Fanfic finalizada.

Capítulo Um — Amor Vincit Omnia

100 a.C (antes de Cristo) - Grécia Antiga

sentia seu nervosismo refletido em todas as partes de seu corpo. Suas mãos suavam como se estivesse trabalhando debaixo do sol europeu em pleno ápice do verão grego; seus batimentos frenéticos e descompassados ecoavam pelo silêncio da noite. Ansiava por encontrar sua amada uma vez mais, entretanto, o receio de serem avistados por alguém de seus povos ajudava nas batidas aceleradas do coração.
Sabia que o que fazia era errado, mas não se arrependia de suas escolhas, arrependia-se mentalmente apenas ao cogitar que poderiam ser descobertos.
possuía a noção de que era impossível que alguém os avistasse ali, encontravam-se nos limites da cidade, escondendo-se por entre os largos troncos espalhados na densa floresta que cercava o vilarejo de . Era uma rota quase que nunca usada — exceto por comerciantes e viajantes —, especialmente durante a noite.
A falta de iluminação também cooperava em auxílio com o jovem casal. Banhados somente pela luz do luar, era impossível reconhecê-los devido à distância e às vestimentas similares a de tantos outros moradores do singelo povoado.
Seu lado racional buscava agir da melhor forma, mas a culpa — presente não só no seu subconsciente — fazia com o que temesse pela vida de . Não estava arriscando só a si, arriscava também o futuro de — e ele nunca se perdoaria se algo acontecesse à sua amada.
Necessitavam manter-se afastados, não só ao longo do dia, como já faziam, mas à noite também. Era primordial que se afastassem e seguissem com suas vidas, mas não sabia que não conseguiria viver mais sem em sua vida, não após saber que todo o seu amor era mútuo na mesma intensidade.
Encontrava-se disposto a realizar qualquer feito para que não descobrissem de seu caso de amor escondido, mas negava-se a abandonar a única mulher que já amara com todo seu coração.
Ele pertencia a , sempre pertenceria, e não eram os imprevistos de seus passados que mudariam seu futuro.
Coabitava com Cibele, estava prometido a ela, mas não era a mulher que ele amava e ansiava passar o resto de sua vida ao lado.
— Um beijo por seus pensamentos. — A voz suave e melodiosa surgiu por trás de , fazendo-o abrir um largo sorriso e esquecer-se de todos os seus receios.
Não precisava virar-se para trás para reconhecer quem dirigia-se a ele, conhecia aquela voz extremamente bem — mesmo que tivesse a conhecido recentemente. Era a primeira voz que ouvia em sua mente ao dormir e ao acordar, era a voz que conseguiria distinguir no meio de uma multidão, era a voz que ocupava sua mente repetindo juras de amor.
Era a voz daquela que ele amava.
— Sabes que meus beijos são inteiramente seus, tão quão meus pensamentos — falou sincero, não se importando com o peso de suas palavras.
Não se sentia apressado, era como se conhecesse desde o início de sua vida — mesmo que se conhecessem apenas há pouco mais de um mês. Era como se em todos estes anos a jovem fosse a única peça faltante para sua completa felicidade.
E ali, ele estava quase chegando ao seu ápice de alegria.
— Não simpatizo com nossas realidades — exprimiu em tom melancólico.
A jovem amava de um modo que nunca achou possível amar qualquer pessoa. Era um sentimento tão intenso e ardente que ela sabia que, se por um infortúnio do destino, não terminassem juntos, seria completamente devastador.
— Almejo por beijar-te sempre que meus lábios ansiarem pelo toque macio dos seus, viso sua corporatura ao meu lado ao longo do dia, especialmente ao crepúsculo, para que dividas o leito junto a mim. — Os olhos expressivos encontravam-se fixados no chão. não possuía coragem para despejar aqueles pensamentos encarando , sabia que ele estava dando o seu melhor para que eles ao menos conquistassem um fragmento de seus verdadeiros desejos. — Cobiço sua companhia, mas capto sua realidade, sei que não podes ser inteiramente meu.
Em questão de segundos, o ar tornou-se rarefeito para . O viajante sentiu que seus pulmões não funcionavam como deviam, respirava ofegante e com dificuldade, de modo que seu coração retornasse às batidas descompassadas de minutos antes. Possuía a inteira convicção de que estava correta, ela merecia alguém que pudesse estar inteiramente — de corpo, alma e coração — ao seu lado, e, por infortúnio, ele não era esse felizardo.
Não conseguia mais imaginar sua vida sem a companhia da mais nova, sequer queria ser capaz de cogitar um dia onde — mesmo de longe, mantendo as aparências — não pudesse admirar a musa de seus sonhos.
Ali, parada à sua frente e com a face ainda fixa ao chão, estava a mulher de sua vida, e por mais que pertencesse a outra pessoa, era quem ele amava. Por este motivo, não necessitou de mais do que um pequeno intervalo de tempo para que um sopro — em seu ápice de coragem — saísse de seus lábios:
— Fuja comigo. — Foi tudo o que ousara falar.
A brisa noturna não era o suficiente para que o calor causado pelo nervosismo não o incomodasse, sentindo-se aflito e temoroso pelos próximos segundos — que pareceram os mais eternos, na visão do jovem amante.
— Liberte-se desta vida traçada para você, somos capazes de iniciarmos uma nova vida, em Roma, quem sabes. — Os olhos escuros abandonaram o chão, alcançando — com um brilho esperançoso no olhar — a imensidão verde que nunca lhe parecera tão luminosa quanto naquele instante. — Podemos iniciar uma nova vida longe de todos aqueles que condenam nosso amor, podemos ser só eu, você e o nosso amor pelo resto de nossos dias na terra.
— Isto me basta. — deu um passo à frente, os olhos marejados resplandeciam a felicidade que seu sorriso coberto pela vestimenta tampava. — Não me importo com o que possuo aqui, posso levar um tanto de meus pertences para não passarmos necessidades. Nada mais importa, a não ser a sua presença junto à minha.
sentia-se como se a qualquer momento seu corpo fosse entrar em combustão espontânea, tamanha era a bem-aventurança que vivenciava. , por outro lado, sentia-se daquele modo desde que encontrara junto ao seu povo, próximos ao templo ao qual ela costumava ir todos os dias. Amava-o com todo o seu ser e desejava que possuíssem uma chance de poderem demonstrar todo o amor sem que fossem julgados ou descriminados.
E ali, à sua frente, em uma noite de verão qualquer — que acabou se tornando a preferida de em sua curta vida —, estava disposto a largar sua vida e seu futuro para que ele e pudessem viver juntos.
Ela o amava desde o primeiro instante que seus olhos focalizaram o viajante, e ele a amava apenas por alguns segundos a menos, logo que observou a figura feminina que o encarava com demasiado interesse. Mas era, sem dúvidas, um caso de amor à primeira vista, que não demorou muito até virar um amor tão forte que os consumia inteiramente.
— Mas deixarás tudo para trás? — murmurou baixo, com receio da resposta de .
Compreendia a importância que sentia por seu povo, sabia do compromisso que ele necessitava honrar por Cibele, e isso a fazia se questionar se o amor que sentiam era o suficiente para que ele recomeçasse tudo por ela.
— A única coisa que me importa, está bem à minha frente. — A voz de entregava toda a sinceridade que ele sentia. — Com ti a meu lado, não me importo com o que será necessário deixar para trás.
abaixou o olhar — regressando-o para o chão —, ainda se sentia acanhada com algumas falas de . Ele a amava de uma forma tão intensa e sincera — sem sequer ter problemas para admitir a ela —, que , por vezes, temia que seus sentimentos não fossem o suficiente comparados aos de seu amado.
Ela não possuía experiências amorosas, ele era o seu primeiro e único amor.
Notando a reação de sua venerada companhia, não protelou em conduzir sua mão até o tecido róseo que lhe cobria quase que inteiramente a face. Abaixou sutilmente a veste, deixando-a repousar no pescoço de e observou minuciosamente os detalhes do rosto que ocupavam sua mente em tempo integral.
Sua mente era um local inteiramente seu, seu escape da realidade e o único lugar no qual ele possuía absoluto controle, mas desde o momento em que conheceu , era como se sua mente fosse inteiramente dela.
Poderia vasculhar sua mente por completo, mas onde quer que fosse, teria algo sobre , ou ao menos que o fizesse se recordar da única mulher que amou em seus curtos vinte e um anos.
A mão de tocou a bochecha lisa de , atraindo seu olhar para o do homem que a acariciava com afabilidade.
— Necessito deleitar-me de seus beijos. — O tom brando de saiu baixo, soando mais similar a um murmúrio do que como a necessidade que sentia.
sorriu deleitoso, sentia desejo para que seus lábios estivessem uma vez mais contra os de , mas apenas anuía após o aval de sua amada.
Posicionou as duas mãos no rosto de , apreciando a beleza incomparável dela. Os olhos escuros — nublados pelo anseio do beijo — acompanhavam atentamente a minuciosa apreciação de .
Não tardou para que o viajante diminuísse suas distâncias, colando os narizes pouco antes de finalmente entregar-se ao beijo.
não possuía palavras para descrever o contato de seus lábios, tampouco conseguia expressar o que sentia. A única coisa de seu conhecimento era que nenhum outro beijo se ajustava tão bem ao seu quanto o da mulher em seus braços.
Sabia que era casta, sequer tinha beijado qualquer outro homem em sua vida — e muito menos deveria estar o beijando —, mas ele era completamente o oposto.
Estava prometido para Cibele, já compartilhara muito mais do que apenas o toque de seus beijos, além do fato de que era um nômade, cigano, viajante ou como quer que as civilizações que conhecessem seu povo os nomeassem. Não possuíam uma crença e costumes tão fortes e obrigatórios como as outras culturas, não era como se precisasse aguardar uma relação estável com alguém para que demonstrasse seu afeto e interesse sem ser apedrejado pelo povoado. Motivo pelo qual alguns povos mantinham-se o mais longe possível dos viajantes, eles eram espíritos livres, nunca ficavam em um só lugar e criavam raízes.
E após dezoito anos de exata mesmice, também não queria criar raízes na Grécia, ao menos não onde passou sua vida inteira.
Ansiava por sentir a maresia abraçando ao atravessar um mar qualquer, apreciando a brisa do alvorecer e do crepúsculo, adormecendo encarando as estrelas e agora, mais do que tudo, passando o resto da vida com alguém que verdadeiramente a amasse.
E o beijo trocado era tão intenso quanto seus pensamentos não compartilhados.
— Eu poderia passar toda a minha eternidade com você e mesmo assim sequer sinto que fosse ser o suficiente — os lábios rúbeos devido ao fervor do beijo sopraram calmamente as palavras no ar, contra o rosto de seu amado.
Os olhos de brilharam tão quão as estrelas naquela noite.
— Passaria o resto de sua vida ao meu lado? — inquiriu ansioso. — Se fôssemos agraciados com a eternidade, escolheria partilhá-la junto a mim?
deixou que um riso baixo ocupasse o silêncio que os cercava, agraciada com a ansiedade de em uma fantasia irreal.
— Se os deuses nos agraciassem com tamanha felícia, não consideraria acatar com nenhuma pessoa além de ti — confidenciou o que sequer era um segredo. era o único homem que ela imaginava isto e ele sabia.
Os olhos de brilhavam em entusiasmo, — mesmos sem saber — tinha semeado uma ideia em sua mente. Não era um bruxo ou um feiticeiro, muito menos fora abençoado por um dos deuses, mas com um pouco de leitura, conseguia fazer coisas que outros povos não sabiam.
Tinha consciência de que não possuía conhecimento o suficiente para que realizasse um elixir de tamanho poder e eficiência, ao fazer aquilo, estaria brincando com a balança da vida. Entretanto, conhecia alguém que poderia manipular tal poder.
Só não fazia ideia de como solicitar para sua prometida uma bebida que lhe permitisse a imortalidade, já que não ansiava por compartilhá-la com Cibele, e, sim, com .

...


apressou-se para sair da tenda. A lua cheia brilhava no céu, iluminando as poucas cabanas espalhadas por aquele acampamento. Encarou a enorme esfera redonda no céu, que parecia estar poucos centímetros afastada do antigo e amplo salgueiro.
Estava na hora de ir, sabia disso.
Não se preocupou com o que pensariam ao lhe ver correndo, a única coisa que importava para ele naquele momento, era encontrar o mais rápido possível. Tinham marcado de se encontrarem na saída da cidade — após beberem separados seus elixires para a imortalidade —, afastados dos olhares curiosos e das ameaças que os cercavam.
Iriam fugir naquela noite após se tornarem imortais, viveriam por toda a eternidade juntos, desfrutando do amor que nutriam um pelo outro.
parou de correr ao observar a estrada de terra há poucos passos à sua frente, tinha chegado até a saída da cidade. Permaneceu ali, parado — com o coração batendo a milhas — e encarando atentamente ao seu redor, esperando ansiosamente por . Sabia que sua amada estava receosa, tinha medo de que fossem pegos — medo esse que ele também compartilhava —, mas tinha total noção de que ela não o abandonaria.
Afinal, não existia nada mais puro do que o amor dos dois.
A inclinação da lua mostrava que estava atrasada. conhecia a jovem extremamente bem para saber que ela não se atrasaria, muito menos em um dia como aquele. O dia em que eles finalmente estariam livres para se amarem sem nenhum empecilho.
Vagou por entre as árvores, seguindo o caminho pelas sombras da noite para que ninguém o enxergasse. Locomoveu-se pela rota que lhe era demasiadamente conhecida — devido as diversas vezes que fugia no alto da noite para poder encontrar algumas vezes em sua moradia. Porém, naquela noite, tinha um sentimento desconhecido percorrendo seu corpo conforme se aproximava da morada de seu amor.
Possuía o presságio de que algo estava errado.
Franziu o cenho ao notar todas as velas acessas e a porta de madeira aberta. Mordeu o lábio inferior e respirou fundo, criando coragem para adentrar o local e dissipando de sua mente a preocupação. Porém o aperto em seu peito continuava presente e sua respiração acelerada denunciava o seu nervosismo.
Adentrou o local e estancou poucos passos após cruzar o batente da sala. Sentiu o aperto em seu coração aumentar e todo o sangue parar de circular por seu corpo.
Estava em choque ao observar o corpo desfalecido de jogado de qualquer jeito sobre a cadeira.
Saiu do transe apenas quando a mulher virou sutilmente a cabeça em sua direção, deixando um suspiro fraco sair pelos lábios sem cor. correu em direção ao corpo da amada, tomando-o nos braços com cuidado e abraçando-a conforme se acomodava no chão, próximo de onde estava antes.
O corpo de tremia sutilmente contra o tronco frio de . A respiração fraca e entrecortada da mulher batia contra o peitoral do amado. Os olhos femininos estavam fracos devido a todo esforço para mantê-los abertos — após todo o sangue perdido —, porém permaneciam fixos na face do homem que ela tanto amava. Sorriu fraco, o máximo que sua condição lhe permitia, e sentiu o gosto metálico por todo seu paladar.
— Você bebeu? — questionou de modo desesperado ao notar o cálice vazio.
Recebeu como resposta um simples balançar de cabeça em sinal positivo.
— Mas como... — deixou a pergunta morrer no ar ao observar a peônia branca pousada sutilmente em sua direção.
Sabia exatamente o que estava acontecendo.
Aumentou a intensidade do abraço, sentindo os olhos lacrimejaram ao compreender que aquilo tudo era sua culpa. estava morrendo e a culpabilidade era inteiramente sua. Amaldiçoou a si mesmo mentalmente.
Ele estava a perdendo, sabia disto.
Não compreendia como estava morrendo, mesmo após tomar a poção da imortalidade, mas sabia quem tinha feito aquilo com ela. Sentiu a mão trêmula e feminina pousar sutilmente em seu rosto, atraindo sua atenção para a face pálida de sua amada.
— Eu te amo — falou com dificuldade, o tom de voz não era nada mais do que um simples sussurro.
— Eu te amo — repetiu e notou o sorriso fraco nos lábios da amada. — Por toda a eternidade.
Não conteve o choro ao sentir a mão de abandonar seu rosto e a respiração fraca cessar. Deixou que as lágrimas rolassem por sua face, nada mais importava naquele momento, tinha acabado de perder o amor de sua vida.
Apoiou o rosto de na curva de seu pescoço e gritou.
Gritou o mais alto que conseguia, sem se importar com a atenção que atrairia.
A mulher que amava estava em seus braços, morta, por sua culpa. O peso em seu coração era enorme.
Estava sem , sabia que nunca mais amaria alguém como amou aquela mulher, com todo o seu ser. Encontrava-se perdido, sem rumo, mas agora estava obrigado a viver sozinho por toda a eternidade.

Amor Vincit Omnia: do grego “O amor vence tudo”.


Capítulo Dois — Hexefuss

847 d.C (depois de Cristo) – Escandinávia

Após séculos de sofrimento — afogado não apenas em seus pensamentos —, Hakon, antigamente conhecido como , compreendia que a imortalidade não era uma benção. Arrependia-se do fundo de sua alma — e sabia que se arrependeria por toda a eternidade — pelo erro que cometera ao ousar brincar com as leis do destino.
Conseguira a imortalidade — a qual tentou abdicar de qualquer maneira, desde que perdera tudo ao qual amava na Grécia, mas nada era incapaz de lhe tirar a vida —, mas o preço que pagava por ele era algo que não valia a pena.
Contudo, se ainda estivesse ali, viva e em seus braços, tudo valeria a pena. Mas ela não estava, e Hakon carregaria aquela dor até o fim da sua existência, que ele sequer sabia quando ocorreria — e se ocorreria.
Encarando a imensidão azul do mar, o homem sentia os calafrios percorrerem por seu corpo, que se tencionava com as memórias que ainda se encontravam demasiadamente vivas em sua memória. Suas mãos trêmulas e escorregadias seguravam com força a madeira próxima a si, com receio de que a qualquer momento o barco poderia jogá-lo nas águas frias do oceano.
Procurava recomeçar sua vida novamente, o que o levou até as terras nórdicas. Não via problemas em participar dos saqueamentos e das invasões, muito menos das guerras travadas pelo exército pagão. Não era como se fosse morrer, pelo contrário, a dor apenas servia para o fazer se sentir o mais perto possível de algo que não fosse tristeza e arrependimento.
A dor ao menos o fazia se sentir vivo.
Deparou-se com os nórdicos em um exíguo vilarejo, poderia contar com facilidade as casas espalhadas pelo pequeno território, mas o que chamou sua atenção fora a embarcação viking ancorada próxima à faixa de areia. Não se delongou em convencê-los de que era um bom guerreiro, as marcas de cicatrizes em sua pele provavam suas palavras, por mais que as causas de suas flagelações fossem devidas apenas às guerras que enfrentava em sua mente.
Sentiu o balançar do mar abaixo de seu corpo parar, despertando-o para a realidade, notando o navio atracado próximo à areia novamente, mas desta vez em um vilarejo quase seis vezes maior do que o anterior.
— Hakon. — Demorou algum tempo para que o homem notasse que se dirigiam a ele.
Vivenciou uma queimação ruim em sua garganta, sentindo a estranheza que era ser chamado por um nome que, até então, não era seu. Respirou fundo, mentalizando que precisaria acostumar-se com o fato de que, ao longo de suas vidas, teria muitos nomes. Ao menos, poderia escolhê-los.
— Sim — contentou-se em redarguir, direcionando o olhar na direção de onde a voz tinha soado.
Compreendeu no momento seguinte o motivo pelo qual seu nome fora chamado. Boa parte dos homens já tinham desembarcado, e agora o nativo esperava que o viajante fizesse o mesmo.
Ubbe possuía consciência de que o homem — por mais que compreendesse seu idioma — não era um nativo, mas sequer parecia uma ameaça das terras que eles tentavam conquistar. Por isto, não relutou em aceitar que o homem retornasse com eles para a casa. Quanto mais pessoas dispostas a lutar, melhor para eles.
— Creio que ainda temos uma morada vaga — Ubbe falou, pondo-se a andar ao pisar a terra, sendo seguido por Hakon. — Os antigos morados morreram em uma invasão recente, espero que isto não o incomode.
Hakon contentou-se em dar de ombros, demonstrando o pouco caso que achava sobre o fato.
— Todos morremos, não é mesmo? — questionou em um murmúrio ácido, um sorriso estampava seus lábios, mas ele sequer achava graça em suas próprias palavras. — Serei eternamente grato por acolher-me.
— Agradeça no próximo confronto. — Foi tudo o que o outro disse.
Adentraram a simples construção. Para Hakon, acostumado anteriormente por tendas e cabanas, aquela pequena casa poderia ser considera uma mansão. Deixou um sorriso melancólico ao parar próximo ao único batente que separava os dois cômodos da casa. Se fechasse os olhos, poderia enxergar com perfeição o corpo fraco e ensanguentado de jogado mais à frente. A construção não possuía um mísero detalhe que ousasse ser similar à da Grécia, mas, ainda assim, sua mente cismava em mostrar que ele nunca superaria aquela cena.
— Podes encontrar-se com Sigrid mais tarde, creio que ela adorará guiá-lo por nossas terras. — E, dito isto, Ubbe saiu, sem sequer falar para ao menos onde ele poderia encontrar a tal mulher ou como era sua aparência.
Ponderou por meros segundos a ideia de procurar pela mulher, mas o cansaço que dominava seu corpo o impediu, ainda se encontrava tenso devido à viagem no mar. Empurrou a pequena porta de madeira, impedindo a claridade de adentrar o local, e caminhou até a cama improvisada, acomodando-se ali mesmo e não demorando a entregar-se ao sono.
Odiava dormir, os momentos em que alcançava a inconsciência eram os piores de todos, pois naquelas horas não conseguiria impedir que seus pensamentos não o assombrassem. Sua própria mente ria dele, repetindo incontáveis vezes as lembranças que o desestabilizavam.
Observou o corpo sem vida de em seus braços, o cálice vazio e a peônia branca esquadravam-se em sua visão. Seu coração pesava toneladas, suas mãos apertavam firmemente o corpo da jovem contra o seu, rezando para os deuses que eles ouvissem seu clamor, mas o único som que de fato era escutado eram os soluços de , que se intercalavam entre o choro alto.
— gritou mentalmente, acordando logo em seguida e sentando-se do melhor modo que pôde.
Suas mãos e seu rosto estavam suados, grossas lágrimas molhavam seus lábios e seu coração ainda pesava tão quanto no sonho. Os lábios entreabertos após murmurar o nome de sua amada logo tornaram-se uma linha fina ao encarar a porta de sua nova moradia aberta.
Secou as mãos como pôde em suas vestes e levantou-se, procurando a quem pertencia a presença não convidada. Não demorou a encontrar uma mulher de costas para ele, parada próxima à única mesa dentro do cômodo.
O vestido azul cobria-lhe todo o corpo, um cinto de couro amarrado à sua cintura fazia com o que a veste acompanhasse a proporção do corpo feminino, o mesmo material de couro estava presente em seus pulsos, que agora pousavam ao lado de seu corpo.
Notando a presença atrás de si, a jovem virou-se, abrindo um sorriso no rosto ao visualizar o novo morador.
— Não desejava acordar-te, apenas imaginei que deverias estar faminto. — Hakon piscou algumas vezes, forçando a sua mente a funcionar.
Aquilo deverias ser um mero sonho, ou então tinha se entregado à completa loucura, pois seus olhos enxergavam à sua frente.
A pele estava levemente mais escura — provida pelo tempo que a jovem gastava trabalhando com o sol em sua cabeça —, os cabelos longos outrora lisos ostentavam tranças em toda extensão de sua raiz, algumas chegando até o fim dos fios, enquanto boa parte do cabelo estava solto e com uma aparência frisada. A inocência de não estava presente no olhar que lhe estava fixado, apenas a curiosidade que brilhava em suas íris era familiar, no entanto, um outro brilho estava presente ali, embora Hakon não soubesse identificar o que era, ele apreciava.
— Perdoe-me, sou Sigrid. — A mão foi estendida em sua direção, fazendo o homem apertá-la em cumprimento. — Ubbe falou que lhe encontrou pelas redondezas e que estavas a ficar aqui, achei melhor providenciar algo para lhe saciar a fome.
Sigrid.
O nome ainda ecoava em sua mente, como pudera aquela mulher de aparência tão familiar não ser ? Seria ela uma descendente da longa linhagem de sua eterna amada? Eram demasiadamente similares para ao menos não compartilharem um mísero laço sanguíneo.
Era como se estivesse ali à sua frente — como se ela nunca tivesse estado morta — e eles seguissem sua vida ao redor do mundo, mudando-se sempre que todos ao redor envelhecessem, assumindo novas vidas e novos nomes em um lugar distante o suficiente do anterior para que ninguém os reconhecesse.
— Hakon. — Foi tudo o que conseguiu dizer, com os olhos ainda presos no olhar tão similar, e ao mesmo tempo tão diferente, que ocupava sua mente.
Observou o movimento suave que a mulher fez com a mão, indicando a refeição posta à mesa.
Sua mente ainda insistia em lhe dizer que aquilo era apenas ilusão. Hakon ainda estava sonhando com , idealizando como seria tê-la ali ao lado dele, agora que ele finalmente começava uma nova vida.
Sonhando ou não, a boca de Hakon salivou ao encarar os alimentos postos à mesa. Estava demasiadamente faminto, sequer lembrava-se da última vez que uma boa refeição passou por seu paladar.
— Importa-se se eu o acompanhar? — Sigrid questionou, ao observar Hakon sentar-se em uma cadeira.
— Creio que estejas habituada a esta construção mais que eu, não seria certo mandá-la embora apenas por minha presença ocupando o recinto. — Hakon deu um sorriso travado.
Não desejava ser rude, principalmente com alguém de aparência tão semelhante à de seu amor, mas receava que se manter próximo à mulher podia fazer com o que ele acabasse a comparando — ainda mais — com . Ansiava conhecer melhor a mulher à sua frente, questioná-la em busca das respostas que ele queria, mas que sequer sabia se a mulher também as possuía.
— Não consegui conter toda a minha curiosidade ao ser de meu conhecimento que abrigaríamos um novo morador. — Hakon mastigou o pão que lhe fora entregue, fixando novamente seu olhar nos olhos castanhos que brilhavam de forma única. — Não és comum isto aqui, não fazes parte de meu habitual. De onde és?
Hakon pensou por alguns segundos, mas o olhar interessado de Sigrid não o proporcionava escolhas além de dizer a verdade.
— Grécia. — O pesar no peito tornou-se presente outra vez, mas tornou-se levemente mais suportável quando um brilho maravilhado apareceu nos olhos de Sigrid. — Conheces lá? — Não conseguiu conter a curiosidade, recebendo um singelo gesto de cabeça negativo.
Hakon suspirou baixo.
— Anseio o dia que poderei velejar até lá — confidenciou, com os olhos e a voz transbordando expectativa e animação. — Sinto-me estranhamente interessada por aquela terra. Sequer sei o verdadeiro motivo para tamanho interesse meu.
Hakon preparou-se para responder, mas o som grave do lado de fora chamando por Sigrid fez com o que ele se calasse, observando a jovem levantar-se em um pulo da cadeira.
— Preciso cumprir com minhas obrigações, devo ir. — Pousou uma pulseira de couro com o relevo de uma estrela de seis pontas na mesa, arrastando-a até próxima à mão de Hakon. — Para lhe proteger.
Hakon segurou a peça de couro em suas mãos, sentindo-se intrigado com Sigrid, mas não demorou para que prendesse a pulseira ao redor de seu pulso. Não sabia o que o destino lhe reservava, sequer sabia se estava pronto, mas sabia que só de poder encarar o rosto familiar de Sigrid, as coisas seriam mais fáceis.

Hexefuss: “Estrela de Holda”, símbolo mágico de proteção, na forma de uma estrela de seis pontas ou como a estilização do floco de neve.


FIM



Nota da autora: Sem nota.



Nota da beta: Nossa, eu to de boca aberta para essa história. Fiquei simplesmente apaixonada por cada detalhezinho dela e com certeza que saber mais sobre o amor desses dois.
Sofri horrores com o pp vendo que não deu certo o lance da imortalidade e aí deu o quentinho quando a pp apareceu.
Maravilhosa demais! ♥

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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