. - se assustou com a mudança drástica do tom de voz dele, agora era como se ele estivesse dando um sermão carinhoso a uma criança que aprontou.
Augusto nem ao menos lhe acompanhou até a porta.

***


, tem uma entrega pra você lá embaixo. - Marília disse da porta do quarto da irmã caçula.
— De quem?
— Vai lá ver. - soube que era de Augusto pela cara que a irmã fez, Má não gostava do namorado dela.
As duas desceram as escadas juntas e viu em cima da mesinha do lado da porta de entrada um enorme buquê de flores e um ursinho com um coração escrito “I love you”.
— Ele deve ter aprontado feio dessa vez. - Marília disse e saiu da sala.
Ela sabia bem que sempre que os dois brigavam, ou melhor, sempre que Augusto tratava sua irmã super mal ele tentava ganhar o perdão de enchendo-a de mimos e dizendo que mudaria, uma pena que sua irmã sempre acreditava.
Marília sabia disso porque no início do namoro a irmã vinha lhe contar os acontecidos. Isso não ocorria mais porque a mais velha sabia que por mais que ela lhe aconselhasse, a irmã não a ouvia e sempre perdoava o embuste. E Marília tinha se cansado de ficar com raiva e ver tudo se repetir.
ignorou o tom venenoso da irmã, não queria brigar com ela de novo por causa de Augusto e leu o bilhete que acompanhava o buquê:

Um pedido de desculpas e um beijo à minha futura professora favorita.
Te amo, Augusto”

E assim como o esperado, Augusto foi perdoado mais uma vez.
Pelo menos dessa vez iria aproveitar o arrependimento dele para lhe avisar que sairia com Karol, e Marcos no próximo sábado para relembrar os tempos da escola.
Ah, se ela soubesse que Augusto não estava nem um pouco arrependido, só estava cansado de ser ignorado por ela.
Na cabeça dele, ele só estava cedendo pelo bem da relação.


— Karol, oi.
— Onde você está, ? - pode ouvir ruídos de trânsito junto a voz da amiga.
— Em casa, escuta, eu não vou poder mais ir. O Augusto me ligou, parece que ele tá doente, eu vou ficar com ele.
O quê? Mas, , a gente tá planejando isso há tempos. - Karoline apostava todas as suas fichas que Augusto mentira para impedir que fosse.
— Eu sei, mas você sabe como é, os namoros…
— Ah não, , eu também namoro e não fico cancelando as coisas assim.
Houve um silêncio na linha e Karol se arrependeu um pouco do que falara, mas ela sabia que estava certa e também.
Olha, eu vou entrar, na próxima você vem então. - ela disse mesmo que não acreditasse.
— Desculpa e explica para os meninos.
Tá bom, beijo. - e desligou.
percebeu que a amiga não estava feliz, ela também não estava, mas acreditava estar fazendo a coisa certa.
Sendo assim, rumou para a casa do namorado.

***


— Você não me parece doente. - disse um tempo depois de ter chegado. - E você me disse que sua mãe não estava em casa.
— Acho que estou me sentindo melhor por causa da sua presença. - usou aquele tom meloso que teria convencido em outras ocasiões.
— Não mente pra mim, Augusto.
— Por que você está tão desconfiada?
— Você não tá doente, né? Me responde, porra.
— Não.
— Meu Deus! - abaixou a cabeça e segurou-se para não gritar. - Por que você fez isso? Por que você faz isso?
— A culpa é sua, você me deixa assim…
— O quê?! Eu vou embora, eu nem deveria estar aqui. - levantou-se procurando sua bolsa. - E faz tanto tempo que eu não vejo o . - completou mais pra si mesma.
— Sempre tem uma coisa a ver com esse cara, né? Por isso você está toda nervosinha. - Augusto mudou totalmente sua postura e passou a se fazer de vítima da situação, como sempre. - Vocês estão tendo um caso! Eu sabia!
— O quê? Você tá louco, Augusto? - ela estava tão impressionada que não conseguia elevar a voz. - Eu mal o vejo. Na verdade, eu mal vejo alguém além de você. Esse sempre foi seu plano, não é? Me afastar de todo mundo, me ter só para você. - disse enojada.
— Não é bem assim. - era sim.
— É o quê então?
— Quer saber, cansei.
— Cansou do quê? - teve a impressão que ele tinha se cansado do namoro e pela primeira vez, aquela perspectiva não a assustou tanto.
— De te proteger disso, eu quero te afastar sim, mas só do .
— Meu Deus! - ela disse desesperada, tudo fazia sentido agora. - Por quê?
— Você não sabe né, mas também sendo cega como é. - ele adotou o tom pejorativo sempre tão presente ao se referir a ela. - Ele é apaixonado por você, , sempre foi.
Aquilo atingiu como uma pancada, ela não podia acreditar no que estava ouvindo. Arrumou suas coisas e sem dar mais atenção a Augusto foi embora.
Ela precisava falar com .

***


. - disse surpreso ao que viu a amiga sentada na cama de seu quarto.
Depois de tanto tempo, era até estranho vê-la ali. Algo tão comum no passado.
— Sua mãe me deixou subir.
— É, ela me disse.
estava preparado para dizer várias coisas, o quanto ela havia abandonado a ele e aos outros, o quanto ele estava chateado com ela e, principalmente, o quanto ele havia sentido sua falta, mas ao notar as lágrimas nos olhos dela, viu que aquela não era a hora.
— O que houve, ? - quando ouviu seu apelido na voz dele chorou mais por perceber o quanto sentia falta dele.
— O Augusto não estava doente. - a fala era regada de lágrimas e pontuada por soluços. - Ele mentiu, eu…
— Ei calma. - disse abraçando-a e puxando-a para aninhar-se com ele na cama.
— Vocês terminaram?
As esperanças de foram massacradas quando ela disse um “não” quase inaudível, mas ele cuidaria da sua dor depois, agora era a hora de cuidar dela.
— Ele disse que você é apaixonado por mim.
O coração de parou por uns segundos, ele teve certeza, ao que ouviu a fala baixinha de que tendo o rosto enfiado em seu pescoço não o encarou.
— Você é? - ela disse depois de um tempo em que o silêncio pesou sobre eles.
— Não me faça responder isso.
— Mas…
— Por favor.
E eles permaneceram ali um consolando a dor do outro, como sempre fizeram.

***


chegou em casa na manhã seguinte muito confusa.
A briga com Augusto, os sentimentos de .
Ela não podia acreditar que aquilo tudo estava acontecendo.
Não podia acreditar que Augusto fingira estar doente.
Não podia acreditar que ele estava certo sobre os sentimentos de .
Claro que pela tarde quando as flores chegaram, ela não ficou surpresa.
E quando Augusto chegou dizendo a ela que iria mudar, que precisava da ajuda dela para mudar, ela o perdoou.
Ele parecera sincero demais quando disse que sem ela não sabia se conseguiria continuar e tomou para si a responsabilidade de mantê-lo são.

***


— Acho que eu quero cantar. - disse empolgada, movimentando-se na cadeira para levantar ao que escutou a risada exagerada de Augusto ao seu lado.
Olhou pra ele sem entender.
— Você canta muito mal, deixa de besteira. - disse sério ao que se recompôs.
Não foi o quê ele disse, foi o como ele disse que magoou .
Ela sabia e muito bem, que não tinha o menor talento vocal, mas não enxergava sua participação em um karaokê como forma de provar o seu inexistente dom e sim, uma forma de diversão.
— E você acha que aquela garota canta bem? - inquiriu apontando pra moça que deixava o palco, tentando mostrar ao namorado o óbvio.
— Aquela garota não é minha namorada.
calou-se, não porque queria obedecer o namorado, mas porque aquele diálogo havia implantado nela um mal estar que suprimiu sua vontade de cantar.
Aquela noite que era pra ser divertida já estava acabada mesmo.
Pensou na constância em que isso estava acontecendo quando eles saíam e chegou à conclusão de que alguma coisa estava errada ali.
Era pra ser diferente.
Um namorado deveria ser alguém que a fizesse se sentir bem, não que a botasse pra baixo com comentários desnecessários de coisas óbvias.
— Eu vou ao… - ia dizendo a medida que ia levantando para ir ao banheiro ao que foi interrompida por Augusto que mantendo um apertão forte em seu braço esquerdo disse entredentes:
— Se você subir nesse palco eu vou embora e te deixo aqui.
E naquele momento, pela primeira vez, sentiu medo do namorado.
E também naquele momento, ela viu que sua melhor alternativa era ficar quieta ao lado dele, não podia enfrentá-lo, ela ao menos tinha dinheiro para um táxi.
Será que ele sabia disso?
Será que sabia que se a deixasse ali ela provavelmente não teria meios de ir pra casa?
Será que ele ao menos lhe entregaria o celular dela que estava em seu bolso?
temeu as respostas à essas perguntas.
E no tempo que permaneceu sentada esperando que aquela noite acabasse e torcendo para que não tivesse que brigar para ir dormir em casa e não na casa de Augusto, pegou-se lembrando de quando fora àquele mesmo bar com .

*

Eu gostaria de dedicar essa música ao amor da minha vida sentado bem ali. - disse ao microfone, apontando para um morto de vergonha.
Quando disse que iria cantar uma música da Shania Twain, logo imaginou que fosse “Man! I feel like a woman!” e ainda recomendou que a amiga tivesse cuidado ao fazer a coreografia e não cair do palco.
No entanto, os acordes que se iniciaram pertenciam à romântica “You’re Still the One” que acabara de dedicar a ele para envergonhá-lo.
duvidava que ela seria bem sucedida na afinação, mas bem sucedida no fazer ele passar vergonha já fora.
— When I first saw you, I saw love. When the first time you touched me, I felt love. And after all this time, you're still the one that I love. - disse em um tom de voz que julgava sexy encarando o amigo roxo de vergonha e tentando não rir.
E durante aquela apresentação péssima no quesito voz, mas brilhante no quesito interpretação, e sentiram aquela música pensando, simultaneamente, que aquela letra se encaixava de certa forma ao relacionamento deles.
You're still the one I run to
(Você ainda é aquele para quem eu corro) The one that I belong to
(Aquele a quem eu pertenço) You're still the one I want for life
(Você é aquele que eu quero na vida) You're still the one that I love
(Você ainda é aquele que eu amo) The only one I dream of
(Aquele com quem eu sonho) You're still the one I kiss good night
(Você ainda é aquele que eu dou um beijo de boa noite)

*

pensou, pela primeira vez, ainda sentada naquele bar, que se nunca tivesse conhecido Augusto, ela e teriam evoluído, naturalmente, de amigos para amantes.
E ele teria a feito feliz.

estava feliz de estar em um relacionamento, mas não conseguia parar de pensar em como seria sua vida se Augusto não estivesse nela.

But now she's stuck deep in cement
(Mas agora ela está presa fundo no cimento) Wishing that they never ever met
(Desejando que eles nunca tivessem se conhecido)



Parte III

Eis que a mocinha recupera o que nunca deveria ter perdido, o controle de sua vida

(2015)

Se a intenção de Augusto era afastar e , ele havia conseguido.
Os amigos não se viam desde a noite que passou na casa dele.
Mas se a intenção dele era que esquecesse o amigo, ele havia falhado miseravelmente.
Depois de saber dos sentimentos de , parte do tempo estava pensando em quanto sentia falta do melhor amigo e na outra parte em como seria se os dois fossem um casal.
Embora não conseguisse, a garota tentava fazer com que sua cabeça parasse de pintar cenários em que seu namorado era , pois acreditava que isso não era normal. Uma pessoa feliz em seu relacionamento não deveria ficar imaginando outro relacionamento.
Será que eu estou feliz?
Será que Augusto me trata tão bem quanto me trataria?
Ela pensava continuamente e nunca chegava a uma conclusão.
— Eu estou tão confusa. - disse suspirando audivelmente.
— Disse alguma coisa, filha?
— Não, pai. Eu tô só pensando alto.
— O que é isso no seu braço? - senhor Paulo perguntou ao notar um sinal comprido e arroxeado no braço esquerdo da filha.
encarou o hematoma ao qual seu pai se referia e lembrou-se da força que Augusto usara para segurar seu braço na noite anterior.
— Não sei, pai. Devo ter batido em algum lugar.
Pelo menos, a uma conclusão chegou: não precisaria contar uma mentira daquelas ao pai se seu namorado fosse .

***


— Você pode ter convencido o papai com essa história de ter esbarrado em algo, mas a mim você não engana, . - Marília foi dizendo ao que entrou no quarto da irmã e fechou a porta. - Foi o Augusto, não foi? - a mais velha estremeceu de raiva ao citar aquele nome.
abaixou o livro que lia e encarou a irmã incapaz de responder-lhe.
Ela não queria dizer o que tinha acontecido e sabia que não seria capaz de mentir de novo.
— Por favor, , você sabe que pode contar comigo. - Marília aproximou-se da irmã e segurou uma das mãos dela. - Além disso, eu me lembro que há uns quatorze anos nós juramos de mindinho que contaríamos tudo uma a outra e você sabe o que dizem sobre juras de mindinho.
— Que é coisa de crianças? - sugeriu só pra implicar com a irmã.
— Não, sua boba. - riu dando um tapa na mão da caçula. - Elas não podem ser quebradas.
— Eu sei.
— Então… - Marília a incentivou.
— Antes que você diga qualquer coisa, ele não me bateu, ele só…
— Te segurou forte ao ponto de lhe causar um hematoma?
— Foi. - assentiu e abaixou a cabeça.
— E você acha que ele é incapaz de fazer mais do que isso?
se manteve calada, ela queria dizer que sim, que Augusto não seria capaz de machucá-la intencionalmente, mas não conseguiria convencer a irmã quando ela própria não estava convencida.
— Esse seu silêncio me mostra que você pensa como eu. É assim que as coisas se iniciam.
— Mas… Má, eu…
— Você e eu sabemos que ele é agressivo. - Marília pontuou. - Pode ter sido a primeira vez que ele te machucou, mas é a primeira vez que você sentiu medo dele?
meneou levemente a cabeça.
Ela já havia perdido as contas de quantas vezes havia sentido medo de que Augusto fizesse alguma coisa com ela ou com ele próprio.
Má admirava seu próprio controle naquele momento, ter aquela conversa fazia com que a raiva que sentia de Augusto aumentasse exponencialmente. No entanto, ela sabia que ir atrás daquele embuste e arrebentá-lo não resolveria a questão. Ela tinha que fazer a irmã enxergar o que estava acontecendo com ela.
— Você também já me disse que ele costuma quebrar coisas quando vocês brigam, isso também te assusta, não é? - assentiu. - E você não acha que essa é uma forma de ele te ameaçar?
A mais nova permaneceu quieta, nunca havia feito essa associação. — E é claro, ele já ameaçou se matar se você terminasse com ele. Você sabe que isso não é nem um pouco normal, não sabe, ?
— Sei.
— Você também acha que ele fez você se afastar dos seus amigos? Da sua família?
— Sim, ele até fingiu estar doente esses dias para eu não sair com a Karol e os garotos.
— Meu Deus.
— E ele sempre disse que você implicava tanto com ele, porque não admitia que sua irmã mais nova tivesse um namorado e você não.
Marília riu escandalosamente dessa última afirmação. Não queria, mas não conseguiu se controlar.
lembrou-se do quão fácil era se abrir com a irmã e sentiu um alívio imenso de partilhar aquelas coisas com outra pessoa.
— Uma última pergunta e eu juro que se você disser que sim, eu deixo minha “inveja” de lado e deixo o seu namoro em paz. - Má pegou as mãos da irmã e olhou em seus olhos, para saber se ela seria sincera ou não ao responder. - Você está feliz, ?
Diante da relutância de em responder e das lágrimas que escorreram do olhos dela, Marília envolveu a irmã em um abraço apertado.
— Você sabe o que tem que fazer agora, não sabe? - a irmã assentiu e intensificou o choro.
sentia medo, estava confusa e, finalmente, percebera o quão cega estivera.
— Não se preocupa, eu estou com você e vai dar tudo certo, eu prometo.
— De mindinho? - ergueu o dedo.
— De mindinho.

***


— Você quer o quê?!
— Terminar.
Três dias haviam se passado desde a conversa com Marília e sentiu-se confiante o bastante para terminar com Augusto.
Foram três dias em que ela ignorou o até então namorado e se dedicou a explicar para os amigos e família o que estava acontecendo e receber todo o apoio deles.
— Mas… O quê? Por quê? - Augusto só não gritava porque sua mãe e Marília estavam na sala no andar debaixo e esperava no carro em frente à casa.
não fora louca de ir até lá sozinha.
— Porque esse relacionamento não faz bem a nenhum de nós.
— O que eu fiz dessa vez? - Augusto disse já assumindo o papel de vítima, enchendo os olhos de lágrimas e a voz de desespero, numa interpretação que sempre convencia . - Não importa, eu vou mudar, , eu prometo que vou, mas eu preciso de sua ajuda.
— Eu já conversei com a sua mãe e a ajuda que você precisa é a de um profissional.
, querida, se o que você quer é que eu vá a um psicólogo eu vou, mas eu preciso de você nisso. Sem você eu não posso continuar. Você é tudo que eu tenho.
— Pode continuar sim e vai. - suspirou e desistiu de fazê-lo tentar entender.
Ela tinha que ir embora, mesmo depois de tudo o que conversara com sua irmã, pais e amigos, não era fácil dar um ponto final àquilo.
— Eu tô indo agora, Augusto. Passar bem.
nem ao menos tocara nos motivos que a levaram a terminar com ele. Não lhe mostrou o que tornava aquela situação tão abusiva, sabia que ele nunca admitiria e aquilo só seria ainda mais desgastante.
— Você sabe que não vai encontrar mais alguém que te ame como eu. - Augusto recorreu à outra postura para tentar convencê-la. - Você não é isso tudo que pensa que é, garota.
— Eu sou o suficiente para mim.
Augusto riu com escárnio e aproximando-se apertou o braço dela que ainda tinha um hematoma.
— Você não pode fugir assim, gracinha.
— Eu não estou fugindo e antes que você pense em fazer alguma coisa, eu fiz um mandado de restrição. - disse tirando um papel da bolsa e erguendo-o a altura dos olhos dele.
Ela fora até ali na esperança de não ter que mostrá-lo.
— É melhor pensar bem antes de se aproximar de mim de novo.
saiu daquele quarto sem olhar para trás e ao atravessar o gramado que separava aquela casa da rua, com sua irmã lhe abraçando, as lágrimas que saíram dos olhos dela eram consequências da felicidade que a liberdade lhe trouxe.

***


(2016)

— Toc, toc. , querida, podemos entrar?
— Mãe, pai, entrem.
Dois meses haviam se passado desde que havia terminado com Augusto.
— A que devo a honra dessa visita nos meus aposentos? - ela perguntou cheia de graça.
— Queremos conversar com você, filha. - a mãe disse adotando um tom sério, se ajeitou na cama para que eles pudessem se sentar.
— Sobre?
— O .
— O que tem ele?
— Você sabe que seu pai e eu amamos aquele menino. Vimos ele crescer, sabemos que ele é uma ótima pessoa e soubemos anos-luz antes de você que ele era apaixonado por você.
— Onde vocês querem chegar? - não se sentia muito confortável em discutir assuntos amorosos com os pais.
Achava meio estranho.
— O que sua mãe está querendo dizer é que nós percebemos a aproximação que vocês tiveram depois de… você sabe.
— A gente só voltou a ser como antes.
— Querida, nós não somos bobos. - sua mãe riu. - Sabemos que agora que você sabe dos sentimentos dele e que é recíproco, as coisas estão um pouco mais intensas.
nem ao menos tentou contradizer a mãe, sabia que embora nada tivesse acontecido de fato, era perceptível a aura romântica que envolvia ela e o amigo.
Sabia disso porque Má e Karol haviam lhe falado.
— Ainda não entendi onde vocês querem chegar.
— O negócio é que, embora aprovemos esse envolvimento de vocês, estamos preocupados. - Paulo disse. - Você mais que ninguém sabe que ainda está fragilizada com tudo o que passou.
— Eu estou me recuperando, pai.
— Eu sei, querida e estamos muito felizes. Nós só tememos que com essa aproximação de vocês, a sua recuperação e a sua felicidade sejam baseadas em outra pessoa. E por mais que o seja um ótimo rapaz, como sua mãe já disse, nós queremos que sua felicidade seja baseada em você mesma, compreende?
afirmou com um aceno de cabeça.
Ela sabia que deveria botar em prática o que dissera a Augusto no dia do término: ser suficiente para si mesma.
Ela deveria ser, verdadeiramente, feliz e amar a si mesma antes de se envolver em um relacionamento com outro.
— Por isso, nós queremos pedir que vocês esperem um pouco antes de engatar um relacionamento. - sua mãe completou. - Você tem que estar completa para viver todas as emoções que esse namoro vai lhe causar.
riu do que a mãe falara e abraçando os pais, agradeceu, silenciosamente, por tudo o que eles fizeram por ela.
Reerguer-se tornava uma tarefa mais fácil com pessoas como aquelas ao seu lado.

***


— Você acha que pode esperar? - perguntou a depois de contar a ele a conversa que tivera com seus pais.
— Claro que sim. - ele disse sincero e segurando o rosto dela entre as mãos. - Eu esperei catorze anos para que você me correspondesse, mais alguns meses não vão fazer tanta diferença assim.
— Eu te amo, .
— Achei que estávamos esperando.
— Eu não disse no sentido romântico, já te amo há muito tempo e você sabe.
— É, mas…
— Só cala a boca e diz que me ama também.
— Isso é meio impossível. - ele riu e sentiu o coração falhar uma batida quando ela sorriu de volta só para ele. - Eu te amo, e isso nunca vai mudar, nem agora nos meses que vamos passar afastados e muito menos nos vários anos que vamos passar casados.
— A gente nem namora e você já tá pensando em casar, que precipitado.
Os dois riram, do tom que ela adotou, da risada dele, mas ambos tinham aquela certeza meio inexplicável de que aquele casamento aconteceria um dia.

E se a intenção de Augusto era afastar e , ele havia conseguido, mas aquilo era temporário.

'Cause I used to be a shell
(Porque eu costumava ser uma concha)
Yeah, I let him rule my world, my world
(Sim, eu o deixava dominar o meu mundo, meu mundo)




Epílogo

(2022)

— Pérola? Tem certeza?
— Tenho, esse nome tem significados muito lindos, você sabe.
— Sei: pura, forte, brilhante como a lua. - recitou o que já tinha decorado de tanto ouvir a esposa dizer. - Mas é que é o nome da filha do Seu Sirigueijo.
— Sim e daí? - riu. - Você adora Bob Esponja.
— E daí aí que eu não sei.
Ele suspirou e acariciou mais uma vez uma barriga.
— Você concorda com a mamãe, não é bebê? Pérola é o nome perfeito pra você. - soltou um gritinho empolgado e pegou a mão do marido. - Olha, ela tá chutando, ela concordou.
, emocionado ao sentir os chutes da filha, admirou o sorriso de sua mulher, o mesmo sorriso que ele amava desde os seis anos de idade e decidiu que não havia porque contrariá-la, Pérola era mesmo o nome perfeito.
— Tá bom, tá bom, desisto. Se é o que vocês duas querem, Pérola é o que vai ser. Pode mandar sua mãe bordar as toalhinhas.
— Eu já fiz isso. Ops. - sorriu sapeca e uniu os seus lábios aos do marido antes que ele reclamasse.
E assim como o bebê que estava agitado dentro da barriga da mãe, aqueles dois não poderiam estar mais felizes.
But I woke up and grew strong
(Mas eu acordei e me tornei forte)
And I can still go on
(E eu ainda posso continuar)
And no one can take my pearl
(E ninguém pode tomar a minha pérola)





Fim!



Nota da autora: Oi, oi gente!
Muito obrigada por lerem essa minha história que eu espero ter feito ao menos, parcialmente, jus a essa música que é um hino e que é uma das faixas do meu álbum preferido do mundo.
Eu estou, realmente, muito honrada de participar desse ficstape e gostaria de pedir que vocês digam o que acharam da fanfic nos comentários, eu vou ficar imensamente feliz.
É isso, e pessoas lindas, se vocês, por acaso, não conhecerem Pearl, a música, escutem e sintam a emoção que essa música de letra maravilhosa passa. Aliás, já aproveitem e escutem a bíblia do pop, vulgo o Teenage Dream, toda de uma vez.
Beijos e até a próxima.






Nota da beta: Lembrando que qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.


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